Mercado de carbono fica enfraquecido ao deixar agronegócio de fora, diz Marina Silva


Ministra do Meio Ambiente defende que Senado reveja mudanças feitas na Câmara dos Deputados em projeto de regulamentação: ‘Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade’

Por Aline Bronzati e João Caminoto
Foto: Rafiq Maqbool
Entrevista comMarina SilvaMinistra do Meio Ambiente

DAVOS, SUÍÇA - Destaque na comitiva brasileira ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alerta para a necessidade de o Brasil corrigir pontos que enfraqueceram o projeto que regulamenta o mercado de crédito de carbono sob o risco de o País perder mais oportunidades. Um deles é a exclusão do agronegócio. Há a esperança de que, no Senado, algumas das mudanças feitas na Câmara dos Deputados sejam revistas, segundo a ministra.

“O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente”, disse Marina, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em um dos intervalos de sua atribulada agenda nos Alpes suíços.

A ministra também criticou o projeto de lei aprovado pela Câmara, em dezembro passado, que prevê o uso de recursos do Fundo Amazônia para pavimentar estradas. De acordo com ela, isso atrapalha o processo de doação. “O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo”, afirmou. Marina minimizou a ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Davos, neste ano. “Ele estaria aqui se não fosse o G-20″, rebateu.

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Segundo Marina Silva, política do governo está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental Foto: Felipe Werneck/MMA

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Qual a percepção sobre o fórum de Davos neste ano e o interesse sobre Brasil?

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O interesse continua grande ou até mesmo maior. No ano passado, era muito mais um momento de recepção. Agora, é um momento de verificar que o Brasil começa a fazer um conjunto de ações muito robustas e estimulantes para os investidores. A redução do desmatamento é uma coisa que é muito forte, todo mundo fica muito impressionado com a redução de 50% nesse primeiro ano, mas também o fato de o Brasil estar progredindo muito fortemente com a questão da reforma tributária, a transformação ecológica e o grande potencial do País na segurança alimentar e energética do Planeta.

O Brasil conseguiu ‘reconstruir a confiança’, que é o tema deste ano em Davos?

Como eu disse no fórum, o Brasil voltou e se instalou. Obviamente que uma instalação você pode começar de forma precária ou já de uma forma bastante, digamos assim, com indícios de conforto. E nós estamos numa instalação com muitos indícios de conforto, de conforto na perspectiva dos investimentos. Obviamente que temos imensos desafios.

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No ano passado, a senhora fez uma dupla com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aqui em Davos. Este ano, nós sentimos, nas conversas, a percepção de fragilidade por causa da ausência de um representante da área econômica. A senhora teve essa percepção?

A não vinda de Haddad tem a ver com o G-20. Ele estaria aqui se não fosse o coordenador. O Haddad preside esse processo e, obviamente, todo mundo aqui entende disso. Se alguém convidasse os organizadores do fórum para ir para a reunião do G-20, já saberíamos qual seria a resposta. Eu não senti essa coisa assim. ‘Ah! Porque o ministro não veio é como se fosse um desprestígio.’ Não, muito pelo contrário. O Brasil tem uma política de governo robusta, e que bom que ela está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental. Aqui, seja nas falas da participação da ministra (da Saúde), Nísia (Trindade Lima), seja na participação do ministro (de Minas e Energia), Alexandre (Silveira), e na minha participação. A integração entre economia e ecologia já está virando a marca do Brasil.

Como foram as conversas para a atração de recursos para a agenda verde e ambiental do Brasil aqui em Davos? O interesse vai, de fato, ser monetizado?

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Tive uma conversa com o Rabobank, da Holanda, que está muito interessado em ampliar a sua carteira de crédito para o Brasil e os investimentos que são feitos na agenda ambiental. Em relação à questão de rastreabilidade, eles (sinalizaram que) vão aumentar a régua de exigências ambientais, mas estão dispostos a contribuir para que a agricultura brasileira seja, de fato, de baixo carbono, pensando o aspecto estratégico de que o Brasil pode dar uma grande contribuição para a segurança alimentar e energética. E é claro que eu trabalho essas agendas, mas o desdobramento prático delas se dá nos ministérios da Agricultura, de Minas e Energia, do Transporte, na parte de infraestrutura resiliente, na questão de mobilidade urbana, da indústria verde, da reindustrialização. Tem todo um olhar estratégico, porque o Brasil tem uma escala e um mercado interno que, por si só, fazem a diferença.

Como a senhora vê a discussão sobre o mercado de carbono, que está entre a Câmara e o Senado? O timing disso?

O potencial é grande, o timing, eu diria, está em consonância com os esforços que precisam ser feitos no contexto da aceleração das ações para mitigação, mas, infelizmente, acho que o arranjo que foi proposto pela Câmara dos Deputados, de certa forma, enfraqueceu um pouco, digamos, o mercado de carbono como alavancador de recursos no contexto do Brasil.

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Por quê?

O fato da agricultura ter ficado de fora já é um fator. Há o receio de que colocar a unidade de conservação, a área de preservação como passível de crédito, que são áreas obrigatórias de preservação, vai inflacionar o mercado de carbono com créditos. Mas, há um olhar para o Senado. Então, as pessoas ainda estão com muita esperança de que algumas correções possam ser feitas, porque o Brasil tem a chance ainda de ser um dos mercados de carbono mais íntegros, que esse era o nosso objetivo junto do Ministério da Fazenda. Isso iria fazer toda a diferença.

A senhora está otimista que isso vai ser alterado no Senado?

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Há um esforço nosso, do Ministério da Fazenda, com todo o respeito pelas decisões e os diálogos que foram feitos na Câmara dos Deputados, que possam também ser retomadas algumas questões, mudanças no Senado. Até porque os governadores estão participando mais intensamente do debate e dispostos a ajudar a corrigir algumas distorções.

E rapidamente, ministra?

O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente.

A senhora citou a redução do desmatamento na Amazônia, mas no Cerrado aumentou. Como o governo deve lidar com isso?

Já temos o plano. O ministro (da Casa Civil) Rui Costa está chamando uma agenda com os governadores do consórcio Nordeste, porque, diferentemente da Amazônia, em que a lei obriga a proteção de 80%, no Cerrado, com exceção de algumas áreas, a lei obriga 20% de proteção. Então, é uma complexidade maior.

O que falta?

Um esforço muito grande com o próprio agronegócio, com a iniciativa privada, para aumento de produção por ganho de produtividade, compreendendo que a continuidade do desmatamento no Cerrado está prejudicando o regime hidrológico das regiões que, supostamente, iriam ganhar economicamente. Ter um retardo de 57 dias para o início das chuvas no Cerrado é um prejuízo enorme para a agricultura. E os estudos técnicos estão mostrando que isso vai se agravar. Já há uma perda na vazão dos principais rios que cortam o Cerrado. Isso tem a ver com a remoção da vegetação do Cerrado. Então, nesse caso, eu sempre digo, legislamos, mas a natureza não assimila. E a ciência está dizendo o que é assimilável e o que não é para o Cerrado. E é com esse olhar que temos que agir. Governo, iniciativa privada, ciência, base tecnológica, ampliar o aumento de produção por ganho de produtividade. Isso tem a ver com tecnologia.

E quanto aos investimentos?

Essa é outra frente que temos que trabalhar no caso do Cerrado. Falei aqui com algumas pessoas da filantropia e já há interessados, inclusive, em aportar recursos naquilo que estou chamando de consórcio do Nordeste. Eles trabalham com a história do fundo Caatinga. Mas falei com o governador Jerônimo (Rodrigues, da Bahia) que deveríamos fazer um fundo biomas. A Amazônia tem um apelo particular, mas se fizermos um fundo para o Pantanal, um para a Caatinga, um para a Mata Atlântica, um para o Pampa, há uma pulverização de recursos. Se concentramos isso em uma iniciativa, os recursos vão sendo distribuídos de acordo com os planos para cada um desses biomas. O Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund-GCF) se mostrou bastante interessado em fazer essa discussão com um olhar também para um bioma, que é estratégico.

Nesse sentido, os Estados Unidos e a Alemanha se posicionaram contra a utilização de recursos do Fundo Amazônia para a pavimentação da rodovia BR-319, o que vai contra as regras...

Não tem dinheiro do Fundo Amazônia para recapear uma rodovia. É um debate dentro do Congresso ainda que não é compatível com os objetivos, até porque o arranjo em relação ao Fundo Amazônia não passa por uma decisão do Congresso. É um arranjo, uma governança entre os doadores, o BNDES. Não é um fundo público, é um fundo privado dentro de um banco público. Portanto, é um mecanismo completamente diferente.

Mas o Congresso aprovou um projeto de lei nessa linha...

O Fundo Amazônia está sendo utilizado emergencialmente para ações de comando e controle, voltadas para as populações indígenas, e projetos de desenvolvimento sustentável. Qualquer mudança nos objetivos do fundo atrapalha o processo de doação. O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo. O fundo foi criado para promoção de desenvolvimento sustentável. Como houve um apagão de recursos, ele está sendo utilizado emergencialmente. Obviamente, que ele pode ser usado para estudos técnicos, científicos, mas para fazer recapeamento, isso não existe. Até porque, se alguém acha que vai fazer recapeamento de estrada, R$ 3 bilhões, R$ 6 bilhões, aí tem que começar a fazer conta.

E como foi o encontro com o Bill Gates?

Ele falou um pouco do G-20, sobre COP-30, e está interessado em saber como vamos compatibilizar o tema de adaptação. Ele tem duas empresas, a Gates Foundation, que foca mais em saúde e filantropia, e os investimentos em energia, tanto em startups quanto em grandes empresas, mas com o foco em vender.

E ele falou em data, no tamanho do cheque?

Não, não falou em data. Foi uma conversa estratégica, em cima de conceitos, propostas, ideias, para ser desdobrada na prática, provavelmente nessa visita e no que podemos prospectar a partir daqui. Foi uma conversa boa, interessada nos temas que saíram da COP-28 e como o Brasil vai desdobrar isso na COP-30. Ele está interessado que a COP-30 tenha um bom resultado, o que é um grande desafio.

DAVOS, SUÍÇA - Destaque na comitiva brasileira ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alerta para a necessidade de o Brasil corrigir pontos que enfraqueceram o projeto que regulamenta o mercado de crédito de carbono sob o risco de o País perder mais oportunidades. Um deles é a exclusão do agronegócio. Há a esperança de que, no Senado, algumas das mudanças feitas na Câmara dos Deputados sejam revistas, segundo a ministra.

“O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente”, disse Marina, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em um dos intervalos de sua atribulada agenda nos Alpes suíços.

A ministra também criticou o projeto de lei aprovado pela Câmara, em dezembro passado, que prevê o uso de recursos do Fundo Amazônia para pavimentar estradas. De acordo com ela, isso atrapalha o processo de doação. “O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo”, afirmou. Marina minimizou a ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Davos, neste ano. “Ele estaria aqui se não fosse o G-20″, rebateu.

Segundo Marina Silva, política do governo está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental Foto: Felipe Werneck/MMA

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Qual a percepção sobre o fórum de Davos neste ano e o interesse sobre Brasil?

O interesse continua grande ou até mesmo maior. No ano passado, era muito mais um momento de recepção. Agora, é um momento de verificar que o Brasil começa a fazer um conjunto de ações muito robustas e estimulantes para os investidores. A redução do desmatamento é uma coisa que é muito forte, todo mundo fica muito impressionado com a redução de 50% nesse primeiro ano, mas também o fato de o Brasil estar progredindo muito fortemente com a questão da reforma tributária, a transformação ecológica e o grande potencial do País na segurança alimentar e energética do Planeta.

O Brasil conseguiu ‘reconstruir a confiança’, que é o tema deste ano em Davos?

Como eu disse no fórum, o Brasil voltou e se instalou. Obviamente que uma instalação você pode começar de forma precária ou já de uma forma bastante, digamos assim, com indícios de conforto. E nós estamos numa instalação com muitos indícios de conforto, de conforto na perspectiva dos investimentos. Obviamente que temos imensos desafios.

No ano passado, a senhora fez uma dupla com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aqui em Davos. Este ano, nós sentimos, nas conversas, a percepção de fragilidade por causa da ausência de um representante da área econômica. A senhora teve essa percepção?

A não vinda de Haddad tem a ver com o G-20. Ele estaria aqui se não fosse o coordenador. O Haddad preside esse processo e, obviamente, todo mundo aqui entende disso. Se alguém convidasse os organizadores do fórum para ir para a reunião do G-20, já saberíamos qual seria a resposta. Eu não senti essa coisa assim. ‘Ah! Porque o ministro não veio é como se fosse um desprestígio.’ Não, muito pelo contrário. O Brasil tem uma política de governo robusta, e que bom que ela está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental. Aqui, seja nas falas da participação da ministra (da Saúde), Nísia (Trindade Lima), seja na participação do ministro (de Minas e Energia), Alexandre (Silveira), e na minha participação. A integração entre economia e ecologia já está virando a marca do Brasil.

Como foram as conversas para a atração de recursos para a agenda verde e ambiental do Brasil aqui em Davos? O interesse vai, de fato, ser monetizado?

Tive uma conversa com o Rabobank, da Holanda, que está muito interessado em ampliar a sua carteira de crédito para o Brasil e os investimentos que são feitos na agenda ambiental. Em relação à questão de rastreabilidade, eles (sinalizaram que) vão aumentar a régua de exigências ambientais, mas estão dispostos a contribuir para que a agricultura brasileira seja, de fato, de baixo carbono, pensando o aspecto estratégico de que o Brasil pode dar uma grande contribuição para a segurança alimentar e energética. E é claro que eu trabalho essas agendas, mas o desdobramento prático delas se dá nos ministérios da Agricultura, de Minas e Energia, do Transporte, na parte de infraestrutura resiliente, na questão de mobilidade urbana, da indústria verde, da reindustrialização. Tem todo um olhar estratégico, porque o Brasil tem uma escala e um mercado interno que, por si só, fazem a diferença.

Como a senhora vê a discussão sobre o mercado de carbono, que está entre a Câmara e o Senado? O timing disso?

O potencial é grande, o timing, eu diria, está em consonância com os esforços que precisam ser feitos no contexto da aceleração das ações para mitigação, mas, infelizmente, acho que o arranjo que foi proposto pela Câmara dos Deputados, de certa forma, enfraqueceu um pouco, digamos, o mercado de carbono como alavancador de recursos no contexto do Brasil.

Por quê?

O fato da agricultura ter ficado de fora já é um fator. Há o receio de que colocar a unidade de conservação, a área de preservação como passível de crédito, que são áreas obrigatórias de preservação, vai inflacionar o mercado de carbono com créditos. Mas, há um olhar para o Senado. Então, as pessoas ainda estão com muita esperança de que algumas correções possam ser feitas, porque o Brasil tem a chance ainda de ser um dos mercados de carbono mais íntegros, que esse era o nosso objetivo junto do Ministério da Fazenda. Isso iria fazer toda a diferença.

A senhora está otimista que isso vai ser alterado no Senado?

Há um esforço nosso, do Ministério da Fazenda, com todo o respeito pelas decisões e os diálogos que foram feitos na Câmara dos Deputados, que possam também ser retomadas algumas questões, mudanças no Senado. Até porque os governadores estão participando mais intensamente do debate e dispostos a ajudar a corrigir algumas distorções.

E rapidamente, ministra?

O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente.

A senhora citou a redução do desmatamento na Amazônia, mas no Cerrado aumentou. Como o governo deve lidar com isso?

Já temos o plano. O ministro (da Casa Civil) Rui Costa está chamando uma agenda com os governadores do consórcio Nordeste, porque, diferentemente da Amazônia, em que a lei obriga a proteção de 80%, no Cerrado, com exceção de algumas áreas, a lei obriga 20% de proteção. Então, é uma complexidade maior.

O que falta?

Um esforço muito grande com o próprio agronegócio, com a iniciativa privada, para aumento de produção por ganho de produtividade, compreendendo que a continuidade do desmatamento no Cerrado está prejudicando o regime hidrológico das regiões que, supostamente, iriam ganhar economicamente. Ter um retardo de 57 dias para o início das chuvas no Cerrado é um prejuízo enorme para a agricultura. E os estudos técnicos estão mostrando que isso vai se agravar. Já há uma perda na vazão dos principais rios que cortam o Cerrado. Isso tem a ver com a remoção da vegetação do Cerrado. Então, nesse caso, eu sempre digo, legislamos, mas a natureza não assimila. E a ciência está dizendo o que é assimilável e o que não é para o Cerrado. E é com esse olhar que temos que agir. Governo, iniciativa privada, ciência, base tecnológica, ampliar o aumento de produção por ganho de produtividade. Isso tem a ver com tecnologia.

E quanto aos investimentos?

Essa é outra frente que temos que trabalhar no caso do Cerrado. Falei aqui com algumas pessoas da filantropia e já há interessados, inclusive, em aportar recursos naquilo que estou chamando de consórcio do Nordeste. Eles trabalham com a história do fundo Caatinga. Mas falei com o governador Jerônimo (Rodrigues, da Bahia) que deveríamos fazer um fundo biomas. A Amazônia tem um apelo particular, mas se fizermos um fundo para o Pantanal, um para a Caatinga, um para a Mata Atlântica, um para o Pampa, há uma pulverização de recursos. Se concentramos isso em uma iniciativa, os recursos vão sendo distribuídos de acordo com os planos para cada um desses biomas. O Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund-GCF) se mostrou bastante interessado em fazer essa discussão com um olhar também para um bioma, que é estratégico.

Nesse sentido, os Estados Unidos e a Alemanha se posicionaram contra a utilização de recursos do Fundo Amazônia para a pavimentação da rodovia BR-319, o que vai contra as regras...

Não tem dinheiro do Fundo Amazônia para recapear uma rodovia. É um debate dentro do Congresso ainda que não é compatível com os objetivos, até porque o arranjo em relação ao Fundo Amazônia não passa por uma decisão do Congresso. É um arranjo, uma governança entre os doadores, o BNDES. Não é um fundo público, é um fundo privado dentro de um banco público. Portanto, é um mecanismo completamente diferente.

Mas o Congresso aprovou um projeto de lei nessa linha...

O Fundo Amazônia está sendo utilizado emergencialmente para ações de comando e controle, voltadas para as populações indígenas, e projetos de desenvolvimento sustentável. Qualquer mudança nos objetivos do fundo atrapalha o processo de doação. O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo. O fundo foi criado para promoção de desenvolvimento sustentável. Como houve um apagão de recursos, ele está sendo utilizado emergencialmente. Obviamente, que ele pode ser usado para estudos técnicos, científicos, mas para fazer recapeamento, isso não existe. Até porque, se alguém acha que vai fazer recapeamento de estrada, R$ 3 bilhões, R$ 6 bilhões, aí tem que começar a fazer conta.

E como foi o encontro com o Bill Gates?

Ele falou um pouco do G-20, sobre COP-30, e está interessado em saber como vamos compatibilizar o tema de adaptação. Ele tem duas empresas, a Gates Foundation, que foca mais em saúde e filantropia, e os investimentos em energia, tanto em startups quanto em grandes empresas, mas com o foco em vender.

E ele falou em data, no tamanho do cheque?

Não, não falou em data. Foi uma conversa estratégica, em cima de conceitos, propostas, ideias, para ser desdobrada na prática, provavelmente nessa visita e no que podemos prospectar a partir daqui. Foi uma conversa boa, interessada nos temas que saíram da COP-28 e como o Brasil vai desdobrar isso na COP-30. Ele está interessado que a COP-30 tenha um bom resultado, o que é um grande desafio.

DAVOS, SUÍÇA - Destaque na comitiva brasileira ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, alerta para a necessidade de o Brasil corrigir pontos que enfraqueceram o projeto que regulamenta o mercado de crédito de carbono sob o risco de o País perder mais oportunidades. Um deles é a exclusão do agronegócio. Há a esperança de que, no Senado, algumas das mudanças feitas na Câmara dos Deputados sejam revistas, segundo a ministra.

“O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente”, disse Marina, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em um dos intervalos de sua atribulada agenda nos Alpes suíços.

A ministra também criticou o projeto de lei aprovado pela Câmara, em dezembro passado, que prevê o uso de recursos do Fundo Amazônia para pavimentar estradas. De acordo com ela, isso atrapalha o processo de doação. “O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo”, afirmou. Marina minimizou a ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Davos, neste ano. “Ele estaria aqui se não fosse o G-20″, rebateu.

Segundo Marina Silva, política do governo está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental Foto: Felipe Werneck/MMA

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Qual a percepção sobre o fórum de Davos neste ano e o interesse sobre Brasil?

O interesse continua grande ou até mesmo maior. No ano passado, era muito mais um momento de recepção. Agora, é um momento de verificar que o Brasil começa a fazer um conjunto de ações muito robustas e estimulantes para os investidores. A redução do desmatamento é uma coisa que é muito forte, todo mundo fica muito impressionado com a redução de 50% nesse primeiro ano, mas também o fato de o Brasil estar progredindo muito fortemente com a questão da reforma tributária, a transformação ecológica e o grande potencial do País na segurança alimentar e energética do Planeta.

O Brasil conseguiu ‘reconstruir a confiança’, que é o tema deste ano em Davos?

Como eu disse no fórum, o Brasil voltou e se instalou. Obviamente que uma instalação você pode começar de forma precária ou já de uma forma bastante, digamos assim, com indícios de conforto. E nós estamos numa instalação com muitos indícios de conforto, de conforto na perspectiva dos investimentos. Obviamente que temos imensos desafios.

No ano passado, a senhora fez uma dupla com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aqui em Davos. Este ano, nós sentimos, nas conversas, a percepção de fragilidade por causa da ausência de um representante da área econômica. A senhora teve essa percepção?

A não vinda de Haddad tem a ver com o G-20. Ele estaria aqui se não fosse o coordenador. O Haddad preside esse processo e, obviamente, todo mundo aqui entende disso. Se alguém convidasse os organizadores do fórum para ir para a reunião do G-20, já saberíamos qual seria a resposta. Eu não senti essa coisa assim. ‘Ah! Porque o ministro não veio é como se fosse um desprestígio.’ Não, muito pelo contrário. O Brasil tem uma política de governo robusta, e que bom que ela está sendo otimizada nos dois pilares: econômico e ambiental. Aqui, seja nas falas da participação da ministra (da Saúde), Nísia (Trindade Lima), seja na participação do ministro (de Minas e Energia), Alexandre (Silveira), e na minha participação. A integração entre economia e ecologia já está virando a marca do Brasil.

Como foram as conversas para a atração de recursos para a agenda verde e ambiental do Brasil aqui em Davos? O interesse vai, de fato, ser monetizado?

Tive uma conversa com o Rabobank, da Holanda, que está muito interessado em ampliar a sua carteira de crédito para o Brasil e os investimentos que são feitos na agenda ambiental. Em relação à questão de rastreabilidade, eles (sinalizaram que) vão aumentar a régua de exigências ambientais, mas estão dispostos a contribuir para que a agricultura brasileira seja, de fato, de baixo carbono, pensando o aspecto estratégico de que o Brasil pode dar uma grande contribuição para a segurança alimentar e energética. E é claro que eu trabalho essas agendas, mas o desdobramento prático delas se dá nos ministérios da Agricultura, de Minas e Energia, do Transporte, na parte de infraestrutura resiliente, na questão de mobilidade urbana, da indústria verde, da reindustrialização. Tem todo um olhar estratégico, porque o Brasil tem uma escala e um mercado interno que, por si só, fazem a diferença.

Como a senhora vê a discussão sobre o mercado de carbono, que está entre a Câmara e o Senado? O timing disso?

O potencial é grande, o timing, eu diria, está em consonância com os esforços que precisam ser feitos no contexto da aceleração das ações para mitigação, mas, infelizmente, acho que o arranjo que foi proposto pela Câmara dos Deputados, de certa forma, enfraqueceu um pouco, digamos, o mercado de carbono como alavancador de recursos no contexto do Brasil.

Por quê?

O fato da agricultura ter ficado de fora já é um fator. Há o receio de que colocar a unidade de conservação, a área de preservação como passível de crédito, que são áreas obrigatórias de preservação, vai inflacionar o mercado de carbono com créditos. Mas, há um olhar para o Senado. Então, as pessoas ainda estão com muita esperança de que algumas correções possam ser feitas, porque o Brasil tem a chance ainda de ser um dos mercados de carbono mais íntegros, que esse era o nosso objetivo junto do Ministério da Fazenda. Isso iria fazer toda a diferença.

A senhora está otimista que isso vai ser alterado no Senado?

Há um esforço nosso, do Ministério da Fazenda, com todo o respeito pelas decisões e os diálogos que foram feitos na Câmara dos Deputados, que possam também ser retomadas algumas questões, mudanças no Senado. Até porque os governadores estão participando mais intensamente do debate e dispostos a ajudar a corrigir algumas distorções.

E rapidamente, ministra?

O Brasil, ao longo do tempo, foi se especializando em perder janelas, portais de oportunidade. Nós não temos mais tempo a perder em relação à questão do hidrogênio verde, os investimentos, a agricultura de baixo carbono. O Brasil não pode mais perder nenhuma janela de oportunidade, porque nós podemos sair na frente.

A senhora citou a redução do desmatamento na Amazônia, mas no Cerrado aumentou. Como o governo deve lidar com isso?

Já temos o plano. O ministro (da Casa Civil) Rui Costa está chamando uma agenda com os governadores do consórcio Nordeste, porque, diferentemente da Amazônia, em que a lei obriga a proteção de 80%, no Cerrado, com exceção de algumas áreas, a lei obriga 20% de proteção. Então, é uma complexidade maior.

O que falta?

Um esforço muito grande com o próprio agronegócio, com a iniciativa privada, para aumento de produção por ganho de produtividade, compreendendo que a continuidade do desmatamento no Cerrado está prejudicando o regime hidrológico das regiões que, supostamente, iriam ganhar economicamente. Ter um retardo de 57 dias para o início das chuvas no Cerrado é um prejuízo enorme para a agricultura. E os estudos técnicos estão mostrando que isso vai se agravar. Já há uma perda na vazão dos principais rios que cortam o Cerrado. Isso tem a ver com a remoção da vegetação do Cerrado. Então, nesse caso, eu sempre digo, legislamos, mas a natureza não assimila. E a ciência está dizendo o que é assimilável e o que não é para o Cerrado. E é com esse olhar que temos que agir. Governo, iniciativa privada, ciência, base tecnológica, ampliar o aumento de produção por ganho de produtividade. Isso tem a ver com tecnologia.

E quanto aos investimentos?

Essa é outra frente que temos que trabalhar no caso do Cerrado. Falei aqui com algumas pessoas da filantropia e já há interessados, inclusive, em aportar recursos naquilo que estou chamando de consórcio do Nordeste. Eles trabalham com a história do fundo Caatinga. Mas falei com o governador Jerônimo (Rodrigues, da Bahia) que deveríamos fazer um fundo biomas. A Amazônia tem um apelo particular, mas se fizermos um fundo para o Pantanal, um para a Caatinga, um para a Mata Atlântica, um para o Pampa, há uma pulverização de recursos. Se concentramos isso em uma iniciativa, os recursos vão sendo distribuídos de acordo com os planos para cada um desses biomas. O Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund-GCF) se mostrou bastante interessado em fazer essa discussão com um olhar também para um bioma, que é estratégico.

Nesse sentido, os Estados Unidos e a Alemanha se posicionaram contra a utilização de recursos do Fundo Amazônia para a pavimentação da rodovia BR-319, o que vai contra as regras...

Não tem dinheiro do Fundo Amazônia para recapear uma rodovia. É um debate dentro do Congresso ainda que não é compatível com os objetivos, até porque o arranjo em relação ao Fundo Amazônia não passa por uma decisão do Congresso. É um arranjo, uma governança entre os doadores, o BNDES. Não é um fundo público, é um fundo privado dentro de um banco público. Portanto, é um mecanismo completamente diferente.

Mas o Congresso aprovou um projeto de lei nessa linha...

O Fundo Amazônia está sendo utilizado emergencialmente para ações de comando e controle, voltadas para as populações indígenas, e projetos de desenvolvimento sustentável. Qualquer mudança nos objetivos do fundo atrapalha o processo de doação. O fundo não foi criado para cobrir recursos de governo. O fundo foi criado para promoção de desenvolvimento sustentável. Como houve um apagão de recursos, ele está sendo utilizado emergencialmente. Obviamente, que ele pode ser usado para estudos técnicos, científicos, mas para fazer recapeamento, isso não existe. Até porque, se alguém acha que vai fazer recapeamento de estrada, R$ 3 bilhões, R$ 6 bilhões, aí tem que começar a fazer conta.

E como foi o encontro com o Bill Gates?

Ele falou um pouco do G-20, sobre COP-30, e está interessado em saber como vamos compatibilizar o tema de adaptação. Ele tem duas empresas, a Gates Foundation, que foca mais em saúde e filantropia, e os investimentos em energia, tanto em startups quanto em grandes empresas, mas com o foco em vender.

E ele falou em data, no tamanho do cheque?

Não, não falou em data. Foi uma conversa estratégica, em cima de conceitos, propostas, ideias, para ser desdobrada na prática, provavelmente nessa visita e no que podemos prospectar a partir daqui. Foi uma conversa boa, interessada nos temas que saíram da COP-28 e como o Brasil vai desdobrar isso na COP-30. Ele está interessado que a COP-30 tenha um bom resultado, o que é um grande desafio.

Entrevista por Aline Bronzati

Nova York

João Caminoto

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