‘O desafio da esquerda no poder é mostrar eficiência’, diz Lupi sobre revisão de gastos do INSS


Ministro da Previdência afirma que economia com revisão de benefícios deve ser maior do que a projetada, mas diz não acreditar que meta de déficit zero será cumprida

Por Anna Carolina Papp e Mariana Carneiro
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
Entrevista comCarlos Lupiministro da Previdência Social

BRASÍLIA – A revisão de gastos do INSS foi crucial para dar um fôlego à meta da equipe econômica de zerar o déficit das contas públicas neste ano. O governo prevê uma economia de R$ 10 bilhões nessa frente, mas a cifra tem potencial para chegar a R$ 12 bilhões, antecipa ao Estadão o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.

“A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?”, afirma Lupi.

Além da implantação do Atestmed – troca da perícia médica pela apresentação de atestados médicos online nos benefícios por incapacidade (antigo auxílio-doença) –, Lupi reforça que está em negociação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reduzir o prazo – e os gastos com juros – no pagamento de ações judiciais contra a Previdência.

continua após a publicidade

O político, que foi presidente do PDT e chegou ao cargo graças à aliança firmada com Lula no segundo turno da eleição contra Jair Bolsonaro, afirma que o esforço de revisão de gastos não é incompatível com a agenda da esquerda. “O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala”, afirma.

Em entrevista exclusiva, Lupi elogia o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas diz não acreditar que a meta de déficit fiscal zero será atingida, apesar dos esforços da Previdência.

“É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio”, diz o ministro. “Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.”

continua após a publicidade

A seguir, os principais trechos da entrevista.

'A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?', afirma Lupi. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual a previsão exata de economia com a revisão dos benefícios do INSS? Está mantida a projeção de R$ 10 bilhões?

continua após a publicidade

Não dá para ser exato. O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala. Se a gente não tiver o diferencial de, quando tiver a oportunidade de estar no Estado, mostrar eficiência, para que a gente está no poder? Nós precisávamos resgatar a imagem do INSS, que ficou muito marcada pela demora. Nós estávamos com uma média de espera de 110 dias; hoje, essa média nacional está em 38, 39 dias – sendo que no Sul e Sudeste já está abaixo de 30 e, no Nordeste, ainda é acima de 50. Nós começamos a tomar uma série de medidas para enfrentar a fila e melhorar a eficiência. Começamos a organizar os turnos extras e dar uma gratificação (aos servidores) pelo número de processos atendidos. De setembro para cá, nós começamos a aceleração dos atendimentos. Tínhamos mais de 3 milhões de pessoas esperando algum resultado da Previdência. Por outro lado, nós tínhamos uma média de pedidos mensais em 750 mil, 700 mil por mês; hoje, temos 1 milhão, sendo que metade disso é para o benefício de licença-saúde.

Que é o alvo do Atestmed...

Já existia a tese do Atestmed, mas todo mundo tinha medo de fazer. E ele foi a grande saída para resolver metade dos problemas que eram concentrados na licença-saúde. Como demorava, por exemplo, oito meses para o pagamento do atestado, a pessoa já tinha saído e voltado – e a Previdência tinha que pagar do dia do registro ao dia do pagamento, com correção. Agora, isso está demorando 36, 35 dias. Vai cair mais.

continua após a publicidade

Qual o efeito prático disso?

Em janeiro de 2022, 119.905 segurados receberam o benefício de saúde, o que representou, em gastos, R$ 400,4 milhões. Em janeiro deste ano, atendemos 214.936 pessoas, quase o dobro, e custou R$ 580,5 milhões. Eu estou prejudicando alguém? Eu estou tirando direitos? Não. De setembro a dezembro, a economia com isso foi de R$ 614 milhões. Até julho, todos os meus atendimentos serão via Atestmed, não marcaremos mais consulta para perícia específica para a licença-saúde. Com isso, a minha tendência é economizar 50% a mais do que eu já fiz.

O presidente do INSS disse em entrevista ao Estadão que seria no final de abril...

continua após a publicidade

Entre abril e maio… e aí o resultado só sai em junho.

Mas qual é o valor esperado de economia? A previsão da pasta era R$ 10 bilhões. Houve atualização?

Ainda não teve, porque há algumas outras economias que só com tempo eu vou saber. Em maio/junho eu vou começar a pagar apenas o que está entrando (ao reduzir a fila). Aí vem uma outra economia. Quanto é o valor? Eu ainda não sei. A média hoje é (uma entrada de pedidos de) 1 milhão por mês, mas pode ser 1,2 milhão, 900 mil.

continua após a publicidade

Mas o sr. avalia que essa cifra é conservadora? A previsão no Orçamento com essa economia é de R$ 12,5 bilhões.

Ali no Orçamento eles fizeram outras previsões conjuntas. Eu acho que vai ficar próximo disso no final do ano: de R$ 11,5 bilhões a R$ 12 bilhões.

Quais outras ações estão sendo feitas?

Estamos fazendo (uma negociação) com a Justiça. Por exemplo: nós temos meio milhão de processos que estão na Justiça. A maioria é deferida, só que com defasagem de cinco, seis anos, em média. Eu quero fazer um sistema – que já está bem adiantado – em que eu tenha uma espécie de jurisprudência para aplicação no sistema. Ora, se eles decidem sempre que aquele tipo de recurso é concedido, para que esperar seis anos para pagar atrasado? Se eu pago em dia, de imediato, até aumenta a despesa; mas a médio e longo prazo, eu estou economizando (a correção monetária e juros). Em vez de pagar, em cinco anos, R$ 80 mil, R$ 100 mil, eu imediatamente pago R$ 20 mil. Tem um grupo junto nisso, com o Ministério da Justiça, o Ministério Público, o Ministério da Previdência Social, a AGU…

Isso deve ser lançado quando?

Eu queria que fosse antes, mas eu acho que o mais razoável é agosto.

O que mais está previsto?

Tem a telemedicina. Nós já fizemos uma experiência com mil atendimentos. Com a telemedicina, eu acelero também todos os outros tipos de atendimento da Previdência. Porque não é só o Atestmed para a pessoa que tem a licença temporária; é aposentadoria, é pensão por invalidez… Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental. A teleperícia tem que ter o perito. Desses mil casos iniciais testados, 90% foram confirmados depois in loco; em 10% houve algum tipo de erro.


Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental

O que vem sendo feito no combate às fraudes?

Vai dar muito resultado, daqui a pouco, o convênio com o Ministério de Desenvolvimento Social. Estamos fazendo todo o cruzamento do CadÚnico com a Previdência. Vamos adotar agora um convênio com alguns sistemas para diluir a fraude da Previdência. Tem gente, por exemplo, que sai do MDS e no dia seguinte entra com pedido na Previdência Social. Isso é um cruzamento que vamos começar a ter. Eu estou entrando em acordo com o TSE, para quê? Ora, se o cara votou, está vivo, para que eu preciso de prova de vida de quem está vivo? Vamos fazer pente-fino com base em cruzamentos com sistema de informação de mortes, sistema de banco, convênio com TSE, convênio com CadÚnico…

Economistas afirmam que as despesas da Previdência no Orçamento estão subestimadas. Como avalia isso?

Não está subestimado. Na questão orçamentária, eu acho que grandes economistas trabalham com teorias que me incomodam muito. Porque teoria sobre o ser humano é tão subjetiva… eu posso calcular exatamente quantos vão morrer? Eu posso calcular quantos ficarão doentes? Eu posso colocar uma média. Mas uma variação nessa média dentro dos números do INSS é algo monstruoso. São R$ 62 bilhões por mês de investimento, dinheiro na veia da economia. Pergunte aos prefeitos: 65% das prefeituras do Brasil param se o INSS deixar de pagar. Estou dizendo isso porque não podemos tratar a Previdência como um estorvo, como um peso.

A categoria dos peritos é muito organizada. Haverá continuidade dos sucessivos programas de bônus para enfrentamento à fila?

Não haverá mais programa de bônus, não pode haver. Por quê? O programa existia para uma realidade que está acabando. Fila não acaba, porque todo mês entram 1 milhão (de novos pedidos). O prazo legal é 45 dias (de espera). E até outubro eu estou batendo 30 dias, em média.

'É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio', afirma o ministro da Previdência. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nos bastidores, o sr. vem sendo chamado de ‘salvador do Orçamento’ por causa do potencial de economia com a revisão de gastos no INSS. Como encara essa expectativa de ser tão crucial para a meta zero, com a qual o sr. tem divergências?

São coisas distintas. A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra? Agora, eu tenho um compromisso de o Ministério da Gestão, no segundo semestre, me mandar mais 500 funcionários concursados. Porque a minha combinação com o Haddad é o seguinte: o que eu economizar, ele me dá uma parte em investimentos para a Previdência Social.

E ele está cumprindo?

Sim. Ele deu mais R$ 250 milhões para investimento em tecnologia de ponta; para ajudar no retorno do investimento para a própria Previdência. Não pode ser usado em pagamento de pessoal.


Eu gosto muito do Haddad, acho ele um homem sério. E é mais político do que eu.

O governo deve manter a meta de déficit zero?

Eu não vejo o Estado como ente lucrativo; quem tem que dar lucro é a empresa privada. É claro que o Estado também não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: “ninguém pode meter a mão no meu dinheiro”. O governo tem que encontrar o equilíbrio: uma macroeconomia que controle a inflação, mas que gere empregos; que dê reajuste real, mas que não deixe a coisa desandar. É acompanhamento diário. Mas não pode ter uma meta absoluta, fixada, porque não se alcança essa meta fixada, é quase impossível. As variantes que acontecem no mundo, elas são muito dinâmicas, muito rápidas. Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.

É uma discordância em relação ao que pensa o ministro Haddad. Como avalia o trabalho dele?

Eu gosto muito dele, acho o Haddad um homem sério. E é mais político do que eu. Falo com ele de 15 em 15 dias. Nós podemos ter diferença de visão. Eu não aceito isso de dizer que a Previdência é déficit, eu vou morrer assim.

O sr. acha que ele é alvo de fogo amigo?

Todo mundo é, eu sou, ele é mais ainda. Ele é da Fazenda, tudo passa pela Fazenda. Mas ele é hábil. Te garanto que se for o Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) ao Congresso, ele (Haddad) vai ser mais bem recebido do que os dois. Eu te afirmo.

BRASÍLIA – A revisão de gastos do INSS foi crucial para dar um fôlego à meta da equipe econômica de zerar o déficit das contas públicas neste ano. O governo prevê uma economia de R$ 10 bilhões nessa frente, mas a cifra tem potencial para chegar a R$ 12 bilhões, antecipa ao Estadão o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.

“A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?”, afirma Lupi.

Além da implantação do Atestmed – troca da perícia médica pela apresentação de atestados médicos online nos benefícios por incapacidade (antigo auxílio-doença) –, Lupi reforça que está em negociação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reduzir o prazo – e os gastos com juros – no pagamento de ações judiciais contra a Previdência.

O político, que foi presidente do PDT e chegou ao cargo graças à aliança firmada com Lula no segundo turno da eleição contra Jair Bolsonaro, afirma que o esforço de revisão de gastos não é incompatível com a agenda da esquerda. “O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala”, afirma.

Em entrevista exclusiva, Lupi elogia o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas diz não acreditar que a meta de déficit fiscal zero será atingida, apesar dos esforços da Previdência.

“É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio”, diz o ministro. “Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

'A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?', afirma Lupi. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual a previsão exata de economia com a revisão dos benefícios do INSS? Está mantida a projeção de R$ 10 bilhões?

Não dá para ser exato. O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala. Se a gente não tiver o diferencial de, quando tiver a oportunidade de estar no Estado, mostrar eficiência, para que a gente está no poder? Nós precisávamos resgatar a imagem do INSS, que ficou muito marcada pela demora. Nós estávamos com uma média de espera de 110 dias; hoje, essa média nacional está em 38, 39 dias – sendo que no Sul e Sudeste já está abaixo de 30 e, no Nordeste, ainda é acima de 50. Nós começamos a tomar uma série de medidas para enfrentar a fila e melhorar a eficiência. Começamos a organizar os turnos extras e dar uma gratificação (aos servidores) pelo número de processos atendidos. De setembro para cá, nós começamos a aceleração dos atendimentos. Tínhamos mais de 3 milhões de pessoas esperando algum resultado da Previdência. Por outro lado, nós tínhamos uma média de pedidos mensais em 750 mil, 700 mil por mês; hoje, temos 1 milhão, sendo que metade disso é para o benefício de licença-saúde.

Que é o alvo do Atestmed...

Já existia a tese do Atestmed, mas todo mundo tinha medo de fazer. E ele foi a grande saída para resolver metade dos problemas que eram concentrados na licença-saúde. Como demorava, por exemplo, oito meses para o pagamento do atestado, a pessoa já tinha saído e voltado – e a Previdência tinha que pagar do dia do registro ao dia do pagamento, com correção. Agora, isso está demorando 36, 35 dias. Vai cair mais.

Qual o efeito prático disso?

Em janeiro de 2022, 119.905 segurados receberam o benefício de saúde, o que representou, em gastos, R$ 400,4 milhões. Em janeiro deste ano, atendemos 214.936 pessoas, quase o dobro, e custou R$ 580,5 milhões. Eu estou prejudicando alguém? Eu estou tirando direitos? Não. De setembro a dezembro, a economia com isso foi de R$ 614 milhões. Até julho, todos os meus atendimentos serão via Atestmed, não marcaremos mais consulta para perícia específica para a licença-saúde. Com isso, a minha tendência é economizar 50% a mais do que eu já fiz.

O presidente do INSS disse em entrevista ao Estadão que seria no final de abril...

Entre abril e maio… e aí o resultado só sai em junho.

Mas qual é o valor esperado de economia? A previsão da pasta era R$ 10 bilhões. Houve atualização?

Ainda não teve, porque há algumas outras economias que só com tempo eu vou saber. Em maio/junho eu vou começar a pagar apenas o que está entrando (ao reduzir a fila). Aí vem uma outra economia. Quanto é o valor? Eu ainda não sei. A média hoje é (uma entrada de pedidos de) 1 milhão por mês, mas pode ser 1,2 milhão, 900 mil.

Mas o sr. avalia que essa cifra é conservadora? A previsão no Orçamento com essa economia é de R$ 12,5 bilhões.

Ali no Orçamento eles fizeram outras previsões conjuntas. Eu acho que vai ficar próximo disso no final do ano: de R$ 11,5 bilhões a R$ 12 bilhões.

Quais outras ações estão sendo feitas?

Estamos fazendo (uma negociação) com a Justiça. Por exemplo: nós temos meio milhão de processos que estão na Justiça. A maioria é deferida, só que com defasagem de cinco, seis anos, em média. Eu quero fazer um sistema – que já está bem adiantado – em que eu tenha uma espécie de jurisprudência para aplicação no sistema. Ora, se eles decidem sempre que aquele tipo de recurso é concedido, para que esperar seis anos para pagar atrasado? Se eu pago em dia, de imediato, até aumenta a despesa; mas a médio e longo prazo, eu estou economizando (a correção monetária e juros). Em vez de pagar, em cinco anos, R$ 80 mil, R$ 100 mil, eu imediatamente pago R$ 20 mil. Tem um grupo junto nisso, com o Ministério da Justiça, o Ministério Público, o Ministério da Previdência Social, a AGU…

Isso deve ser lançado quando?

Eu queria que fosse antes, mas eu acho que o mais razoável é agosto.

O que mais está previsto?

Tem a telemedicina. Nós já fizemos uma experiência com mil atendimentos. Com a telemedicina, eu acelero também todos os outros tipos de atendimento da Previdência. Porque não é só o Atestmed para a pessoa que tem a licença temporária; é aposentadoria, é pensão por invalidez… Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental. A teleperícia tem que ter o perito. Desses mil casos iniciais testados, 90% foram confirmados depois in loco; em 10% houve algum tipo de erro.


Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental

O que vem sendo feito no combate às fraudes?

Vai dar muito resultado, daqui a pouco, o convênio com o Ministério de Desenvolvimento Social. Estamos fazendo todo o cruzamento do CadÚnico com a Previdência. Vamos adotar agora um convênio com alguns sistemas para diluir a fraude da Previdência. Tem gente, por exemplo, que sai do MDS e no dia seguinte entra com pedido na Previdência Social. Isso é um cruzamento que vamos começar a ter. Eu estou entrando em acordo com o TSE, para quê? Ora, se o cara votou, está vivo, para que eu preciso de prova de vida de quem está vivo? Vamos fazer pente-fino com base em cruzamentos com sistema de informação de mortes, sistema de banco, convênio com TSE, convênio com CadÚnico…

Economistas afirmam que as despesas da Previdência no Orçamento estão subestimadas. Como avalia isso?

Não está subestimado. Na questão orçamentária, eu acho que grandes economistas trabalham com teorias que me incomodam muito. Porque teoria sobre o ser humano é tão subjetiva… eu posso calcular exatamente quantos vão morrer? Eu posso calcular quantos ficarão doentes? Eu posso colocar uma média. Mas uma variação nessa média dentro dos números do INSS é algo monstruoso. São R$ 62 bilhões por mês de investimento, dinheiro na veia da economia. Pergunte aos prefeitos: 65% das prefeituras do Brasil param se o INSS deixar de pagar. Estou dizendo isso porque não podemos tratar a Previdência como um estorvo, como um peso.

A categoria dos peritos é muito organizada. Haverá continuidade dos sucessivos programas de bônus para enfrentamento à fila?

Não haverá mais programa de bônus, não pode haver. Por quê? O programa existia para uma realidade que está acabando. Fila não acaba, porque todo mês entram 1 milhão (de novos pedidos). O prazo legal é 45 dias (de espera). E até outubro eu estou batendo 30 dias, em média.

'É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio', afirma o ministro da Previdência. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nos bastidores, o sr. vem sendo chamado de ‘salvador do Orçamento’ por causa do potencial de economia com a revisão de gastos no INSS. Como encara essa expectativa de ser tão crucial para a meta zero, com a qual o sr. tem divergências?

São coisas distintas. A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra? Agora, eu tenho um compromisso de o Ministério da Gestão, no segundo semestre, me mandar mais 500 funcionários concursados. Porque a minha combinação com o Haddad é o seguinte: o que eu economizar, ele me dá uma parte em investimentos para a Previdência Social.

E ele está cumprindo?

Sim. Ele deu mais R$ 250 milhões para investimento em tecnologia de ponta; para ajudar no retorno do investimento para a própria Previdência. Não pode ser usado em pagamento de pessoal.


Eu gosto muito do Haddad, acho ele um homem sério. E é mais político do que eu.

O governo deve manter a meta de déficit zero?

Eu não vejo o Estado como ente lucrativo; quem tem que dar lucro é a empresa privada. É claro que o Estado também não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: “ninguém pode meter a mão no meu dinheiro”. O governo tem que encontrar o equilíbrio: uma macroeconomia que controle a inflação, mas que gere empregos; que dê reajuste real, mas que não deixe a coisa desandar. É acompanhamento diário. Mas não pode ter uma meta absoluta, fixada, porque não se alcança essa meta fixada, é quase impossível. As variantes que acontecem no mundo, elas são muito dinâmicas, muito rápidas. Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.

É uma discordância em relação ao que pensa o ministro Haddad. Como avalia o trabalho dele?

Eu gosto muito dele, acho o Haddad um homem sério. E é mais político do que eu. Falo com ele de 15 em 15 dias. Nós podemos ter diferença de visão. Eu não aceito isso de dizer que a Previdência é déficit, eu vou morrer assim.

O sr. acha que ele é alvo de fogo amigo?

Todo mundo é, eu sou, ele é mais ainda. Ele é da Fazenda, tudo passa pela Fazenda. Mas ele é hábil. Te garanto que se for o Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) ao Congresso, ele (Haddad) vai ser mais bem recebido do que os dois. Eu te afirmo.

BRASÍLIA – A revisão de gastos do INSS foi crucial para dar um fôlego à meta da equipe econômica de zerar o déficit das contas públicas neste ano. O governo prevê uma economia de R$ 10 bilhões nessa frente, mas a cifra tem potencial para chegar a R$ 12 bilhões, antecipa ao Estadão o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi.

“A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?”, afirma Lupi.

Além da implantação do Atestmed – troca da perícia médica pela apresentação de atestados médicos online nos benefícios por incapacidade (antigo auxílio-doença) –, Lupi reforça que está em negociação com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reduzir o prazo – e os gastos com juros – no pagamento de ações judiciais contra a Previdência.

O político, que foi presidente do PDT e chegou ao cargo graças à aliança firmada com Lula no segundo turno da eleição contra Jair Bolsonaro, afirma que o esforço de revisão de gastos não é incompatível com a agenda da esquerda. “O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala”, afirma.

Em entrevista exclusiva, Lupi elogia o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas diz não acreditar que a meta de déficit fiscal zero será atingida, apesar dos esforços da Previdência.

“É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio”, diz o ministro. “Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

'A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra?', afirma Lupi. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Qual a previsão exata de economia com a revisão dos benefícios do INSS? Está mantida a projeção de R$ 10 bilhões?

Não dá para ser exato. O grande desafio da esquerda do Brasil no poder é mostrar eficiência. Senão, a gente se iguala. Se a gente não tiver o diferencial de, quando tiver a oportunidade de estar no Estado, mostrar eficiência, para que a gente está no poder? Nós precisávamos resgatar a imagem do INSS, que ficou muito marcada pela demora. Nós estávamos com uma média de espera de 110 dias; hoje, essa média nacional está em 38, 39 dias – sendo que no Sul e Sudeste já está abaixo de 30 e, no Nordeste, ainda é acima de 50. Nós começamos a tomar uma série de medidas para enfrentar a fila e melhorar a eficiência. Começamos a organizar os turnos extras e dar uma gratificação (aos servidores) pelo número de processos atendidos. De setembro para cá, nós começamos a aceleração dos atendimentos. Tínhamos mais de 3 milhões de pessoas esperando algum resultado da Previdência. Por outro lado, nós tínhamos uma média de pedidos mensais em 750 mil, 700 mil por mês; hoje, temos 1 milhão, sendo que metade disso é para o benefício de licença-saúde.

Que é o alvo do Atestmed...

Já existia a tese do Atestmed, mas todo mundo tinha medo de fazer. E ele foi a grande saída para resolver metade dos problemas que eram concentrados na licença-saúde. Como demorava, por exemplo, oito meses para o pagamento do atestado, a pessoa já tinha saído e voltado – e a Previdência tinha que pagar do dia do registro ao dia do pagamento, com correção. Agora, isso está demorando 36, 35 dias. Vai cair mais.

Qual o efeito prático disso?

Em janeiro de 2022, 119.905 segurados receberam o benefício de saúde, o que representou, em gastos, R$ 400,4 milhões. Em janeiro deste ano, atendemos 214.936 pessoas, quase o dobro, e custou R$ 580,5 milhões. Eu estou prejudicando alguém? Eu estou tirando direitos? Não. De setembro a dezembro, a economia com isso foi de R$ 614 milhões. Até julho, todos os meus atendimentos serão via Atestmed, não marcaremos mais consulta para perícia específica para a licença-saúde. Com isso, a minha tendência é economizar 50% a mais do que eu já fiz.

O presidente do INSS disse em entrevista ao Estadão que seria no final de abril...

Entre abril e maio… e aí o resultado só sai em junho.

Mas qual é o valor esperado de economia? A previsão da pasta era R$ 10 bilhões. Houve atualização?

Ainda não teve, porque há algumas outras economias que só com tempo eu vou saber. Em maio/junho eu vou começar a pagar apenas o que está entrando (ao reduzir a fila). Aí vem uma outra economia. Quanto é o valor? Eu ainda não sei. A média hoje é (uma entrada de pedidos de) 1 milhão por mês, mas pode ser 1,2 milhão, 900 mil.

Mas o sr. avalia que essa cifra é conservadora? A previsão no Orçamento com essa economia é de R$ 12,5 bilhões.

Ali no Orçamento eles fizeram outras previsões conjuntas. Eu acho que vai ficar próximo disso no final do ano: de R$ 11,5 bilhões a R$ 12 bilhões.

Quais outras ações estão sendo feitas?

Estamos fazendo (uma negociação) com a Justiça. Por exemplo: nós temos meio milhão de processos que estão na Justiça. A maioria é deferida, só que com defasagem de cinco, seis anos, em média. Eu quero fazer um sistema – que já está bem adiantado – em que eu tenha uma espécie de jurisprudência para aplicação no sistema. Ora, se eles decidem sempre que aquele tipo de recurso é concedido, para que esperar seis anos para pagar atrasado? Se eu pago em dia, de imediato, até aumenta a despesa; mas a médio e longo prazo, eu estou economizando (a correção monetária e juros). Em vez de pagar, em cinco anos, R$ 80 mil, R$ 100 mil, eu imediatamente pago R$ 20 mil. Tem um grupo junto nisso, com o Ministério da Justiça, o Ministério Público, o Ministério da Previdência Social, a AGU…

Isso deve ser lançado quando?

Eu queria que fosse antes, mas eu acho que o mais razoável é agosto.

O que mais está previsto?

Tem a telemedicina. Nós já fizemos uma experiência com mil atendimentos. Com a telemedicina, eu acelero também todos os outros tipos de atendimento da Previdência. Porque não é só o Atestmed para a pessoa que tem a licença temporária; é aposentadoria, é pensão por invalidez… Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental. A teleperícia tem que ter o perito. Desses mil casos iniciais testados, 90% foram confirmados depois in loco; em 10% houve algum tipo de erro.


Perito sempre vai ser necessário. Só que em vez de fazer do perito um vistoriador de atestado dado por um colega, eu vou botar ele para trabalhar naquilo que é fundamental

O que vem sendo feito no combate às fraudes?

Vai dar muito resultado, daqui a pouco, o convênio com o Ministério de Desenvolvimento Social. Estamos fazendo todo o cruzamento do CadÚnico com a Previdência. Vamos adotar agora um convênio com alguns sistemas para diluir a fraude da Previdência. Tem gente, por exemplo, que sai do MDS e no dia seguinte entra com pedido na Previdência Social. Isso é um cruzamento que vamos começar a ter. Eu estou entrando em acordo com o TSE, para quê? Ora, se o cara votou, está vivo, para que eu preciso de prova de vida de quem está vivo? Vamos fazer pente-fino com base em cruzamentos com sistema de informação de mortes, sistema de banco, convênio com TSE, convênio com CadÚnico…

Economistas afirmam que as despesas da Previdência no Orçamento estão subestimadas. Como avalia isso?

Não está subestimado. Na questão orçamentária, eu acho que grandes economistas trabalham com teorias que me incomodam muito. Porque teoria sobre o ser humano é tão subjetiva… eu posso calcular exatamente quantos vão morrer? Eu posso calcular quantos ficarão doentes? Eu posso colocar uma média. Mas uma variação nessa média dentro dos números do INSS é algo monstruoso. São R$ 62 bilhões por mês de investimento, dinheiro na veia da economia. Pergunte aos prefeitos: 65% das prefeituras do Brasil param se o INSS deixar de pagar. Estou dizendo isso porque não podemos tratar a Previdência como um estorvo, como um peso.

A categoria dos peritos é muito organizada. Haverá continuidade dos sucessivos programas de bônus para enfrentamento à fila?

Não haverá mais programa de bônus, não pode haver. Por quê? O programa existia para uma realidade que está acabando. Fila não acaba, porque todo mês entram 1 milhão (de novos pedidos). O prazo legal é 45 dias (de espera). E até outubro eu estou batendo 30 dias, em média.

'É claro que o Estado não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: ‘ninguém pode meter a mão no meu dinheiro’. O governo tem que encontrar o equilíbrio', afirma o ministro da Previdência. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nos bastidores, o sr. vem sendo chamado de ‘salvador do Orçamento’ por causa do potencial de economia com a revisão de gastos no INSS. Como encara essa expectativa de ser tão crucial para a meta zero, com a qual o sr. tem divergências?

São coisas distintas. A obrigação nossa é pagar corretamente a quem merece, coibir fraude e falcatrua e ser mais rápido. Se os efeitos disso dão economia, eu acho ótimo. Quem pode ser contra? Agora, eu tenho um compromisso de o Ministério da Gestão, no segundo semestre, me mandar mais 500 funcionários concursados. Porque a minha combinação com o Haddad é o seguinte: o que eu economizar, ele me dá uma parte em investimentos para a Previdência Social.

E ele está cumprindo?

Sim. Ele deu mais R$ 250 milhões para investimento em tecnologia de ponta; para ajudar no retorno do investimento para a própria Previdência. Não pode ser usado em pagamento de pessoal.


Eu gosto muito do Haddad, acho ele um homem sério. E é mais político do que eu.

O governo deve manter a meta de déficit zero?

Eu não vejo o Estado como ente lucrativo; quem tem que dar lucro é a empresa privada. É claro que o Estado também não pode ser a viúva, todo mundo tira o dinheiro da viúva. Mas também não pode ser o padrasto: “ninguém pode meter a mão no meu dinheiro”. O governo tem que encontrar o equilíbrio: uma macroeconomia que controle a inflação, mas que gere empregos; que dê reajuste real, mas que não deixe a coisa desandar. É acompanhamento diário. Mas não pode ter uma meta absoluta, fixada, porque não se alcança essa meta fixada, é quase impossível. As variantes que acontecem no mundo, elas são muito dinâmicas, muito rápidas. Essa meta zero é uma meta para dizer do compromisso do governo de fazer uma economia saudável, equilibrada. É atingível? Pouquíssimo provável.

É uma discordância em relação ao que pensa o ministro Haddad. Como avalia o trabalho dele?

Eu gosto muito dele, acho o Haddad um homem sério. E é mais político do que eu. Falo com ele de 15 em 15 dias. Nós podemos ter diferença de visão. Eu não aceito isso de dizer que a Previdência é déficit, eu vou morrer assim.

O sr. acha que ele é alvo de fogo amigo?

Todo mundo é, eu sou, ele é mais ainda. Ele é da Fazenda, tudo passa pela Fazenda. Mas ele é hábil. Te garanto que se for o Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais) ao Congresso, ele (Haddad) vai ser mais bem recebido do que os dois. Eu te afirmo.

Entrevista por Anna Carolina Papp

Editora e coordenadora de Economia do Estadão em Brasília. Paulista, graduada em jornalismo pela USP e com MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Foi editora de Economia na GloboNews no Rio e repórter do Estadão em São Paulo. Vencedora dos prêmios CNH, Andef, C6 Bank e Estadão.

Mariana Carneiro

Repórter especial de Economia em Brasília. Foi editora da Coluna do Estadão. Graduada em comunicação social pela PUC-Rio, com MBA em mercado financeiro pela B3 e especialização em análise de conjuntura econômica pela UFRJ. Foi correspondente na Argentina (2015) pela Folha de S.Paulo e também trabalhou em O Globo, TV Globo, JB e Jornal do Commercio.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.