Capitalismo de Estado é filme ‘visto, que não deu certo e está se repetindo’, diz economista do Itaú


Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú, afirma que mudança na meta fiscal é inevitável, mas o limite é um déficit de 1%

Por Aline Bronzati
Atualização:
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comMário MesquitaEconomista-chefe do Itaú Unibanco

DAVOS, SUÍÇA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve continuar lutando pela meta de déficit primário zero. Mas a mudança é inevitável. O impacto vai depender do quão agressiva será a nova meta. Acima de 1%, acende a luz amarela no mercado, alerta o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Acima disso, o estrago só cresce, e o risco fiscal no Brasil ficará “mais vívido”, diz.

“O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando”, afirma Mesquita, em entrevista ao Estadão/Broadcast, durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Para ele, a mudança da meta vem em março. Mas, quanto mais tempo demorar, melhor, afirma.

Do lado do crescimento, o Brasil está em busca de uma narrativa para uma trajetória de expansão sustentável, sendo a volta de uma visão estatista um filme que já foi visto no País e que não deu certo, segundo ele. A transição verde é um bom caminho, porém, ainda não está clara para o mundo.

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Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O que mais preocupa o investidor estrangeiro no Brasil?

É a mesma preocupação do investidor local: é o fiscal, nosso calcanhar de Aquiles. O ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) está tentando medidas, mas é sempre um grande desafio fazer ajuste pelo lado da receita em um País que tem dificuldade de controlar o gasto. A história sugere que não dá para fazer ajuste fiscal só por um lado. É preciso combinar as coisas. Agora, os investidores estão preocupados com o contexto global.

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Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quais são as principais dúvidas?

Se a economia mundial fará um pouso suave ou se haverá recessão, se o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai conseguir cortar tanto a taxa de juros quanto o mercado espera, o Banco Central Europeu também. Há bastante preocupação com a questão geopolítica, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, que agora começa a se espalhar para o Mar Vermelho.

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Com um mundo fragmentado, Davos trouxe alguma luz no fim do túnel?

Médio. Não foi tão nitidamente positivo. Na geopolítica, a preocupação é sobre uma bifurcação e não desglobalização. Basicamente, é a divisão do mundo em dois campos: um ocidental e outro centrado na China. Ouvi falar nisso do ponto de vista de comércio, das cadeias produtivas e até do mercado de capitais. No lado ambiental, há um consenso da necessidade de mais recursos para promover a transição energética. Sobre a inteligência artificial, a leitura é a de que vai gerar ganhos de produtividade, e isso vai contribuir para mais crescimento, mas há dúvidas sobre o impacto no emprego, em especial no curto prazo. E também uma preocupação com o uso de forma maligna com múltiplas eleições em 2024.

Como esse cenário pode impactar o Brasil em 2024? Tem as eleições nos EUA...

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De um tempo para cá, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos ficou mais partidarizada, tendo em vista a polarização. É consenso que na reunião de São Francisco, os presidentes (Joe) Biden e Xi Jinping apertaram o botão de pausa na deterioração da relação política. Mas há a preocupação de que isso piore ao longo da eleição americana, porque, se um dos candidatos começar a ser mais agressivo com a China, o outro candidato vai se sentir pressionado na mesma direção.

E a queda de juros nos EUA?

Virá, mas não necessariamente na intensidade que o mercado está precificando. Para este ano, o corte total previsto é de 150 pontos-base (1,5 ponto porcentual), a gente acha que vem menos, algo como 100 pontos-base (1 ponto porcentual). A mensagem em Davos, especialmente do Banco Central Europeu, foi de cautela. Seria mais difícil consertar o erro de cortar demais agora do que de menos dado que o mundo vem de um surto inflacionário. É até politicamente mais difícil, porque teria de cortar e depois voltar a subir a taxa de juros, o que seria mais custoso para os bancos centrais.

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E a questão fiscal no mundo desenvolvido?

Há um consenso de que é muito difícil ter ajuste fiscal nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Independente do resultado da eleição, devemos ter deterioração fiscal e não ajuste. Com os democratas, algum aumento de imposto e de gasto. Com os republicanos, é redução de imposto. Parte dos cortes de impostos do (ex-presidente Donald) Trump termina na metade do próximo mandato. Mas parece pouco plausível, se o Trump ganhar, que termine um corte de imposto que ele mesmo implementou. O risco fiscal americano não parece que vai diminuir tão cedo.

Isso é um problema para os EUA? Como impacta os países emergentes?

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Isso tem de elevar mais a inflação nos Estados Unidos em algum momento. E é um problema para os emergentes mais frágeis, que não têm acesso ao mercado de capitais. Por exemplo, no ano passado, não houve emissão soberana de países da África. Outros países, até na América Latina, estão excluídos do mercado de capitais. De qualquer forma, ninguém espera que a taxa de juros volte ao patamar pré-pandemia.

Qual é a sua expectativa?

Os juros nos EUA devem cair para 3%, 2,5% no médio prazo, mas não para zero, tirando alguma possível crise. O próprio fiscal não permite. Tem várias razões para o novo normal de taxa de juros ser mais alto. Há muito mais dívida pública no mundo e uma pressão para o aumento de gastos em defesa, dado os conflitos. Também tem a pressão para elevar o investimento na transição energética. De fato, não há muita razão para achar que os juros vão cair muito. O processo inflacionário está melhorando, mas a inflação nos Estados Unidos ainda não voltou para a meta, o que não permite muito otimismo.

As expectativas apontam para o corte de juros, ainda que não tão intenso como o mercado precifica. Como isso beneficia o Brasil?

Flexibilização monetária em um ambiente que não é de crise tende a favorecer os ativos de risco, as economias emergentes. Então, a princípio, é benigno para o Banco Central brasileiro. É uma mega mudança? Eu não acho. Não estamos falando de um corte tão intenso e rápido. O banco prevê uma Selic de 9% no fim do ano. Então, para a gente contemplar algo abaixo disso, teríamos de ter o Fed mais agressivo no corte de juros. Isso permitiria o real mais apreciado, inflação e projeções melhores, e espaço para cortar mais os juros no Brasil. Por ora, o cenário não nos leva a ser mais otimista em relação à Selic no Brasil.

No fiscal, o banco espera uma mudança da meta no curto prazo?

Em março. O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando. O ministro está trabalhando para conseguir aumento de receita no Congresso. Se ele já tivesse alterado a meta no fim do ano passado, teria menos chances de obtê-lo. Quanto mais tempo ele (Haddad) conseguir evitar a mudança da meta, maior a chance de terminar com um déficit que não é zero, mas é mais próximo disso. A gente espera um pequeno déficit primário, de 0,8%, assumindo que a meta só muda em março.

E, se mudar a meta, o banco deve revisar a projeção para fiscal?

Se já tivesse mudado, a gente já teria revisado a projeção para cima. Depende do que o governo anunciar.

Qual o limite fiscal que o mercado aceita?

Se passar de 1%, vai gerar preocupação, de 1,5% mais ainda, 2%, então, nem se fala, dado que no ano passado já foi acima disso, 2,3%. Quando a expectativa do fiscal de 2023 era melhor, a visão dominante era que o importante em 2024 fosse que o déficit fosse menor. Mas o déficit surpreendeu tanto para cima que, se sair de 2,3% para 2%, já não é grande coisa. Tem de ter uma queda grande. De 2,3% para 1% é razoável. Óbvio que o ideal seria superávit primário para estabilizar a dívida, mas, enfim, não é realista esperar isso dada a tendência de aumento de gasto. Então, eu vejo assim, acima de 1%, sinal amarelo, acima de 1,5%, o sinal vai ficando mais vívido.

Qual o impacto da manutenção da desoneração da folha de pagamentos?

Prevemos um impacto de menos de R$ 10 bilhões. A manutenção da desoneração torna bem mais difícil esticar a manutenção da meta fiscal. Pode ser que exija uma mudança antes.

Haddad tenta manter a meta de zerar o déficit fiscal Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O banco fala em zero contingenciamento de gastos em 2024...

Se o ministro conseguir contingenciar uns R$ 20 bilhões, R$ 25 bilhões, seria um fator positivo e ajudaria a reduzir a nossa projeção. Eu acho que ele vai brigar, mas tem uma ala dentro do governo que é muito resistente a isso, mencionando a eleição municipal.

E o crescimento do Brasil neste ano?

O Brasil precisa crescer mais, até para ter aspiração de uma renda mais próxima dos países mais ricos. Não estou dizendo igualar, obviamente, não está no radar, mas voltar a avançar nessa direção. O País já teve uma renda per capita de um terço do ganho dos americanos, agora é um quinto. A gente tem chão para andar. O México, por exemplo, tem toda a narrativa do “nearshoring”, está atraindo capital e a confiança está em alta.

E o Brasil? Executivos têm reclamado de falta de incentivo, baixo crescimento e que isso coloca em risco investimentos futuros...

O Brasil está em busca de uma narrativa. A transição verde pode ser um caminho importante. O governo falou de reglobalização ligada à transição. A estrutura disso, do ponto de vista macro, não ficou muito clara para os investidores ainda. Isso é fundamental. A gente precisa saber qual será o fator que vai impulsionar o crescimento. Já tentamos o incentivo setorial várias vezes e o resultado final foi aumento da dívida pública, muito mais do que um crescimento no longo prazo. Por ora, parece que o modelo mexicano é mais sustentável.

O ‘Financial Times’ trouxe matéria de uma página sobre a volta do capitalismo de Estado no Brasil...

Não funcionou historicamente. A ideia de que, repetindo as mesmas coisas do passado, você vai ter um resultado diferente, causa certa ansiedade entre os investidores. O filme foi visto, não deu certo e está se repetindo. Essa é uma preocupação. O foco em terminar obras que já tinham sido iniciadas faz sentido, dado o tanto de obra inacabada no País. Faz muito mais sentido do que começar do zero. Mas, maior influência do Estado na economia é algo que normalmente não é bem visto pelo setor privado internacional.

Com esse quadro, o banco considera revisão do PIB do Brasil à frente?

Por ora, a gente está com 1,8%. O PIB de 2023 pode dar uma ideia mais clara do que será 2024. Começo de ano é importante. É quando as pessoas estão com a renda real mais alta. De novo, vai ser um ano em que a atividade econômica na primeira metade do ano tende a ser mais forte do que na segunda. A safra não vai ter o crescimento espetacular do ano passado, mas pode dar alguma ajuda no começo do ano.

Há uma preocupação global com a última milha na batalha contra a inflação. Qual o risco no Brasil?

No Brasil, assim como em outros lugares, está tendo flexibilização monetária com o mercado de trabalho apertado. Isso enseja algum risco de a dinâmica salarial recrudescer e não só atrapalhar a desinflação de serviços, como começar a levar a uma aceleração desse componente. Com um contexto internacional que favoreça uma queda dos preços de commodities em reais, é possível até que o índice cheio siga bem comportado, compensando esse efeito. Mas há um risco. Do ponto de vista mais de fundamento, o mercado de trabalho suscita alguma preocupação. Vemos a inflação no Brasil em 3,6% neste ano, e acho que está bem calibrado.

E para o câmbio?

R$ 4,90. É mais ou menos onde está agora. Vai oscilar ao longo do ano.

Davos esse ano foi dominado pela inteligência artificial. Qual a sua visão?

É um tipo de inovação que, a médio prazo, vai gerar mais crescimento, mais renda, mais emprego. Talvez, a transição não seja fácil. Vai ter impacto.

Já dá para usar a IA para prever movimentos futuros dos juros?

Dá para usar inteligência artificial, machine learning, para projetar variáveis econômicas que vão acabar influenciando as decisões de política monetária. Ajuda, mas não resolve por completo. Ninguém ainda está totalmente terceirizando para a máquina a previsão de política monetária, pelo menos por ora. Pode ser que no futuro isso aconteça.

DAVOS, SUÍÇA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve continuar lutando pela meta de déficit primário zero. Mas a mudança é inevitável. O impacto vai depender do quão agressiva será a nova meta. Acima de 1%, acende a luz amarela no mercado, alerta o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Acima disso, o estrago só cresce, e o risco fiscal no Brasil ficará “mais vívido”, diz.

“O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando”, afirma Mesquita, em entrevista ao Estadão/Broadcast, durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Para ele, a mudança da meta vem em março. Mas, quanto mais tempo demorar, melhor, afirma.

Do lado do crescimento, o Brasil está em busca de uma narrativa para uma trajetória de expansão sustentável, sendo a volta de uma visão estatista um filme que já foi visto no País e que não deu certo, segundo ele. A transição verde é um bom caminho, porém, ainda não está clara para o mundo.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O que mais preocupa o investidor estrangeiro no Brasil?

É a mesma preocupação do investidor local: é o fiscal, nosso calcanhar de Aquiles. O ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) está tentando medidas, mas é sempre um grande desafio fazer ajuste pelo lado da receita em um País que tem dificuldade de controlar o gasto. A história sugere que não dá para fazer ajuste fiscal só por um lado. É preciso combinar as coisas. Agora, os investidores estão preocupados com o contexto global.

Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quais são as principais dúvidas?

Se a economia mundial fará um pouso suave ou se haverá recessão, se o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai conseguir cortar tanto a taxa de juros quanto o mercado espera, o Banco Central Europeu também. Há bastante preocupação com a questão geopolítica, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, que agora começa a se espalhar para o Mar Vermelho.

Com um mundo fragmentado, Davos trouxe alguma luz no fim do túnel?

Médio. Não foi tão nitidamente positivo. Na geopolítica, a preocupação é sobre uma bifurcação e não desglobalização. Basicamente, é a divisão do mundo em dois campos: um ocidental e outro centrado na China. Ouvi falar nisso do ponto de vista de comércio, das cadeias produtivas e até do mercado de capitais. No lado ambiental, há um consenso da necessidade de mais recursos para promover a transição energética. Sobre a inteligência artificial, a leitura é a de que vai gerar ganhos de produtividade, e isso vai contribuir para mais crescimento, mas há dúvidas sobre o impacto no emprego, em especial no curto prazo. E também uma preocupação com o uso de forma maligna com múltiplas eleições em 2024.

Como esse cenário pode impactar o Brasil em 2024? Tem as eleições nos EUA...

De um tempo para cá, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos ficou mais partidarizada, tendo em vista a polarização. É consenso que na reunião de São Francisco, os presidentes (Joe) Biden e Xi Jinping apertaram o botão de pausa na deterioração da relação política. Mas há a preocupação de que isso piore ao longo da eleição americana, porque, se um dos candidatos começar a ser mais agressivo com a China, o outro candidato vai se sentir pressionado na mesma direção.

E a queda de juros nos EUA?

Virá, mas não necessariamente na intensidade que o mercado está precificando. Para este ano, o corte total previsto é de 150 pontos-base (1,5 ponto porcentual), a gente acha que vem menos, algo como 100 pontos-base (1 ponto porcentual). A mensagem em Davos, especialmente do Banco Central Europeu, foi de cautela. Seria mais difícil consertar o erro de cortar demais agora do que de menos dado que o mundo vem de um surto inflacionário. É até politicamente mais difícil, porque teria de cortar e depois voltar a subir a taxa de juros, o que seria mais custoso para os bancos centrais.

E a questão fiscal no mundo desenvolvido?

Há um consenso de que é muito difícil ter ajuste fiscal nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Independente do resultado da eleição, devemos ter deterioração fiscal e não ajuste. Com os democratas, algum aumento de imposto e de gasto. Com os republicanos, é redução de imposto. Parte dos cortes de impostos do (ex-presidente Donald) Trump termina na metade do próximo mandato. Mas parece pouco plausível, se o Trump ganhar, que termine um corte de imposto que ele mesmo implementou. O risco fiscal americano não parece que vai diminuir tão cedo.

Isso é um problema para os EUA? Como impacta os países emergentes?

Isso tem de elevar mais a inflação nos Estados Unidos em algum momento. E é um problema para os emergentes mais frágeis, que não têm acesso ao mercado de capitais. Por exemplo, no ano passado, não houve emissão soberana de países da África. Outros países, até na América Latina, estão excluídos do mercado de capitais. De qualquer forma, ninguém espera que a taxa de juros volte ao patamar pré-pandemia.

Qual é a sua expectativa?

Os juros nos EUA devem cair para 3%, 2,5% no médio prazo, mas não para zero, tirando alguma possível crise. O próprio fiscal não permite. Tem várias razões para o novo normal de taxa de juros ser mais alto. Há muito mais dívida pública no mundo e uma pressão para o aumento de gastos em defesa, dado os conflitos. Também tem a pressão para elevar o investimento na transição energética. De fato, não há muita razão para achar que os juros vão cair muito. O processo inflacionário está melhorando, mas a inflação nos Estados Unidos ainda não voltou para a meta, o que não permite muito otimismo.

As expectativas apontam para o corte de juros, ainda que não tão intenso como o mercado precifica. Como isso beneficia o Brasil?

Flexibilização monetária em um ambiente que não é de crise tende a favorecer os ativos de risco, as economias emergentes. Então, a princípio, é benigno para o Banco Central brasileiro. É uma mega mudança? Eu não acho. Não estamos falando de um corte tão intenso e rápido. O banco prevê uma Selic de 9% no fim do ano. Então, para a gente contemplar algo abaixo disso, teríamos de ter o Fed mais agressivo no corte de juros. Isso permitiria o real mais apreciado, inflação e projeções melhores, e espaço para cortar mais os juros no Brasil. Por ora, o cenário não nos leva a ser mais otimista em relação à Selic no Brasil.

No fiscal, o banco espera uma mudança da meta no curto prazo?

Em março. O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando. O ministro está trabalhando para conseguir aumento de receita no Congresso. Se ele já tivesse alterado a meta no fim do ano passado, teria menos chances de obtê-lo. Quanto mais tempo ele (Haddad) conseguir evitar a mudança da meta, maior a chance de terminar com um déficit que não é zero, mas é mais próximo disso. A gente espera um pequeno déficit primário, de 0,8%, assumindo que a meta só muda em março.

E, se mudar a meta, o banco deve revisar a projeção para fiscal?

Se já tivesse mudado, a gente já teria revisado a projeção para cima. Depende do que o governo anunciar.

Qual o limite fiscal que o mercado aceita?

Se passar de 1%, vai gerar preocupação, de 1,5% mais ainda, 2%, então, nem se fala, dado que no ano passado já foi acima disso, 2,3%. Quando a expectativa do fiscal de 2023 era melhor, a visão dominante era que o importante em 2024 fosse que o déficit fosse menor. Mas o déficit surpreendeu tanto para cima que, se sair de 2,3% para 2%, já não é grande coisa. Tem de ter uma queda grande. De 2,3% para 1% é razoável. Óbvio que o ideal seria superávit primário para estabilizar a dívida, mas, enfim, não é realista esperar isso dada a tendência de aumento de gasto. Então, eu vejo assim, acima de 1%, sinal amarelo, acima de 1,5%, o sinal vai ficando mais vívido.

Qual o impacto da manutenção da desoneração da folha de pagamentos?

Prevemos um impacto de menos de R$ 10 bilhões. A manutenção da desoneração torna bem mais difícil esticar a manutenção da meta fiscal. Pode ser que exija uma mudança antes.

Haddad tenta manter a meta de zerar o déficit fiscal Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O banco fala em zero contingenciamento de gastos em 2024...

Se o ministro conseguir contingenciar uns R$ 20 bilhões, R$ 25 bilhões, seria um fator positivo e ajudaria a reduzir a nossa projeção. Eu acho que ele vai brigar, mas tem uma ala dentro do governo que é muito resistente a isso, mencionando a eleição municipal.

E o crescimento do Brasil neste ano?

O Brasil precisa crescer mais, até para ter aspiração de uma renda mais próxima dos países mais ricos. Não estou dizendo igualar, obviamente, não está no radar, mas voltar a avançar nessa direção. O País já teve uma renda per capita de um terço do ganho dos americanos, agora é um quinto. A gente tem chão para andar. O México, por exemplo, tem toda a narrativa do “nearshoring”, está atraindo capital e a confiança está em alta.

E o Brasil? Executivos têm reclamado de falta de incentivo, baixo crescimento e que isso coloca em risco investimentos futuros...

O Brasil está em busca de uma narrativa. A transição verde pode ser um caminho importante. O governo falou de reglobalização ligada à transição. A estrutura disso, do ponto de vista macro, não ficou muito clara para os investidores ainda. Isso é fundamental. A gente precisa saber qual será o fator que vai impulsionar o crescimento. Já tentamos o incentivo setorial várias vezes e o resultado final foi aumento da dívida pública, muito mais do que um crescimento no longo prazo. Por ora, parece que o modelo mexicano é mais sustentável.

O ‘Financial Times’ trouxe matéria de uma página sobre a volta do capitalismo de Estado no Brasil...

Não funcionou historicamente. A ideia de que, repetindo as mesmas coisas do passado, você vai ter um resultado diferente, causa certa ansiedade entre os investidores. O filme foi visto, não deu certo e está se repetindo. Essa é uma preocupação. O foco em terminar obras que já tinham sido iniciadas faz sentido, dado o tanto de obra inacabada no País. Faz muito mais sentido do que começar do zero. Mas, maior influência do Estado na economia é algo que normalmente não é bem visto pelo setor privado internacional.

Com esse quadro, o banco considera revisão do PIB do Brasil à frente?

Por ora, a gente está com 1,8%. O PIB de 2023 pode dar uma ideia mais clara do que será 2024. Começo de ano é importante. É quando as pessoas estão com a renda real mais alta. De novo, vai ser um ano em que a atividade econômica na primeira metade do ano tende a ser mais forte do que na segunda. A safra não vai ter o crescimento espetacular do ano passado, mas pode dar alguma ajuda no começo do ano.

Há uma preocupação global com a última milha na batalha contra a inflação. Qual o risco no Brasil?

No Brasil, assim como em outros lugares, está tendo flexibilização monetária com o mercado de trabalho apertado. Isso enseja algum risco de a dinâmica salarial recrudescer e não só atrapalhar a desinflação de serviços, como começar a levar a uma aceleração desse componente. Com um contexto internacional que favoreça uma queda dos preços de commodities em reais, é possível até que o índice cheio siga bem comportado, compensando esse efeito. Mas há um risco. Do ponto de vista mais de fundamento, o mercado de trabalho suscita alguma preocupação. Vemos a inflação no Brasil em 3,6% neste ano, e acho que está bem calibrado.

E para o câmbio?

R$ 4,90. É mais ou menos onde está agora. Vai oscilar ao longo do ano.

Davos esse ano foi dominado pela inteligência artificial. Qual a sua visão?

É um tipo de inovação que, a médio prazo, vai gerar mais crescimento, mais renda, mais emprego. Talvez, a transição não seja fácil. Vai ter impacto.

Já dá para usar a IA para prever movimentos futuros dos juros?

Dá para usar inteligência artificial, machine learning, para projetar variáveis econômicas que vão acabar influenciando as decisões de política monetária. Ajuda, mas não resolve por completo. Ninguém ainda está totalmente terceirizando para a máquina a previsão de política monetária, pelo menos por ora. Pode ser que no futuro isso aconteça.

DAVOS, SUÍÇA - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deve continuar lutando pela meta de déficit primário zero. Mas a mudança é inevitável. O impacto vai depender do quão agressiva será a nova meta. Acima de 1%, acende a luz amarela no mercado, alerta o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita. Acima disso, o estrago só cresce, e o risco fiscal no Brasil ficará “mais vívido”, diz.

“O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando”, afirma Mesquita, em entrevista ao Estadão/Broadcast, durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Para ele, a mudança da meta vem em março. Mas, quanto mais tempo demorar, melhor, afirma.

Do lado do crescimento, o Brasil está em busca de uma narrativa para uma trajetória de expansão sustentável, sendo a volta de uma visão estatista um filme que já foi visto no País e que não deu certo, segundo ele. A transição verde é um bom caminho, porém, ainda não está clara para o mundo.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O que mais preocupa o investidor estrangeiro no Brasil?

É a mesma preocupação do investidor local: é o fiscal, nosso calcanhar de Aquiles. O ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) está tentando medidas, mas é sempre um grande desafio fazer ajuste pelo lado da receita em um País que tem dificuldade de controlar o gasto. A história sugere que não dá para fazer ajuste fiscal só por um lado. É preciso combinar as coisas. Agora, os investidores estão preocupados com o contexto global.

Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quais são as principais dúvidas?

Se a economia mundial fará um pouso suave ou se haverá recessão, se o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai conseguir cortar tanto a taxa de juros quanto o mercado espera, o Banco Central Europeu também. Há bastante preocupação com a questão geopolítica, as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, que agora começa a se espalhar para o Mar Vermelho.

Com um mundo fragmentado, Davos trouxe alguma luz no fim do túnel?

Médio. Não foi tão nitidamente positivo. Na geopolítica, a preocupação é sobre uma bifurcação e não desglobalização. Basicamente, é a divisão do mundo em dois campos: um ocidental e outro centrado na China. Ouvi falar nisso do ponto de vista de comércio, das cadeias produtivas e até do mercado de capitais. No lado ambiental, há um consenso da necessidade de mais recursos para promover a transição energética. Sobre a inteligência artificial, a leitura é a de que vai gerar ganhos de produtividade, e isso vai contribuir para mais crescimento, mas há dúvidas sobre o impacto no emprego, em especial no curto prazo. E também uma preocupação com o uso de forma maligna com múltiplas eleições em 2024.

Como esse cenário pode impactar o Brasil em 2024? Tem as eleições nos EUA...

De um tempo para cá, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos ficou mais partidarizada, tendo em vista a polarização. É consenso que na reunião de São Francisco, os presidentes (Joe) Biden e Xi Jinping apertaram o botão de pausa na deterioração da relação política. Mas há a preocupação de que isso piore ao longo da eleição americana, porque, se um dos candidatos começar a ser mais agressivo com a China, o outro candidato vai se sentir pressionado na mesma direção.

E a queda de juros nos EUA?

Virá, mas não necessariamente na intensidade que o mercado está precificando. Para este ano, o corte total previsto é de 150 pontos-base (1,5 ponto porcentual), a gente acha que vem menos, algo como 100 pontos-base (1 ponto porcentual). A mensagem em Davos, especialmente do Banco Central Europeu, foi de cautela. Seria mais difícil consertar o erro de cortar demais agora do que de menos dado que o mundo vem de um surto inflacionário. É até politicamente mais difícil, porque teria de cortar e depois voltar a subir a taxa de juros, o que seria mais custoso para os bancos centrais.

E a questão fiscal no mundo desenvolvido?

Há um consenso de que é muito difícil ter ajuste fiscal nos países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos. Independente do resultado da eleição, devemos ter deterioração fiscal e não ajuste. Com os democratas, algum aumento de imposto e de gasto. Com os republicanos, é redução de imposto. Parte dos cortes de impostos do (ex-presidente Donald) Trump termina na metade do próximo mandato. Mas parece pouco plausível, se o Trump ganhar, que termine um corte de imposto que ele mesmo implementou. O risco fiscal americano não parece que vai diminuir tão cedo.

Isso é um problema para os EUA? Como impacta os países emergentes?

Isso tem de elevar mais a inflação nos Estados Unidos em algum momento. E é um problema para os emergentes mais frágeis, que não têm acesso ao mercado de capitais. Por exemplo, no ano passado, não houve emissão soberana de países da África. Outros países, até na América Latina, estão excluídos do mercado de capitais. De qualquer forma, ninguém espera que a taxa de juros volte ao patamar pré-pandemia.

Qual é a sua expectativa?

Os juros nos EUA devem cair para 3%, 2,5% no médio prazo, mas não para zero, tirando alguma possível crise. O próprio fiscal não permite. Tem várias razões para o novo normal de taxa de juros ser mais alto. Há muito mais dívida pública no mundo e uma pressão para o aumento de gastos em defesa, dado os conflitos. Também tem a pressão para elevar o investimento na transição energética. De fato, não há muita razão para achar que os juros vão cair muito. O processo inflacionário está melhorando, mas a inflação nos Estados Unidos ainda não voltou para a meta, o que não permite muito otimismo.

As expectativas apontam para o corte de juros, ainda que não tão intenso como o mercado precifica. Como isso beneficia o Brasil?

Flexibilização monetária em um ambiente que não é de crise tende a favorecer os ativos de risco, as economias emergentes. Então, a princípio, é benigno para o Banco Central brasileiro. É uma mega mudança? Eu não acho. Não estamos falando de um corte tão intenso e rápido. O banco prevê uma Selic de 9% no fim do ano. Então, para a gente contemplar algo abaixo disso, teríamos de ter o Fed mais agressivo no corte de juros. Isso permitiria o real mais apreciado, inflação e projeções melhores, e espaço para cortar mais os juros no Brasil. Por ora, o cenário não nos leva a ser mais otimista em relação à Selic no Brasil.

No fiscal, o banco espera uma mudança da meta no curto prazo?

Em março. O governo vai ter que escolher entre alterar a meta, fazer contingenciamento, ou uma combinação dos dois. É importante seguir lutando. O ministro está trabalhando para conseguir aumento de receita no Congresso. Se ele já tivesse alterado a meta no fim do ano passado, teria menos chances de obtê-lo. Quanto mais tempo ele (Haddad) conseguir evitar a mudança da meta, maior a chance de terminar com um déficit que não é zero, mas é mais próximo disso. A gente espera um pequeno déficit primário, de 0,8%, assumindo que a meta só muda em março.

E, se mudar a meta, o banco deve revisar a projeção para fiscal?

Se já tivesse mudado, a gente já teria revisado a projeção para cima. Depende do que o governo anunciar.

Qual o limite fiscal que o mercado aceita?

Se passar de 1%, vai gerar preocupação, de 1,5% mais ainda, 2%, então, nem se fala, dado que no ano passado já foi acima disso, 2,3%. Quando a expectativa do fiscal de 2023 era melhor, a visão dominante era que o importante em 2024 fosse que o déficit fosse menor. Mas o déficit surpreendeu tanto para cima que, se sair de 2,3% para 2%, já não é grande coisa. Tem de ter uma queda grande. De 2,3% para 1% é razoável. Óbvio que o ideal seria superávit primário para estabilizar a dívida, mas, enfim, não é realista esperar isso dada a tendência de aumento de gasto. Então, eu vejo assim, acima de 1%, sinal amarelo, acima de 1,5%, o sinal vai ficando mais vívido.

Qual o impacto da manutenção da desoneração da folha de pagamentos?

Prevemos um impacto de menos de R$ 10 bilhões. A manutenção da desoneração torna bem mais difícil esticar a manutenção da meta fiscal. Pode ser que exija uma mudança antes.

Haddad tenta manter a meta de zerar o déficit fiscal Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

O banco fala em zero contingenciamento de gastos em 2024...

Se o ministro conseguir contingenciar uns R$ 20 bilhões, R$ 25 bilhões, seria um fator positivo e ajudaria a reduzir a nossa projeção. Eu acho que ele vai brigar, mas tem uma ala dentro do governo que é muito resistente a isso, mencionando a eleição municipal.

E o crescimento do Brasil neste ano?

O Brasil precisa crescer mais, até para ter aspiração de uma renda mais próxima dos países mais ricos. Não estou dizendo igualar, obviamente, não está no radar, mas voltar a avançar nessa direção. O País já teve uma renda per capita de um terço do ganho dos americanos, agora é um quinto. A gente tem chão para andar. O México, por exemplo, tem toda a narrativa do “nearshoring”, está atraindo capital e a confiança está em alta.

E o Brasil? Executivos têm reclamado de falta de incentivo, baixo crescimento e que isso coloca em risco investimentos futuros...

O Brasil está em busca de uma narrativa. A transição verde pode ser um caminho importante. O governo falou de reglobalização ligada à transição. A estrutura disso, do ponto de vista macro, não ficou muito clara para os investidores ainda. Isso é fundamental. A gente precisa saber qual será o fator que vai impulsionar o crescimento. Já tentamos o incentivo setorial várias vezes e o resultado final foi aumento da dívida pública, muito mais do que um crescimento no longo prazo. Por ora, parece que o modelo mexicano é mais sustentável.

O ‘Financial Times’ trouxe matéria de uma página sobre a volta do capitalismo de Estado no Brasil...

Não funcionou historicamente. A ideia de que, repetindo as mesmas coisas do passado, você vai ter um resultado diferente, causa certa ansiedade entre os investidores. O filme foi visto, não deu certo e está se repetindo. Essa é uma preocupação. O foco em terminar obras que já tinham sido iniciadas faz sentido, dado o tanto de obra inacabada no País. Faz muito mais sentido do que começar do zero. Mas, maior influência do Estado na economia é algo que normalmente não é bem visto pelo setor privado internacional.

Com esse quadro, o banco considera revisão do PIB do Brasil à frente?

Por ora, a gente está com 1,8%. O PIB de 2023 pode dar uma ideia mais clara do que será 2024. Começo de ano é importante. É quando as pessoas estão com a renda real mais alta. De novo, vai ser um ano em que a atividade econômica na primeira metade do ano tende a ser mais forte do que na segunda. A safra não vai ter o crescimento espetacular do ano passado, mas pode dar alguma ajuda no começo do ano.

Há uma preocupação global com a última milha na batalha contra a inflação. Qual o risco no Brasil?

No Brasil, assim como em outros lugares, está tendo flexibilização monetária com o mercado de trabalho apertado. Isso enseja algum risco de a dinâmica salarial recrudescer e não só atrapalhar a desinflação de serviços, como começar a levar a uma aceleração desse componente. Com um contexto internacional que favoreça uma queda dos preços de commodities em reais, é possível até que o índice cheio siga bem comportado, compensando esse efeito. Mas há um risco. Do ponto de vista mais de fundamento, o mercado de trabalho suscita alguma preocupação. Vemos a inflação no Brasil em 3,6% neste ano, e acho que está bem calibrado.

E para o câmbio?

R$ 4,90. É mais ou menos onde está agora. Vai oscilar ao longo do ano.

Davos esse ano foi dominado pela inteligência artificial. Qual a sua visão?

É um tipo de inovação que, a médio prazo, vai gerar mais crescimento, mais renda, mais emprego. Talvez, a transição não seja fácil. Vai ter impacto.

Já dá para usar a IA para prever movimentos futuros dos juros?

Dá para usar inteligência artificial, machine learning, para projetar variáveis econômicas que vão acabar influenciando as decisões de política monetária. Ajuda, mas não resolve por completo. Ninguém ainda está totalmente terceirizando para a máquina a previsão de política monetária, pelo menos por ora. Pode ser que no futuro isso aconteça.

Entrevista por Aline Bronzati

Nova York

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