‘O Brasil tem vantagens na agenda verde, mas não está totalmente consciente disso’, diz ex-Unilever


Segundo executivo, Brasil está bem posicionado para atrair projetos de energia verde, com situação macroeconômica mais estável e Plano de Transição Ecológica indicando prioridades

Por Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO
Entrevista comPaul Polman

O Brasil está diante de um momento único na história, em que estão se juntado peças de um quebra-cabeça que favorece a economia do País, de acordo com o holandês Paul Polman, presidente da Unilever entre 2009 e 2019. “O mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções (para a crise climática). Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. (...) Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro”, disse o executivo ao Estadão. “É um bom momento para ser brasileiro”, acrescentou ele, que esteve em São Paulo na semana passada para participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.

Polman destacou que a situação macroeconômica do Brasil melhorou e que o País está avançando em tecnologias de energia limpa. Questionado sobre o que o Brasil precisa fazer para não perder essa oportunidade, ele se mostrou otimista. Disse que era necessário criar um programa para integrar as políticas que envolvem economia verde, mas que isso já está em andamento com o Plano de Transição Ecológica, lançado pelo governo federal no ano passado.

Sob o comando de Polman, a Unilever foi uma das primeiras multinacionais a colocar a sustentabilidade no centro das estratégias - o que, hoje, passou a ser atacado por alguns acionistas. Sobre o assunto, ele afirmou que sempre haverá acionista insatisfeito e frisou que “empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor”.

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A seguir, trechos da entrevista.

O senhor afirmou, no Fórum, que o Brasil tem uma grande oportunidade diante da transformação da economia para um modelo de baixo carbono. Disse também que aproveitar essa oportunidade depende do Brasil. Na prática, o que o País tem de fazer?

Venho ao Brasil há 30 anos e me sinto mais energizado nesta visita do que em todas as outras. Há uma transformação acontecendo. O Brasil tem uma vantagem nessas mudanças, mas não está totalmente consciente disso. Vejo mais peças de um quebra-cabeça se juntando aqui do que eu vi em qualquer outro momento. A primeira peça é a macroeconomia. Vocês estão em uma posição melhor. A inflação e os juros estão diminuindo. O mercado financeiro está se fortalecendo. A nota crédito melhorou. Vocês começaram a reforma tributária e os títulos verdes estão chegando. O BNDES está trazendo algumas ideias para canalizar dinheiro. Então, a mudança está acontecendo.

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Polman: 'O Brasil não está totalmente consciente das vantagens que têm'  Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Mas o que ainda precisa ser feito?

Vocês já começaram a fazer. Essa transformação está acontecendo em um momento em que a urgência ambiental é melhor compreendida no mundo, em que os investimentos em energia verde estão triplicando. Pela primeira vez, as pessoas entendem que os sistemas alimentares e o uso da terra têm de ser parte das soluções para as mudanças climáticas. Isso está acontecendo globalmente, e o Brasil está bem posicionado. O Brasil tem 90% de energia renovável. Tem biocombustíveis. Vocês já começaram a trabalhar na agricultura regenerativa. O Brasil pode não apenas oferecer matéria-prima para o mundo, mas também soluções. O que precisa ser feito? O País precisa de um plano integrado, porque essas coisas não podem ser feitas de forma fragmentada. O Plano de Transição Ecológica, que o governo federal apresentou, é exatamente o que pedi quando vim aqui um ano atrás. O Ministério da Fazenda abraçou isso. As pessoas estão abraçando isso. Porque essa transformação requer que trabalhemos juntos: setor privado, sociedade civil, governos. Agora, vocês precisam atrair capital, porque atualmente o investimento é um sexto do necessário. Como atrair capital? Eliminando riscos políticos e cambiais, por exemplo. Trabalhando com instituições financeiras multilaterais. Mudando a história do Brasil lá fora. Os últimos 10 anos não foram bons aqui. O investimento estrangeiro direto diminuiu. Agora a história é muito melhor, mas precisa ser contada. E é preciso dar continuidade às reformas econômicas para atrair capital. O sistema tributário, ainda não é ótimo. A infraestrutura também não é. O governo precisa destravar isso. Mas o mais importante é a clareza de direção. O mundo empresarial destrava investimentos se houver clareza. O Brasil já está mais adiantado do que muitos países nessa transição e também tem vantagens competitivas significativas. É um bom momento para ser brasileiro.

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No fim dos anos 2000 também se falava que havia chegado a hora do Brasil. Qual a diferença agora?

A diferença é que o mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções. Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. O País tem uma rede de energia conectada, está investindo muito em energia solar e eólica e tem uma indústria de biocombustíveis eficiente. Está começando, em ritmo acelerado, projetos de restauração da natureza, o que outros países ainda não fazem. Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro. Pense neste País e como ele pode transformar a agricultura no mundo. Fertilizantes verdes têm de nascer aqui. Pense em como este País pode mudar a indústria da aviação com combustível sustentável. O País tem elementos que permitem escalar as atividades.

Quais outros países estão em uma situação privilegiada como a do Brasil?

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Há alguns na África, se eles conseguirem melhorar a governança. Eles têm uma população jovem e recursos naturais. O Marrocos, por exemplo, está se tornando um fornecedor de energia verde para a Europa muito rapidamente. Mas o Brasil pode ser um líder global em hidrogênio verde. Vocês têm seus minerais, como a África também tem. Então, a África e o Brasil estão bem posicionados.

Como o Brasil pode atrair projetos de transição energética enquanto compete com países europeus e com os EUA, que estão subsidiando a indústria?

As pessoas entenderam que precisamos migrar para economias verdes, mais inclusivas e equitativas, e que essa transição precisa ser acelerada. Então, a Europa faz isso com legislação. Os EUA fazem isso com inovação e com o Ato de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês, programa que dá subsídio à indústria verde). Mas ainda há, nesses países, cerca de US$ 1,5 trilhão em subsídios que incentivam combustíveis fósseis e atividades ligadas ao desmatamento. Isso também acontece no Brasil, aliás. Portanto, a primeira coisa que os governos precisam fazer é direcionar esses subsídios para a economia verde. O Brasil está perdendo 1% do seu PIB por causa das mudanças climáticas. Os efeitos disso estão cada vez mais visíveis. Se a Amazônia estiver próxima de um ponto de inflexão, isso não será bom para ninguém. Vocês já têm secas, incêndios, enchentes. Estamos num ponto em que o custo desses investimentos que precisamos fazer é menor do que o custo que teremos se não fizermos nada.

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Para Polman, organismos multilaterais precisam ser reformados para poderem ajudar países emergentes na transição energética Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Hoje o dinheiro não está sendo investido na velocidade necessária.

Para receber investimentos, o Brasil precisa permanecer competitivo. Participei aqui de uma reunião com fundos, bancos e empresas de private equity. Eles estão prontos para investir. Eles estão dizendo que têm retornos saudáveis. Então é possível acelerar isso tendo um plano nacional que identifica quais são as prioridades, que é o que o Plano de Transição Ecológica faz.

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Estamos vendo algumas empresas retrocedendo em seus compromissos climáticos…

Não é que estamos retrocedendo. Mesmo as empresas que não estão mais anunciando seus compromissos estão avançando. No ano passado, o mundo investiu US$ 1,7 trilhão em tecnologia verde. Isso representa um aumento de 17%. Nossa capacidade solar dobrou em 2023. Estamos investindo e avançando. As pessoas não querem comprar produtos de empresas que não são responsáveis. Eu diria que estamos na segunda marcha. O desafio é desbloquear mais dinheiro mais rapidamente. Precisamos de precificação de carbono, de regulamentações que sejam favoráveis, de fiscalização de relatórios. Outro desafio são os mercados emergentes, porque muitos deles estão à beira da falência. Eles não têm espaço fiscal para investir. Então precisam de ajuda. É por isso que precisamos criar mecanismos reformando nosso sistema multilateral. Bancos de desenvolvimento regionais, FMI e Banco Mundial têm de catalisar financiamentos, assumindo riscos.

Mas empresas financeiras em todo o mundo, como o JP Morgan e Pimco, saíram da Climate Action 100+, uma iniciativa que pressionava grandes companhias a abordar questões climáticas.

É verdade que empresas retiraram publicamente o apoio ao Climate Action 100+. Isso não significa que elas não estejam mais comprometidas. O Climate Action 100+ ainda é um dos maiores movimentos do mundo para a descarbonização, acelerando a transformação para a energia verde. Essas grandes empresas se retiraram porque disseram que, neste momento, precisamos estabelecer metas claras e trabalhar juntos, mas o ambiente político nos EUA, dominado por interesses de quem não quer fazer essa transição, está exercendo tanta pressão que elas não podem realmente se posicionar publicamente por trás desses esforços conjuntos. Isso porque elas entrariam em litígio com uma parte da política dos EUA que não quer a mudança. Elas decidiram que não é um bom uso do seu tempo, mas elas não disseram que vão diminuir a velocidade da transição. Mesmo porque, se elas continuarem investindo muito em combustíveis fósseis, correm o risco de ter ativos encalhados. O risco climático é uma ameaça para a humanidade. Se você dirige uma empresa, uma instituição financeira, você precisa levar em conta os riscos materiais. A mudança climática é um risco material.

Então há uma pressão contra o ESG.

Há pressão política com certeza. Também sabemos que grande parte dessa pressão vem da indústria de combustíveis fósseis. Existem pessoas que acham que alguns CEOs foram além do escopo de suas empresas ao se envolverem em áreas que alguns políticos pensam ser de sua responsabilidade, mas, em geral, a essência desse ataque é impulsionada politicamente pelo interesse de quem não quer descarbonizar a economia. Mas o risco climático é um risco financeiro. Portanto, todas as empresas financeiras, com poucas exceções, levarão em consideração o risco climático, independentemente de pertencer a uma grande organização como a Climate Action 100+. A Climate Action 100+ está entrando em uma segunda fase, que algumas empresas acreditam que deveria ser de responsabilidade dos governos. Para elas, os governos deveriam estabelecer as exigências legais. Por isso também que algumas empresas se retiraram. Isso, claro, não é bom, porque diminui a velocidade e a ambição extra de que precisamos. Então, óbvio, a saída delas do Climate Action não ajuda, mas isso não significa que estamos regredindo. Isso significa apenas que não estamos avançando tão agressivamente quanto deveríamos. Minha esperança é de que isso seja um fenômeno temporal por causa dos ciclos eleitorais.

Algumas empresas que priorizam o ESG, incluindo a Unilever, têm enfrentado críticas por estarem supostamente perdendo o foco nos negócios, não entregando os resultados que alguns acionistas gostariam. O que elas devem fazer?

Há muitas empresas que não estão se transformando agressivamente para um futuro mais verde ou que não estão promovendo diversidade e inclusão na velocidade necessária. O que podemos ver é que as empresas que estão se mexendo são mais valorizadas pelo mercado. Há estudos suficientes que mostram isso. Sempre haverá acionistas que não estão satisfeitos. E os jornais gostam de dar espaço a eles, porque eles têm histórias que vendem. Mas a realidade é que as empresas que estão se movendo são geralmente mais valorizadas. O que você precisa ver é que, ainda que invista em ESG, a empresa precisa ser administrada com disciplina. Ela precisa contratar as pessoas certas, investir em pesquisa, fazer as fusões corretas e ter os custos sob controle. As empresas precisam de bons líderes que possam fazer ambas as coisas. Na Unilever, o que vimos durante os meus 10 anos, é que colocamos a sustentabilidade no cerne da estratégia, e o acionista teve um retorno de 290%. A Unilever mostrou que pode haver um modelo muito bom. Isso não significa que a Unilever sempre terá um bom desempenho para os acionistas o tempo todo. Mas você precisa ter esse equilíbrio entre os focos. Depois, quando se adicionam elementos sustentáveis, as inovações se tornam mais robustas, as pessoas se tornam mais motivadas, os custos diminuem quando se tem circularidade ou quando se trabalha para eliminar desperdícios. Em geral, empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor.

O Brasil está diante de um momento único na história, em que estão se juntado peças de um quebra-cabeça que favorece a economia do País, de acordo com o holandês Paul Polman, presidente da Unilever entre 2009 e 2019. “O mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções (para a crise climática). Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. (...) Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro”, disse o executivo ao Estadão. “É um bom momento para ser brasileiro”, acrescentou ele, que esteve em São Paulo na semana passada para participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.

Polman destacou que a situação macroeconômica do Brasil melhorou e que o País está avançando em tecnologias de energia limpa. Questionado sobre o que o Brasil precisa fazer para não perder essa oportunidade, ele se mostrou otimista. Disse que era necessário criar um programa para integrar as políticas que envolvem economia verde, mas que isso já está em andamento com o Plano de Transição Ecológica, lançado pelo governo federal no ano passado.

Sob o comando de Polman, a Unilever foi uma das primeiras multinacionais a colocar a sustentabilidade no centro das estratégias - o que, hoje, passou a ser atacado por alguns acionistas. Sobre o assunto, ele afirmou que sempre haverá acionista insatisfeito e frisou que “empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor”.

A seguir, trechos da entrevista.

O senhor afirmou, no Fórum, que o Brasil tem uma grande oportunidade diante da transformação da economia para um modelo de baixo carbono. Disse também que aproveitar essa oportunidade depende do Brasil. Na prática, o que o País tem de fazer?

Venho ao Brasil há 30 anos e me sinto mais energizado nesta visita do que em todas as outras. Há uma transformação acontecendo. O Brasil tem uma vantagem nessas mudanças, mas não está totalmente consciente disso. Vejo mais peças de um quebra-cabeça se juntando aqui do que eu vi em qualquer outro momento. A primeira peça é a macroeconomia. Vocês estão em uma posição melhor. A inflação e os juros estão diminuindo. O mercado financeiro está se fortalecendo. A nota crédito melhorou. Vocês começaram a reforma tributária e os títulos verdes estão chegando. O BNDES está trazendo algumas ideias para canalizar dinheiro. Então, a mudança está acontecendo.

Polman: 'O Brasil não está totalmente consciente das vantagens que têm'  Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Mas o que ainda precisa ser feito?

Vocês já começaram a fazer. Essa transformação está acontecendo em um momento em que a urgência ambiental é melhor compreendida no mundo, em que os investimentos em energia verde estão triplicando. Pela primeira vez, as pessoas entendem que os sistemas alimentares e o uso da terra têm de ser parte das soluções para as mudanças climáticas. Isso está acontecendo globalmente, e o Brasil está bem posicionado. O Brasil tem 90% de energia renovável. Tem biocombustíveis. Vocês já começaram a trabalhar na agricultura regenerativa. O Brasil pode não apenas oferecer matéria-prima para o mundo, mas também soluções. O que precisa ser feito? O País precisa de um plano integrado, porque essas coisas não podem ser feitas de forma fragmentada. O Plano de Transição Ecológica, que o governo federal apresentou, é exatamente o que pedi quando vim aqui um ano atrás. O Ministério da Fazenda abraçou isso. As pessoas estão abraçando isso. Porque essa transformação requer que trabalhemos juntos: setor privado, sociedade civil, governos. Agora, vocês precisam atrair capital, porque atualmente o investimento é um sexto do necessário. Como atrair capital? Eliminando riscos políticos e cambiais, por exemplo. Trabalhando com instituições financeiras multilaterais. Mudando a história do Brasil lá fora. Os últimos 10 anos não foram bons aqui. O investimento estrangeiro direto diminuiu. Agora a história é muito melhor, mas precisa ser contada. E é preciso dar continuidade às reformas econômicas para atrair capital. O sistema tributário, ainda não é ótimo. A infraestrutura também não é. O governo precisa destravar isso. Mas o mais importante é a clareza de direção. O mundo empresarial destrava investimentos se houver clareza. O Brasil já está mais adiantado do que muitos países nessa transição e também tem vantagens competitivas significativas. É um bom momento para ser brasileiro.

No fim dos anos 2000 também se falava que havia chegado a hora do Brasil. Qual a diferença agora?

A diferença é que o mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções. Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. O País tem uma rede de energia conectada, está investindo muito em energia solar e eólica e tem uma indústria de biocombustíveis eficiente. Está começando, em ritmo acelerado, projetos de restauração da natureza, o que outros países ainda não fazem. Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro. Pense neste País e como ele pode transformar a agricultura no mundo. Fertilizantes verdes têm de nascer aqui. Pense em como este País pode mudar a indústria da aviação com combustível sustentável. O País tem elementos que permitem escalar as atividades.

Quais outros países estão em uma situação privilegiada como a do Brasil?

Há alguns na África, se eles conseguirem melhorar a governança. Eles têm uma população jovem e recursos naturais. O Marrocos, por exemplo, está se tornando um fornecedor de energia verde para a Europa muito rapidamente. Mas o Brasil pode ser um líder global em hidrogênio verde. Vocês têm seus minerais, como a África também tem. Então, a África e o Brasil estão bem posicionados.

Como o Brasil pode atrair projetos de transição energética enquanto compete com países europeus e com os EUA, que estão subsidiando a indústria?

As pessoas entenderam que precisamos migrar para economias verdes, mais inclusivas e equitativas, e que essa transição precisa ser acelerada. Então, a Europa faz isso com legislação. Os EUA fazem isso com inovação e com o Ato de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês, programa que dá subsídio à indústria verde). Mas ainda há, nesses países, cerca de US$ 1,5 trilhão em subsídios que incentivam combustíveis fósseis e atividades ligadas ao desmatamento. Isso também acontece no Brasil, aliás. Portanto, a primeira coisa que os governos precisam fazer é direcionar esses subsídios para a economia verde. O Brasil está perdendo 1% do seu PIB por causa das mudanças climáticas. Os efeitos disso estão cada vez mais visíveis. Se a Amazônia estiver próxima de um ponto de inflexão, isso não será bom para ninguém. Vocês já têm secas, incêndios, enchentes. Estamos num ponto em que o custo desses investimentos que precisamos fazer é menor do que o custo que teremos se não fizermos nada.

Para Polman, organismos multilaterais precisam ser reformados para poderem ajudar países emergentes na transição energética Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Hoje o dinheiro não está sendo investido na velocidade necessária.

Para receber investimentos, o Brasil precisa permanecer competitivo. Participei aqui de uma reunião com fundos, bancos e empresas de private equity. Eles estão prontos para investir. Eles estão dizendo que têm retornos saudáveis. Então é possível acelerar isso tendo um plano nacional que identifica quais são as prioridades, que é o que o Plano de Transição Ecológica faz.

Estamos vendo algumas empresas retrocedendo em seus compromissos climáticos…

Não é que estamos retrocedendo. Mesmo as empresas que não estão mais anunciando seus compromissos estão avançando. No ano passado, o mundo investiu US$ 1,7 trilhão em tecnologia verde. Isso representa um aumento de 17%. Nossa capacidade solar dobrou em 2023. Estamos investindo e avançando. As pessoas não querem comprar produtos de empresas que não são responsáveis. Eu diria que estamos na segunda marcha. O desafio é desbloquear mais dinheiro mais rapidamente. Precisamos de precificação de carbono, de regulamentações que sejam favoráveis, de fiscalização de relatórios. Outro desafio são os mercados emergentes, porque muitos deles estão à beira da falência. Eles não têm espaço fiscal para investir. Então precisam de ajuda. É por isso que precisamos criar mecanismos reformando nosso sistema multilateral. Bancos de desenvolvimento regionais, FMI e Banco Mundial têm de catalisar financiamentos, assumindo riscos.

Mas empresas financeiras em todo o mundo, como o JP Morgan e Pimco, saíram da Climate Action 100+, uma iniciativa que pressionava grandes companhias a abordar questões climáticas.

É verdade que empresas retiraram publicamente o apoio ao Climate Action 100+. Isso não significa que elas não estejam mais comprometidas. O Climate Action 100+ ainda é um dos maiores movimentos do mundo para a descarbonização, acelerando a transformação para a energia verde. Essas grandes empresas se retiraram porque disseram que, neste momento, precisamos estabelecer metas claras e trabalhar juntos, mas o ambiente político nos EUA, dominado por interesses de quem não quer fazer essa transição, está exercendo tanta pressão que elas não podem realmente se posicionar publicamente por trás desses esforços conjuntos. Isso porque elas entrariam em litígio com uma parte da política dos EUA que não quer a mudança. Elas decidiram que não é um bom uso do seu tempo, mas elas não disseram que vão diminuir a velocidade da transição. Mesmo porque, se elas continuarem investindo muito em combustíveis fósseis, correm o risco de ter ativos encalhados. O risco climático é uma ameaça para a humanidade. Se você dirige uma empresa, uma instituição financeira, você precisa levar em conta os riscos materiais. A mudança climática é um risco material.

Então há uma pressão contra o ESG.

Há pressão política com certeza. Também sabemos que grande parte dessa pressão vem da indústria de combustíveis fósseis. Existem pessoas que acham que alguns CEOs foram além do escopo de suas empresas ao se envolverem em áreas que alguns políticos pensam ser de sua responsabilidade, mas, em geral, a essência desse ataque é impulsionada politicamente pelo interesse de quem não quer descarbonizar a economia. Mas o risco climático é um risco financeiro. Portanto, todas as empresas financeiras, com poucas exceções, levarão em consideração o risco climático, independentemente de pertencer a uma grande organização como a Climate Action 100+. A Climate Action 100+ está entrando em uma segunda fase, que algumas empresas acreditam que deveria ser de responsabilidade dos governos. Para elas, os governos deveriam estabelecer as exigências legais. Por isso também que algumas empresas se retiraram. Isso, claro, não é bom, porque diminui a velocidade e a ambição extra de que precisamos. Então, óbvio, a saída delas do Climate Action não ajuda, mas isso não significa que estamos regredindo. Isso significa apenas que não estamos avançando tão agressivamente quanto deveríamos. Minha esperança é de que isso seja um fenômeno temporal por causa dos ciclos eleitorais.

Algumas empresas que priorizam o ESG, incluindo a Unilever, têm enfrentado críticas por estarem supostamente perdendo o foco nos negócios, não entregando os resultados que alguns acionistas gostariam. O que elas devem fazer?

Há muitas empresas que não estão se transformando agressivamente para um futuro mais verde ou que não estão promovendo diversidade e inclusão na velocidade necessária. O que podemos ver é que as empresas que estão se mexendo são mais valorizadas pelo mercado. Há estudos suficientes que mostram isso. Sempre haverá acionistas que não estão satisfeitos. E os jornais gostam de dar espaço a eles, porque eles têm histórias que vendem. Mas a realidade é que as empresas que estão se movendo são geralmente mais valorizadas. O que você precisa ver é que, ainda que invista em ESG, a empresa precisa ser administrada com disciplina. Ela precisa contratar as pessoas certas, investir em pesquisa, fazer as fusões corretas e ter os custos sob controle. As empresas precisam de bons líderes que possam fazer ambas as coisas. Na Unilever, o que vimos durante os meus 10 anos, é que colocamos a sustentabilidade no cerne da estratégia, e o acionista teve um retorno de 290%. A Unilever mostrou que pode haver um modelo muito bom. Isso não significa que a Unilever sempre terá um bom desempenho para os acionistas o tempo todo. Mas você precisa ter esse equilíbrio entre os focos. Depois, quando se adicionam elementos sustentáveis, as inovações se tornam mais robustas, as pessoas se tornam mais motivadas, os custos diminuem quando se tem circularidade ou quando se trabalha para eliminar desperdícios. Em geral, empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor.

O Brasil está diante de um momento único na história, em que estão se juntado peças de um quebra-cabeça que favorece a economia do País, de acordo com o holandês Paul Polman, presidente da Unilever entre 2009 e 2019. “O mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções (para a crise climática). Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. (...) Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro”, disse o executivo ao Estadão. “É um bom momento para ser brasileiro”, acrescentou ele, que esteve em São Paulo na semana passada para participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.

Polman destacou que a situação macroeconômica do Brasil melhorou e que o País está avançando em tecnologias de energia limpa. Questionado sobre o que o Brasil precisa fazer para não perder essa oportunidade, ele se mostrou otimista. Disse que era necessário criar um programa para integrar as políticas que envolvem economia verde, mas que isso já está em andamento com o Plano de Transição Ecológica, lançado pelo governo federal no ano passado.

Sob o comando de Polman, a Unilever foi uma das primeiras multinacionais a colocar a sustentabilidade no centro das estratégias - o que, hoje, passou a ser atacado por alguns acionistas. Sobre o assunto, ele afirmou que sempre haverá acionista insatisfeito e frisou que “empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor”.

A seguir, trechos da entrevista.

O senhor afirmou, no Fórum, que o Brasil tem uma grande oportunidade diante da transformação da economia para um modelo de baixo carbono. Disse também que aproveitar essa oportunidade depende do Brasil. Na prática, o que o País tem de fazer?

Venho ao Brasil há 30 anos e me sinto mais energizado nesta visita do que em todas as outras. Há uma transformação acontecendo. O Brasil tem uma vantagem nessas mudanças, mas não está totalmente consciente disso. Vejo mais peças de um quebra-cabeça se juntando aqui do que eu vi em qualquer outro momento. A primeira peça é a macroeconomia. Vocês estão em uma posição melhor. A inflação e os juros estão diminuindo. O mercado financeiro está se fortalecendo. A nota crédito melhorou. Vocês começaram a reforma tributária e os títulos verdes estão chegando. O BNDES está trazendo algumas ideias para canalizar dinheiro. Então, a mudança está acontecendo.

Polman: 'O Brasil não está totalmente consciente das vantagens que têm'  Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Mas o que ainda precisa ser feito?

Vocês já começaram a fazer. Essa transformação está acontecendo em um momento em que a urgência ambiental é melhor compreendida no mundo, em que os investimentos em energia verde estão triplicando. Pela primeira vez, as pessoas entendem que os sistemas alimentares e o uso da terra têm de ser parte das soluções para as mudanças climáticas. Isso está acontecendo globalmente, e o Brasil está bem posicionado. O Brasil tem 90% de energia renovável. Tem biocombustíveis. Vocês já começaram a trabalhar na agricultura regenerativa. O Brasil pode não apenas oferecer matéria-prima para o mundo, mas também soluções. O que precisa ser feito? O País precisa de um plano integrado, porque essas coisas não podem ser feitas de forma fragmentada. O Plano de Transição Ecológica, que o governo federal apresentou, é exatamente o que pedi quando vim aqui um ano atrás. O Ministério da Fazenda abraçou isso. As pessoas estão abraçando isso. Porque essa transformação requer que trabalhemos juntos: setor privado, sociedade civil, governos. Agora, vocês precisam atrair capital, porque atualmente o investimento é um sexto do necessário. Como atrair capital? Eliminando riscos políticos e cambiais, por exemplo. Trabalhando com instituições financeiras multilaterais. Mudando a história do Brasil lá fora. Os últimos 10 anos não foram bons aqui. O investimento estrangeiro direto diminuiu. Agora a história é muito melhor, mas precisa ser contada. E é preciso dar continuidade às reformas econômicas para atrair capital. O sistema tributário, ainda não é ótimo. A infraestrutura também não é. O governo precisa destravar isso. Mas o mais importante é a clareza de direção. O mundo empresarial destrava investimentos se houver clareza. O Brasil já está mais adiantado do que muitos países nessa transição e também tem vantagens competitivas significativas. É um bom momento para ser brasileiro.

No fim dos anos 2000 também se falava que havia chegado a hora do Brasil. Qual a diferença agora?

A diferença é que o mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções. Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. O País tem uma rede de energia conectada, está investindo muito em energia solar e eólica e tem uma indústria de biocombustíveis eficiente. Está começando, em ritmo acelerado, projetos de restauração da natureza, o que outros países ainda não fazem. Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro. Pense neste País e como ele pode transformar a agricultura no mundo. Fertilizantes verdes têm de nascer aqui. Pense em como este País pode mudar a indústria da aviação com combustível sustentável. O País tem elementos que permitem escalar as atividades.

Quais outros países estão em uma situação privilegiada como a do Brasil?

Há alguns na África, se eles conseguirem melhorar a governança. Eles têm uma população jovem e recursos naturais. O Marrocos, por exemplo, está se tornando um fornecedor de energia verde para a Europa muito rapidamente. Mas o Brasil pode ser um líder global em hidrogênio verde. Vocês têm seus minerais, como a África também tem. Então, a África e o Brasil estão bem posicionados.

Como o Brasil pode atrair projetos de transição energética enquanto compete com países europeus e com os EUA, que estão subsidiando a indústria?

As pessoas entenderam que precisamos migrar para economias verdes, mais inclusivas e equitativas, e que essa transição precisa ser acelerada. Então, a Europa faz isso com legislação. Os EUA fazem isso com inovação e com o Ato de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês, programa que dá subsídio à indústria verde). Mas ainda há, nesses países, cerca de US$ 1,5 trilhão em subsídios que incentivam combustíveis fósseis e atividades ligadas ao desmatamento. Isso também acontece no Brasil, aliás. Portanto, a primeira coisa que os governos precisam fazer é direcionar esses subsídios para a economia verde. O Brasil está perdendo 1% do seu PIB por causa das mudanças climáticas. Os efeitos disso estão cada vez mais visíveis. Se a Amazônia estiver próxima de um ponto de inflexão, isso não será bom para ninguém. Vocês já têm secas, incêndios, enchentes. Estamos num ponto em que o custo desses investimentos que precisamos fazer é menor do que o custo que teremos se não fizermos nada.

Para Polman, organismos multilaterais precisam ser reformados para poderem ajudar países emergentes na transição energética Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Hoje o dinheiro não está sendo investido na velocidade necessária.

Para receber investimentos, o Brasil precisa permanecer competitivo. Participei aqui de uma reunião com fundos, bancos e empresas de private equity. Eles estão prontos para investir. Eles estão dizendo que têm retornos saudáveis. Então é possível acelerar isso tendo um plano nacional que identifica quais são as prioridades, que é o que o Plano de Transição Ecológica faz.

Estamos vendo algumas empresas retrocedendo em seus compromissos climáticos…

Não é que estamos retrocedendo. Mesmo as empresas que não estão mais anunciando seus compromissos estão avançando. No ano passado, o mundo investiu US$ 1,7 trilhão em tecnologia verde. Isso representa um aumento de 17%. Nossa capacidade solar dobrou em 2023. Estamos investindo e avançando. As pessoas não querem comprar produtos de empresas que não são responsáveis. Eu diria que estamos na segunda marcha. O desafio é desbloquear mais dinheiro mais rapidamente. Precisamos de precificação de carbono, de regulamentações que sejam favoráveis, de fiscalização de relatórios. Outro desafio são os mercados emergentes, porque muitos deles estão à beira da falência. Eles não têm espaço fiscal para investir. Então precisam de ajuda. É por isso que precisamos criar mecanismos reformando nosso sistema multilateral. Bancos de desenvolvimento regionais, FMI e Banco Mundial têm de catalisar financiamentos, assumindo riscos.

Mas empresas financeiras em todo o mundo, como o JP Morgan e Pimco, saíram da Climate Action 100+, uma iniciativa que pressionava grandes companhias a abordar questões climáticas.

É verdade que empresas retiraram publicamente o apoio ao Climate Action 100+. Isso não significa que elas não estejam mais comprometidas. O Climate Action 100+ ainda é um dos maiores movimentos do mundo para a descarbonização, acelerando a transformação para a energia verde. Essas grandes empresas se retiraram porque disseram que, neste momento, precisamos estabelecer metas claras e trabalhar juntos, mas o ambiente político nos EUA, dominado por interesses de quem não quer fazer essa transição, está exercendo tanta pressão que elas não podem realmente se posicionar publicamente por trás desses esforços conjuntos. Isso porque elas entrariam em litígio com uma parte da política dos EUA que não quer a mudança. Elas decidiram que não é um bom uso do seu tempo, mas elas não disseram que vão diminuir a velocidade da transição. Mesmo porque, se elas continuarem investindo muito em combustíveis fósseis, correm o risco de ter ativos encalhados. O risco climático é uma ameaça para a humanidade. Se você dirige uma empresa, uma instituição financeira, você precisa levar em conta os riscos materiais. A mudança climática é um risco material.

Então há uma pressão contra o ESG.

Há pressão política com certeza. Também sabemos que grande parte dessa pressão vem da indústria de combustíveis fósseis. Existem pessoas que acham que alguns CEOs foram além do escopo de suas empresas ao se envolverem em áreas que alguns políticos pensam ser de sua responsabilidade, mas, em geral, a essência desse ataque é impulsionada politicamente pelo interesse de quem não quer descarbonizar a economia. Mas o risco climático é um risco financeiro. Portanto, todas as empresas financeiras, com poucas exceções, levarão em consideração o risco climático, independentemente de pertencer a uma grande organização como a Climate Action 100+. A Climate Action 100+ está entrando em uma segunda fase, que algumas empresas acreditam que deveria ser de responsabilidade dos governos. Para elas, os governos deveriam estabelecer as exigências legais. Por isso também que algumas empresas se retiraram. Isso, claro, não é bom, porque diminui a velocidade e a ambição extra de que precisamos. Então, óbvio, a saída delas do Climate Action não ajuda, mas isso não significa que estamos regredindo. Isso significa apenas que não estamos avançando tão agressivamente quanto deveríamos. Minha esperança é de que isso seja um fenômeno temporal por causa dos ciclos eleitorais.

Algumas empresas que priorizam o ESG, incluindo a Unilever, têm enfrentado críticas por estarem supostamente perdendo o foco nos negócios, não entregando os resultados que alguns acionistas gostariam. O que elas devem fazer?

Há muitas empresas que não estão se transformando agressivamente para um futuro mais verde ou que não estão promovendo diversidade e inclusão na velocidade necessária. O que podemos ver é que as empresas que estão se mexendo são mais valorizadas pelo mercado. Há estudos suficientes que mostram isso. Sempre haverá acionistas que não estão satisfeitos. E os jornais gostam de dar espaço a eles, porque eles têm histórias que vendem. Mas a realidade é que as empresas que estão se movendo são geralmente mais valorizadas. O que você precisa ver é que, ainda que invista em ESG, a empresa precisa ser administrada com disciplina. Ela precisa contratar as pessoas certas, investir em pesquisa, fazer as fusões corretas e ter os custos sob controle. As empresas precisam de bons líderes que possam fazer ambas as coisas. Na Unilever, o que vimos durante os meus 10 anos, é que colocamos a sustentabilidade no cerne da estratégia, e o acionista teve um retorno de 290%. A Unilever mostrou que pode haver um modelo muito bom. Isso não significa que a Unilever sempre terá um bom desempenho para os acionistas o tempo todo. Mas você precisa ter esse equilíbrio entre os focos. Depois, quando se adicionam elementos sustentáveis, as inovações se tornam mais robustas, as pessoas se tornam mais motivadas, os custos diminuem quando se tem circularidade ou quando se trabalha para eliminar desperdícios. Em geral, empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor.

O Brasil está diante de um momento único na história, em que estão se juntado peças de um quebra-cabeça que favorece a economia do País, de acordo com o holandês Paul Polman, presidente da Unilever entre 2009 e 2019. “O mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções (para a crise climática). Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. (...) Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro”, disse o executivo ao Estadão. “É um bom momento para ser brasileiro”, acrescentou ele, que esteve em São Paulo na semana passada para participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas.

Polman destacou que a situação macroeconômica do Brasil melhorou e que o País está avançando em tecnologias de energia limpa. Questionado sobre o que o Brasil precisa fazer para não perder essa oportunidade, ele se mostrou otimista. Disse que era necessário criar um programa para integrar as políticas que envolvem economia verde, mas que isso já está em andamento com o Plano de Transição Ecológica, lançado pelo governo federal no ano passado.

Sob o comando de Polman, a Unilever foi uma das primeiras multinacionais a colocar a sustentabilidade no centro das estratégias - o que, hoje, passou a ser atacado por alguns acionistas. Sobre o assunto, ele afirmou que sempre haverá acionista insatisfeito e frisou que “empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor”.

A seguir, trechos da entrevista.

O senhor afirmou, no Fórum, que o Brasil tem uma grande oportunidade diante da transformação da economia para um modelo de baixo carbono. Disse também que aproveitar essa oportunidade depende do Brasil. Na prática, o que o País tem de fazer?

Venho ao Brasil há 30 anos e me sinto mais energizado nesta visita do que em todas as outras. Há uma transformação acontecendo. O Brasil tem uma vantagem nessas mudanças, mas não está totalmente consciente disso. Vejo mais peças de um quebra-cabeça se juntando aqui do que eu vi em qualquer outro momento. A primeira peça é a macroeconomia. Vocês estão em uma posição melhor. A inflação e os juros estão diminuindo. O mercado financeiro está se fortalecendo. A nota crédito melhorou. Vocês começaram a reforma tributária e os títulos verdes estão chegando. O BNDES está trazendo algumas ideias para canalizar dinheiro. Então, a mudança está acontecendo.

Polman: 'O Brasil não está totalmente consciente das vantagens que têm'  Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Mas o que ainda precisa ser feito?

Vocês já começaram a fazer. Essa transformação está acontecendo em um momento em que a urgência ambiental é melhor compreendida no mundo, em que os investimentos em energia verde estão triplicando. Pela primeira vez, as pessoas entendem que os sistemas alimentares e o uso da terra têm de ser parte das soluções para as mudanças climáticas. Isso está acontecendo globalmente, e o Brasil está bem posicionado. O Brasil tem 90% de energia renovável. Tem biocombustíveis. Vocês já começaram a trabalhar na agricultura regenerativa. O Brasil pode não apenas oferecer matéria-prima para o mundo, mas também soluções. O que precisa ser feito? O País precisa de um plano integrado, porque essas coisas não podem ser feitas de forma fragmentada. O Plano de Transição Ecológica, que o governo federal apresentou, é exatamente o que pedi quando vim aqui um ano atrás. O Ministério da Fazenda abraçou isso. As pessoas estão abraçando isso. Porque essa transformação requer que trabalhemos juntos: setor privado, sociedade civil, governos. Agora, vocês precisam atrair capital, porque atualmente o investimento é um sexto do necessário. Como atrair capital? Eliminando riscos políticos e cambiais, por exemplo. Trabalhando com instituições financeiras multilaterais. Mudando a história do Brasil lá fora. Os últimos 10 anos não foram bons aqui. O investimento estrangeiro direto diminuiu. Agora a história é muito melhor, mas precisa ser contada. E é preciso dar continuidade às reformas econômicas para atrair capital. O sistema tributário, ainda não é ótimo. A infraestrutura também não é. O governo precisa destravar isso. Mas o mais importante é a clareza de direção. O mundo empresarial destrava investimentos se houver clareza. O Brasil já está mais adiantado do que muitos países nessa transição e também tem vantagens competitivas significativas. É um bom momento para ser brasileiro.

No fim dos anos 2000 também se falava que havia chegado a hora do Brasil. Qual a diferença agora?

A diferença é que o mundo acordou. As pessoas descobriram que precisam de soluções. Viajo o mundo todo o tempo, e todo país deseja ter os elementos do Brasil. O País tem uma rede de energia conectada, está investindo muito em energia solar e eólica e tem uma indústria de biocombustíveis eficiente. Está começando, em ritmo acelerado, projetos de restauração da natureza, o que outros países ainda não fazem. Vocês estão bem posicionados para atrair as indústrias do futuro. Pense neste País e como ele pode transformar a agricultura no mundo. Fertilizantes verdes têm de nascer aqui. Pense em como este País pode mudar a indústria da aviação com combustível sustentável. O País tem elementos que permitem escalar as atividades.

Quais outros países estão em uma situação privilegiada como a do Brasil?

Há alguns na África, se eles conseguirem melhorar a governança. Eles têm uma população jovem e recursos naturais. O Marrocos, por exemplo, está se tornando um fornecedor de energia verde para a Europa muito rapidamente. Mas o Brasil pode ser um líder global em hidrogênio verde. Vocês têm seus minerais, como a África também tem. Então, a África e o Brasil estão bem posicionados.

Como o Brasil pode atrair projetos de transição energética enquanto compete com países europeus e com os EUA, que estão subsidiando a indústria?

As pessoas entenderam que precisamos migrar para economias verdes, mais inclusivas e equitativas, e que essa transição precisa ser acelerada. Então, a Europa faz isso com legislação. Os EUA fazem isso com inovação e com o Ato de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês, programa que dá subsídio à indústria verde). Mas ainda há, nesses países, cerca de US$ 1,5 trilhão em subsídios que incentivam combustíveis fósseis e atividades ligadas ao desmatamento. Isso também acontece no Brasil, aliás. Portanto, a primeira coisa que os governos precisam fazer é direcionar esses subsídios para a economia verde. O Brasil está perdendo 1% do seu PIB por causa das mudanças climáticas. Os efeitos disso estão cada vez mais visíveis. Se a Amazônia estiver próxima de um ponto de inflexão, isso não será bom para ninguém. Vocês já têm secas, incêndios, enchentes. Estamos num ponto em que o custo desses investimentos que precisamos fazer é menor do que o custo que teremos se não fizermos nada.

Para Polman, organismos multilaterais precisam ser reformados para poderem ajudar países emergentes na transição energética Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Hoje o dinheiro não está sendo investido na velocidade necessária.

Para receber investimentos, o Brasil precisa permanecer competitivo. Participei aqui de uma reunião com fundos, bancos e empresas de private equity. Eles estão prontos para investir. Eles estão dizendo que têm retornos saudáveis. Então é possível acelerar isso tendo um plano nacional que identifica quais são as prioridades, que é o que o Plano de Transição Ecológica faz.

Estamos vendo algumas empresas retrocedendo em seus compromissos climáticos…

Não é que estamos retrocedendo. Mesmo as empresas que não estão mais anunciando seus compromissos estão avançando. No ano passado, o mundo investiu US$ 1,7 trilhão em tecnologia verde. Isso representa um aumento de 17%. Nossa capacidade solar dobrou em 2023. Estamos investindo e avançando. As pessoas não querem comprar produtos de empresas que não são responsáveis. Eu diria que estamos na segunda marcha. O desafio é desbloquear mais dinheiro mais rapidamente. Precisamos de precificação de carbono, de regulamentações que sejam favoráveis, de fiscalização de relatórios. Outro desafio são os mercados emergentes, porque muitos deles estão à beira da falência. Eles não têm espaço fiscal para investir. Então precisam de ajuda. É por isso que precisamos criar mecanismos reformando nosso sistema multilateral. Bancos de desenvolvimento regionais, FMI e Banco Mundial têm de catalisar financiamentos, assumindo riscos.

Mas empresas financeiras em todo o mundo, como o JP Morgan e Pimco, saíram da Climate Action 100+, uma iniciativa que pressionava grandes companhias a abordar questões climáticas.

É verdade que empresas retiraram publicamente o apoio ao Climate Action 100+. Isso não significa que elas não estejam mais comprometidas. O Climate Action 100+ ainda é um dos maiores movimentos do mundo para a descarbonização, acelerando a transformação para a energia verde. Essas grandes empresas se retiraram porque disseram que, neste momento, precisamos estabelecer metas claras e trabalhar juntos, mas o ambiente político nos EUA, dominado por interesses de quem não quer fazer essa transição, está exercendo tanta pressão que elas não podem realmente se posicionar publicamente por trás desses esforços conjuntos. Isso porque elas entrariam em litígio com uma parte da política dos EUA que não quer a mudança. Elas decidiram que não é um bom uso do seu tempo, mas elas não disseram que vão diminuir a velocidade da transição. Mesmo porque, se elas continuarem investindo muito em combustíveis fósseis, correm o risco de ter ativos encalhados. O risco climático é uma ameaça para a humanidade. Se você dirige uma empresa, uma instituição financeira, você precisa levar em conta os riscos materiais. A mudança climática é um risco material.

Então há uma pressão contra o ESG.

Há pressão política com certeza. Também sabemos que grande parte dessa pressão vem da indústria de combustíveis fósseis. Existem pessoas que acham que alguns CEOs foram além do escopo de suas empresas ao se envolverem em áreas que alguns políticos pensam ser de sua responsabilidade, mas, em geral, a essência desse ataque é impulsionada politicamente pelo interesse de quem não quer descarbonizar a economia. Mas o risco climático é um risco financeiro. Portanto, todas as empresas financeiras, com poucas exceções, levarão em consideração o risco climático, independentemente de pertencer a uma grande organização como a Climate Action 100+. A Climate Action 100+ está entrando em uma segunda fase, que algumas empresas acreditam que deveria ser de responsabilidade dos governos. Para elas, os governos deveriam estabelecer as exigências legais. Por isso também que algumas empresas se retiraram. Isso, claro, não é bom, porque diminui a velocidade e a ambição extra de que precisamos. Então, óbvio, a saída delas do Climate Action não ajuda, mas isso não significa que estamos regredindo. Isso significa apenas que não estamos avançando tão agressivamente quanto deveríamos. Minha esperança é de que isso seja um fenômeno temporal por causa dos ciclos eleitorais.

Algumas empresas que priorizam o ESG, incluindo a Unilever, têm enfrentado críticas por estarem supostamente perdendo o foco nos negócios, não entregando os resultados que alguns acionistas gostariam. O que elas devem fazer?

Há muitas empresas que não estão se transformando agressivamente para um futuro mais verde ou que não estão promovendo diversidade e inclusão na velocidade necessária. O que podemos ver é que as empresas que estão se mexendo são mais valorizadas pelo mercado. Há estudos suficientes que mostram isso. Sempre haverá acionistas que não estão satisfeitos. E os jornais gostam de dar espaço a eles, porque eles têm histórias que vendem. Mas a realidade é que as empresas que estão se movendo são geralmente mais valorizadas. O que você precisa ver é que, ainda que invista em ESG, a empresa precisa ser administrada com disciplina. Ela precisa contratar as pessoas certas, investir em pesquisa, fazer as fusões corretas e ter os custos sob controle. As empresas precisam de bons líderes que possam fazer ambas as coisas. Na Unilever, o que vimos durante os meus 10 anos, é que colocamos a sustentabilidade no cerne da estratégia, e o acionista teve um retorno de 290%. A Unilever mostrou que pode haver um modelo muito bom. Isso não significa que a Unilever sempre terá um bom desempenho para os acionistas o tempo todo. Mas você precisa ter esse equilíbrio entre os focos. Depois, quando se adicionam elementos sustentáveis, as inovações se tornam mais robustas, as pessoas se tornam mais motivadas, os custos diminuem quando se tem circularidade ou quando se trabalha para eliminar desperdícios. Em geral, empresas que estão olhando para o longo prazo, trabalhando orientadas para um propósito, colocando a sustentabilidade no cerne de seus negócios, se executarem todos os outros elementos com disciplina, terão um desempenho melhor.

Entrevista por Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. É fellow do World Press Institute (WPI).

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