Dentre as principais contribuições de Delfim Netto – morto nesta segunda-feira, 12, aos 96 anos – para a economia brasileira, estão as conclusões de sua tese de livre-docência, “O Problema do Café no Brasil”. “Aquela tese é impressionante mesmo 65 anos depois. Quando ele escreveu, o Brasil tinha uma dependência do comércio exterior do café, e as oscilações do preço do café pressionavam a taxa de câmbio. Então, ele aborda esse tema da necessidade de diversificar a pauta de exportações do País”, diz o economista Marcos Lisboa. Para ele, os estudos de Delfim para entender as dificuldades do agro brasileiro e a posterior criação de um grupo de trabalho para analisar o problema foram chaves no surgimento da Embrapa.
Lisboa afirma, porém, que, no Ministério da Fazenda, Delfim adotou uma postura intervencionista, o que o levou ao fracasso. Acrescenta que esse modo de ver a atuação do Estado se difundiu pelo País. “Essa abordagem, infelizmente, continua dominante no Brasil entre a esquerda e a direita. Não à toa, Delfim continua influente entre a esquerda e a direita.”
Qual a importância de Delfim para a economia brasileira?
O Delfim tem algumas contribuições importantes para a economia brasileira pouco reconhecidas. Uma delas decorre da tese de livre-docência dele: “O Problema do Café no Brasil”. Aquela tese é impressionante mesmo 65 anos depois. Quando ele escreveu, o Brasil tinha uma dependência do comércio exterior do café, e as oscilações do preço pressionavam a taxa de câmbio. Então, ele aborda esse tema da necessidade de diversificar a pauta de exportações do País. Naquele período, nossa agricultura, ao contrário da lenda, não era grande coisa. O ponto era entender porque ela tinha dificuldade para se expandir e diversificar a pauta de exportações. Aí ele monta, já como ministro, um grupo de trabalho para entender o problema. O grupo chega à conclusão de que o solo, em várias regiões, era pobre em nutrientes e de que boa parte dos grãos, como a soja, era desenvolvido para países temperados, não tropicais. Portanto, tinha de desenvolver tecnologia para tropicalizar a agricultura. Daí que sai a Embrapa, formada por um grupo genial liderado por Eliseu Alves. Acho que essa foi a política de desenvolvimento mais bem sucedida do Brasil. Ela diversificou a pauta brasileira e colaborou para resolver os velhos problemas de restrição nas contas externas. Então, o Delfim tem um trabalho acadêmico impressionante e depois tem esse impacto na economia do País que dá benefícios até hoje: o custo da alimentação no Brasil despencou em 50 anos e o País tem um agro moderno, que fortalece as contas externas
Como avalia o trabalho dele como ministro da Fazenda?
Tem esse outro lado do Delfim, que é o lado intervencionista. É preciso separar a importância do Estado para o desenvolvimento e a forma como o Estado atua. O Estado é fundamental para o desenvolvimento, para criar marcos regulatórios e estimular a concorrência. Mas também pode atuar discricionariamente selecionando empresas e intervindo em preço. Delfim era dessa segunda escola, de colocar o Estado atuando em preços, por exemplo. Aí acho que o Delfim é filho de sua época, de quando se via que o Estado tinha de entrar discricionariamente. Ele fez isso no governo Médici, o que agravou uma crise que se anunciava com a explosão do preço das commodities no mundo. Ele fez isso também no governo Figueiredo, controlando o câmbio, e isso fracassou. Mas, para mérito dele, depois desse fracasso, ele e o Affonso Celso Pastore conseguiram tirar o País de uma grave recessão e entregá-lo com uma inflação alta, mas estável. Também recuperaram parte das contas externas do País.
Como vê a participação de Delfim na ditadura?
A ditadura foi deplorável, e o Delfim teve participação importante no governo Médici e no AI-5.
Qual o legado dele?
Naturalmente, a participação na ditadura foi deplorável, e acaba deixando de lado o cuidado que ele tinha em acompanhar a teoria econômica e as evidências. Fez parte de uma USP dos anos 50, com Alice Canabrava e Luiz Bueno, que formou uma geração dos melhores economistas brasileiros, com muita atenção à evidência e a acompanhar mudanças na economia e nos dados. Isso se perdeu um pouco. Depois, ficou essa abordagem intervencionista discricionária, difusa no País. Essa abordagem, infelizmente, continua dominante no País entre a esquerda e a direita. Não à toa, Delfim continua influente entre a esquerda e a direita. No fim da vida, me aproximei dele. A gente deixava nossas diferenças de lado. Ele tinha a habilidade da conversa, da troca de ideias, de construir pontes. Era uma pessoa muito surpreendente. Tinha opiniões criativas, originais. A gente trocava e-mails sobre colunas. Ele me criticava de maneira indireta, e eu ria. Mas era uma conversa sempre muito instigante.