‘Há um ponto de interrogação nas privatizações com tentativa de interferência na Vale’, diz Troyjo


Para o economista, Brasil está no centro do palco para atrair investimentos internacionais, mas é preciso que governo não mexa nas regras do jogo e garanta segurança jurídica

Por Célia Froufe
Foto: Gabriela Biló/ Estadão
Entrevista comMarcos TroyjoEx-presidente do Banco dos Brics e membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial

BRASÍLIA - Potenciais investidores internacionais estão de olho nas movimentações que ocorrem no Brasil, e a atuação correta do governo, principalmente em relação às grandes empresas, será fundamental para o País diminuir seu déficit de infraestrutura.

A avaliação foi feita em entrevista ao Estadão/Broadcast pelo economista e diplomata Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o chamado Banco dos Brics. “Há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale”, disse.

Para ele, o Brasil está em boas condições de atrair o capital externo, principalmente de nações que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética.

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“A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG (sigla em inglês para padrões de meio ambiente, sociais e de governança) e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante”, destacou.

Troyjo é acadêmico-visitante da Universidade de Oxford (Inglaterra) na área de Liderança Transformacional e do Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) na área de Negócios & Sociedade, na França. O ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia na gestão de Jair Bolsonaro também é membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial.

Para Troyjo, comunidade acadêmica e investidores demonstram vêem tensão entre as credenciais do Brasil Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
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Ele falou ainda sobre a possibilidade de Donald Trump socorrer a Argentina, caso vença a eleição nos Estados Unidos, por meio de renegociação do passivo do vizinho com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre a diminuição de seu otimismo com o fechamento de um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e o papel dos bancos multilaterais no desenvolvimento da infraestrutura de países emergentes.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O senhor fundou e dirigiu o BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, e hoje é professor na Europa. Quais os principais pontos de interesse lá fora sobre o Brasil?

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A comunidade acadêmica e os investidores demonstram que existe uma espécie de tensão entre as credenciais do Brasil. Com o aumento da população mundial, a guerra na Ucrânia e a falta de água na Índia, a segurança alimentar foi para o centro do palco, e o Brasil é um dos quatro maiores produtores de alimentos, o que é um ponto positivo para o Brasil. O mesmo vale para o setor energético: há uma combinação entre possibilidade de exploração cada vez maior do pré-sal e uso de hidroeletricidade e de energia fotovoltaica e eólica. Há uma transição para a economia verde, que exige uma formação de capital e de infraestrutura e que também favorece o Brasil. Mas havia a percepção de que o País iria para o oitavo ano seguido de reformas estruturais, depois da trabalhista, previdenciária, autonomia do Banco Central, marco do saneamento, lei das estatais… o País também formalizou sua entrada na OCDE, mas agora há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale. É um cabo de guerra entre as credenciais mais atraentes e as que trazem preocupação.

A aprovação da reforma tributária não estaria nessa lista?

São três pontos a serem olhados: universalidade, com mais Pessoas Físicas e Jurídicas pagando impostos; razoabilidade, com menos quantidade paga por pessoa; e modicidade: se é compatível com o que os pares estão fazendo. Existem avanços em relação ao primeiro, mas não no segundo e particularmente no terceiro. O Brasil não está apostando corrida com si mesmo, mas com o que os outros estão fazendo. A carga será de aproximadamente 33%. Na Índia, é de 19%. No México, de 20%. A média dos emergentes, incluindo China, de 22%. É muito grande um ônus de 11 pontos porcentuais sobre a decisão de investir. A reforma tributária é baseada, entre outras coisas, também no tamanho do Estado na economia. Nos governos Bolsonaro e (Michel) Temer havia a perspectiva de diminuição do seu tamanho e isso se inverteu. Para quem olha de fora, parece que o principal bônus da reforma é o símbolo político, mas em cinco anos será preciso fazer outra.

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E qual o olhar sobre a América Latina?

A redistribuição do jogo de cartas na geoeconomia é marcada por quatro grandes fatores e o adicionamento à Terra de 2 bilhões de novas pessoas, principalmente de nove países emergentes, em 25 anos é um deles. Quando cruzamos os dados, não importa a bola de cristal que se use (Bird, FMI, Fórum Econômico Mundial ou Mackenzie), o que vemos é que o crescimento vai continuar vindo dos emergentes e isso parece um dia de Sol perfeito para a América Latina, que é grande produtora de alimentos e tem uma combinação de energia fóssil com renovável. O México é o que mais está se beneficiando da rearrumação das cadeias mundiais de produção, o Uruguai passou o Chile em renda per capita, a Argentina tem um governo agora excepcional, no sentido de exceção. Há pseudo democracias na Venezuela, em Cuba… Isso mostra a América Latina em duas velocidades: a que está lendo os sinais do avanço da economia global corretamente e a que não está.

O que pode mudar na região com uma possível vitória de Trump?

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Há algo que pode fazer uma diferença importante: existe muita empatia entre o presidente argentino, Javier Milei, e Trump. Deve haver uma carga ideológica e pessoal que deve fazer muita diferença novamente sobre como Washington lidará com os países. Se levarmos em consideração que um dos passivos mais importantes da Argentina é com o FMI e que os EUA são o principal acionista do fundo, pode haver uma combinação virtuosa de alargamento de prazos e renegociações que pode ser muito interessante para a Argentina.

O senhor foi um dos principais negociadores do fechamento do acordo Mercosul-União Europeia. Acredita ainda em um resultado para o curto prazo?

Quando o acordo foi fechado, em junho de 2019, eu era o principal negociador pelo Ministério da Economia. Apertamos as mãos dos negociadores europeus, mas o texto precisava ir para o Parlamento Europeu e, depois, aos parlamentos dos membros. A Comissão Europeia não remeteu para o Parlamento Europeu. O acordo é muito grande e, ao longo do processo de tradução, ocorreram acidentes no percurso. O primeiro foi a ênfase exagerada aos incêndios no Brasil no segundo semestre e depois o ciclo eleitoral no continente europeu. Outro foram as eleições na Argentina: Mauricio Macri perdeu para Alberto Fernández e o país voltou para a tradicional catimba, para o protecionismo. Em 2022, tivemos nova chance, mas aí houve eleição no Brasil e os europeus interpretaram que o Brasil poderia reabrir o acordo no ponto do meio ambiente, o que infelizmente realmente aconteceu. O Brasil, então, foi insistir no item sobre as compras governamentais e isso levou a um impasse, como o presidente francês Emmanuel Macron falou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP de Dubai. Estou muito menos otimista hoje do que estava há cinco anos.

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O senhor comandou o Banco dos Brics. Como vê o potencial da instituição, com foco na economia sustentável e na infraestrutura e com o seu potencial aumento de sócios?

Se somarmos tudo o que Bird, BID, Banco asiático, CAF, KFW, NBD… o investimento multilateral para a cobertura de déficit de infraestrutura representa apenas 5% das necessidades. Existe ainda um abismo. E quais são os benefícios dos bancos? Rating alto, plataforma de cooperação internacional, são veículos de expansão de relações e que conseguem replicar experiências positivas e ajudar outros investidores a dar escala a projetos. No limite, no NDB, a possibilidade de participação está aberta a todos os países da ONU. Durante minha presidência, aprovamos a entrada de quatro e, com mais entradas, aumenta-se a capacidade de alavancar investimento em infraestrutura.

Inclusive para o Brasil?

Com o cenário internacional delicado, complicado e perigoso, como está, há muitas chances para o Brasil. Existe a possibilidade concreta de o País diminuir seu déficit de infraestrutura, atraindo o capital de países principalmente que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética, com portos, ferrovias, tudo aquilo que chamamos “da porteira para fora”. A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante.

BRASÍLIA - Potenciais investidores internacionais estão de olho nas movimentações que ocorrem no Brasil, e a atuação correta do governo, principalmente em relação às grandes empresas, será fundamental para o País diminuir seu déficit de infraestrutura.

A avaliação foi feita em entrevista ao Estadão/Broadcast pelo economista e diplomata Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o chamado Banco dos Brics. “Há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale”, disse.

Para ele, o Brasil está em boas condições de atrair o capital externo, principalmente de nações que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética.

“A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG (sigla em inglês para padrões de meio ambiente, sociais e de governança) e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante”, destacou.

Troyjo é acadêmico-visitante da Universidade de Oxford (Inglaterra) na área de Liderança Transformacional e do Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) na área de Negócios & Sociedade, na França. O ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia na gestão de Jair Bolsonaro também é membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial.

Para Troyjo, comunidade acadêmica e investidores demonstram vêem tensão entre as credenciais do Brasil Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Ele falou ainda sobre a possibilidade de Donald Trump socorrer a Argentina, caso vença a eleição nos Estados Unidos, por meio de renegociação do passivo do vizinho com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre a diminuição de seu otimismo com o fechamento de um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e o papel dos bancos multilaterais no desenvolvimento da infraestrutura de países emergentes.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O senhor fundou e dirigiu o BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, e hoje é professor na Europa. Quais os principais pontos de interesse lá fora sobre o Brasil?

A comunidade acadêmica e os investidores demonstram que existe uma espécie de tensão entre as credenciais do Brasil. Com o aumento da população mundial, a guerra na Ucrânia e a falta de água na Índia, a segurança alimentar foi para o centro do palco, e o Brasil é um dos quatro maiores produtores de alimentos, o que é um ponto positivo para o Brasil. O mesmo vale para o setor energético: há uma combinação entre possibilidade de exploração cada vez maior do pré-sal e uso de hidroeletricidade e de energia fotovoltaica e eólica. Há uma transição para a economia verde, que exige uma formação de capital e de infraestrutura e que também favorece o Brasil. Mas havia a percepção de que o País iria para o oitavo ano seguido de reformas estruturais, depois da trabalhista, previdenciária, autonomia do Banco Central, marco do saneamento, lei das estatais… o País também formalizou sua entrada na OCDE, mas agora há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale. É um cabo de guerra entre as credenciais mais atraentes e as que trazem preocupação.

A aprovação da reforma tributária não estaria nessa lista?

São três pontos a serem olhados: universalidade, com mais Pessoas Físicas e Jurídicas pagando impostos; razoabilidade, com menos quantidade paga por pessoa; e modicidade: se é compatível com o que os pares estão fazendo. Existem avanços em relação ao primeiro, mas não no segundo e particularmente no terceiro. O Brasil não está apostando corrida com si mesmo, mas com o que os outros estão fazendo. A carga será de aproximadamente 33%. Na Índia, é de 19%. No México, de 20%. A média dos emergentes, incluindo China, de 22%. É muito grande um ônus de 11 pontos porcentuais sobre a decisão de investir. A reforma tributária é baseada, entre outras coisas, também no tamanho do Estado na economia. Nos governos Bolsonaro e (Michel) Temer havia a perspectiva de diminuição do seu tamanho e isso se inverteu. Para quem olha de fora, parece que o principal bônus da reforma é o símbolo político, mas em cinco anos será preciso fazer outra.

E qual o olhar sobre a América Latina?

A redistribuição do jogo de cartas na geoeconomia é marcada por quatro grandes fatores e o adicionamento à Terra de 2 bilhões de novas pessoas, principalmente de nove países emergentes, em 25 anos é um deles. Quando cruzamos os dados, não importa a bola de cristal que se use (Bird, FMI, Fórum Econômico Mundial ou Mackenzie), o que vemos é que o crescimento vai continuar vindo dos emergentes e isso parece um dia de Sol perfeito para a América Latina, que é grande produtora de alimentos e tem uma combinação de energia fóssil com renovável. O México é o que mais está se beneficiando da rearrumação das cadeias mundiais de produção, o Uruguai passou o Chile em renda per capita, a Argentina tem um governo agora excepcional, no sentido de exceção. Há pseudo democracias na Venezuela, em Cuba… Isso mostra a América Latina em duas velocidades: a que está lendo os sinais do avanço da economia global corretamente e a que não está.

O que pode mudar na região com uma possível vitória de Trump?

Há algo que pode fazer uma diferença importante: existe muita empatia entre o presidente argentino, Javier Milei, e Trump. Deve haver uma carga ideológica e pessoal que deve fazer muita diferença novamente sobre como Washington lidará com os países. Se levarmos em consideração que um dos passivos mais importantes da Argentina é com o FMI e que os EUA são o principal acionista do fundo, pode haver uma combinação virtuosa de alargamento de prazos e renegociações que pode ser muito interessante para a Argentina.

O senhor foi um dos principais negociadores do fechamento do acordo Mercosul-União Europeia. Acredita ainda em um resultado para o curto prazo?

Quando o acordo foi fechado, em junho de 2019, eu era o principal negociador pelo Ministério da Economia. Apertamos as mãos dos negociadores europeus, mas o texto precisava ir para o Parlamento Europeu e, depois, aos parlamentos dos membros. A Comissão Europeia não remeteu para o Parlamento Europeu. O acordo é muito grande e, ao longo do processo de tradução, ocorreram acidentes no percurso. O primeiro foi a ênfase exagerada aos incêndios no Brasil no segundo semestre e depois o ciclo eleitoral no continente europeu. Outro foram as eleições na Argentina: Mauricio Macri perdeu para Alberto Fernández e o país voltou para a tradicional catimba, para o protecionismo. Em 2022, tivemos nova chance, mas aí houve eleição no Brasil e os europeus interpretaram que o Brasil poderia reabrir o acordo no ponto do meio ambiente, o que infelizmente realmente aconteceu. O Brasil, então, foi insistir no item sobre as compras governamentais e isso levou a um impasse, como o presidente francês Emmanuel Macron falou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP de Dubai. Estou muito menos otimista hoje do que estava há cinco anos.

O senhor comandou o Banco dos Brics. Como vê o potencial da instituição, com foco na economia sustentável e na infraestrutura e com o seu potencial aumento de sócios?

Se somarmos tudo o que Bird, BID, Banco asiático, CAF, KFW, NBD… o investimento multilateral para a cobertura de déficit de infraestrutura representa apenas 5% das necessidades. Existe ainda um abismo. E quais são os benefícios dos bancos? Rating alto, plataforma de cooperação internacional, são veículos de expansão de relações e que conseguem replicar experiências positivas e ajudar outros investidores a dar escala a projetos. No limite, no NDB, a possibilidade de participação está aberta a todos os países da ONU. Durante minha presidência, aprovamos a entrada de quatro e, com mais entradas, aumenta-se a capacidade de alavancar investimento em infraestrutura.

Inclusive para o Brasil?

Com o cenário internacional delicado, complicado e perigoso, como está, há muitas chances para o Brasil. Existe a possibilidade concreta de o País diminuir seu déficit de infraestrutura, atraindo o capital de países principalmente que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética, com portos, ferrovias, tudo aquilo que chamamos “da porteira para fora”. A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante.

BRASÍLIA - Potenciais investidores internacionais estão de olho nas movimentações que ocorrem no Brasil, e a atuação correta do governo, principalmente em relação às grandes empresas, será fundamental para o País diminuir seu déficit de infraestrutura.

A avaliação foi feita em entrevista ao Estadão/Broadcast pelo economista e diplomata Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o chamado Banco dos Brics. “Há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale”, disse.

Para ele, o Brasil está em boas condições de atrair o capital externo, principalmente de nações que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética.

“A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG (sigla em inglês para padrões de meio ambiente, sociais e de governança) e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante”, destacou.

Troyjo é acadêmico-visitante da Universidade de Oxford (Inglaterra) na área de Liderança Transformacional e do Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) na área de Negócios & Sociedade, na França. O ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia na gestão de Jair Bolsonaro também é membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial.

Para Troyjo, comunidade acadêmica e investidores demonstram vêem tensão entre as credenciais do Brasil Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Ele falou ainda sobre a possibilidade de Donald Trump socorrer a Argentina, caso vença a eleição nos Estados Unidos, por meio de renegociação do passivo do vizinho com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre a diminuição de seu otimismo com o fechamento de um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e o papel dos bancos multilaterais no desenvolvimento da infraestrutura de países emergentes.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O senhor fundou e dirigiu o BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, e hoje é professor na Europa. Quais os principais pontos de interesse lá fora sobre o Brasil?

A comunidade acadêmica e os investidores demonstram que existe uma espécie de tensão entre as credenciais do Brasil. Com o aumento da população mundial, a guerra na Ucrânia e a falta de água na Índia, a segurança alimentar foi para o centro do palco, e o Brasil é um dos quatro maiores produtores de alimentos, o que é um ponto positivo para o Brasil. O mesmo vale para o setor energético: há uma combinação entre possibilidade de exploração cada vez maior do pré-sal e uso de hidroeletricidade e de energia fotovoltaica e eólica. Há uma transição para a economia verde, que exige uma formação de capital e de infraestrutura e que também favorece o Brasil. Mas havia a percepção de que o País iria para o oitavo ano seguido de reformas estruturais, depois da trabalhista, previdenciária, autonomia do Banco Central, marco do saneamento, lei das estatais… o País também formalizou sua entrada na OCDE, mas agora há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale. É um cabo de guerra entre as credenciais mais atraentes e as que trazem preocupação.

A aprovação da reforma tributária não estaria nessa lista?

São três pontos a serem olhados: universalidade, com mais Pessoas Físicas e Jurídicas pagando impostos; razoabilidade, com menos quantidade paga por pessoa; e modicidade: se é compatível com o que os pares estão fazendo. Existem avanços em relação ao primeiro, mas não no segundo e particularmente no terceiro. O Brasil não está apostando corrida com si mesmo, mas com o que os outros estão fazendo. A carga será de aproximadamente 33%. Na Índia, é de 19%. No México, de 20%. A média dos emergentes, incluindo China, de 22%. É muito grande um ônus de 11 pontos porcentuais sobre a decisão de investir. A reforma tributária é baseada, entre outras coisas, também no tamanho do Estado na economia. Nos governos Bolsonaro e (Michel) Temer havia a perspectiva de diminuição do seu tamanho e isso se inverteu. Para quem olha de fora, parece que o principal bônus da reforma é o símbolo político, mas em cinco anos será preciso fazer outra.

E qual o olhar sobre a América Latina?

A redistribuição do jogo de cartas na geoeconomia é marcada por quatro grandes fatores e o adicionamento à Terra de 2 bilhões de novas pessoas, principalmente de nove países emergentes, em 25 anos é um deles. Quando cruzamos os dados, não importa a bola de cristal que se use (Bird, FMI, Fórum Econômico Mundial ou Mackenzie), o que vemos é que o crescimento vai continuar vindo dos emergentes e isso parece um dia de Sol perfeito para a América Latina, que é grande produtora de alimentos e tem uma combinação de energia fóssil com renovável. O México é o que mais está se beneficiando da rearrumação das cadeias mundiais de produção, o Uruguai passou o Chile em renda per capita, a Argentina tem um governo agora excepcional, no sentido de exceção. Há pseudo democracias na Venezuela, em Cuba… Isso mostra a América Latina em duas velocidades: a que está lendo os sinais do avanço da economia global corretamente e a que não está.

O que pode mudar na região com uma possível vitória de Trump?

Há algo que pode fazer uma diferença importante: existe muita empatia entre o presidente argentino, Javier Milei, e Trump. Deve haver uma carga ideológica e pessoal que deve fazer muita diferença novamente sobre como Washington lidará com os países. Se levarmos em consideração que um dos passivos mais importantes da Argentina é com o FMI e que os EUA são o principal acionista do fundo, pode haver uma combinação virtuosa de alargamento de prazos e renegociações que pode ser muito interessante para a Argentina.

O senhor foi um dos principais negociadores do fechamento do acordo Mercosul-União Europeia. Acredita ainda em um resultado para o curto prazo?

Quando o acordo foi fechado, em junho de 2019, eu era o principal negociador pelo Ministério da Economia. Apertamos as mãos dos negociadores europeus, mas o texto precisava ir para o Parlamento Europeu e, depois, aos parlamentos dos membros. A Comissão Europeia não remeteu para o Parlamento Europeu. O acordo é muito grande e, ao longo do processo de tradução, ocorreram acidentes no percurso. O primeiro foi a ênfase exagerada aos incêndios no Brasil no segundo semestre e depois o ciclo eleitoral no continente europeu. Outro foram as eleições na Argentina: Mauricio Macri perdeu para Alberto Fernández e o país voltou para a tradicional catimba, para o protecionismo. Em 2022, tivemos nova chance, mas aí houve eleição no Brasil e os europeus interpretaram que o Brasil poderia reabrir o acordo no ponto do meio ambiente, o que infelizmente realmente aconteceu. O Brasil, então, foi insistir no item sobre as compras governamentais e isso levou a um impasse, como o presidente francês Emmanuel Macron falou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP de Dubai. Estou muito menos otimista hoje do que estava há cinco anos.

O senhor comandou o Banco dos Brics. Como vê o potencial da instituição, com foco na economia sustentável e na infraestrutura e com o seu potencial aumento de sócios?

Se somarmos tudo o que Bird, BID, Banco asiático, CAF, KFW, NBD… o investimento multilateral para a cobertura de déficit de infraestrutura representa apenas 5% das necessidades. Existe ainda um abismo. E quais são os benefícios dos bancos? Rating alto, plataforma de cooperação internacional, são veículos de expansão de relações e que conseguem replicar experiências positivas e ajudar outros investidores a dar escala a projetos. No limite, no NDB, a possibilidade de participação está aberta a todos os países da ONU. Durante minha presidência, aprovamos a entrada de quatro e, com mais entradas, aumenta-se a capacidade de alavancar investimento em infraestrutura.

Inclusive para o Brasil?

Com o cenário internacional delicado, complicado e perigoso, como está, há muitas chances para o Brasil. Existe a possibilidade concreta de o País diminuir seu déficit de infraestrutura, atraindo o capital de países principalmente que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética, com portos, ferrovias, tudo aquilo que chamamos “da porteira para fora”. A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante.

BRASÍLIA - Potenciais investidores internacionais estão de olho nas movimentações que ocorrem no Brasil, e a atuação correta do governo, principalmente em relação às grandes empresas, será fundamental para o País diminuir seu déficit de infraestrutura.

A avaliação foi feita em entrevista ao Estadão/Broadcast pelo economista e diplomata Marcos Troyjo, ex-presidente do NDB, o chamado Banco dos Brics. “Há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale”, disse.

Para ele, o Brasil está em boas condições de atrair o capital externo, principalmente de nações que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética.

“A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG (sigla em inglês para padrões de meio ambiente, sociais e de governança) e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante”, destacou.

Troyjo é acadêmico-visitante da Universidade de Oxford (Inglaterra) na área de Liderança Transformacional e do Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) na área de Negócios & Sociedade, na França. O ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia na gestão de Jair Bolsonaro também é membro do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial.

Para Troyjo, comunidade acadêmica e investidores demonstram vêem tensão entre as credenciais do Brasil Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Ele falou ainda sobre a possibilidade de Donald Trump socorrer a Argentina, caso vença a eleição nos Estados Unidos, por meio de renegociação do passivo do vizinho com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sobre a diminuição de seu otimismo com o fechamento de um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e o papel dos bancos multilaterais no desenvolvimento da infraestrutura de países emergentes.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O senhor fundou e dirigiu o BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, e hoje é professor na Europa. Quais os principais pontos de interesse lá fora sobre o Brasil?

A comunidade acadêmica e os investidores demonstram que existe uma espécie de tensão entre as credenciais do Brasil. Com o aumento da população mundial, a guerra na Ucrânia e a falta de água na Índia, a segurança alimentar foi para o centro do palco, e o Brasil é um dos quatro maiores produtores de alimentos, o que é um ponto positivo para o Brasil. O mesmo vale para o setor energético: há uma combinação entre possibilidade de exploração cada vez maior do pré-sal e uso de hidroeletricidade e de energia fotovoltaica e eólica. Há uma transição para a economia verde, que exige uma formação de capital e de infraestrutura e que também favorece o Brasil. Mas havia a percepção de que o País iria para o oitavo ano seguido de reformas estruturais, depois da trabalhista, previdenciária, autonomia do Banco Central, marco do saneamento, lei das estatais… o País também formalizou sua entrada na OCDE, mas agora há um ponto de interrogação muito marcado pela segurança jurídica das privatizações, da tentativa de interferência do governo, notadamente na Vale. É um cabo de guerra entre as credenciais mais atraentes e as que trazem preocupação.

A aprovação da reforma tributária não estaria nessa lista?

São três pontos a serem olhados: universalidade, com mais Pessoas Físicas e Jurídicas pagando impostos; razoabilidade, com menos quantidade paga por pessoa; e modicidade: se é compatível com o que os pares estão fazendo. Existem avanços em relação ao primeiro, mas não no segundo e particularmente no terceiro. O Brasil não está apostando corrida com si mesmo, mas com o que os outros estão fazendo. A carga será de aproximadamente 33%. Na Índia, é de 19%. No México, de 20%. A média dos emergentes, incluindo China, de 22%. É muito grande um ônus de 11 pontos porcentuais sobre a decisão de investir. A reforma tributária é baseada, entre outras coisas, também no tamanho do Estado na economia. Nos governos Bolsonaro e (Michel) Temer havia a perspectiva de diminuição do seu tamanho e isso se inverteu. Para quem olha de fora, parece que o principal bônus da reforma é o símbolo político, mas em cinco anos será preciso fazer outra.

E qual o olhar sobre a América Latina?

A redistribuição do jogo de cartas na geoeconomia é marcada por quatro grandes fatores e o adicionamento à Terra de 2 bilhões de novas pessoas, principalmente de nove países emergentes, em 25 anos é um deles. Quando cruzamos os dados, não importa a bola de cristal que se use (Bird, FMI, Fórum Econômico Mundial ou Mackenzie), o que vemos é que o crescimento vai continuar vindo dos emergentes e isso parece um dia de Sol perfeito para a América Latina, que é grande produtora de alimentos e tem uma combinação de energia fóssil com renovável. O México é o que mais está se beneficiando da rearrumação das cadeias mundiais de produção, o Uruguai passou o Chile em renda per capita, a Argentina tem um governo agora excepcional, no sentido de exceção. Há pseudo democracias na Venezuela, em Cuba… Isso mostra a América Latina em duas velocidades: a que está lendo os sinais do avanço da economia global corretamente e a que não está.

O que pode mudar na região com uma possível vitória de Trump?

Há algo que pode fazer uma diferença importante: existe muita empatia entre o presidente argentino, Javier Milei, e Trump. Deve haver uma carga ideológica e pessoal que deve fazer muita diferença novamente sobre como Washington lidará com os países. Se levarmos em consideração que um dos passivos mais importantes da Argentina é com o FMI e que os EUA são o principal acionista do fundo, pode haver uma combinação virtuosa de alargamento de prazos e renegociações que pode ser muito interessante para a Argentina.

O senhor foi um dos principais negociadores do fechamento do acordo Mercosul-União Europeia. Acredita ainda em um resultado para o curto prazo?

Quando o acordo foi fechado, em junho de 2019, eu era o principal negociador pelo Ministério da Economia. Apertamos as mãos dos negociadores europeus, mas o texto precisava ir para o Parlamento Europeu e, depois, aos parlamentos dos membros. A Comissão Europeia não remeteu para o Parlamento Europeu. O acordo é muito grande e, ao longo do processo de tradução, ocorreram acidentes no percurso. O primeiro foi a ênfase exagerada aos incêndios no Brasil no segundo semestre e depois o ciclo eleitoral no continente europeu. Outro foram as eleições na Argentina: Mauricio Macri perdeu para Alberto Fernández e o país voltou para a tradicional catimba, para o protecionismo. Em 2022, tivemos nova chance, mas aí houve eleição no Brasil e os europeus interpretaram que o Brasil poderia reabrir o acordo no ponto do meio ambiente, o que infelizmente realmente aconteceu. O Brasil, então, foi insistir no item sobre as compras governamentais e isso levou a um impasse, como o presidente francês Emmanuel Macron falou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP de Dubai. Estou muito menos otimista hoje do que estava há cinco anos.

O senhor comandou o Banco dos Brics. Como vê o potencial da instituição, com foco na economia sustentável e na infraestrutura e com o seu potencial aumento de sócios?

Se somarmos tudo o que Bird, BID, Banco asiático, CAF, KFW, NBD… o investimento multilateral para a cobertura de déficit de infraestrutura representa apenas 5% das necessidades. Existe ainda um abismo. E quais são os benefícios dos bancos? Rating alto, plataforma de cooperação internacional, são veículos de expansão de relações e que conseguem replicar experiências positivas e ajudar outros investidores a dar escala a projetos. No limite, no NDB, a possibilidade de participação está aberta a todos os países da ONU. Durante minha presidência, aprovamos a entrada de quatro e, com mais entradas, aumenta-se a capacidade de alavancar investimento em infraestrutura.

Inclusive para o Brasil?

Com o cenário internacional delicado, complicado e perigoso, como está, há muitas chances para o Brasil. Existe a possibilidade concreta de o País diminuir seu déficit de infraestrutura, atraindo o capital de países principalmente que querem diminuir sua insegurança alimentar e energética, com portos, ferrovias, tudo aquilo que chamamos “da porteira para fora”. A chance é muito boa, mas precisa ter segurança jurídica e não mexer na regra do jogo. Falamos muito em ESG e damos grande espaço para o E, de meio ambiente, mas é preciso muita atenção porque o G do ESG é superimportante.

Entrevista por Célia Froufe

Repórter do Broadcast -serviço de tempo real do Grupo Estado- desde 2000, se especializou na cobertura de mercado financeiro (MBA da FIA-B3) em SP. Setorista do BC, em Brasília, e correspondente em Londres, cobriu G20, Fórum Econômico Mundial, BID, BRICS e Otan na África, Ásia, Europa e EUA. Hoje é repórter especial de Economia na capital federal.

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