Como o Open Finance vai mudar a vida dos clientes de bancos? Diretor do BC explica o que vem por aí


Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central, explica como se dará a evolução do compartilhamento de dados entre diferentes instituições e como isso pode transformar o sistema financeiro

Por Adriana Fernandes e Bianca Lima
Atualização:
Foto: Wilton Junior
Entrevista comOtávio Damasodiretor de regulação do Banco Central

BRASÍLIA - Depois do Pix, o sistema de Open Finance já é uma realidade no Brasil e vem mudando a cara da relação dos clientes com os bancos. A palavra em inglês significa “sistema financeiro aberto” e, no mundo bancário, representa a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros autorizarem o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições.

Ao Estadão, o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, antecipa que uma nova era está chegando com o Open Finance: a dos superapps dos bancos.

O sistema tem chamado ainda mais atenção dos clientes bancários após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter afirmado há dez dias, durante evento nos Estados Unidos, que “em até dois anos, não terá mais app do Bradesco, Itaú. Será um app agregador que, pelo Open Finance, vai dar acesso a todas as contas”.

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A reportagem pediu ao diretor Damaso que explicasse em detalhes o futuro do Open Finance no Brasil e como o cliente bancário pode tirar proveito dele ao autorizar o compartilhamento dos seus dados.

“Não vai existir um app único. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro”, explica. Ele prevê que os superapps serão cada vez mais “parrudos” com o aumento da competição.

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Na entrevista, Damaso compara a implantação do Open Finance a uma jornada em que inovações tecnológicas para a oferta de novos serviços serão rapidamente incorporadas aos aplicativos, que serão também uma plataforma de acesso ao varejo.

Diretor do BC prevê que superapps dos bancos serão cada vez mais 'parrudos'. Foto: Wilton Junior

Com mais informações, os bancos podem oferecer benefícios que vão desde um pagamento de Pix com mais funcionalidade, empréstimos com juros mais baixos, cartão de crédito com taxas mais baratas até a oferta de um investimento com retorno mais alto. “Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance”, destaca Damaso. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Como traduzir de forma simples o Open Finance?

É uma infraestrutura que permite o compartilhamento das informações de cada cliente bancário entre as instituições financeiras - é claro que a partir do consentimento do cliente. Se sou correntista do banco A e estou atrás de um produto ou serviço financeiro melhor no banco B, posso autorizar que o banco A, que tem todo o histórico da minha vida financeira, compartilhe meus dados com o banco B, que vai me analisar e poderá me oferecer produtos. Mais do que isso: ele permite que você faça transações financeiras acessando a sua conta no banco B, a partir do app do banco A.

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De que forma?

Tudo é feito a partir de APIs (interfaces de programação de aplicações) que foram desenvolvidas pelos próprios bancos. É um canal bilateral, onde a informação transita do banco A para o banco B de forma totalmente segura. Só participam do Open Finance as instituições que são reguladas e autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

O que esperar do impacto do Open Finance na concorrência bancária e na economia?

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Com certeza, o Open Finance vai transformar o sistema financeiro nos próximos cinco anos, dez anos. Ele é um processo, é uma jornada longa, que vai trazer muito mais conveniência, melhores produtos e serviços para o consumidor. Naturalmente, vai fomentar um ambiente ainda mais competitivo no sistema financeiro nacional.

Quando o Open Finance estiver totalmente implementado, o cliente terá um único aplicativo, que vai unificar as informações?

Não. Vamos esclarecer alguns pontos: os aplicativos dos bancos são atualmente o principal instrumento de relacionamento entre o banco e o cliente. O app de cada banco já está num processo de transformação. Não vai existir um app único. Vai existir o app do seu banco A, do seu banco B, que, nesse processo de transformação, vai ter uma série de informações. O Open Finance vai estar dentro do app desse banco. Os apps dos bancos ficarão cada vez mais poderosos, parrudos, com mais informações e, provavelmente, com serviços e produtos que vão, em alguns casos, até além do serviço financeiro. Você pode entrar hoje num app de banco com acesso a marketplaces, que oferecem condições melhores para você comprar.

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Superapps poderão ser um canal de acesso ao varejo, destaca Damaso. Foto: Wilton Junior

Não haverá, então, um app único?

Não. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro.

Quando o sr. diz que poderia ir para além de serviços financeiros, seria fazer compras por meio do app?

Hoje, se o cliente entrar no app de um banco, o que vai encontrar lá dentro? Toda gama de produtos e serviços financeiros que o banco oferece. E, em alguns casos, ele já oferece produtos e serviços financeiros de outros players do mercado. Em outros casos, já tem, inclusive, acesso a marketplaces. Ou, então, uma fabricante de um eletrodoméstico, com o qual o banco tem essa parceria, e oferece condições melhores para o cliente.

Os superapps serão um canal de varejo?

Não. Um canal de acesso ao varejo. Ele não vai ser vendedor de produtos eletrodomésticos; mas, ao fazer parcerias com marketplaces, como ele te conhece, vai poder oferecer condições melhores - seja na forma de parcelamento da sua compra ou de cashback. Isso já está disponível e vai crescer mais.

O que pode ter mais, no futuro, via Open Finance?

Se você escolheu o app do banco A para ser a sua principal entrada no mundo financeiro, vai entrar nele e conseguir ver a sua conta corrente no banco B. Fazer, por exemplo, o pagamento de um boleto usando o saldo da conta B sem sair do app do banco A. É como escolher o seu portal quando acessa a internet.


No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

Em que ponto nós estamos hoje? Atualmente, por exemplo, nas transações via Pix, já é possível selecionar de qual banco o dinheiro vai sair.

Isso já é o Open Finance operando. No app do banco que eu tenho, consigo ver o saldo e as transações que fiz nos outros dois bancos em que tenho conta, o B e o C. Isso já está funcionando, só que tem de autorizar. Também já é possível estar no app do banco A e pagar a conta usando o dinheiro do banco B. Eu vou lá e faço um Pix acessando o banco B, porque meu dinheiro naquele momento está lá. Imagina isso na vida de uma empresa, que geralmente opera com três, quatro, cinco bancos, porque precisa fazer vários negócios. Ela, agora, tem condições de visualizar toda a sua vida financeira num único aplicativo. Antes, ela tinha de sair do banco A, entrar no banco B, sair do banco B e entrar no banco C... No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

A briga pelo cliente vai ser sangrenta, então?

Sempre foi. O pessoal sempre achou que o sistema financeiro não tinha competição, mas tem muita competição.

Vai ter mais?

Cada vez mais. Os novos entrantes vão buscar que você entre nesse banco, porque ele vai te oferecer alguma coisa diferente. Ao entrar, ele vai pedir para você levar a sua informação (financeira) para lá. Mas isso está acontecendo dos dois lados, porque os bancos grandes também não estão parados esperando a concorrência chegar. Eles estão se transformando cada vez mais, investindo muito em tecnologia, para conquistar a permanência ou um novo cliente.

Pode dar um exemplo de inovação financeira gerada pelo Open Finance, nesse ambiente de maior competição?

Vamos pegar o exemplo do Joãozinho, que volta e meia entra no cheque especial. Ele é cliente do banco A há dez anos. Esse banco dá R$ 5 mil de limite e cobra 8% de juros (ao mês). O cheque especial era um produto com zero concorrência, porque ninguém muda de banco porque o limite é baixo ou porque a taxa de juro desse produto é alta. Então, tinha uma rigidez nessa concorrência. O que está acontecendo hoje? O banco B diz assim: se você me der acesso ao Open Finance, todo dia eu vou lá no banco A e vou ver qual é o saldo na conta corrente. Se você entrar no cheque especial, eu vou te cobrir e, para isso, vou cobrar, em vez de 8%, 5%. Ou seja, a gente deu concorrência para um produto que não tinha concorrência.

Qual a diferença na implantação do Pix e do Open Finance?

Assim que os bancos sentem segurança e já têm um produto específico, começam a disponibilizar primeiro para um conjunto de clientes para fazer os testes. Diferentemente do Pix, que no D1 (primeiro dia) tudo começou a funcionar, e que agora está completando três anos, o Open Finance é um processo que envolve uma complexidade muito maior. As coisas vão acontecendo e se tornando cada vez mais robustas ao longo dos próximos anos.

Por que isso é bom para os clientes?

Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance. O que é crédito? É confiança. Você tem a vida no banco A e sente que pode ter oportunidade de uma operação de crédito no banco B, em melhores condições, só que o banco B não sabe quem você é, não sabe o seu histórico. Com o Open Finance, ele olha e pode oferecer um crédito em melhores condições. Mais do que isso, o banco B vê que o seu cartão de crédito está com uma anuidade de R$ 1 mil e fala: vem para cá, que eu te dou três anos de isenção da anuidade. Por quê? Porque você é um bom cliente.

Temos regra, inclusive para os dirigentes, e temos mecanismos de punição

Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central, sobre o funcionamento do Open Finance

As instituições financeiras são obrigadas a aderir ao Open Finance?

Alguns tipos de instituições financeiras são obrigadas (é o caso dos bancos maiores). Para outras, é optativo. Só que todos podem entrar. Lembrando que, geralmente, mais para baixo (na classificação das instituições financeiras), estão os bancos novos, os entrantes, os desafiantes. Mas, uma vez que ele opta por entrar, ele tem que entrar recebendo e doando (informações). É a reciprocidade. Como eles estão atrás de novos clientes, eles aderiram ao processo.

Esse compartilhamento cada vez mais intenso de informações financeiras, via Open Finance, não traz preocupações relativas à segurança dos dados?

Quando a gente desenhou o Open Finance, um pré-requisito foi o perímetro regulatório de autorização. Só opera quem é autorizado e, naturalmente, está sujeito à nossa regulação e supervisão. A gente está olhando e temos regra, inclusive para os dirigentes (das instituições financeiras), e temos mecanismos de punição. Esse é o primeiro aspecto. O segundo aspecto é que o sistema financeiro sempre trocou informação entre si. Você tem as registradoras, as certificadoras e tem o dinheiro indo e vindo a todo momento. Tudo isso é feito com total rigor, em termos de segurança. Então, não tem nada de diferente, em termos de troca de informações e dinheiro, que o sistema financeiro já não tenha feito.

Então os dados dos correntistas estão protegidos?

Os dados estão sujeitos ao sigilo bancário. Além disso, é necessário autorizar o compartilhamento das informações.

BRASÍLIA - Depois do Pix, o sistema de Open Finance já é uma realidade no Brasil e vem mudando a cara da relação dos clientes com os bancos. A palavra em inglês significa “sistema financeiro aberto” e, no mundo bancário, representa a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros autorizarem o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições.

Ao Estadão, o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, antecipa que uma nova era está chegando com o Open Finance: a dos superapps dos bancos.

O sistema tem chamado ainda mais atenção dos clientes bancários após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter afirmado há dez dias, durante evento nos Estados Unidos, que “em até dois anos, não terá mais app do Bradesco, Itaú. Será um app agregador que, pelo Open Finance, vai dar acesso a todas as contas”.

A reportagem pediu ao diretor Damaso que explicasse em detalhes o futuro do Open Finance no Brasil e como o cliente bancário pode tirar proveito dele ao autorizar o compartilhamento dos seus dados.

“Não vai existir um app único. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro”, explica. Ele prevê que os superapps serão cada vez mais “parrudos” com o aumento da competição.

Na entrevista, Damaso compara a implantação do Open Finance a uma jornada em que inovações tecnológicas para a oferta de novos serviços serão rapidamente incorporadas aos aplicativos, que serão também uma plataforma de acesso ao varejo.

Diretor do BC prevê que superapps dos bancos serão cada vez mais 'parrudos'. Foto: Wilton Junior

Com mais informações, os bancos podem oferecer benefícios que vão desde um pagamento de Pix com mais funcionalidade, empréstimos com juros mais baixos, cartão de crédito com taxas mais baratas até a oferta de um investimento com retorno mais alto. “Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance”, destaca Damaso. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como traduzir de forma simples o Open Finance?

É uma infraestrutura que permite o compartilhamento das informações de cada cliente bancário entre as instituições financeiras - é claro que a partir do consentimento do cliente. Se sou correntista do banco A e estou atrás de um produto ou serviço financeiro melhor no banco B, posso autorizar que o banco A, que tem todo o histórico da minha vida financeira, compartilhe meus dados com o banco B, que vai me analisar e poderá me oferecer produtos. Mais do que isso: ele permite que você faça transações financeiras acessando a sua conta no banco B, a partir do app do banco A.

De que forma?

Tudo é feito a partir de APIs (interfaces de programação de aplicações) que foram desenvolvidas pelos próprios bancos. É um canal bilateral, onde a informação transita do banco A para o banco B de forma totalmente segura. Só participam do Open Finance as instituições que são reguladas e autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

O que esperar do impacto do Open Finance na concorrência bancária e na economia?

Com certeza, o Open Finance vai transformar o sistema financeiro nos próximos cinco anos, dez anos. Ele é um processo, é uma jornada longa, que vai trazer muito mais conveniência, melhores produtos e serviços para o consumidor. Naturalmente, vai fomentar um ambiente ainda mais competitivo no sistema financeiro nacional.

Quando o Open Finance estiver totalmente implementado, o cliente terá um único aplicativo, que vai unificar as informações?

Não. Vamos esclarecer alguns pontos: os aplicativos dos bancos são atualmente o principal instrumento de relacionamento entre o banco e o cliente. O app de cada banco já está num processo de transformação. Não vai existir um app único. Vai existir o app do seu banco A, do seu banco B, que, nesse processo de transformação, vai ter uma série de informações. O Open Finance vai estar dentro do app desse banco. Os apps dos bancos ficarão cada vez mais poderosos, parrudos, com mais informações e, provavelmente, com serviços e produtos que vão, em alguns casos, até além do serviço financeiro. Você pode entrar hoje num app de banco com acesso a marketplaces, que oferecem condições melhores para você comprar.

Superapps poderão ser um canal de acesso ao varejo, destaca Damaso. Foto: Wilton Junior

Não haverá, então, um app único?

Não. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro.

Quando o sr. diz que poderia ir para além de serviços financeiros, seria fazer compras por meio do app?

Hoje, se o cliente entrar no app de um banco, o que vai encontrar lá dentro? Toda gama de produtos e serviços financeiros que o banco oferece. E, em alguns casos, ele já oferece produtos e serviços financeiros de outros players do mercado. Em outros casos, já tem, inclusive, acesso a marketplaces. Ou, então, uma fabricante de um eletrodoméstico, com o qual o banco tem essa parceria, e oferece condições melhores para o cliente.

Os superapps serão um canal de varejo?

Não. Um canal de acesso ao varejo. Ele não vai ser vendedor de produtos eletrodomésticos; mas, ao fazer parcerias com marketplaces, como ele te conhece, vai poder oferecer condições melhores - seja na forma de parcelamento da sua compra ou de cashback. Isso já está disponível e vai crescer mais.

O que pode ter mais, no futuro, via Open Finance?

Se você escolheu o app do banco A para ser a sua principal entrada no mundo financeiro, vai entrar nele e conseguir ver a sua conta corrente no banco B. Fazer, por exemplo, o pagamento de um boleto usando o saldo da conta B sem sair do app do banco A. É como escolher o seu portal quando acessa a internet.


No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

Em que ponto nós estamos hoje? Atualmente, por exemplo, nas transações via Pix, já é possível selecionar de qual banco o dinheiro vai sair.

Isso já é o Open Finance operando. No app do banco que eu tenho, consigo ver o saldo e as transações que fiz nos outros dois bancos em que tenho conta, o B e o C. Isso já está funcionando, só que tem de autorizar. Também já é possível estar no app do banco A e pagar a conta usando o dinheiro do banco B. Eu vou lá e faço um Pix acessando o banco B, porque meu dinheiro naquele momento está lá. Imagina isso na vida de uma empresa, que geralmente opera com três, quatro, cinco bancos, porque precisa fazer vários negócios. Ela, agora, tem condições de visualizar toda a sua vida financeira num único aplicativo. Antes, ela tinha de sair do banco A, entrar no banco B, sair do banco B e entrar no banco C... No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

A briga pelo cliente vai ser sangrenta, então?

Sempre foi. O pessoal sempre achou que o sistema financeiro não tinha competição, mas tem muita competição.

Vai ter mais?

Cada vez mais. Os novos entrantes vão buscar que você entre nesse banco, porque ele vai te oferecer alguma coisa diferente. Ao entrar, ele vai pedir para você levar a sua informação (financeira) para lá. Mas isso está acontecendo dos dois lados, porque os bancos grandes também não estão parados esperando a concorrência chegar. Eles estão se transformando cada vez mais, investindo muito em tecnologia, para conquistar a permanência ou um novo cliente.

Pode dar um exemplo de inovação financeira gerada pelo Open Finance, nesse ambiente de maior competição?

Vamos pegar o exemplo do Joãozinho, que volta e meia entra no cheque especial. Ele é cliente do banco A há dez anos. Esse banco dá R$ 5 mil de limite e cobra 8% de juros (ao mês). O cheque especial era um produto com zero concorrência, porque ninguém muda de banco porque o limite é baixo ou porque a taxa de juro desse produto é alta. Então, tinha uma rigidez nessa concorrência. O que está acontecendo hoje? O banco B diz assim: se você me der acesso ao Open Finance, todo dia eu vou lá no banco A e vou ver qual é o saldo na conta corrente. Se você entrar no cheque especial, eu vou te cobrir e, para isso, vou cobrar, em vez de 8%, 5%. Ou seja, a gente deu concorrência para um produto que não tinha concorrência.

Qual a diferença na implantação do Pix e do Open Finance?

Assim que os bancos sentem segurança e já têm um produto específico, começam a disponibilizar primeiro para um conjunto de clientes para fazer os testes. Diferentemente do Pix, que no D1 (primeiro dia) tudo começou a funcionar, e que agora está completando três anos, o Open Finance é um processo que envolve uma complexidade muito maior. As coisas vão acontecendo e se tornando cada vez mais robustas ao longo dos próximos anos.

Por que isso é bom para os clientes?

Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance. O que é crédito? É confiança. Você tem a vida no banco A e sente que pode ter oportunidade de uma operação de crédito no banco B, em melhores condições, só que o banco B não sabe quem você é, não sabe o seu histórico. Com o Open Finance, ele olha e pode oferecer um crédito em melhores condições. Mais do que isso, o banco B vê que o seu cartão de crédito está com uma anuidade de R$ 1 mil e fala: vem para cá, que eu te dou três anos de isenção da anuidade. Por quê? Porque você é um bom cliente.

Temos regra, inclusive para os dirigentes, e temos mecanismos de punição

Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central, sobre o funcionamento do Open Finance

As instituições financeiras são obrigadas a aderir ao Open Finance?

Alguns tipos de instituições financeiras são obrigadas (é o caso dos bancos maiores). Para outras, é optativo. Só que todos podem entrar. Lembrando que, geralmente, mais para baixo (na classificação das instituições financeiras), estão os bancos novos, os entrantes, os desafiantes. Mas, uma vez que ele opta por entrar, ele tem que entrar recebendo e doando (informações). É a reciprocidade. Como eles estão atrás de novos clientes, eles aderiram ao processo.

Esse compartilhamento cada vez mais intenso de informações financeiras, via Open Finance, não traz preocupações relativas à segurança dos dados?

Quando a gente desenhou o Open Finance, um pré-requisito foi o perímetro regulatório de autorização. Só opera quem é autorizado e, naturalmente, está sujeito à nossa regulação e supervisão. A gente está olhando e temos regra, inclusive para os dirigentes (das instituições financeiras), e temos mecanismos de punição. Esse é o primeiro aspecto. O segundo aspecto é que o sistema financeiro sempre trocou informação entre si. Você tem as registradoras, as certificadoras e tem o dinheiro indo e vindo a todo momento. Tudo isso é feito com total rigor, em termos de segurança. Então, não tem nada de diferente, em termos de troca de informações e dinheiro, que o sistema financeiro já não tenha feito.

Então os dados dos correntistas estão protegidos?

Os dados estão sujeitos ao sigilo bancário. Além disso, é necessário autorizar o compartilhamento das informações.

BRASÍLIA - Depois do Pix, o sistema de Open Finance já é uma realidade no Brasil e vem mudando a cara da relação dos clientes com os bancos. A palavra em inglês significa “sistema financeiro aberto” e, no mundo bancário, representa a possibilidade de clientes de produtos e serviços financeiros autorizarem o compartilhamento de suas informações entre diferentes instituições.

Ao Estadão, o diretor de regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, antecipa que uma nova era está chegando com o Open Finance: a dos superapps dos bancos.

O sistema tem chamado ainda mais atenção dos clientes bancários após o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ter afirmado há dez dias, durante evento nos Estados Unidos, que “em até dois anos, não terá mais app do Bradesco, Itaú. Será um app agregador que, pelo Open Finance, vai dar acesso a todas as contas”.

A reportagem pediu ao diretor Damaso que explicasse em detalhes o futuro do Open Finance no Brasil e como o cliente bancário pode tirar proveito dele ao autorizar o compartilhamento dos seus dados.

“Não vai existir um app único. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro”, explica. Ele prevê que os superapps serão cada vez mais “parrudos” com o aumento da competição.

Na entrevista, Damaso compara a implantação do Open Finance a uma jornada em que inovações tecnológicas para a oferta de novos serviços serão rapidamente incorporadas aos aplicativos, que serão também uma plataforma de acesso ao varejo.

Diretor do BC prevê que superapps dos bancos serão cada vez mais 'parrudos'. Foto: Wilton Junior

Com mais informações, os bancos podem oferecer benefícios que vão desde um pagamento de Pix com mais funcionalidade, empréstimos com juros mais baixos, cartão de crédito com taxas mais baratas até a oferta de um investimento com retorno mais alto. “Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance”, destaca Damaso. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como traduzir de forma simples o Open Finance?

É uma infraestrutura que permite o compartilhamento das informações de cada cliente bancário entre as instituições financeiras - é claro que a partir do consentimento do cliente. Se sou correntista do banco A e estou atrás de um produto ou serviço financeiro melhor no banco B, posso autorizar que o banco A, que tem todo o histórico da minha vida financeira, compartilhe meus dados com o banco B, que vai me analisar e poderá me oferecer produtos. Mais do que isso: ele permite que você faça transações financeiras acessando a sua conta no banco B, a partir do app do banco A.

De que forma?

Tudo é feito a partir de APIs (interfaces de programação de aplicações) que foram desenvolvidas pelos próprios bancos. É um canal bilateral, onde a informação transita do banco A para o banco B de forma totalmente segura. Só participam do Open Finance as instituições que são reguladas e autorizadas pelo Banco Central do Brasil.

O que esperar do impacto do Open Finance na concorrência bancária e na economia?

Com certeza, o Open Finance vai transformar o sistema financeiro nos próximos cinco anos, dez anos. Ele é um processo, é uma jornada longa, que vai trazer muito mais conveniência, melhores produtos e serviços para o consumidor. Naturalmente, vai fomentar um ambiente ainda mais competitivo no sistema financeiro nacional.

Quando o Open Finance estiver totalmente implementado, o cliente terá um único aplicativo, que vai unificar as informações?

Não. Vamos esclarecer alguns pontos: os aplicativos dos bancos são atualmente o principal instrumento de relacionamento entre o banco e o cliente. O app de cada banco já está num processo de transformação. Não vai existir um app único. Vai existir o app do seu banco A, do seu banco B, que, nesse processo de transformação, vai ter uma série de informações. O Open Finance vai estar dentro do app desse banco. Os apps dos bancos ficarão cada vez mais poderosos, parrudos, com mais informações e, provavelmente, com serviços e produtos que vão, em alguns casos, até além do serviço financeiro. Você pode entrar hoje num app de banco com acesso a marketplaces, que oferecem condições melhores para você comprar.

Superapps poderão ser um canal de acesso ao varejo, destaca Damaso. Foto: Wilton Junior

Não haverá, então, um app único?

Não. Vai existir um superapp de cada banco. Só que eles vão estar se comunicando via Open Finance, se o cliente autorizar que o dado flua de um banco para o outro.

Quando o sr. diz que poderia ir para além de serviços financeiros, seria fazer compras por meio do app?

Hoje, se o cliente entrar no app de um banco, o que vai encontrar lá dentro? Toda gama de produtos e serviços financeiros que o banco oferece. E, em alguns casos, ele já oferece produtos e serviços financeiros de outros players do mercado. Em outros casos, já tem, inclusive, acesso a marketplaces. Ou, então, uma fabricante de um eletrodoméstico, com o qual o banco tem essa parceria, e oferece condições melhores para o cliente.

Os superapps serão um canal de varejo?

Não. Um canal de acesso ao varejo. Ele não vai ser vendedor de produtos eletrodomésticos; mas, ao fazer parcerias com marketplaces, como ele te conhece, vai poder oferecer condições melhores - seja na forma de parcelamento da sua compra ou de cashback. Isso já está disponível e vai crescer mais.

O que pode ter mais, no futuro, via Open Finance?

Se você escolheu o app do banco A para ser a sua principal entrada no mundo financeiro, vai entrar nele e conseguir ver a sua conta corrente no banco B. Fazer, por exemplo, o pagamento de um boleto usando o saldo da conta B sem sair do app do banco A. É como escolher o seu portal quando acessa a internet.


No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

Em que ponto nós estamos hoje? Atualmente, por exemplo, nas transações via Pix, já é possível selecionar de qual banco o dinheiro vai sair.

Isso já é o Open Finance operando. No app do banco que eu tenho, consigo ver o saldo e as transações que fiz nos outros dois bancos em que tenho conta, o B e o C. Isso já está funcionando, só que tem de autorizar. Também já é possível estar no app do banco A e pagar a conta usando o dinheiro do banco B. Eu vou lá e faço um Pix acessando o banco B, porque meu dinheiro naquele momento está lá. Imagina isso na vida de uma empresa, que geralmente opera com três, quatro, cinco bancos, porque precisa fazer vários negócios. Ela, agora, tem condições de visualizar toda a sua vida financeira num único aplicativo. Antes, ela tinha de sair do banco A, entrar no banco B, sair do banco B e entrar no banco C... No futuro, você vai acessar um app e dali resolver toda a sua vida financeira.

A briga pelo cliente vai ser sangrenta, então?

Sempre foi. O pessoal sempre achou que o sistema financeiro não tinha competição, mas tem muita competição.

Vai ter mais?

Cada vez mais. Os novos entrantes vão buscar que você entre nesse banco, porque ele vai te oferecer alguma coisa diferente. Ao entrar, ele vai pedir para você levar a sua informação (financeira) para lá. Mas isso está acontecendo dos dois lados, porque os bancos grandes também não estão parados esperando a concorrência chegar. Eles estão se transformando cada vez mais, investindo muito em tecnologia, para conquistar a permanência ou um novo cliente.

Pode dar um exemplo de inovação financeira gerada pelo Open Finance, nesse ambiente de maior competição?

Vamos pegar o exemplo do Joãozinho, que volta e meia entra no cheque especial. Ele é cliente do banco A há dez anos. Esse banco dá R$ 5 mil de limite e cobra 8% de juros (ao mês). O cheque especial era um produto com zero concorrência, porque ninguém muda de banco porque o limite é baixo ou porque a taxa de juro desse produto é alta. Então, tinha uma rigidez nessa concorrência. O que está acontecendo hoje? O banco B diz assim: se você me der acesso ao Open Finance, todo dia eu vou lá no banco A e vou ver qual é o saldo na conta corrente. Se você entrar no cheque especial, eu vou te cobrir e, para isso, vou cobrar, em vez de 8%, 5%. Ou seja, a gente deu concorrência para um produto que não tinha concorrência.

Qual a diferença na implantação do Pix e do Open Finance?

Assim que os bancos sentem segurança e já têm um produto específico, começam a disponibilizar primeiro para um conjunto de clientes para fazer os testes. Diferentemente do Pix, que no D1 (primeiro dia) tudo começou a funcionar, e que agora está completando três anos, o Open Finance é um processo que envolve uma complexidade muito maior. As coisas vão acontecendo e se tornando cada vez mais robustas ao longo dos próximos anos.

Por que isso é bom para os clientes?

Hoje, tem instituições financeiras que já falam para o BC que 80% das operações de crédito que concedem foram qualificadas a partir das informações do Open Finance. O que é crédito? É confiança. Você tem a vida no banco A e sente que pode ter oportunidade de uma operação de crédito no banco B, em melhores condições, só que o banco B não sabe quem você é, não sabe o seu histórico. Com o Open Finance, ele olha e pode oferecer um crédito em melhores condições. Mais do que isso, o banco B vê que o seu cartão de crédito está com uma anuidade de R$ 1 mil e fala: vem para cá, que eu te dou três anos de isenção da anuidade. Por quê? Porque você é um bom cliente.

Temos regra, inclusive para os dirigentes, e temos mecanismos de punição

Otávio Damaso, diretor de regulação do Banco Central, sobre o funcionamento do Open Finance

As instituições financeiras são obrigadas a aderir ao Open Finance?

Alguns tipos de instituições financeiras são obrigadas (é o caso dos bancos maiores). Para outras, é optativo. Só que todos podem entrar. Lembrando que, geralmente, mais para baixo (na classificação das instituições financeiras), estão os bancos novos, os entrantes, os desafiantes. Mas, uma vez que ele opta por entrar, ele tem que entrar recebendo e doando (informações). É a reciprocidade. Como eles estão atrás de novos clientes, eles aderiram ao processo.

Esse compartilhamento cada vez mais intenso de informações financeiras, via Open Finance, não traz preocupações relativas à segurança dos dados?

Quando a gente desenhou o Open Finance, um pré-requisito foi o perímetro regulatório de autorização. Só opera quem é autorizado e, naturalmente, está sujeito à nossa regulação e supervisão. A gente está olhando e temos regra, inclusive para os dirigentes (das instituições financeiras), e temos mecanismos de punição. Esse é o primeiro aspecto. O segundo aspecto é que o sistema financeiro sempre trocou informação entre si. Você tem as registradoras, as certificadoras e tem o dinheiro indo e vindo a todo momento. Tudo isso é feito com total rigor, em termos de segurança. Então, não tem nada de diferente, em termos de troca de informações e dinheiro, que o sistema financeiro já não tenha feito.

Então os dados dos correntistas estão protegidos?

Os dados estão sujeitos ao sigilo bancário. Além disso, é necessário autorizar o compartilhamento das informações.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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