Reforma tributária: ‘Estamos em um período de proliferação de jabutis’, diz Mendonça de Barros


Ex-secretário de Política Econômica diz que projeto é o ‘único transformador’ em discussão hoje no País, mas diz temer que, no Senado, ‘haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si’

Por Cleide Silva
Foto: Evelson de Freitas/Estadão
Entrevista comJosé Roberto Mendonça de BarrosEconomista e sócio da consultoria MB Associados

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Considerada como “único projeto transformador” em discussão no País, a reforma tributária deve trazer ganhos às empresas como redução de custos e aumento de produtividade, o que ajudará no crescimento da economia brasileira no longo prazo, avalia o economista e sócio da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros.

Sua preocupação, no momento, é com a votação no Senado, onde ele teme a inclusão de mais jabutis, “seria lamentável, mas estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas”, diz. Em sua opinião, o papel dos senadores seria apenas o de, se necessário, aprimorar o texto. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

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Como o sr. avalia o projeto que regulamenta a reforma tributária?

Vejo como essencialmente positivo, cumpriu a primeira parte que foi passar pela Câmara e ainda tem um longo caminho pelo Senado. Acho que o conjunto da reforma é favorável. Às vezes analistas e críticos ficam se apegando a uma questão específica e acabam perdendo a visão de conjunto. Focar demais num determinado ponto pode obscurecer a importância dos ganhos que o País vai ter. Ela é o único projeto transformador que está sendo colocado neste momento. Obviamente não resolve a questão fiscal, mas ajuda a encaminhar melhores condições para o crescimento, para melhorar a eficiência. O valor disso é inestimável num país que precisa aumentar a produtividade.

Quais os pontos mais positivos?

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O primeiro, evidentemente, é a redução da complexidade ao juntar vários tributos em um só, alguns dos quais são objetos de enormes contenciosos judiciais. Se a regulação for bem feita, a redução de complexidade permitirá um ganho enorme para as empresas e reduzirá especialmente o custo de compliance. O princípio geral do valor adicional, do imposto não cumulativo e do destino final também ajuda a melhorar a questão da tributação indevida na exportação. O segundo é a redução das distorções alocativas em razão de incentivos fiscais. Uma das piores coisas do sistema produtivo brasileiro é ter empresas com estruturas que só existem por causa de incentivo fiscal. Por exemplo, vejo como grande distorção as empresas importarem produtos via Santa Catarina, colocar em um caminhão e trazer para São Paulo porque tem vantagem de ICMS. É um Estado desenvolvido, com indústria importante e não precisa disso. Sem o incentivo fiscal, muitas empresas vão refazer seus sistemas logísticos. O terceiro é a ideia do split payment (sistema automático que permitirá a quitação e distribuição automática dos impostos entre União, Estados e municípios). Vai acabar o acúmulo de créditos, que gera enorme ineficiência. Hoje o crédito retido leva meses ou anos para ser devolvido e atrapalha o capital de giro das empresas. O quarto é que a mudança não será rápida, mas por etapas, começando com uma fase experimental, pois se for rápido demais o sistema pode travar. O último ponto, na verdade, é uma esperança de que a redação final dê menos margem para a judicialização.

E os negativos?

O que é negativo é o volume de exceções, algumas casuístas introduzidas de última hora por setores pouco importantes. Elas não alteram a visão geral da reforma, mas deixam a percepção de que esses processos, no Congresso, estão muito sujeitos à força de lobbies específicos. Por exemplo, a proposta de desonerar a produção de sêmens, embriões e matrizes de animais. É algo muito pontual e não faz sentido estar na reforma. Outra coisa negativa é tirar armas e munições da lista do imposto seletivo. No meu entender, se há algo que precisa ser mais tributável, pois de algum jeito faz mal à sociedade, é arma. Claro que não é a opinião da bancada da bala. Outra coisa que ficou inconsistente é a inclusão de veículos elétricos no imposto seletivo porque, na verdade, acaba sendo um protecionismo e, aparentemente, é para matar o veículo elétrico. Agora fumos, bebidas alcoólicas, açucarados e jogos fazem sentido.

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Como o sr. vê a discussão sobre a carne na cesta básica?

De fato não tem como separar, por exemplo, o acém do filé mignon. Ou coloca todos ou nenhum. Mas tenho dúvidas se vale a pena a inclusão. Conceitualmente, acredito que a solução do cashback é melhor, ou seja, devolver uma estimativa de gastos (com esse produto) para as pessoas que têm renda mais baixa do que fazer a abertura do setor como um todo. Não seria difícil, pois temos um sistema bem-sucedido de Bolsa Família, de Cadastro Único. Mas não acho que isso comprometa o conjunto da reforma.

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Sessão de votação da regulamentação da reforma tributária, na Câmara dos Deputados Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Há muitos setores reclamando que terão perdas.

Tem discussões técnicas, por exemplo, na forma de tributar os imóveis. O compromisso era manter a carga tributária média e o sistema que saiu, aparentemente, reduz a carga tributária para imóveis baratos e aumenta um pouco para os mais caros, e isso está gerando controvérsias. Evidentemente os incorporadores que se especializaram nos imóveis mais caros estão dizendo que a carga vai aumentar, mas aí é uma questão de entendimento. O Ministério da Fazenda argumenta que a média não aumenta, mas na distribuição dessa média algumas cargas caem e outras aumentam. É preciso desenvolver uma metodologia que todo mundo ache razoável, pois é legítimo cada segmento defender o seu caso e, de fato, quem trabalha com imóveis de alto padrão tem um produto diferente daquele que trabalha com o Minha Casa Minha Vida, ou algo desse tipo.

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O sr. acredita que a alíquota média prevista inicialmente para o IVA, de 26,5% a 27%, será mantida após as mudanças no texto?

Não tenho dados ou simulações para responder a essa questão, mas tenho impressão de que sim. O setor de carne, por exemplo, não é tão grande e é cada vez mais exportador e exportar não paga imposto. Aparentemente cabe (essa mudança), mas é para isso que vai ter dois anos para rodar o sistema de forma experimental, para ver como vai funcionar. O problema é que a alíquota ficou cheia e minha preocupação é o Senado piorar mais. Tenho receio de que, no Senado, haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si. Se ocorrer isso, aí sim pode ficar ruim, o que seria lamentável.

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Já há um grupo de deputados dizendo que vai pressionar o Senado por mais incentivos à Zona Franca de Manaus.

Eu acho que a questão da Zona Franca não deveria estar na reforma. O projeto da ZF ficou maduro, mas não produz nada adicional e relevante da região amazônica. O que teria de ter sido feito com o pessoal da região é ver o que tem de novo e positivo em termos de descarbonização, economia verde e pensar em um projeto que, ao longo do tempo, ajudasse a região a se desenvolver. Do jeito que está hoje, não traz maior desenvolvimento para a Amazônia. Ao contrário, o que cresce em larga medida é o dinheiro ilegal, como o do garimpo. Há uma oportunidade fenomenal ligada ao meio ambiente, à preservação, ter um projeto economicamente factível de descarbonização, de bioeconomia. Isso me parece ser de interesse da região e puxaria o crescimento, e não tentar manter uma estrutura que já era ruim há 50 anos quando começou a Zona Franca. A região está estagnada. Ela tem o que sempre teve de importante, que é a Vale/Carajás, as fábricas de duas rodas (motocicletas), mas não vai para frente. E o que a reforma tributária faz é manter a ideia muito bravamente defendida pela política local de que a Zona Franca tem de continuar como é. E isso não vai adicionar nada de especial à região. A Zona Franca é um negócio que não tem mais sentido econômico. O Centro Oeste, ao inverso, é o último que entrou nas estruturas regionais e é onde está hoje o maior crescimento do PIB, do valor adicionado, da renda per capita.

Há previsão de que mais mudanças ocorram no Senado?

Quero crer que seja mantido o que já está aprovado, mas tem de ficar muito esperto porque haverá tentativa de lobbies e vai depender do encaminhamento da liderança do governo. Espero que o Senado vote mais ou menos do jeito que está ou que o aprimore, porque sempre pode aprimorar. Mas meu receio é que comece a entrar mais jabutis, pois estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas.

A reforma vai trazer crescimento econômico?

Acho que sim. Vai demorar certo tempo, mas o corte de custos que as empresas terão nos departamentos de compliance com a regra fiscal, e nos departamentos jurídicos com a redução de contenciosos jurídicos vai tirar um peso enorme das despesas. Isso vai aliviar o capital de giro, vai melhorar os resultados e haverá mais recursos para investimentos e ganho de produtividade.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Considerada como “único projeto transformador” em discussão no País, a reforma tributária deve trazer ganhos às empresas como redução de custos e aumento de produtividade, o que ajudará no crescimento da economia brasileira no longo prazo, avalia o economista e sócio da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros.

Sua preocupação, no momento, é com a votação no Senado, onde ele teme a inclusão de mais jabutis, “seria lamentável, mas estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas”, diz. Em sua opinião, o papel dos senadores seria apenas o de, se necessário, aprimorar o texto. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como o sr. avalia o projeto que regulamenta a reforma tributária?

Vejo como essencialmente positivo, cumpriu a primeira parte que foi passar pela Câmara e ainda tem um longo caminho pelo Senado. Acho que o conjunto da reforma é favorável. Às vezes analistas e críticos ficam se apegando a uma questão específica e acabam perdendo a visão de conjunto. Focar demais num determinado ponto pode obscurecer a importância dos ganhos que o País vai ter. Ela é o único projeto transformador que está sendo colocado neste momento. Obviamente não resolve a questão fiscal, mas ajuda a encaminhar melhores condições para o crescimento, para melhorar a eficiência. O valor disso é inestimável num país que precisa aumentar a produtividade.

Quais os pontos mais positivos?

O primeiro, evidentemente, é a redução da complexidade ao juntar vários tributos em um só, alguns dos quais são objetos de enormes contenciosos judiciais. Se a regulação for bem feita, a redução de complexidade permitirá um ganho enorme para as empresas e reduzirá especialmente o custo de compliance. O princípio geral do valor adicional, do imposto não cumulativo e do destino final também ajuda a melhorar a questão da tributação indevida na exportação. O segundo é a redução das distorções alocativas em razão de incentivos fiscais. Uma das piores coisas do sistema produtivo brasileiro é ter empresas com estruturas que só existem por causa de incentivo fiscal. Por exemplo, vejo como grande distorção as empresas importarem produtos via Santa Catarina, colocar em um caminhão e trazer para São Paulo porque tem vantagem de ICMS. É um Estado desenvolvido, com indústria importante e não precisa disso. Sem o incentivo fiscal, muitas empresas vão refazer seus sistemas logísticos. O terceiro é a ideia do split payment (sistema automático que permitirá a quitação e distribuição automática dos impostos entre União, Estados e municípios). Vai acabar o acúmulo de créditos, que gera enorme ineficiência. Hoje o crédito retido leva meses ou anos para ser devolvido e atrapalha o capital de giro das empresas. O quarto é que a mudança não será rápida, mas por etapas, começando com uma fase experimental, pois se for rápido demais o sistema pode travar. O último ponto, na verdade, é uma esperança de que a redação final dê menos margem para a judicialização.

E os negativos?

O que é negativo é o volume de exceções, algumas casuístas introduzidas de última hora por setores pouco importantes. Elas não alteram a visão geral da reforma, mas deixam a percepção de que esses processos, no Congresso, estão muito sujeitos à força de lobbies específicos. Por exemplo, a proposta de desonerar a produção de sêmens, embriões e matrizes de animais. É algo muito pontual e não faz sentido estar na reforma. Outra coisa negativa é tirar armas e munições da lista do imposto seletivo. No meu entender, se há algo que precisa ser mais tributável, pois de algum jeito faz mal à sociedade, é arma. Claro que não é a opinião da bancada da bala. Outra coisa que ficou inconsistente é a inclusão de veículos elétricos no imposto seletivo porque, na verdade, acaba sendo um protecionismo e, aparentemente, é para matar o veículo elétrico. Agora fumos, bebidas alcoólicas, açucarados e jogos fazem sentido.

Como o sr. vê a discussão sobre a carne na cesta básica?

De fato não tem como separar, por exemplo, o acém do filé mignon. Ou coloca todos ou nenhum. Mas tenho dúvidas se vale a pena a inclusão. Conceitualmente, acredito que a solução do cashback é melhor, ou seja, devolver uma estimativa de gastos (com esse produto) para as pessoas que têm renda mais baixa do que fazer a abertura do setor como um todo. Não seria difícil, pois temos um sistema bem-sucedido de Bolsa Família, de Cadastro Único. Mas não acho que isso comprometa o conjunto da reforma.

Sessão de votação da regulamentação da reforma tributária, na Câmara dos Deputados Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Há muitos setores reclamando que terão perdas.

Tem discussões técnicas, por exemplo, na forma de tributar os imóveis. O compromisso era manter a carga tributária média e o sistema que saiu, aparentemente, reduz a carga tributária para imóveis baratos e aumenta um pouco para os mais caros, e isso está gerando controvérsias. Evidentemente os incorporadores que se especializaram nos imóveis mais caros estão dizendo que a carga vai aumentar, mas aí é uma questão de entendimento. O Ministério da Fazenda argumenta que a média não aumenta, mas na distribuição dessa média algumas cargas caem e outras aumentam. É preciso desenvolver uma metodologia que todo mundo ache razoável, pois é legítimo cada segmento defender o seu caso e, de fato, quem trabalha com imóveis de alto padrão tem um produto diferente daquele que trabalha com o Minha Casa Minha Vida, ou algo desse tipo.

O sr. acredita que a alíquota média prevista inicialmente para o IVA, de 26,5% a 27%, será mantida após as mudanças no texto?

Não tenho dados ou simulações para responder a essa questão, mas tenho impressão de que sim. O setor de carne, por exemplo, não é tão grande e é cada vez mais exportador e exportar não paga imposto. Aparentemente cabe (essa mudança), mas é para isso que vai ter dois anos para rodar o sistema de forma experimental, para ver como vai funcionar. O problema é que a alíquota ficou cheia e minha preocupação é o Senado piorar mais. Tenho receio de que, no Senado, haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si. Se ocorrer isso, aí sim pode ficar ruim, o que seria lamentável.

Já há um grupo de deputados dizendo que vai pressionar o Senado por mais incentivos à Zona Franca de Manaus.

Eu acho que a questão da Zona Franca não deveria estar na reforma. O projeto da ZF ficou maduro, mas não produz nada adicional e relevante da região amazônica. O que teria de ter sido feito com o pessoal da região é ver o que tem de novo e positivo em termos de descarbonização, economia verde e pensar em um projeto que, ao longo do tempo, ajudasse a região a se desenvolver. Do jeito que está hoje, não traz maior desenvolvimento para a Amazônia. Ao contrário, o que cresce em larga medida é o dinheiro ilegal, como o do garimpo. Há uma oportunidade fenomenal ligada ao meio ambiente, à preservação, ter um projeto economicamente factível de descarbonização, de bioeconomia. Isso me parece ser de interesse da região e puxaria o crescimento, e não tentar manter uma estrutura que já era ruim há 50 anos quando começou a Zona Franca. A região está estagnada. Ela tem o que sempre teve de importante, que é a Vale/Carajás, as fábricas de duas rodas (motocicletas), mas não vai para frente. E o que a reforma tributária faz é manter a ideia muito bravamente defendida pela política local de que a Zona Franca tem de continuar como é. E isso não vai adicionar nada de especial à região. A Zona Franca é um negócio que não tem mais sentido econômico. O Centro Oeste, ao inverso, é o último que entrou nas estruturas regionais e é onde está hoje o maior crescimento do PIB, do valor adicionado, da renda per capita.

Há previsão de que mais mudanças ocorram no Senado?

Quero crer que seja mantido o que já está aprovado, mas tem de ficar muito esperto porque haverá tentativa de lobbies e vai depender do encaminhamento da liderança do governo. Espero que o Senado vote mais ou menos do jeito que está ou que o aprimore, porque sempre pode aprimorar. Mas meu receio é que comece a entrar mais jabutis, pois estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas.

A reforma vai trazer crescimento econômico?

Acho que sim. Vai demorar certo tempo, mas o corte de custos que as empresas terão nos departamentos de compliance com a regra fiscal, e nos departamentos jurídicos com a redução de contenciosos jurídicos vai tirar um peso enorme das despesas. Isso vai aliviar o capital de giro, vai melhorar os resultados e haverá mais recursos para investimentos e ganho de produtividade.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Considerada como “único projeto transformador” em discussão no País, a reforma tributária deve trazer ganhos às empresas como redução de custos e aumento de produtividade, o que ajudará no crescimento da economia brasileira no longo prazo, avalia o economista e sócio da consultoria MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros.

Sua preocupação, no momento, é com a votação no Senado, onde ele teme a inclusão de mais jabutis, “seria lamentável, mas estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas”, diz. Em sua opinião, o papel dos senadores seria apenas o de, se necessário, aprimorar o texto. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Como o sr. avalia o projeto que regulamenta a reforma tributária?

Vejo como essencialmente positivo, cumpriu a primeira parte que foi passar pela Câmara e ainda tem um longo caminho pelo Senado. Acho que o conjunto da reforma é favorável. Às vezes analistas e críticos ficam se apegando a uma questão específica e acabam perdendo a visão de conjunto. Focar demais num determinado ponto pode obscurecer a importância dos ganhos que o País vai ter. Ela é o único projeto transformador que está sendo colocado neste momento. Obviamente não resolve a questão fiscal, mas ajuda a encaminhar melhores condições para o crescimento, para melhorar a eficiência. O valor disso é inestimável num país que precisa aumentar a produtividade.

Quais os pontos mais positivos?

O primeiro, evidentemente, é a redução da complexidade ao juntar vários tributos em um só, alguns dos quais são objetos de enormes contenciosos judiciais. Se a regulação for bem feita, a redução de complexidade permitirá um ganho enorme para as empresas e reduzirá especialmente o custo de compliance. O princípio geral do valor adicional, do imposto não cumulativo e do destino final também ajuda a melhorar a questão da tributação indevida na exportação. O segundo é a redução das distorções alocativas em razão de incentivos fiscais. Uma das piores coisas do sistema produtivo brasileiro é ter empresas com estruturas que só existem por causa de incentivo fiscal. Por exemplo, vejo como grande distorção as empresas importarem produtos via Santa Catarina, colocar em um caminhão e trazer para São Paulo porque tem vantagem de ICMS. É um Estado desenvolvido, com indústria importante e não precisa disso. Sem o incentivo fiscal, muitas empresas vão refazer seus sistemas logísticos. O terceiro é a ideia do split payment (sistema automático que permitirá a quitação e distribuição automática dos impostos entre União, Estados e municípios). Vai acabar o acúmulo de créditos, que gera enorme ineficiência. Hoje o crédito retido leva meses ou anos para ser devolvido e atrapalha o capital de giro das empresas. O quarto é que a mudança não será rápida, mas por etapas, começando com uma fase experimental, pois se for rápido demais o sistema pode travar. O último ponto, na verdade, é uma esperança de que a redação final dê menos margem para a judicialização.

E os negativos?

O que é negativo é o volume de exceções, algumas casuístas introduzidas de última hora por setores pouco importantes. Elas não alteram a visão geral da reforma, mas deixam a percepção de que esses processos, no Congresso, estão muito sujeitos à força de lobbies específicos. Por exemplo, a proposta de desonerar a produção de sêmens, embriões e matrizes de animais. É algo muito pontual e não faz sentido estar na reforma. Outra coisa negativa é tirar armas e munições da lista do imposto seletivo. No meu entender, se há algo que precisa ser mais tributável, pois de algum jeito faz mal à sociedade, é arma. Claro que não é a opinião da bancada da bala. Outra coisa que ficou inconsistente é a inclusão de veículos elétricos no imposto seletivo porque, na verdade, acaba sendo um protecionismo e, aparentemente, é para matar o veículo elétrico. Agora fumos, bebidas alcoólicas, açucarados e jogos fazem sentido.

Como o sr. vê a discussão sobre a carne na cesta básica?

De fato não tem como separar, por exemplo, o acém do filé mignon. Ou coloca todos ou nenhum. Mas tenho dúvidas se vale a pena a inclusão. Conceitualmente, acredito que a solução do cashback é melhor, ou seja, devolver uma estimativa de gastos (com esse produto) para as pessoas que têm renda mais baixa do que fazer a abertura do setor como um todo. Não seria difícil, pois temos um sistema bem-sucedido de Bolsa Família, de Cadastro Único. Mas não acho que isso comprometa o conjunto da reforma.

Sessão de votação da regulamentação da reforma tributária, na Câmara dos Deputados Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados

Há muitos setores reclamando que terão perdas.

Tem discussões técnicas, por exemplo, na forma de tributar os imóveis. O compromisso era manter a carga tributária média e o sistema que saiu, aparentemente, reduz a carga tributária para imóveis baratos e aumenta um pouco para os mais caros, e isso está gerando controvérsias. Evidentemente os incorporadores que se especializaram nos imóveis mais caros estão dizendo que a carga vai aumentar, mas aí é uma questão de entendimento. O Ministério da Fazenda argumenta que a média não aumenta, mas na distribuição dessa média algumas cargas caem e outras aumentam. É preciso desenvolver uma metodologia que todo mundo ache razoável, pois é legítimo cada segmento defender o seu caso e, de fato, quem trabalha com imóveis de alto padrão tem um produto diferente daquele que trabalha com o Minha Casa Minha Vida, ou algo desse tipo.

O sr. acredita que a alíquota média prevista inicialmente para o IVA, de 26,5% a 27%, será mantida após as mudanças no texto?

Não tenho dados ou simulações para responder a essa questão, mas tenho impressão de que sim. O setor de carne, por exemplo, não é tão grande e é cada vez mais exportador e exportar não paga imposto. Aparentemente cabe (essa mudança), mas é para isso que vai ter dois anos para rodar o sistema de forma experimental, para ver como vai funcionar. O problema é que a alíquota ficou cheia e minha preocupação é o Senado piorar mais. Tenho receio de que, no Senado, haja uma alcateia de lobbies, cada um tentando arrancar um pedacinho para si. Se ocorrer isso, aí sim pode ficar ruim, o que seria lamentável.

Já há um grupo de deputados dizendo que vai pressionar o Senado por mais incentivos à Zona Franca de Manaus.

Eu acho que a questão da Zona Franca não deveria estar na reforma. O projeto da ZF ficou maduro, mas não produz nada adicional e relevante da região amazônica. O que teria de ter sido feito com o pessoal da região é ver o que tem de novo e positivo em termos de descarbonização, economia verde e pensar em um projeto que, ao longo do tempo, ajudasse a região a se desenvolver. Do jeito que está hoje, não traz maior desenvolvimento para a Amazônia. Ao contrário, o que cresce em larga medida é o dinheiro ilegal, como o do garimpo. Há uma oportunidade fenomenal ligada ao meio ambiente, à preservação, ter um projeto economicamente factível de descarbonização, de bioeconomia. Isso me parece ser de interesse da região e puxaria o crescimento, e não tentar manter uma estrutura que já era ruim há 50 anos quando começou a Zona Franca. A região está estagnada. Ela tem o que sempre teve de importante, que é a Vale/Carajás, as fábricas de duas rodas (motocicletas), mas não vai para frente. E o que a reforma tributária faz é manter a ideia muito bravamente defendida pela política local de que a Zona Franca tem de continuar como é. E isso não vai adicionar nada de especial à região. A Zona Franca é um negócio que não tem mais sentido econômico. O Centro Oeste, ao inverso, é o último que entrou nas estruturas regionais e é onde está hoje o maior crescimento do PIB, do valor adicionado, da renda per capita.

Há previsão de que mais mudanças ocorram no Senado?

Quero crer que seja mantido o que já está aprovado, mas tem de ficar muito esperto porque haverá tentativa de lobbies e vai depender do encaminhamento da liderança do governo. Espero que o Senado vote mais ou menos do jeito que está ou que o aprimore, porque sempre pode aprimorar. Mas meu receio é que comece a entrar mais jabutis, pois estamos num período em que há proliferação de jabutis em todas as áreas.

A reforma vai trazer crescimento econômico?

Acho que sim. Vai demorar certo tempo, mas o corte de custos que as empresas terão nos departamentos de compliance com a regra fiscal, e nos departamentos jurídicos com a redução de contenciosos jurídicos vai tirar um peso enorme das despesas. Isso vai aliviar o capital de giro, vai melhorar os resultados e haverá mais recursos para investimentos e ganho de produtividade.

Entrevista por Cleide Silva

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