BRASÍLIA – Pesquisador associado do Insper, o economista Marcos Mendes afirma que os números apresentados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sem a correção do salário mínimo acima da inflação indicam que é muito baixa a probabilidade de o governo zerar o déficit das contas públicas em 2024. Isso porque a correção real é uma política de campanha do presidente Lula e seu impacto nas despesas será incorporado no orçamento.
Ao Estadão, ele se mostrou cético com a agenda de corte de benefícios tributários para aumentar a arrecadação e fechar as contas. E alerta: o próprio governo está criando novos benefícios.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse não haver a menor chance de o presidente Lula não dar aumento acima da inflação para o salário mínimo em 2024, mas a LDO apresentada só contempla a correção pelo INPC. Qual o impacto nas metas fiscais do arcabouço, prometidas pelo ministro Haddad?
O fato de a projeção não levar em conta o reajuste real do salário mínimo, uma das principais bandeiras políticas do governo, indica baixa probabilidade de que se verifique, efetivamente, ao final de 2024, um déficit primário igual a zero. A expectativa de receita na LDO é muito otimista, um aumento de 8,8% reais ou R$ 166 bilhões. Essa previsão otimista de receita parece calcada em uma projeção igualmente otimista para o crescimento real do PIB, fixado em 2,34%. E também incorpora a expectativa de que tenham êxito as medidas para elevar a arrecadação. Por outro lado, a despesa parece bastante acanhada.
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O novo arcabouço contempla metas fiscais para estabilizar a trajetória da dívida pública. Serão cumpridas?
A minha avaliação preliminar dos dados é que, se o governo tem a intenção de atingir as metas de resultado primário, vai exigir um aumento de receita brutal. Não só em 2023, mas ao longo de 2024, 2025 e 2026. É claramente um modelo de ajuste pelo lado das receitas, permitindo que as despesas continuem crescendo. Em 2026, a receita vai ter que estar uns R$ 370 bilhões, R$ 380 bilhões acima do que está hoje. A carga tributária no Brasil já é alta. Não há muito espaço para aumentar.
A regra vincula o crescimento das despesas a 70% da variação da receita. Qual o impacto geral?
Existem despesas que não vão obedecer a essa regra, como, por exemplo, saúde e educação, que têm vinculação constitucional (ao desempenho das receitas). Cresceu a receita, tem que, no mesmo ano, aumentar os recursos para essas áreas. Tem também a pressão de aposentadorias e pensões e folha de pagamento de servidores. Isso porque tem uma política de governo exógena à regra fiscal, que determinou o crescimento real desses gastos. Tudo isso traz outro problema: vai espremer as outras despesas. Vai chegar num nível em que não será possível comprimir as outras despesas, e o governo não conseguirá cumprir a regra. Um pouco do que aconteceu com o teto de gastos. A reclamação que tinha com o teto vai ter com relação a essa regra também.
Pelos seus cálculos, em quanto tempo esse problema começará a aparecer?
Pelas minhas contas, com saúde e educação vinculadas (à receita), salário mínimo sendo corrigido pela regra de resultado do PIB dois anos atrás mais a inflação, além da folha de salários tendo crescimento real de 2% ao ano, o que não é muita coisa frente ao que estão propondo, já em 2025 o governo terá muita dificuldade de acomodar as demais despesas.
Qual o efeito disso sobre o novo arcabouço?
Pelo modelo atual, o governo vinha segurando as despesas discricionárias (não obrigatórias). É basicamente investimento, emendas parlamentares e despesas discricionárias de saúde e educação. Por esse novo modelo, não vai poder segurar porque tem um piso para investimento e tem a vinculação de saúde e educação. O espaço para contingenciar ficou muito menor.
Nesse cenário, a nova regra fiscal morre lá na frente?
Eu prevejo que não será cumprida a meta de resultado primário que eles anunciaram. Tanto é que estão propondo tirar da regra os valores (das metas) e propor separado na LDO. Vão ficar flexibilizando a regra para evitar compressão excessiva de despesas. Ou não vai ter o que cortar porque quase tudo virou despesa obrigatória.
Qual a consequência?
A regra vai se desarticular. Vai ter que ficar mudando a regra na hora de montar o orçamento e não vai ter onde cortar e contingenciar.
O governo está sinalizando que vai mudar a vinculação de saúde e educação por meio de uma PEC. Qual o impacto?
A proposta de aplicação mínima dessas duas áreas crescendo pela inflação mais o crescimento populacional já dá um bom alívio da compressão sobre as demais despesas. Também exige um aumento menor de carga tributária.
Qual é o espaço para fazer o ajuste fiscal pelo lado das receitas?
Sempre falam em redução de benefício tributário. O que vemos ao longo do tempo é aumentar em vez de reduzir. O próprio governo já anunciou novos benefícios. Foi anunciado pelo ministro Alckmin benefício para painéis solares citando um custo de R$ 600 milhões por ano. Alckmin também está falando em renovar a rota 2030 (indústria automobilística), que é um programa de baixa qualidade e mal avaliado. Vão criar um benefício para as pessoas trocarem carro velho por carro novo. São benefícios novos. Sabemos que já há uma resistência muito grande para acabar com os que já existem.
O sr. está dizendo que essa pauta que não terá sucesso?
Com a base que o governo tem no Congresso, o governo não tem capacidade de avançar nessas pautas. Ou o avanço será marginal. Até porque o próprio governo está dando mais benefício tributário.
O mercado reagiu bem ao arcabouço. Como avalia essa resposta?
Porque tinha metas de resultado primário. O cara olha e diz “o governo vai cumprir uma meta de primário e caminhar para resultados positivos”. Na hora que tirar a meta de primário (os valores das metas do projeto de lei complementar), fica frouxo o modelo, o comprometimento com o cumprimento.