‘O que se está chamando de exceções na reforma tributária é tratamento preconceituoso’, diz Bichara


Segundo o procurador especial tributário do Conselho Federal da OAB, tratamento diferenciado é legítimo e segue modelo de outros países

Por Adriana Fernandes
Atualização:
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Entrevista comLuiz Gustavo Bicharaprocurador especial tributário do Conselho Federal da OAB

BRASÍLIA – Um dos tributaristas mais atuantes nas negociações da reforma tributária no Congresso e procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Gustavo Bichara afirma que a indefinição sobre quais produtos e serviços poderão ser taxados pelo novo Imposto Seletivo (IS) distorce o cálculo do impacto da proposta na carga tributária do País nos setores e atividades econômicas.

A incidência do IS, conhecido como “imposto do pecado”, é um dos temas mais polêmicos nas negociações da reforma no Senado, porque há um temor das empresas de que ele possa ser usado com viés arrecadatório. Os produtos e serviços que serão taxados só serão conhecidos na regulamentação da reforma, após a aprovação da PEC.

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Ao Estadão, ele diz que há um grande preconceito na discussão sobre o aumento da lista exceções – setores beneficiados com alíquota reduzida. Segundo ele, esse tratamento diferenciado é legítimo.

Bichara critica o fato de, nas negociações da reforma, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação”, afirma ele, que rejeita até mesmo o uso da palavra exceção para quem tiver redução da alíquota.

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Segundo o tributarista, há setores que, por suas peculiaridades, precisam desse tratamento diferenciado. Ele cita o caso de bens recicláveis, que ficaram de fora da lista de exceções. “Ninguém vai comprar um bem reciclado, porque ele vai custar três vezes mais do que um bem novo”, afirma. “Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de redução de emissões, a reforma deverá ter um olhar para o meio ambiente”, alerta.

Para ele, não há nenhuma razão para fazer a votação à base de “rolo compressor”. Ele critica o fato de, nas negociações, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Como o sr. está vendo a negociação da reforma tributária no Senado nesta reta final?

Está bem mais serena do que na Câmara. Na Câmara, parecia um exército de um homem só, o deputado Aguinaldo Ribeiro (relator). O assunto está sendo debatido na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) também, e as audiências públicas foram frutíferas. O que a gente nota é que, nas conversas individuais, os senadores estão muito interessados no assunto, se aprofundando. Está caminhando bem e havendo a necessária maturação. É um tema muito complexo.

Como isso impacta na tramitação?

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A intenção inicial do governo era a de que a tramitação fosse muito rápida; e acabou que, felizmente, isso não aconteceu. O relator (Eduardo Braga), que é um senador experiente e preparado, alongou as discussões – e fez muito bem. Quanto mais debate, mais reflexão, melhor ficará o texto. Está sendo muito bom o papel do Senado, porque nós não podemos fazer uma mexida dessa relevância na pressão, da noite para o dia. Não dá. Devemos discutir o tema até se esgotar no Senado. Acho ruim essa pressão de “tem que votar em novembro”.

Se a votação ficar para o ano que vem, será mais difícil aprovar, não?

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Para mim, não tem diferença nenhuma votar em fevereiro, março. Uma coisa importante é que, a cada dia que passa, nós que trabalhamos nesse assunto vamos descobrindo novos problemas que não estão endereçados do ponto de vista técnico. Não tem nenhuma razão para fazer as coisas no rolo compressor.

Há um compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o governo federal de votar a reforma ainda neste ano.

Sim. Eu compreendo a lógica política, mas o próprio desenrolar da tramitação no Senado vem mostrando que há muitos detalhes para a gente discutir.

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Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies

Há uma preocupação de que o texto no Senado saia com mais exceções de alíquota diferenciada. E os tributaristas, o grupo do qual o sr. faz parte, estão pedindo mais exceção. Como se faz esse equilíbrio?

Eu discordo dessa compreensão de que são exceções. No mundo inteiro, há alíquotas diferenciadas do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A Inglaterra, Alemanha, Itália têm quatro. A França tem cinco. A Europa inteira tem alíquota diferenciada de IVA. Esse é o modelo natural. É claro que nós podemos discutir que setores terão alíquota diferenciada. Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação. Não estou falando que tem que ser a bagunça que é o ICMS hoje. Mas algumas alíquotas – três, quatro, cinco – eu acho que é natural.

Mas, com muitos setores com alíquota diferenciada, o imposto vai aumentar para os demais que ficarão com a alíquota-padrão, não?

Veja esses cálculos que foram apresentados ao Senado (pelo Ministério da Fazenda). Parece um pouco aquela estratégia de colocar a faca no pescoço. Existem vários elementos que indicam a imprecisão dessas previsões. Vou citar alguns. Por exemplo: o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O impacto necessariamente pressupõe a definição desses setores, o que não aconteceu. Não dá para fazer a conta. Além disso, há outros inúmeros setores, como se sabe, que tiveram seu tratamento delegado para a lei complementar. Por exemplo: bancos, cooperativas, sociedades de crédito.... Como se faz um estudo de impacto tributário sem saber o tratamento desses setores?

A sua avaliação é de que o valor da alíquota do IVA entre 25,45% e 27% com a proposta aprovada na Câmara não representa a realidade?

O que está sendo ignorado é que não existe uma alíquota. Existem três sub-alíquotas que vão depender da onde estiver o contribuinte. Tem uma alíquota municipal, estadual e federal. É impróprio falar de uma alíquota só. A alíquota de Rondônia pode não ser a mesma de São Paulo. Essa estratégia de falar quanto mais exceções, maior será a alíquota modal (padrão) não passa de uma tática de negociação do governo.

Por que seria? Afinal, se alguns pagam menos e a carga não pode aumentar, outros terão que pagar mais.

É impossível ou quase impossível a gente fazer hoje uma previsão de arrecadação considerando a imprecisão de cenários que a própria PEC endereça.

Diante desse cenário tão impreciso, que depende da regulamentação, não é melhor diminuir as exceções?

Não. Vou dar o exemplo do turismo. A alíquota média do turismo nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 11%. Por que nós vamos tributar aqui a 25%, 26%, 27%? Só se a gente não quiser turismo no Brasil. Existe recomendação da própria OCDE dizendo que as atividades potencialmente geradoras de emprego, como o turismo, deverão ter alíquota reduzida. A experiência mundial indica para um tratamento diferenciado.

Pode dar mais um exemplo?

Outro exemplo: bens reciclados. Toda a teoria do Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária) é de que a tributação não pode ser indutora da decisão de consumo do contribuinte. Compreendo, mas essa tese não pode ser aplicada de forma reducionista. Se não houver uma tributação diferenciada, ninguém vai comprar um bem reciclado que custa em média três vezes mais do que um bem normal, pois há todo um custo de logística reversa. Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de emissão de poluentes, tem que reciclar – e, para reciclar, não pode ter tributação cheia, como está no texto da Câmara.

Qual outro problema o sr. considera que precisa ser resolvido no Senado?

Nós passamos todo o trâmite da proposta na Câmera com a equipe econômica garantindo que não ia tributar investimento. E aí vem a PEC prevendo que uma lei complementar vai tratar da redução dos impactos da tributação sobre os investimentos. Isso é péssimo. Precisamos dar segurança jurídica para o investidor. Não é possível que tenhamos tributação sobre investimento no Brasil. Isso não tem que ser tratado em lei complementar, mas desonerado já na Constituição, como medicamentos, saúde menstrual e outros. Tem assuntos que precisam ser mais discutidos. O que se está chamando de exceções é um tratamento preconceituoso. Não são exceções. É um tratamento adequado como é no mundo inteiro. Esse conversa de que alíquota única é melhor é tese de quem só se preocupa com a arrecadação.

Há uma crítica, por exemplo, sobre bares e restaurantes, parques temáticos e outros ficarem com tratamento diferenciado, como aprovado na Câmara.

Eu não quero me meter a apontar que setores eventualmente precisam de tratamento diferenciado ou não. Eu, por exemplo, não vejo razão para a receita oriunda de futebol ter uma alíquota diferenciada. No entanto, esporte está beneficiado. Essa discussão dos setores com alíquota diferenciada é legítima. Tem que ter alíquota diferenciada porque esse é o exemplo mundial.

Mas, afinal, o Brasil terá a maior alíquota-padrão do mundo?

Esse negócio de que hoje (antes da reforma) já temos a maior alíquota é uma falácia, uma meia verdade. Pode ter uma ou outra operação que é altamente tributada, como telecomunicações. Tem que lembrar do brutal aumento da alíquota para serviços comparada com o que temos . Vamos, sim, para a maior alíquota do mundo. Não há dúvida.

O sistema de débito e crédito do modelo do novo IVA não vai funcionar?

Vai funcionar para quem tem cadeia longa, para quem tem muito insumo. Para as empresas que têm cadeia curta não adianta muito a tomada de crédito; vai ser aumento na veia. Não há nenhuma dúvida de que esse tributo vai onerar a ponta final, que é o consumidor. Vamos ter um aumento de preços relativo bastante relevante.

Com as disputas entre os Estados para a divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, há dúvidas sobre se a Câmara vai referendar as mudanças do Senado quando a PEC voltar para lá para nova votação. Como avalia esse risco?

Eu tenho a impressão de que, passando no Senado, haverá uma acomodação rápida na Câmera. Eu gostaria que tivessem a mesma preocupação com os contribuintes do que se tem em nível federativo. Nós vemos uma grande discussão entre União, Estados e municípios para ver como eles vão repartir a arrecadação, mas muita pouca gente preocupada com quem paga a conta: o contribuinte.

Como se resolve isso?

Isso se resolve com uma participação efetiva da sociedade no processo nas negociações. Felizmente, é o que temos visto no Senado Federal. Tenho certeza de que a PEC sairá de lá aprimorada.

O que acha da proposta de uma trava para o Imposto Seletivo?

Acho que poderia haver uma trava que seria, por exemplo, correspondente à alíquota-padrão do IVA. É uma ideia muito boa, e que chegou a ser debatida na Câmara.

BRASÍLIA – Um dos tributaristas mais atuantes nas negociações da reforma tributária no Congresso e procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Gustavo Bichara afirma que a indefinição sobre quais produtos e serviços poderão ser taxados pelo novo Imposto Seletivo (IS) distorce o cálculo do impacto da proposta na carga tributária do País nos setores e atividades econômicas.

A incidência do IS, conhecido como “imposto do pecado”, é um dos temas mais polêmicos nas negociações da reforma no Senado, porque há um temor das empresas de que ele possa ser usado com viés arrecadatório. Os produtos e serviços que serão taxados só serão conhecidos na regulamentação da reforma, após a aprovação da PEC.

Ao Estadão, ele diz que há um grande preconceito na discussão sobre o aumento da lista exceções – setores beneficiados com alíquota reduzida. Segundo ele, esse tratamento diferenciado é legítimo.

Bichara critica o fato de, nas negociações da reforma, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação”, afirma ele, que rejeita até mesmo o uso da palavra exceção para quem tiver redução da alíquota.

Segundo o tributarista, há setores que, por suas peculiaridades, precisam desse tratamento diferenciado. Ele cita o caso de bens recicláveis, que ficaram de fora da lista de exceções. “Ninguém vai comprar um bem reciclado, porque ele vai custar três vezes mais do que um bem novo”, afirma. “Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de redução de emissões, a reforma deverá ter um olhar para o meio ambiente”, alerta.

Para ele, não há nenhuma razão para fazer a votação à base de “rolo compressor”. Ele critica o fato de, nas negociações, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. está vendo a negociação da reforma tributária no Senado nesta reta final?

Está bem mais serena do que na Câmara. Na Câmara, parecia um exército de um homem só, o deputado Aguinaldo Ribeiro (relator). O assunto está sendo debatido na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) também, e as audiências públicas foram frutíferas. O que a gente nota é que, nas conversas individuais, os senadores estão muito interessados no assunto, se aprofundando. Está caminhando bem e havendo a necessária maturação. É um tema muito complexo.

Como isso impacta na tramitação?

A intenção inicial do governo era a de que a tramitação fosse muito rápida; e acabou que, felizmente, isso não aconteceu. O relator (Eduardo Braga), que é um senador experiente e preparado, alongou as discussões – e fez muito bem. Quanto mais debate, mais reflexão, melhor ficará o texto. Está sendo muito bom o papel do Senado, porque nós não podemos fazer uma mexida dessa relevância na pressão, da noite para o dia. Não dá. Devemos discutir o tema até se esgotar no Senado. Acho ruim essa pressão de “tem que votar em novembro”.

Se a votação ficar para o ano que vem, será mais difícil aprovar, não?

Para mim, não tem diferença nenhuma votar em fevereiro, março. Uma coisa importante é que, a cada dia que passa, nós que trabalhamos nesse assunto vamos descobrindo novos problemas que não estão endereçados do ponto de vista técnico. Não tem nenhuma razão para fazer as coisas no rolo compressor.

Há um compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o governo federal de votar a reforma ainda neste ano.

Sim. Eu compreendo a lógica política, mas o próprio desenrolar da tramitação no Senado vem mostrando que há muitos detalhes para a gente discutir.


Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies

Há uma preocupação de que o texto no Senado saia com mais exceções de alíquota diferenciada. E os tributaristas, o grupo do qual o sr. faz parte, estão pedindo mais exceção. Como se faz esse equilíbrio?

Eu discordo dessa compreensão de que são exceções. No mundo inteiro, há alíquotas diferenciadas do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A Inglaterra, Alemanha, Itália têm quatro. A França tem cinco. A Europa inteira tem alíquota diferenciada de IVA. Esse é o modelo natural. É claro que nós podemos discutir que setores terão alíquota diferenciada. Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação. Não estou falando que tem que ser a bagunça que é o ICMS hoje. Mas algumas alíquotas – três, quatro, cinco – eu acho que é natural.

Mas, com muitos setores com alíquota diferenciada, o imposto vai aumentar para os demais que ficarão com a alíquota-padrão, não?

Veja esses cálculos que foram apresentados ao Senado (pelo Ministério da Fazenda). Parece um pouco aquela estratégia de colocar a faca no pescoço. Existem vários elementos que indicam a imprecisão dessas previsões. Vou citar alguns. Por exemplo: o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O impacto necessariamente pressupõe a definição desses setores, o que não aconteceu. Não dá para fazer a conta. Além disso, há outros inúmeros setores, como se sabe, que tiveram seu tratamento delegado para a lei complementar. Por exemplo: bancos, cooperativas, sociedades de crédito.... Como se faz um estudo de impacto tributário sem saber o tratamento desses setores?

A sua avaliação é de que o valor da alíquota do IVA entre 25,45% e 27% com a proposta aprovada na Câmara não representa a realidade?

O que está sendo ignorado é que não existe uma alíquota. Existem três sub-alíquotas que vão depender da onde estiver o contribuinte. Tem uma alíquota municipal, estadual e federal. É impróprio falar de uma alíquota só. A alíquota de Rondônia pode não ser a mesma de São Paulo. Essa estratégia de falar quanto mais exceções, maior será a alíquota modal (padrão) não passa de uma tática de negociação do governo.

Por que seria? Afinal, se alguns pagam menos e a carga não pode aumentar, outros terão que pagar mais.

É impossível ou quase impossível a gente fazer hoje uma previsão de arrecadação considerando a imprecisão de cenários que a própria PEC endereça.

Diante desse cenário tão impreciso, que depende da regulamentação, não é melhor diminuir as exceções?

Não. Vou dar o exemplo do turismo. A alíquota média do turismo nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 11%. Por que nós vamos tributar aqui a 25%, 26%, 27%? Só se a gente não quiser turismo no Brasil. Existe recomendação da própria OCDE dizendo que as atividades potencialmente geradoras de emprego, como o turismo, deverão ter alíquota reduzida. A experiência mundial indica para um tratamento diferenciado.

Pode dar mais um exemplo?

Outro exemplo: bens reciclados. Toda a teoria do Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária) é de que a tributação não pode ser indutora da decisão de consumo do contribuinte. Compreendo, mas essa tese não pode ser aplicada de forma reducionista. Se não houver uma tributação diferenciada, ninguém vai comprar um bem reciclado que custa em média três vezes mais do que um bem normal, pois há todo um custo de logística reversa. Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de emissão de poluentes, tem que reciclar – e, para reciclar, não pode ter tributação cheia, como está no texto da Câmara.

Qual outro problema o sr. considera que precisa ser resolvido no Senado?

Nós passamos todo o trâmite da proposta na Câmera com a equipe econômica garantindo que não ia tributar investimento. E aí vem a PEC prevendo que uma lei complementar vai tratar da redução dos impactos da tributação sobre os investimentos. Isso é péssimo. Precisamos dar segurança jurídica para o investidor. Não é possível que tenhamos tributação sobre investimento no Brasil. Isso não tem que ser tratado em lei complementar, mas desonerado já na Constituição, como medicamentos, saúde menstrual e outros. Tem assuntos que precisam ser mais discutidos. O que se está chamando de exceções é um tratamento preconceituoso. Não são exceções. É um tratamento adequado como é no mundo inteiro. Esse conversa de que alíquota única é melhor é tese de quem só se preocupa com a arrecadação.

Há uma crítica, por exemplo, sobre bares e restaurantes, parques temáticos e outros ficarem com tratamento diferenciado, como aprovado na Câmara.

Eu não quero me meter a apontar que setores eventualmente precisam de tratamento diferenciado ou não. Eu, por exemplo, não vejo razão para a receita oriunda de futebol ter uma alíquota diferenciada. No entanto, esporte está beneficiado. Essa discussão dos setores com alíquota diferenciada é legítima. Tem que ter alíquota diferenciada porque esse é o exemplo mundial.

Mas, afinal, o Brasil terá a maior alíquota-padrão do mundo?

Esse negócio de que hoje (antes da reforma) já temos a maior alíquota é uma falácia, uma meia verdade. Pode ter uma ou outra operação que é altamente tributada, como telecomunicações. Tem que lembrar do brutal aumento da alíquota para serviços comparada com o que temos . Vamos, sim, para a maior alíquota do mundo. Não há dúvida.

O sistema de débito e crédito do modelo do novo IVA não vai funcionar?

Vai funcionar para quem tem cadeia longa, para quem tem muito insumo. Para as empresas que têm cadeia curta não adianta muito a tomada de crédito; vai ser aumento na veia. Não há nenhuma dúvida de que esse tributo vai onerar a ponta final, que é o consumidor. Vamos ter um aumento de preços relativo bastante relevante.

Com as disputas entre os Estados para a divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, há dúvidas sobre se a Câmara vai referendar as mudanças do Senado quando a PEC voltar para lá para nova votação. Como avalia esse risco?

Eu tenho a impressão de que, passando no Senado, haverá uma acomodação rápida na Câmera. Eu gostaria que tivessem a mesma preocupação com os contribuintes do que se tem em nível federativo. Nós vemos uma grande discussão entre União, Estados e municípios para ver como eles vão repartir a arrecadação, mas muita pouca gente preocupada com quem paga a conta: o contribuinte.

Como se resolve isso?

Isso se resolve com uma participação efetiva da sociedade no processo nas negociações. Felizmente, é o que temos visto no Senado Federal. Tenho certeza de que a PEC sairá de lá aprimorada.

O que acha da proposta de uma trava para o Imposto Seletivo?

Acho que poderia haver uma trava que seria, por exemplo, correspondente à alíquota-padrão do IVA. É uma ideia muito boa, e que chegou a ser debatida na Câmara.

BRASÍLIA – Um dos tributaristas mais atuantes nas negociações da reforma tributária no Congresso e procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Gustavo Bichara afirma que a indefinição sobre quais produtos e serviços poderão ser taxados pelo novo Imposto Seletivo (IS) distorce o cálculo do impacto da proposta na carga tributária do País nos setores e atividades econômicas.

A incidência do IS, conhecido como “imposto do pecado”, é um dos temas mais polêmicos nas negociações da reforma no Senado, porque há um temor das empresas de que ele possa ser usado com viés arrecadatório. Os produtos e serviços que serão taxados só serão conhecidos na regulamentação da reforma, após a aprovação da PEC.

Ao Estadão, ele diz que há um grande preconceito na discussão sobre o aumento da lista exceções – setores beneficiados com alíquota reduzida. Segundo ele, esse tratamento diferenciado é legítimo.

Bichara critica o fato de, nas negociações da reforma, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação”, afirma ele, que rejeita até mesmo o uso da palavra exceção para quem tiver redução da alíquota.

Segundo o tributarista, há setores que, por suas peculiaridades, precisam desse tratamento diferenciado. Ele cita o caso de bens recicláveis, que ficaram de fora da lista de exceções. “Ninguém vai comprar um bem reciclado, porque ele vai custar três vezes mais do que um bem novo”, afirma. “Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de redução de emissões, a reforma deverá ter um olhar para o meio ambiente”, alerta.

Para ele, não há nenhuma razão para fazer a votação à base de “rolo compressor”. Ele critica o fato de, nas negociações, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. está vendo a negociação da reforma tributária no Senado nesta reta final?

Está bem mais serena do que na Câmara. Na Câmara, parecia um exército de um homem só, o deputado Aguinaldo Ribeiro (relator). O assunto está sendo debatido na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) também, e as audiências públicas foram frutíferas. O que a gente nota é que, nas conversas individuais, os senadores estão muito interessados no assunto, se aprofundando. Está caminhando bem e havendo a necessária maturação. É um tema muito complexo.

Como isso impacta na tramitação?

A intenção inicial do governo era a de que a tramitação fosse muito rápida; e acabou que, felizmente, isso não aconteceu. O relator (Eduardo Braga), que é um senador experiente e preparado, alongou as discussões – e fez muito bem. Quanto mais debate, mais reflexão, melhor ficará o texto. Está sendo muito bom o papel do Senado, porque nós não podemos fazer uma mexida dessa relevância na pressão, da noite para o dia. Não dá. Devemos discutir o tema até se esgotar no Senado. Acho ruim essa pressão de “tem que votar em novembro”.

Se a votação ficar para o ano que vem, será mais difícil aprovar, não?

Para mim, não tem diferença nenhuma votar em fevereiro, março. Uma coisa importante é que, a cada dia que passa, nós que trabalhamos nesse assunto vamos descobrindo novos problemas que não estão endereçados do ponto de vista técnico. Não tem nenhuma razão para fazer as coisas no rolo compressor.

Há um compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o governo federal de votar a reforma ainda neste ano.

Sim. Eu compreendo a lógica política, mas o próprio desenrolar da tramitação no Senado vem mostrando que há muitos detalhes para a gente discutir.


Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies

Há uma preocupação de que o texto no Senado saia com mais exceções de alíquota diferenciada. E os tributaristas, o grupo do qual o sr. faz parte, estão pedindo mais exceção. Como se faz esse equilíbrio?

Eu discordo dessa compreensão de que são exceções. No mundo inteiro, há alíquotas diferenciadas do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A Inglaterra, Alemanha, Itália têm quatro. A França tem cinco. A Europa inteira tem alíquota diferenciada de IVA. Esse é o modelo natural. É claro que nós podemos discutir que setores terão alíquota diferenciada. Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação. Não estou falando que tem que ser a bagunça que é o ICMS hoje. Mas algumas alíquotas – três, quatro, cinco – eu acho que é natural.

Mas, com muitos setores com alíquota diferenciada, o imposto vai aumentar para os demais que ficarão com a alíquota-padrão, não?

Veja esses cálculos que foram apresentados ao Senado (pelo Ministério da Fazenda). Parece um pouco aquela estratégia de colocar a faca no pescoço. Existem vários elementos que indicam a imprecisão dessas previsões. Vou citar alguns. Por exemplo: o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O impacto necessariamente pressupõe a definição desses setores, o que não aconteceu. Não dá para fazer a conta. Além disso, há outros inúmeros setores, como se sabe, que tiveram seu tratamento delegado para a lei complementar. Por exemplo: bancos, cooperativas, sociedades de crédito.... Como se faz um estudo de impacto tributário sem saber o tratamento desses setores?

A sua avaliação é de que o valor da alíquota do IVA entre 25,45% e 27% com a proposta aprovada na Câmara não representa a realidade?

O que está sendo ignorado é que não existe uma alíquota. Existem três sub-alíquotas que vão depender da onde estiver o contribuinte. Tem uma alíquota municipal, estadual e federal. É impróprio falar de uma alíquota só. A alíquota de Rondônia pode não ser a mesma de São Paulo. Essa estratégia de falar quanto mais exceções, maior será a alíquota modal (padrão) não passa de uma tática de negociação do governo.

Por que seria? Afinal, se alguns pagam menos e a carga não pode aumentar, outros terão que pagar mais.

É impossível ou quase impossível a gente fazer hoje uma previsão de arrecadação considerando a imprecisão de cenários que a própria PEC endereça.

Diante desse cenário tão impreciso, que depende da regulamentação, não é melhor diminuir as exceções?

Não. Vou dar o exemplo do turismo. A alíquota média do turismo nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 11%. Por que nós vamos tributar aqui a 25%, 26%, 27%? Só se a gente não quiser turismo no Brasil. Existe recomendação da própria OCDE dizendo que as atividades potencialmente geradoras de emprego, como o turismo, deverão ter alíquota reduzida. A experiência mundial indica para um tratamento diferenciado.

Pode dar mais um exemplo?

Outro exemplo: bens reciclados. Toda a teoria do Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária) é de que a tributação não pode ser indutora da decisão de consumo do contribuinte. Compreendo, mas essa tese não pode ser aplicada de forma reducionista. Se não houver uma tributação diferenciada, ninguém vai comprar um bem reciclado que custa em média três vezes mais do que um bem normal, pois há todo um custo de logística reversa. Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de emissão de poluentes, tem que reciclar – e, para reciclar, não pode ter tributação cheia, como está no texto da Câmara.

Qual outro problema o sr. considera que precisa ser resolvido no Senado?

Nós passamos todo o trâmite da proposta na Câmera com a equipe econômica garantindo que não ia tributar investimento. E aí vem a PEC prevendo que uma lei complementar vai tratar da redução dos impactos da tributação sobre os investimentos. Isso é péssimo. Precisamos dar segurança jurídica para o investidor. Não é possível que tenhamos tributação sobre investimento no Brasil. Isso não tem que ser tratado em lei complementar, mas desonerado já na Constituição, como medicamentos, saúde menstrual e outros. Tem assuntos que precisam ser mais discutidos. O que se está chamando de exceções é um tratamento preconceituoso. Não são exceções. É um tratamento adequado como é no mundo inteiro. Esse conversa de que alíquota única é melhor é tese de quem só se preocupa com a arrecadação.

Há uma crítica, por exemplo, sobre bares e restaurantes, parques temáticos e outros ficarem com tratamento diferenciado, como aprovado na Câmara.

Eu não quero me meter a apontar que setores eventualmente precisam de tratamento diferenciado ou não. Eu, por exemplo, não vejo razão para a receita oriunda de futebol ter uma alíquota diferenciada. No entanto, esporte está beneficiado. Essa discussão dos setores com alíquota diferenciada é legítima. Tem que ter alíquota diferenciada porque esse é o exemplo mundial.

Mas, afinal, o Brasil terá a maior alíquota-padrão do mundo?

Esse negócio de que hoje (antes da reforma) já temos a maior alíquota é uma falácia, uma meia verdade. Pode ter uma ou outra operação que é altamente tributada, como telecomunicações. Tem que lembrar do brutal aumento da alíquota para serviços comparada com o que temos . Vamos, sim, para a maior alíquota do mundo. Não há dúvida.

O sistema de débito e crédito do modelo do novo IVA não vai funcionar?

Vai funcionar para quem tem cadeia longa, para quem tem muito insumo. Para as empresas que têm cadeia curta não adianta muito a tomada de crédito; vai ser aumento na veia. Não há nenhuma dúvida de que esse tributo vai onerar a ponta final, que é o consumidor. Vamos ter um aumento de preços relativo bastante relevante.

Com as disputas entre os Estados para a divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, há dúvidas sobre se a Câmara vai referendar as mudanças do Senado quando a PEC voltar para lá para nova votação. Como avalia esse risco?

Eu tenho a impressão de que, passando no Senado, haverá uma acomodação rápida na Câmera. Eu gostaria que tivessem a mesma preocupação com os contribuintes do que se tem em nível federativo. Nós vemos uma grande discussão entre União, Estados e municípios para ver como eles vão repartir a arrecadação, mas muita pouca gente preocupada com quem paga a conta: o contribuinte.

Como se resolve isso?

Isso se resolve com uma participação efetiva da sociedade no processo nas negociações. Felizmente, é o que temos visto no Senado Federal. Tenho certeza de que a PEC sairá de lá aprimorada.

O que acha da proposta de uma trava para o Imposto Seletivo?

Acho que poderia haver uma trava que seria, por exemplo, correspondente à alíquota-padrão do IVA. É uma ideia muito boa, e que chegou a ser debatida na Câmara.

BRASÍLIA – Um dos tributaristas mais atuantes nas negociações da reforma tributária no Congresso e procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Gustavo Bichara afirma que a indefinição sobre quais produtos e serviços poderão ser taxados pelo novo Imposto Seletivo (IS) distorce o cálculo do impacto da proposta na carga tributária do País nos setores e atividades econômicas.

A incidência do IS, conhecido como “imposto do pecado”, é um dos temas mais polêmicos nas negociações da reforma no Senado, porque há um temor das empresas de que ele possa ser usado com viés arrecadatório. Os produtos e serviços que serão taxados só serão conhecidos na regulamentação da reforma, após a aprovação da PEC.

Ao Estadão, ele diz que há um grande preconceito na discussão sobre o aumento da lista exceções – setores beneficiados com alíquota reduzida. Segundo ele, esse tratamento diferenciado é legítimo.

Bichara critica o fato de, nas negociações da reforma, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação”, afirma ele, que rejeita até mesmo o uso da palavra exceção para quem tiver redução da alíquota.

Segundo o tributarista, há setores que, por suas peculiaridades, precisam desse tratamento diferenciado. Ele cita o caso de bens recicláveis, que ficaram de fora da lista de exceções. “Ninguém vai comprar um bem reciclado, porque ele vai custar três vezes mais do que um bem novo”, afirma. “Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de redução de emissões, a reforma deverá ter um olhar para o meio ambiente”, alerta.

Para ele, não há nenhuma razão para fazer a votação à base de “rolo compressor”. Ele critica o fato de, nas negociações, poucos estarem preocupados com quem paga a conta: o contribuinte. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. está vendo a negociação da reforma tributária no Senado nesta reta final?

Está bem mais serena do que na Câmara. Na Câmara, parecia um exército de um homem só, o deputado Aguinaldo Ribeiro (relator). O assunto está sendo debatido na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) também, e as audiências públicas foram frutíferas. O que a gente nota é que, nas conversas individuais, os senadores estão muito interessados no assunto, se aprofundando. Está caminhando bem e havendo a necessária maturação. É um tema muito complexo.

Como isso impacta na tramitação?

A intenção inicial do governo era a de que a tramitação fosse muito rápida; e acabou que, felizmente, isso não aconteceu. O relator (Eduardo Braga), que é um senador experiente e preparado, alongou as discussões – e fez muito bem. Quanto mais debate, mais reflexão, melhor ficará o texto. Está sendo muito bom o papel do Senado, porque nós não podemos fazer uma mexida dessa relevância na pressão, da noite para o dia. Não dá. Devemos discutir o tema até se esgotar no Senado. Acho ruim essa pressão de “tem que votar em novembro”.

Se a votação ficar para o ano que vem, será mais difícil aprovar, não?

Para mim, não tem diferença nenhuma votar em fevereiro, março. Uma coisa importante é que, a cada dia que passa, nós que trabalhamos nesse assunto vamos descobrindo novos problemas que não estão endereçados do ponto de vista técnico. Não tem nenhuma razão para fazer as coisas no rolo compressor.

Há um compromisso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o governo federal de votar a reforma ainda neste ano.

Sim. Eu compreendo a lógica política, mas o próprio desenrolar da tramitação no Senado vem mostrando que há muitos detalhes para a gente discutir.


Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies

Há uma preocupação de que o texto no Senado saia com mais exceções de alíquota diferenciada. E os tributaristas, o grupo do qual o sr. faz parte, estão pedindo mais exceção. Como se faz esse equilíbrio?

Eu discordo dessa compreensão de que são exceções. No mundo inteiro, há alíquotas diferenciadas do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A Inglaterra, Alemanha, Itália têm quatro. A França tem cinco. A Europa inteira tem alíquota diferenciada de IVA. Esse é o modelo natural. É claro que nós podemos discutir que setores terão alíquota diferenciada. Há um preconceito enorme nesse tema das alíquotas como se quem estivesse no regime diferenciado fosse um grande privilegiado que conseguiu aquilo à custa de poderosos lobbies. Incomoda muito essa interpretação. Não estou falando que tem que ser a bagunça que é o ICMS hoje. Mas algumas alíquotas – três, quatro, cinco – eu acho que é natural.

Mas, com muitos setores com alíquota diferenciada, o imposto vai aumentar para os demais que ficarão com a alíquota-padrão, não?

Veja esses cálculos que foram apresentados ao Senado (pelo Ministério da Fazenda). Parece um pouco aquela estratégia de colocar a faca no pescoço. Existem vários elementos que indicam a imprecisão dessas previsões. Vou citar alguns. Por exemplo: o Imposto Seletivo, que vai incidir sobre bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O impacto necessariamente pressupõe a definição desses setores, o que não aconteceu. Não dá para fazer a conta. Além disso, há outros inúmeros setores, como se sabe, que tiveram seu tratamento delegado para a lei complementar. Por exemplo: bancos, cooperativas, sociedades de crédito.... Como se faz um estudo de impacto tributário sem saber o tratamento desses setores?

A sua avaliação é de que o valor da alíquota do IVA entre 25,45% e 27% com a proposta aprovada na Câmara não representa a realidade?

O que está sendo ignorado é que não existe uma alíquota. Existem três sub-alíquotas que vão depender da onde estiver o contribuinte. Tem uma alíquota municipal, estadual e federal. É impróprio falar de uma alíquota só. A alíquota de Rondônia pode não ser a mesma de São Paulo. Essa estratégia de falar quanto mais exceções, maior será a alíquota modal (padrão) não passa de uma tática de negociação do governo.

Por que seria? Afinal, se alguns pagam menos e a carga não pode aumentar, outros terão que pagar mais.

É impossível ou quase impossível a gente fazer hoje uma previsão de arrecadação considerando a imprecisão de cenários que a própria PEC endereça.

Diante desse cenário tão impreciso, que depende da regulamentação, não é melhor diminuir as exceções?

Não. Vou dar o exemplo do turismo. A alíquota média do turismo nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 11%. Por que nós vamos tributar aqui a 25%, 26%, 27%? Só se a gente não quiser turismo no Brasil. Existe recomendação da própria OCDE dizendo que as atividades potencialmente geradoras de emprego, como o turismo, deverão ter alíquota reduzida. A experiência mundial indica para um tratamento diferenciado.

Pode dar mais um exemplo?

Outro exemplo: bens reciclados. Toda a teoria do Bernard Appy (secretário extraordinário de reforma tributária) é de que a tributação não pode ser indutora da decisão de consumo do contribuinte. Compreendo, mas essa tese não pode ser aplicada de forma reducionista. Se não houver uma tributação diferenciada, ninguém vai comprar um bem reciclado que custa em média três vezes mais do que um bem normal, pois há todo um custo de logística reversa. Se o Brasil quiser atender suas metas mundiais de emissão de poluentes, tem que reciclar – e, para reciclar, não pode ter tributação cheia, como está no texto da Câmara.

Qual outro problema o sr. considera que precisa ser resolvido no Senado?

Nós passamos todo o trâmite da proposta na Câmera com a equipe econômica garantindo que não ia tributar investimento. E aí vem a PEC prevendo que uma lei complementar vai tratar da redução dos impactos da tributação sobre os investimentos. Isso é péssimo. Precisamos dar segurança jurídica para o investidor. Não é possível que tenhamos tributação sobre investimento no Brasil. Isso não tem que ser tratado em lei complementar, mas desonerado já na Constituição, como medicamentos, saúde menstrual e outros. Tem assuntos que precisam ser mais discutidos. O que se está chamando de exceções é um tratamento preconceituoso. Não são exceções. É um tratamento adequado como é no mundo inteiro. Esse conversa de que alíquota única é melhor é tese de quem só se preocupa com a arrecadação.

Há uma crítica, por exemplo, sobre bares e restaurantes, parques temáticos e outros ficarem com tratamento diferenciado, como aprovado na Câmara.

Eu não quero me meter a apontar que setores eventualmente precisam de tratamento diferenciado ou não. Eu, por exemplo, não vejo razão para a receita oriunda de futebol ter uma alíquota diferenciada. No entanto, esporte está beneficiado. Essa discussão dos setores com alíquota diferenciada é legítima. Tem que ter alíquota diferenciada porque esse é o exemplo mundial.

Mas, afinal, o Brasil terá a maior alíquota-padrão do mundo?

Esse negócio de que hoje (antes da reforma) já temos a maior alíquota é uma falácia, uma meia verdade. Pode ter uma ou outra operação que é altamente tributada, como telecomunicações. Tem que lembrar do brutal aumento da alíquota para serviços comparada com o que temos . Vamos, sim, para a maior alíquota do mundo. Não há dúvida.

O sistema de débito e crédito do modelo do novo IVA não vai funcionar?

Vai funcionar para quem tem cadeia longa, para quem tem muito insumo. Para as empresas que têm cadeia curta não adianta muito a tomada de crédito; vai ser aumento na veia. Não há nenhuma dúvida de que esse tributo vai onerar a ponta final, que é o consumidor. Vamos ter um aumento de preços relativo bastante relevante.

Com as disputas entre os Estados para a divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, há dúvidas sobre se a Câmara vai referendar as mudanças do Senado quando a PEC voltar para lá para nova votação. Como avalia esse risco?

Eu tenho a impressão de que, passando no Senado, haverá uma acomodação rápida na Câmera. Eu gostaria que tivessem a mesma preocupação com os contribuintes do que se tem em nível federativo. Nós vemos uma grande discussão entre União, Estados e municípios para ver como eles vão repartir a arrecadação, mas muita pouca gente preocupada com quem paga a conta: o contribuinte.

Como se resolve isso?

Isso se resolve com uma participação efetiva da sociedade no processo nas negociações. Felizmente, é o que temos visto no Senado Federal. Tenho certeza de que a PEC sairá de lá aprimorada.

O que acha da proposta de uma trava para o Imposto Seletivo?

Acho que poderia haver uma trava que seria, por exemplo, correspondente à alíquota-padrão do IVA. É uma ideia muito boa, e que chegou a ser debatida na Câmara.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

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