‘É preciso pensar dez vezes antes de criar uma política pública nova’, afirma Marcos Mendes


Economista e pesquisador do Insper diz que dificuldade de gestão e influência política dificultam iniciativas públicas bem-sucedidas para os problemas do Brasil; apesar do cenário adverso, Mendes organizou um livro com 11 políticas de sucesso implantadas no País

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Entrevista comMarcos MendesEconomista e pesquisador do Insper

BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes lança nesta quarta-feira, 27, um livro que trata de políticas públicas adotadas no Brasil que tiveram sucesso. Em 11 capítulos, o pesquisador do Insper organiza uma série de textos com nomes relevantes no debate público brasileiro sobre os mais diversos temas, como ensino médio integral, criação do Pix, marco do saneamento e adoção de cadastro único.

Mendes conta que o livro Políticas Públicas Bem-Sucedidas – Lições para o Bem Comum surgiu como uma reação ao livro publicado por ele em 2022, que tinha o caminho oposto e apontava políticas que não trouxeram o resultado esperado.

“Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema”, diz Marcos Mendes ao Estadão. “São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas.”

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Na entrevista, o economista aponta que, embora haja um roteiro claro para políticas de sucesso, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, porque as iniciativas que mais prosperam “são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir alguma política”.

“No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa da dificuldade de gestão, de influência política”, afirma. “Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova, porque a chance de fracasso é maior do que a de sucesso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com base no livro, o que é possível que as políticas públicas bem-sucedidas tenham em comum?

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São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas. Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema. Por exemplo, a questão do Ensino Médio em tempo integral. Tem o caso clássico de alta evasão de adolescentes. Identifica quais são os problemas, como a baixa identificação com as disciplinas que estão sendo cursadas, a falta de um projeto de vida daquele adolescente, a baixa qualidade do ensino. Tem também um problema de o adolescente ficar muito tempo na rua e exposto à violência. E, a partir desses problemas, você vê que o Ensino Médio em tempo integral ajuda a solucionar todos esses problemas. O diagnóstico é a primeira coisa.

O segundo ponto é que o desenho e a qualidade da implementação fazem toda a diferença. Tem os casos da PPP (Parceria Público Privada) de estádio de futebol. A Bahia fez uma que deu super certo, e Pernambuco fez uma que deu super errado. Basicamente, porque o desenho do contrato foi mal feito, os incentivos estabelecidos foram mal feitos. A qualidade do desenho da implementação faz muita diferença. O terceiro ponto é que muitas políticas precisam ser avaliadas ex-ante, durante a implantação e depois. Para fazer isso, tem de fazer um desenho de política bem pensado, criar condições para poder fazer essa avaliação, ter um grupo de controle claro.

Poderia exemplificar?

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No caso da implementação de câmeras nos uniformes policiais, Santa Catarina e São Paulo adotaram políticas bem desenhadas no sentido de que criaram o contrafactual, a possibilidade de comparar. Santa Catarina sorteou quais eram os policiais que iriam usar câmera no fardamento, para poder comparar o desempenho deles com outros que estavam atuando sem as câmeras. E São Paulo fez uma implementação faseada, de modo que alguns batalhões tinham câmeras, mas outros não. Você também podia comparar – e tudo isso feito com muito cuidado no desenho da política. Não é só pegar, pendurar a câmera no uniforme do policial e mandá-lo para a rua. Tem de ter todo o sistema de processamento dessas informações, o que vão usar, como vão armazenar as filmagens, se vão usar para treinamento ou só para monitoramento e verificação das ações.

Mais uma vez, houve uma experiência bem-sucedida de São Paulo e Santa Catarina, e teve uma experiência pessimamente sucedida do Rio. O governo do Rio fez de má vontade, de qualquer jeito, e houve alta rejeição de parte dos policiais. Não tinha uma gestão, um comando ensinando e explicando a importância de colocar as câmeras. Quando você tem um treinamento, uma estratégia gradual de implementação, e essa estratégia de avaliação, a chance de a política dar certo é muito maior.

Há, então, um caminho claro para uma política pública ter sucesso. Por que não vemos isso com frequência no Brasil?

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São vários os motivos. Primeiro, porque fazer bem feito dá trabalho; nem sempre você tem competência dentro do setor público para fazer isso. O caso das câmeras, por exemplo, foi um movimento de organizações sociais de fora do governo, com capacidade analítica para propor aos governos. Em segundo lugar, tem o velho problema dos interesses estabelecidos. As políticas que mais prosperam são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir aquela política. Em vez de sair do diagnóstico de um problema, sai de uma demanda ou de um benefício que algum grupo quer ter. Isso é muito comum, por exemplo, no caso da educação. Os sindicatos de professores comandam as demandas e resistem fortemente a muitas políticas que comprovadamente aumentam a qualidade da educação, como bonificar professores conforme o desempenho. Vai muito da capacidade dos governos de implementar, de resistir a grupos de pressão e ter competências para fazer o diagnóstico e programação de políticas de forma mais cuidadosa.

E aí a avaliação se torna ainda mais importante para fugir desses grupos de interesse…

É importante porque mostra o resultado concreto. E é preciso avaliar até mesmo as políticas que já são consolidadas e foram bem sucedidas em outros lugares, porque o dia a dia da aplicação prática tem muitas idiossincrasias. Às vezes, tem algum procedimento prático na implementação da política que não foi bem feito, e o resultado lá na ponta é diferente do que se espera.

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É preciso avaliar até as políticas consolidadas, diz Marcos Mendes Foto: Amanda Perobelli/Estadv£o

O livro olha para políticas internas, mas é possível dizer qual é o patamar da qualidade das políticas do Brasil na comparação com as principais economias?

Os vários atores analisaram experiências nacionais e se elas foram bem sucedidas ou não. Mas, no geral, quando você avalia as políticas públicas brasileiras, ainda tem muito chão para andar. Veja, por exemplo, uma questão, que não está no livro, mas é um tema sempre abordado: a dificuldade de fazer o básico, de alfabetizar a criança. Alfabetizar a criança na idade certa ainda é um desafio para uma rede escolar pública, que está consolidada há décadas, mas até hoje não encontrou ou não aceitou os métodos mais eficientes de fazer a alfabetização. Tem o exemplo do Ceará, que é um caso de sucesso, mas a maioria do País não consegue fazer. A gente tem muito terreno para melhorar em termos de qualidade e, no Brasil, temos a ideia de que é sempre a questão é colocar dinheiro. Se alguma coisa não está dando certo, coloca mais dinheiro. Se a educação está atrasada, cria um super Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) com uma montanha de dinheiro do governo federal. O Fundeb mais do que dobrou a despesa em termos reais e os resultados educacionais continuam os mesmos, porque o que precisa é melhorar a forma como se implementa lá na ponta. Tem uma outra coisa que saiu de aprendizado desse livro, que é a importância do federalismo.

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Poderia explicar?

Quando existem vários governos estaduais tentando fazer as coisas cada uma na sua estratégia, algumas dão certo, e outras não. Os outros podem copiar as que deram certo. É um ambiente de experimentalismo. Se você tivesse um governo unitário, com tudo saindo de Brasília, não haveria essa diversidade. Na hora que você tem diversos governos, a nossa organização federativa, que, em geral, a gente sempre vê como geradora de problemas, na prática, na implementação de políticas públicas, tem um terreno para ganho de eficiência e até de competição entre os governos. Cada um querendo fazer melhor que o outro, querendo ter melhores resultados. Se for possível, de alguma forma, incentivar esse tipo de competição e essa aferição dos sucessos dos Estados e dos municípios, isso gera um movimento positivo para o País.

Qual é o tamanho do desafio para que boas políticas públicas perpassem vários governos?

Essa é uma outra questão que a gente vê no livro. É o desafio de perenizar as boas políticas. Por exemplo, tem a estratégia de saúde da família. Em vários momentos, houve o risco de interrupção, redução do financiamento ou mudança de direcionamento. O que aconteceu é que a política bem-sucedida cria anticorpos contra a descontinuidade ou ao desvirtuamento, porque a população cobra aquele resultado. Uma outra lição é que é preciso ir aperfeiçoando e aprofundando, dizendo o que pode melhorar na política ao longo do tempo.

Qual é a importância desse aperfeiçoamento?

Tem também o caso tratado no livro do programa de prevenção de desmatamento da Amazônia. Começou como um sucesso estrondoso, com o uso de satélites para monitorar as áreas que estavam sendo devastadas. Você conseguia detectar com clareza e mandar a fiscalização e a repressão. Houve uma queda brutal do desmatamento e das queimadas, mas isso foi esmaecendo com o tempo e aí diminuiu a fiscalização e a intensidade da repressão. E, ao mesmo tempo, você não consegue manter uma política só com repressão; tem que criar mecanismos para desestimular o desmatamento e outras oportunidades econômicas no local para substituir o desmatamento. E isso não se conseguiu fazer, e aí a política foi perdendo potência ao longo do tempo.

É muito difícil você ter uma política bem-sucedida. É a última lição que o livro traz. Isso nos leva a crer que não dá para ficar fazendo política pública para tudo, o tempo todo. No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa de todas essas condicionais que falei, da dificuldade de gestão, de influência política. Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova.

BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes lança nesta quarta-feira, 27, um livro que trata de políticas públicas adotadas no Brasil que tiveram sucesso. Em 11 capítulos, o pesquisador do Insper organiza uma série de textos com nomes relevantes no debate público brasileiro sobre os mais diversos temas, como ensino médio integral, criação do Pix, marco do saneamento e adoção de cadastro único.

Mendes conta que o livro Políticas Públicas Bem-Sucedidas – Lições para o Bem Comum surgiu como uma reação ao livro publicado por ele em 2022, que tinha o caminho oposto e apontava políticas que não trouxeram o resultado esperado.

“Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema”, diz Marcos Mendes ao Estadão. “São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas.”

Na entrevista, o economista aponta que, embora haja um roteiro claro para políticas de sucesso, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, porque as iniciativas que mais prosperam “são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir alguma política”.

“No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa da dificuldade de gestão, de influência política”, afirma. “Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova, porque a chance de fracasso é maior do que a de sucesso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com base no livro, o que é possível que as políticas públicas bem-sucedidas tenham em comum?

São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas. Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema. Por exemplo, a questão do Ensino Médio em tempo integral. Tem o caso clássico de alta evasão de adolescentes. Identifica quais são os problemas, como a baixa identificação com as disciplinas que estão sendo cursadas, a falta de um projeto de vida daquele adolescente, a baixa qualidade do ensino. Tem também um problema de o adolescente ficar muito tempo na rua e exposto à violência. E, a partir desses problemas, você vê que o Ensino Médio em tempo integral ajuda a solucionar todos esses problemas. O diagnóstico é a primeira coisa.

O segundo ponto é que o desenho e a qualidade da implementação fazem toda a diferença. Tem os casos da PPP (Parceria Público Privada) de estádio de futebol. A Bahia fez uma que deu super certo, e Pernambuco fez uma que deu super errado. Basicamente, porque o desenho do contrato foi mal feito, os incentivos estabelecidos foram mal feitos. A qualidade do desenho da implementação faz muita diferença. O terceiro ponto é que muitas políticas precisam ser avaliadas ex-ante, durante a implantação e depois. Para fazer isso, tem de fazer um desenho de política bem pensado, criar condições para poder fazer essa avaliação, ter um grupo de controle claro.

Poderia exemplificar?

No caso da implementação de câmeras nos uniformes policiais, Santa Catarina e São Paulo adotaram políticas bem desenhadas no sentido de que criaram o contrafactual, a possibilidade de comparar. Santa Catarina sorteou quais eram os policiais que iriam usar câmera no fardamento, para poder comparar o desempenho deles com outros que estavam atuando sem as câmeras. E São Paulo fez uma implementação faseada, de modo que alguns batalhões tinham câmeras, mas outros não. Você também podia comparar – e tudo isso feito com muito cuidado no desenho da política. Não é só pegar, pendurar a câmera no uniforme do policial e mandá-lo para a rua. Tem de ter todo o sistema de processamento dessas informações, o que vão usar, como vão armazenar as filmagens, se vão usar para treinamento ou só para monitoramento e verificação das ações.

Mais uma vez, houve uma experiência bem-sucedida de São Paulo e Santa Catarina, e teve uma experiência pessimamente sucedida do Rio. O governo do Rio fez de má vontade, de qualquer jeito, e houve alta rejeição de parte dos policiais. Não tinha uma gestão, um comando ensinando e explicando a importância de colocar as câmeras. Quando você tem um treinamento, uma estratégia gradual de implementação, e essa estratégia de avaliação, a chance de a política dar certo é muito maior.

Há, então, um caminho claro para uma política pública ter sucesso. Por que não vemos isso com frequência no Brasil?

São vários os motivos. Primeiro, porque fazer bem feito dá trabalho; nem sempre você tem competência dentro do setor público para fazer isso. O caso das câmeras, por exemplo, foi um movimento de organizações sociais de fora do governo, com capacidade analítica para propor aos governos. Em segundo lugar, tem o velho problema dos interesses estabelecidos. As políticas que mais prosperam são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir aquela política. Em vez de sair do diagnóstico de um problema, sai de uma demanda ou de um benefício que algum grupo quer ter. Isso é muito comum, por exemplo, no caso da educação. Os sindicatos de professores comandam as demandas e resistem fortemente a muitas políticas que comprovadamente aumentam a qualidade da educação, como bonificar professores conforme o desempenho. Vai muito da capacidade dos governos de implementar, de resistir a grupos de pressão e ter competências para fazer o diagnóstico e programação de políticas de forma mais cuidadosa.

E aí a avaliação se torna ainda mais importante para fugir desses grupos de interesse…

É importante porque mostra o resultado concreto. E é preciso avaliar até mesmo as políticas que já são consolidadas e foram bem sucedidas em outros lugares, porque o dia a dia da aplicação prática tem muitas idiossincrasias. Às vezes, tem algum procedimento prático na implementação da política que não foi bem feito, e o resultado lá na ponta é diferente do que se espera.

É preciso avaliar até as políticas consolidadas, diz Marcos Mendes Foto: Amanda Perobelli/Estadv£o

O livro olha para políticas internas, mas é possível dizer qual é o patamar da qualidade das políticas do Brasil na comparação com as principais economias?

Os vários atores analisaram experiências nacionais e se elas foram bem sucedidas ou não. Mas, no geral, quando você avalia as políticas públicas brasileiras, ainda tem muito chão para andar. Veja, por exemplo, uma questão, que não está no livro, mas é um tema sempre abordado: a dificuldade de fazer o básico, de alfabetizar a criança. Alfabetizar a criança na idade certa ainda é um desafio para uma rede escolar pública, que está consolidada há décadas, mas até hoje não encontrou ou não aceitou os métodos mais eficientes de fazer a alfabetização. Tem o exemplo do Ceará, que é um caso de sucesso, mas a maioria do País não consegue fazer. A gente tem muito terreno para melhorar em termos de qualidade e, no Brasil, temos a ideia de que é sempre a questão é colocar dinheiro. Se alguma coisa não está dando certo, coloca mais dinheiro. Se a educação está atrasada, cria um super Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) com uma montanha de dinheiro do governo federal. O Fundeb mais do que dobrou a despesa em termos reais e os resultados educacionais continuam os mesmos, porque o que precisa é melhorar a forma como se implementa lá na ponta. Tem uma outra coisa que saiu de aprendizado desse livro, que é a importância do federalismo.

Poderia explicar?

Quando existem vários governos estaduais tentando fazer as coisas cada uma na sua estratégia, algumas dão certo, e outras não. Os outros podem copiar as que deram certo. É um ambiente de experimentalismo. Se você tivesse um governo unitário, com tudo saindo de Brasília, não haveria essa diversidade. Na hora que você tem diversos governos, a nossa organização federativa, que, em geral, a gente sempre vê como geradora de problemas, na prática, na implementação de políticas públicas, tem um terreno para ganho de eficiência e até de competição entre os governos. Cada um querendo fazer melhor que o outro, querendo ter melhores resultados. Se for possível, de alguma forma, incentivar esse tipo de competição e essa aferição dos sucessos dos Estados e dos municípios, isso gera um movimento positivo para o País.

Qual é o tamanho do desafio para que boas políticas públicas perpassem vários governos?

Essa é uma outra questão que a gente vê no livro. É o desafio de perenizar as boas políticas. Por exemplo, tem a estratégia de saúde da família. Em vários momentos, houve o risco de interrupção, redução do financiamento ou mudança de direcionamento. O que aconteceu é que a política bem-sucedida cria anticorpos contra a descontinuidade ou ao desvirtuamento, porque a população cobra aquele resultado. Uma outra lição é que é preciso ir aperfeiçoando e aprofundando, dizendo o que pode melhorar na política ao longo do tempo.

Qual é a importância desse aperfeiçoamento?

Tem também o caso tratado no livro do programa de prevenção de desmatamento da Amazônia. Começou como um sucesso estrondoso, com o uso de satélites para monitorar as áreas que estavam sendo devastadas. Você conseguia detectar com clareza e mandar a fiscalização e a repressão. Houve uma queda brutal do desmatamento e das queimadas, mas isso foi esmaecendo com o tempo e aí diminuiu a fiscalização e a intensidade da repressão. E, ao mesmo tempo, você não consegue manter uma política só com repressão; tem que criar mecanismos para desestimular o desmatamento e outras oportunidades econômicas no local para substituir o desmatamento. E isso não se conseguiu fazer, e aí a política foi perdendo potência ao longo do tempo.

É muito difícil você ter uma política bem-sucedida. É a última lição que o livro traz. Isso nos leva a crer que não dá para ficar fazendo política pública para tudo, o tempo todo. No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa de todas essas condicionais que falei, da dificuldade de gestão, de influência política. Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova.

BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes lança nesta quarta-feira, 27, um livro que trata de políticas públicas adotadas no Brasil que tiveram sucesso. Em 11 capítulos, o pesquisador do Insper organiza uma série de textos com nomes relevantes no debate público brasileiro sobre os mais diversos temas, como ensino médio integral, criação do Pix, marco do saneamento e adoção de cadastro único.

Mendes conta que o livro Políticas Públicas Bem-Sucedidas – Lições para o Bem Comum surgiu como uma reação ao livro publicado por ele em 2022, que tinha o caminho oposto e apontava políticas que não trouxeram o resultado esperado.

“Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema”, diz Marcos Mendes ao Estadão. “São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas.”

Na entrevista, o economista aponta que, embora haja um roteiro claro para políticas de sucesso, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, porque as iniciativas que mais prosperam “são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir alguma política”.

“No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa da dificuldade de gestão, de influência política”, afirma. “Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova, porque a chance de fracasso é maior do que a de sucesso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com base no livro, o que é possível que as políticas públicas bem-sucedidas tenham em comum?

São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas. Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema. Por exemplo, a questão do Ensino Médio em tempo integral. Tem o caso clássico de alta evasão de adolescentes. Identifica quais são os problemas, como a baixa identificação com as disciplinas que estão sendo cursadas, a falta de um projeto de vida daquele adolescente, a baixa qualidade do ensino. Tem também um problema de o adolescente ficar muito tempo na rua e exposto à violência. E, a partir desses problemas, você vê que o Ensino Médio em tempo integral ajuda a solucionar todos esses problemas. O diagnóstico é a primeira coisa.

O segundo ponto é que o desenho e a qualidade da implementação fazem toda a diferença. Tem os casos da PPP (Parceria Público Privada) de estádio de futebol. A Bahia fez uma que deu super certo, e Pernambuco fez uma que deu super errado. Basicamente, porque o desenho do contrato foi mal feito, os incentivos estabelecidos foram mal feitos. A qualidade do desenho da implementação faz muita diferença. O terceiro ponto é que muitas políticas precisam ser avaliadas ex-ante, durante a implantação e depois. Para fazer isso, tem de fazer um desenho de política bem pensado, criar condições para poder fazer essa avaliação, ter um grupo de controle claro.

Poderia exemplificar?

No caso da implementação de câmeras nos uniformes policiais, Santa Catarina e São Paulo adotaram políticas bem desenhadas no sentido de que criaram o contrafactual, a possibilidade de comparar. Santa Catarina sorteou quais eram os policiais que iriam usar câmera no fardamento, para poder comparar o desempenho deles com outros que estavam atuando sem as câmeras. E São Paulo fez uma implementação faseada, de modo que alguns batalhões tinham câmeras, mas outros não. Você também podia comparar – e tudo isso feito com muito cuidado no desenho da política. Não é só pegar, pendurar a câmera no uniforme do policial e mandá-lo para a rua. Tem de ter todo o sistema de processamento dessas informações, o que vão usar, como vão armazenar as filmagens, se vão usar para treinamento ou só para monitoramento e verificação das ações.

Mais uma vez, houve uma experiência bem-sucedida de São Paulo e Santa Catarina, e teve uma experiência pessimamente sucedida do Rio. O governo do Rio fez de má vontade, de qualquer jeito, e houve alta rejeição de parte dos policiais. Não tinha uma gestão, um comando ensinando e explicando a importância de colocar as câmeras. Quando você tem um treinamento, uma estratégia gradual de implementação, e essa estratégia de avaliação, a chance de a política dar certo é muito maior.

Há, então, um caminho claro para uma política pública ter sucesso. Por que não vemos isso com frequência no Brasil?

São vários os motivos. Primeiro, porque fazer bem feito dá trabalho; nem sempre você tem competência dentro do setor público para fazer isso. O caso das câmeras, por exemplo, foi um movimento de organizações sociais de fora do governo, com capacidade analítica para propor aos governos. Em segundo lugar, tem o velho problema dos interesses estabelecidos. As políticas que mais prosperam são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir aquela política. Em vez de sair do diagnóstico de um problema, sai de uma demanda ou de um benefício que algum grupo quer ter. Isso é muito comum, por exemplo, no caso da educação. Os sindicatos de professores comandam as demandas e resistem fortemente a muitas políticas que comprovadamente aumentam a qualidade da educação, como bonificar professores conforme o desempenho. Vai muito da capacidade dos governos de implementar, de resistir a grupos de pressão e ter competências para fazer o diagnóstico e programação de políticas de forma mais cuidadosa.

E aí a avaliação se torna ainda mais importante para fugir desses grupos de interesse…

É importante porque mostra o resultado concreto. E é preciso avaliar até mesmo as políticas que já são consolidadas e foram bem sucedidas em outros lugares, porque o dia a dia da aplicação prática tem muitas idiossincrasias. Às vezes, tem algum procedimento prático na implementação da política que não foi bem feito, e o resultado lá na ponta é diferente do que se espera.

É preciso avaliar até as políticas consolidadas, diz Marcos Mendes Foto: Amanda Perobelli/Estadv£o

O livro olha para políticas internas, mas é possível dizer qual é o patamar da qualidade das políticas do Brasil na comparação com as principais economias?

Os vários atores analisaram experiências nacionais e se elas foram bem sucedidas ou não. Mas, no geral, quando você avalia as políticas públicas brasileiras, ainda tem muito chão para andar. Veja, por exemplo, uma questão, que não está no livro, mas é um tema sempre abordado: a dificuldade de fazer o básico, de alfabetizar a criança. Alfabetizar a criança na idade certa ainda é um desafio para uma rede escolar pública, que está consolidada há décadas, mas até hoje não encontrou ou não aceitou os métodos mais eficientes de fazer a alfabetização. Tem o exemplo do Ceará, que é um caso de sucesso, mas a maioria do País não consegue fazer. A gente tem muito terreno para melhorar em termos de qualidade e, no Brasil, temos a ideia de que é sempre a questão é colocar dinheiro. Se alguma coisa não está dando certo, coloca mais dinheiro. Se a educação está atrasada, cria um super Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) com uma montanha de dinheiro do governo federal. O Fundeb mais do que dobrou a despesa em termos reais e os resultados educacionais continuam os mesmos, porque o que precisa é melhorar a forma como se implementa lá na ponta. Tem uma outra coisa que saiu de aprendizado desse livro, que é a importância do federalismo.

Poderia explicar?

Quando existem vários governos estaduais tentando fazer as coisas cada uma na sua estratégia, algumas dão certo, e outras não. Os outros podem copiar as que deram certo. É um ambiente de experimentalismo. Se você tivesse um governo unitário, com tudo saindo de Brasília, não haveria essa diversidade. Na hora que você tem diversos governos, a nossa organização federativa, que, em geral, a gente sempre vê como geradora de problemas, na prática, na implementação de políticas públicas, tem um terreno para ganho de eficiência e até de competição entre os governos. Cada um querendo fazer melhor que o outro, querendo ter melhores resultados. Se for possível, de alguma forma, incentivar esse tipo de competição e essa aferição dos sucessos dos Estados e dos municípios, isso gera um movimento positivo para o País.

Qual é o tamanho do desafio para que boas políticas públicas perpassem vários governos?

Essa é uma outra questão que a gente vê no livro. É o desafio de perenizar as boas políticas. Por exemplo, tem a estratégia de saúde da família. Em vários momentos, houve o risco de interrupção, redução do financiamento ou mudança de direcionamento. O que aconteceu é que a política bem-sucedida cria anticorpos contra a descontinuidade ou ao desvirtuamento, porque a população cobra aquele resultado. Uma outra lição é que é preciso ir aperfeiçoando e aprofundando, dizendo o que pode melhorar na política ao longo do tempo.

Qual é a importância desse aperfeiçoamento?

Tem também o caso tratado no livro do programa de prevenção de desmatamento da Amazônia. Começou como um sucesso estrondoso, com o uso de satélites para monitorar as áreas que estavam sendo devastadas. Você conseguia detectar com clareza e mandar a fiscalização e a repressão. Houve uma queda brutal do desmatamento e das queimadas, mas isso foi esmaecendo com o tempo e aí diminuiu a fiscalização e a intensidade da repressão. E, ao mesmo tempo, você não consegue manter uma política só com repressão; tem que criar mecanismos para desestimular o desmatamento e outras oportunidades econômicas no local para substituir o desmatamento. E isso não se conseguiu fazer, e aí a política foi perdendo potência ao longo do tempo.

É muito difícil você ter uma política bem-sucedida. É a última lição que o livro traz. Isso nos leva a crer que não dá para ficar fazendo política pública para tudo, o tempo todo. No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa de todas essas condicionais que falei, da dificuldade de gestão, de influência política. Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova.

BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes lança nesta quarta-feira, 27, um livro que trata de políticas públicas adotadas no Brasil que tiveram sucesso. Em 11 capítulos, o pesquisador do Insper organiza uma série de textos com nomes relevantes no debate público brasileiro sobre os mais diversos temas, como ensino médio integral, criação do Pix, marco do saneamento e adoção de cadastro único.

Mendes conta que o livro Políticas Públicas Bem-Sucedidas – Lições para o Bem Comum surgiu como uma reação ao livro publicado por ele em 2022, que tinha o caminho oposto e apontava políticas que não trouxeram o resultado esperado.

“Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema”, diz Marcos Mendes ao Estadão. “São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas.”

Na entrevista, o economista aponta que, embora haja um roteiro claro para políticas de sucesso, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, porque as iniciativas que mais prosperam “são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir alguma política”.

“No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa da dificuldade de gestão, de influência política”, afirma. “Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova, porque a chance de fracasso é maior do que a de sucesso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com base no livro, o que é possível que as políticas públicas bem-sucedidas tenham em comum?

São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas. Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema. Por exemplo, a questão do Ensino Médio em tempo integral. Tem o caso clássico de alta evasão de adolescentes. Identifica quais são os problemas, como a baixa identificação com as disciplinas que estão sendo cursadas, a falta de um projeto de vida daquele adolescente, a baixa qualidade do ensino. Tem também um problema de o adolescente ficar muito tempo na rua e exposto à violência. E, a partir desses problemas, você vê que o Ensino Médio em tempo integral ajuda a solucionar todos esses problemas. O diagnóstico é a primeira coisa.

O segundo ponto é que o desenho e a qualidade da implementação fazem toda a diferença. Tem os casos da PPP (Parceria Público Privada) de estádio de futebol. A Bahia fez uma que deu super certo, e Pernambuco fez uma que deu super errado. Basicamente, porque o desenho do contrato foi mal feito, os incentivos estabelecidos foram mal feitos. A qualidade do desenho da implementação faz muita diferença. O terceiro ponto é que muitas políticas precisam ser avaliadas ex-ante, durante a implantação e depois. Para fazer isso, tem de fazer um desenho de política bem pensado, criar condições para poder fazer essa avaliação, ter um grupo de controle claro.

Poderia exemplificar?

No caso da implementação de câmeras nos uniformes policiais, Santa Catarina e São Paulo adotaram políticas bem desenhadas no sentido de que criaram o contrafactual, a possibilidade de comparar. Santa Catarina sorteou quais eram os policiais que iriam usar câmera no fardamento, para poder comparar o desempenho deles com outros que estavam atuando sem as câmeras. E São Paulo fez uma implementação faseada, de modo que alguns batalhões tinham câmeras, mas outros não. Você também podia comparar – e tudo isso feito com muito cuidado no desenho da política. Não é só pegar, pendurar a câmera no uniforme do policial e mandá-lo para a rua. Tem de ter todo o sistema de processamento dessas informações, o que vão usar, como vão armazenar as filmagens, se vão usar para treinamento ou só para monitoramento e verificação das ações.

Mais uma vez, houve uma experiência bem-sucedida de São Paulo e Santa Catarina, e teve uma experiência pessimamente sucedida do Rio. O governo do Rio fez de má vontade, de qualquer jeito, e houve alta rejeição de parte dos policiais. Não tinha uma gestão, um comando ensinando e explicando a importância de colocar as câmeras. Quando você tem um treinamento, uma estratégia gradual de implementação, e essa estratégia de avaliação, a chance de a política dar certo é muito maior.

Há, então, um caminho claro para uma política pública ter sucesso. Por que não vemos isso com frequência no Brasil?

São vários os motivos. Primeiro, porque fazer bem feito dá trabalho; nem sempre você tem competência dentro do setor público para fazer isso. O caso das câmeras, por exemplo, foi um movimento de organizações sociais de fora do governo, com capacidade analítica para propor aos governos. Em segundo lugar, tem o velho problema dos interesses estabelecidos. As políticas que mais prosperam são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir aquela política. Em vez de sair do diagnóstico de um problema, sai de uma demanda ou de um benefício que algum grupo quer ter. Isso é muito comum, por exemplo, no caso da educação. Os sindicatos de professores comandam as demandas e resistem fortemente a muitas políticas que comprovadamente aumentam a qualidade da educação, como bonificar professores conforme o desempenho. Vai muito da capacidade dos governos de implementar, de resistir a grupos de pressão e ter competências para fazer o diagnóstico e programação de políticas de forma mais cuidadosa.

E aí a avaliação se torna ainda mais importante para fugir desses grupos de interesse…

É importante porque mostra o resultado concreto. E é preciso avaliar até mesmo as políticas que já são consolidadas e foram bem sucedidas em outros lugares, porque o dia a dia da aplicação prática tem muitas idiossincrasias. Às vezes, tem algum procedimento prático na implementação da política que não foi bem feito, e o resultado lá na ponta é diferente do que se espera.

É preciso avaliar até as políticas consolidadas, diz Marcos Mendes Foto: Amanda Perobelli/Estadv£o

O livro olha para políticas internas, mas é possível dizer qual é o patamar da qualidade das políticas do Brasil na comparação com as principais economias?

Os vários atores analisaram experiências nacionais e se elas foram bem sucedidas ou não. Mas, no geral, quando você avalia as políticas públicas brasileiras, ainda tem muito chão para andar. Veja, por exemplo, uma questão, que não está no livro, mas é um tema sempre abordado: a dificuldade de fazer o básico, de alfabetizar a criança. Alfabetizar a criança na idade certa ainda é um desafio para uma rede escolar pública, que está consolidada há décadas, mas até hoje não encontrou ou não aceitou os métodos mais eficientes de fazer a alfabetização. Tem o exemplo do Ceará, que é um caso de sucesso, mas a maioria do País não consegue fazer. A gente tem muito terreno para melhorar em termos de qualidade e, no Brasil, temos a ideia de que é sempre a questão é colocar dinheiro. Se alguma coisa não está dando certo, coloca mais dinheiro. Se a educação está atrasada, cria um super Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) com uma montanha de dinheiro do governo federal. O Fundeb mais do que dobrou a despesa em termos reais e os resultados educacionais continuam os mesmos, porque o que precisa é melhorar a forma como se implementa lá na ponta. Tem uma outra coisa que saiu de aprendizado desse livro, que é a importância do federalismo.

Poderia explicar?

Quando existem vários governos estaduais tentando fazer as coisas cada uma na sua estratégia, algumas dão certo, e outras não. Os outros podem copiar as que deram certo. É um ambiente de experimentalismo. Se você tivesse um governo unitário, com tudo saindo de Brasília, não haveria essa diversidade. Na hora que você tem diversos governos, a nossa organização federativa, que, em geral, a gente sempre vê como geradora de problemas, na prática, na implementação de políticas públicas, tem um terreno para ganho de eficiência e até de competição entre os governos. Cada um querendo fazer melhor que o outro, querendo ter melhores resultados. Se for possível, de alguma forma, incentivar esse tipo de competição e essa aferição dos sucessos dos Estados e dos municípios, isso gera um movimento positivo para o País.

Qual é o tamanho do desafio para que boas políticas públicas perpassem vários governos?

Essa é uma outra questão que a gente vê no livro. É o desafio de perenizar as boas políticas. Por exemplo, tem a estratégia de saúde da família. Em vários momentos, houve o risco de interrupção, redução do financiamento ou mudança de direcionamento. O que aconteceu é que a política bem-sucedida cria anticorpos contra a descontinuidade ou ao desvirtuamento, porque a população cobra aquele resultado. Uma outra lição é que é preciso ir aperfeiçoando e aprofundando, dizendo o que pode melhorar na política ao longo do tempo.

Qual é a importância desse aperfeiçoamento?

Tem também o caso tratado no livro do programa de prevenção de desmatamento da Amazônia. Começou como um sucesso estrondoso, com o uso de satélites para monitorar as áreas que estavam sendo devastadas. Você conseguia detectar com clareza e mandar a fiscalização e a repressão. Houve uma queda brutal do desmatamento e das queimadas, mas isso foi esmaecendo com o tempo e aí diminuiu a fiscalização e a intensidade da repressão. E, ao mesmo tempo, você não consegue manter uma política só com repressão; tem que criar mecanismos para desestimular o desmatamento e outras oportunidades econômicas no local para substituir o desmatamento. E isso não se conseguiu fazer, e aí a política foi perdendo potência ao longo do tempo.

É muito difícil você ter uma política bem-sucedida. É a última lição que o livro traz. Isso nos leva a crer que não dá para ficar fazendo política pública para tudo, o tempo todo. No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa de todas essas condicionais que falei, da dificuldade de gestão, de influência política. Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova.

BRASÍLIA – O economista Marcos Mendes lança nesta quarta-feira, 27, um livro que trata de políticas públicas adotadas no Brasil que tiveram sucesso. Em 11 capítulos, o pesquisador do Insper organiza uma série de textos com nomes relevantes no debate público brasileiro sobre os mais diversos temas, como ensino médio integral, criação do Pix, marco do saneamento e adoção de cadastro único.

Mendes conta que o livro Políticas Públicas Bem-Sucedidas – Lições para o Bem Comum surgiu como uma reação ao livro publicado por ele em 2022, que tinha o caminho oposto e apontava políticas que não trouxeram o resultado esperado.

“Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema”, diz Marcos Mendes ao Estadão. “São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas.”

Na entrevista, o economista aponta que, embora haja um roteiro claro para políticas de sucesso, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, porque as iniciativas que mais prosperam “são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir alguma política”.

“No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa da dificuldade de gestão, de influência política”, afirma. “Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova, porque a chance de fracasso é maior do que a de sucesso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Com base no livro, o que é possível que as políticas públicas bem-sucedidas tenham em comum?

São características comuns muito básicas, mas que, ao mesmo tempo, na prática, não são obedecidas. Quando você tem uma política bem-sucedida, o começo se deu com a análise do problema. Por exemplo, a questão do Ensino Médio em tempo integral. Tem o caso clássico de alta evasão de adolescentes. Identifica quais são os problemas, como a baixa identificação com as disciplinas que estão sendo cursadas, a falta de um projeto de vida daquele adolescente, a baixa qualidade do ensino. Tem também um problema de o adolescente ficar muito tempo na rua e exposto à violência. E, a partir desses problemas, você vê que o Ensino Médio em tempo integral ajuda a solucionar todos esses problemas. O diagnóstico é a primeira coisa.

O segundo ponto é que o desenho e a qualidade da implementação fazem toda a diferença. Tem os casos da PPP (Parceria Público Privada) de estádio de futebol. A Bahia fez uma que deu super certo, e Pernambuco fez uma que deu super errado. Basicamente, porque o desenho do contrato foi mal feito, os incentivos estabelecidos foram mal feitos. A qualidade do desenho da implementação faz muita diferença. O terceiro ponto é que muitas políticas precisam ser avaliadas ex-ante, durante a implantação e depois. Para fazer isso, tem de fazer um desenho de política bem pensado, criar condições para poder fazer essa avaliação, ter um grupo de controle claro.

Poderia exemplificar?

No caso da implementação de câmeras nos uniformes policiais, Santa Catarina e São Paulo adotaram políticas bem desenhadas no sentido de que criaram o contrafactual, a possibilidade de comparar. Santa Catarina sorteou quais eram os policiais que iriam usar câmera no fardamento, para poder comparar o desempenho deles com outros que estavam atuando sem as câmeras. E São Paulo fez uma implementação faseada, de modo que alguns batalhões tinham câmeras, mas outros não. Você também podia comparar – e tudo isso feito com muito cuidado no desenho da política. Não é só pegar, pendurar a câmera no uniforme do policial e mandá-lo para a rua. Tem de ter todo o sistema de processamento dessas informações, o que vão usar, como vão armazenar as filmagens, se vão usar para treinamento ou só para monitoramento e verificação das ações.

Mais uma vez, houve uma experiência bem-sucedida de São Paulo e Santa Catarina, e teve uma experiência pessimamente sucedida do Rio. O governo do Rio fez de má vontade, de qualquer jeito, e houve alta rejeição de parte dos policiais. Não tinha uma gestão, um comando ensinando e explicando a importância de colocar as câmeras. Quando você tem um treinamento, uma estratégia gradual de implementação, e essa estratégia de avaliação, a chance de a política dar certo é muito maior.

Há, então, um caminho claro para uma política pública ter sucesso. Por que não vemos isso com frequência no Brasil?

São vários os motivos. Primeiro, porque fazer bem feito dá trabalho; nem sempre você tem competência dentro do setor público para fazer isso. O caso das câmeras, por exemplo, foi um movimento de organizações sociais de fora do governo, com capacidade analítica para propor aos governos. Em segundo lugar, tem o velho problema dos interesses estabelecidos. As políticas que mais prosperam são aquelas que geram benefícios para grupos que se organizaram para pedir aquela política. Em vez de sair do diagnóstico de um problema, sai de uma demanda ou de um benefício que algum grupo quer ter. Isso é muito comum, por exemplo, no caso da educação. Os sindicatos de professores comandam as demandas e resistem fortemente a muitas políticas que comprovadamente aumentam a qualidade da educação, como bonificar professores conforme o desempenho. Vai muito da capacidade dos governos de implementar, de resistir a grupos de pressão e ter competências para fazer o diagnóstico e programação de políticas de forma mais cuidadosa.

E aí a avaliação se torna ainda mais importante para fugir desses grupos de interesse…

É importante porque mostra o resultado concreto. E é preciso avaliar até mesmo as políticas que já são consolidadas e foram bem sucedidas em outros lugares, porque o dia a dia da aplicação prática tem muitas idiossincrasias. Às vezes, tem algum procedimento prático na implementação da política que não foi bem feito, e o resultado lá na ponta é diferente do que se espera.

É preciso avaliar até as políticas consolidadas, diz Marcos Mendes Foto: Amanda Perobelli/Estadv£o

O livro olha para políticas internas, mas é possível dizer qual é o patamar da qualidade das políticas do Brasil na comparação com as principais economias?

Os vários atores analisaram experiências nacionais e se elas foram bem sucedidas ou não. Mas, no geral, quando você avalia as políticas públicas brasileiras, ainda tem muito chão para andar. Veja, por exemplo, uma questão, que não está no livro, mas é um tema sempre abordado: a dificuldade de fazer o básico, de alfabetizar a criança. Alfabetizar a criança na idade certa ainda é um desafio para uma rede escolar pública, que está consolidada há décadas, mas até hoje não encontrou ou não aceitou os métodos mais eficientes de fazer a alfabetização. Tem o exemplo do Ceará, que é um caso de sucesso, mas a maioria do País não consegue fazer. A gente tem muito terreno para melhorar em termos de qualidade e, no Brasil, temos a ideia de que é sempre a questão é colocar dinheiro. Se alguma coisa não está dando certo, coloca mais dinheiro. Se a educação está atrasada, cria um super Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) com uma montanha de dinheiro do governo federal. O Fundeb mais do que dobrou a despesa em termos reais e os resultados educacionais continuam os mesmos, porque o que precisa é melhorar a forma como se implementa lá na ponta. Tem uma outra coisa que saiu de aprendizado desse livro, que é a importância do federalismo.

Poderia explicar?

Quando existem vários governos estaduais tentando fazer as coisas cada uma na sua estratégia, algumas dão certo, e outras não. Os outros podem copiar as que deram certo. É um ambiente de experimentalismo. Se você tivesse um governo unitário, com tudo saindo de Brasília, não haveria essa diversidade. Na hora que você tem diversos governos, a nossa organização federativa, que, em geral, a gente sempre vê como geradora de problemas, na prática, na implementação de políticas públicas, tem um terreno para ganho de eficiência e até de competição entre os governos. Cada um querendo fazer melhor que o outro, querendo ter melhores resultados. Se for possível, de alguma forma, incentivar esse tipo de competição e essa aferição dos sucessos dos Estados e dos municípios, isso gera um movimento positivo para o País.

Qual é o tamanho do desafio para que boas políticas públicas perpassem vários governos?

Essa é uma outra questão que a gente vê no livro. É o desafio de perenizar as boas políticas. Por exemplo, tem a estratégia de saúde da família. Em vários momentos, houve o risco de interrupção, redução do financiamento ou mudança de direcionamento. O que aconteceu é que a política bem-sucedida cria anticorpos contra a descontinuidade ou ao desvirtuamento, porque a população cobra aquele resultado. Uma outra lição é que é preciso ir aperfeiçoando e aprofundando, dizendo o que pode melhorar na política ao longo do tempo.

Qual é a importância desse aperfeiçoamento?

Tem também o caso tratado no livro do programa de prevenção de desmatamento da Amazônia. Começou como um sucesso estrondoso, com o uso de satélites para monitorar as áreas que estavam sendo devastadas. Você conseguia detectar com clareza e mandar a fiscalização e a repressão. Houve uma queda brutal do desmatamento e das queimadas, mas isso foi esmaecendo com o tempo e aí diminuiu a fiscalização e a intensidade da repressão. E, ao mesmo tempo, você não consegue manter uma política só com repressão; tem que criar mecanismos para desestimular o desmatamento e outras oportunidades econômicas no local para substituir o desmatamento. E isso não se conseguiu fazer, e aí a política foi perdendo potência ao longo do tempo.

É muito difícil você ter uma política bem-sucedida. É a última lição que o livro traz. Isso nos leva a crer que não dá para ficar fazendo política pública para tudo, o tempo todo. No Brasil, a gente tem a mania de querer resolver tudo via governo, via uma nova política pública, um novo subsídio, uma nova restituição, uma nova regulação, um novo programa. E a chance de fracasso é muito maior do que a de sucesso, por causa de todas essas condicionais que falei, da dificuldade de gestão, de influência política. Um ponto importante é pensar dez vezes antes de criar uma política nova.

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Entrevista por Luiz Guilherme Gerbelli

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