O uso de tecnologia pode ampliar o consumo de energia. Em especial, com a tendência de as empresas adotarem a novidade da inteligência artificial generativa para os seus negócios, uma atividade que traz grande consumo de processamento de data centers. Mas ela também pode trazer soluções e ideias para que as empresas poluam menos e ganhem eficiência de produção.
Para o empresário Marco Stefanini, fundador e CEO do Grupo Stefanini, que presta consultoria e serviços de software internacionalmente, agora é o momento de o Brasil ajudar a trazer exemplos práticos e positivos de negócios impactados positivamente ao ajudarem na descarbonização do planeta, e os países perseguirem as metas climáticas.
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Para o fundador da Stefanini, é preciso pragmatismo na abordagem das definições ambientais; se o custo é muito alto, um país em desenvolvimento não vai seguir
Em novembro de 2025, o Brasil sediará a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). Até lá, o Estadão publica uma série de entrevistas para discutir problemas e soluções para a sustentabilidade e a transição climática nos mais diversos setores da economia, e as expectativas dos principais representantes do setor empresarial e da economia sobre o evento.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como uma empresa de serviços de software como a Stefanini pode ajudar no esforço de preservação do meio ambiente?
Existem empresas que são agressivas ao meio ambiente. O desafio para elas é como conseguir fazer a extração do minério, a produção do aço ou qualquer outra atividade industrial com menos agressão ao ambiente. Existem mecanismos para isso. Outras empresas vivem da sustentabilidade. Pode ser uma consultoria, ou, por exemplo, uma empresa de coleta de lixo e de reciclagem. Nós, em serviços de tecnologia, não estamos nem em um lado nem em outro. A gente não está numa atividade que vive de sustentabilidade, e também não somos uma empresa que agride o meio ambiente. Talvez, hoje a atividade que mais agrida o meio ambiente, do ponto de vista computacional, é o uso de data center, porque ele consome muita energia. Mas estou na outra ponta, de agregar valor, em construir valor, então, a gente entende que nossa forma de contribuir para o esforço de preservação do meio ambiente é trazer soluções que ajudem, principalmente, a indústria, a reduzir o consumo de energia, a evitar desperdícios, e a monitorar corretamente se ocorre algum desvio, algum problema de vazamento, alguma coisa assim.
Um dos grandes impactos previstos em consumo de energia de data centers tem relação com o aumento do uso de inteligência artificial (IA). Como evitar uma disparada do consumo, agora que as empresas se voltam para essa tendência?
Faço parte do time que pensa que IA é um divisor de águas, e que terá impacto mais positivo do que negativo para a sociedade. Mas um dos pontos negativos é exatamente o consumo de energia. À medida que você direciona o seu foco para sistemas que usem IA de maneira eficiente, o consumo de energia é compensado por uma eficiência do outro lado. Quanto menos as pessoas ficarem fazendo perguntas mais triviais para IA, ajudamos a reduzir o consumo. Então, esse é o nosso papel, ajudar as pessoas nas empresas utilizarem de forma mais focada e eficiente a tecnologia.
Mas, antes mesmo da explosão da IA generativa, já havia a preocupação com o meio ambiente em projetos tecnológicos criados pela consultoria?
Quando pensamos no nosso negócio principal, que são as soluções de tecnologia, temos casos que foram premiados pela abordagem ambiental, como um para a Vale, por exemplo. Utilizamos tecnologia que permite perceber qualquer situação estranha que possa causar um vazamento num mineroduto da Vale. Por exemplo, um problema que levaria sete dias para ser notado pode ser percebido em cinco minutos. A Vale tem uma preocupação genuína, depois de todos os acidentes ocorridos, com o meio ambiente. Outros projetos deles envolvem a mineração, que costuma acontecer com a exploração em regiões distantes. Sensores espalhados pela área vão coletando em tempo real o que está acontecendo. Então, pequenos desvios percebidos por aqueles sensores podem sinalizar um determinado problema e, assim, é possível agir com antecedência, antes dele explodir.
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Que outros setores se beneficiam de projetos assim?
Em siderurgia, qualquer ação que traga redução do consumo de energia num forno é perfeito. Produzir o mesmo com menos consumo de energia é um grande ganho. Outro exemplo é para grandes empresas de distribuição de água. Hoje, em praticamente todas as cidades grandes do mundo, qualquer sistema de água é antigo. Assim, com exceção do Japão, existe em todas elas um índice de perda muito grande. Por isso, nós construímos sistemas para perceber onde estão os grandes desperdícios, para as empresas poderem minimizar isso. Eles trazem realmente um ganho de eficiência para a empresa, e para a sociedade como um todo, mesmo no Brasil, que é um país beneficiado pela abundância de água.
Esses tipos de projetos exigem investimentos muito altos?
Não. Afinal, não adianta fazer grandes projetos ou investir o dinheiro todo da empresa para diminuir o consumo de energia. Assim, ninguém estará disposto a investir neles. Com uma abordagem muito pragmática, é possível ter um enorme retorno sobre o investimento, não só do ponto de vista financeiro, mas também na diminuição do impacto ao meio ambiente. Isso traz ganhos muito superiores do que conseguimos evitando, por exemplo, o consumo de copos de plástico ou de papel, que obviamente também causam impacto ao longo do tempo. Mas uma grande indústria, muitas vezes, representa o consumo de energia de uma cidade inteira. E não adianta criticar o setor industrial, porque ninguém vai querer que parem de produzir. A sociedade não vai deixar de ter o seu computador, o celular. A saída é saber como produzir de maneira mais limpa. Por isso, precisamos escolher as prioridades, adotar as ações que realmente terão mais impacto financeiro e para o meio ambiente. Eu não diria que em todos, mas, em 90% dos projetos é possível trazer um benefício para os dois lados, financeiro e ambiental. E o investimento pode ser muito baixo. Na área industrial, como ela é intensiva de capital, os investimentos que a gente propõe são muito baixos em relação ao retorno.
Em um ano teremos a realização da COP-30 em Belém. O que o Brasil precisa fazer para poder dar um bom exemplo ao mundo?
Como acredito no pragmatismo, acho que o melhor que o Brasil tem a oferecer é exatamente uma estratégia prática. É preciso sair da visão mais teórica, e transmitir uma abordagem bastante realista, mostrando como se agrega valor para planos voltados ao meio ambiente.
E como fazer isso?
Por meio de exemplos concretos. Na reunião do B-20 (fórum de empresários dos países e das regiões representados no G-20, que ocorreu em novembro, em São Paulo), em que participei como um dos 15 conselheiros, a minha principal sugestão desde o início foi buscar aterrissar os temas importantes que estávamos tratando, trazer para o mundo concreto esses temas. Existem populações e países que são contra as ações ambientais, e por isso não buscam ajudar o meio ambiente. Mas eu diria que a maioria tem um discurso favorável, mas não faz porque tem mais dificuldades em saber como ajudar. Então, quando você leva exemplos concretos, você tangibiliza as discussões. Você facilita tanto na realização das ações como em conseguir o retorno do investimento. No B-20, nós sugerimos, e fizemos a toque de caixa, em dez dias, um site em que reunimos vários exemplos concretos de IA que agregou valor ao meio ambiente. Então, aqui na COP em Belém, podemos fazer algo na mesma linha. E isso serviria como um legado para a próxima reunião. A cada ano se faz uma série de discursos, mas o que tiramos daquilo? Existem aquelas cartas, aqueles documentos, toda essa parte mais diplomática, e a busca por consenso. Mas tudo isso é uma ideia. É algo que todo mundo pode ter. A minha visão é que, se pudéssemos reunir casos concretos e que servem ao mundo desenvolvido, a países emergentes e a subdesenvolvidos, então, a reunião no Brasil traria valor para o mundo.
Esses exemplos concretos seriam tanto pelo lado das empresas, mas também ações governamentais e regulatórias?
Sim. Dei mais exemplos corporativos, pois é o meu mundo, mas tudo isso serve também para governos. Temos de tomar cuidado com as metas que definimos, porque elas direcionam um comportamento. Assim como as leis. Então, se existem exemplos práticos da sociedade, não só do Brasil, que podemos pegar, como uma determinada lei aplicada e que deu retorno, vai ser positivo. Não é tudo que dá certo. Então, temos de buscar as leis implementadas em determinados países e que mudaram o comportamento da sociedade, e que exigiram um baixo custo de implementação. Até porque, se o custo é muito alto, um país desenvolvido pode suportar, mas um país em desenvolvimento não vai conseguir. Pode ser a lei mais linda do mundo, mas não adianta. As pessoas precisam comer. Existem casos, por exemplo, como a reciclagem de alumínio que o Brasil faz, e que é algo super bom. É algo simples e que encaixou o ambiental e o social juntos. Pode-se dizer que a pessoa tem um subtrabalho, mas, infelizmente, é o que a gente tem para hoje. Podemos pegar esses casos, da sociedade em geral, de hábitos, campanhas de marketing, leis, negócios, e juntar tudo. Fala-se muito de dinheiro, de que precisamos de tantos bilhões, mas hoje o mundo está muito endividado. Se levarmos sugestões que exigem um investimento menor, é muito mais fácil para os países e os líderes adotarem. Ou então, ficaremos só no discurso, e, na prática, nada acontece. E isso é o que tem acontecido. Acontecem alguns avanços e muitos retrocessos.