Não tem como controlar gastos mantendo vinculação ao salário mínimo, diz ex-secretário do Orçamento


Paulo Bijos, consultor legislativo da Câmara, defende apresentação de plano com revisão estrutural de despesas obrigatórias em 15 de abril de 2025 para que governo não perca o ‘timing’ de sinalizar mudança na trajetória

Por Anna Carolina Papp e Daniel Weterman
Foto: Washington Costa/MPO
Entrevista comPaulo BijosEx-secretário de Orçamento Federal e consultor da Câmara dos Deputados

BRASÍLIA – O ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirma que não há como o governo enfrentar a agenda de revisão de gastos e retomar o controle das contas públicas sem mexer na vinculação de despesas como aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo – medida que enfrenta forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil”, afirma em entrevista ao Estadão.

Bijos, que deixou o Ministério do Planejamento em julho e voltou a atuar como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, como revelou o Estadão, afirma que a grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle das despesas obrigatórias será em 15 de abril do ano que vem – quando envia ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.

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“Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo reduziu o congelamento de gastos no Orçamento deste ano. Foi prudente ou deveria ter segurado mais?

Entendo que haja dúvidas e críticas em relação à magnitude de bloqueio e contingenciamento, mas acho que uma análise ponderada precisa levar em consideração o fato mais positivo, que é o faseamento (decisão de limitar os gastos dos ministérios mês a mês). É uma questão prudencial e preventiva: ele evita que se libere um limite para empenho muito cedo e que, depois, não haja espaço para bloqueios e contingenciamentos maiores. O faseamento feito desde o último relatório bimestral, da ordem de R$ 40 bilhões, foi um sinal muito positivo. Esse aspecto dá um significado melhor para a narrativa do governo de que eles terão condições de entregar o resultado.

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O sr. concorda com a visão de que o piso virou o novo centro da meta fiscal?

A regra do jogo do arcabouço fiscal deu esse espaço para o governo trabalhar dentro do intervalo – que é, em termos de valores absolutos, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. O governo tem a faculdade (opção) de contingenciar para ficar no centro da meta, mas não tem essa obrigação. O cenário ideal sempre foi buscar o centro (da meta, que é zero); mas como o ajuste foi muito feito pelo lado das receitas – e as receitas têm um componente de incerteza muito forte –, nós chegamos a esse cenário. O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior. Não é o ideal.

O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior da meta de resultado primário. Não é o ideal.

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Economistas têm feito fortes críticas a práticas ‘parafiscais’ do governo, como a intensificação do uso de fundos como despesa financeira, o desenho do Auxílio Gás fora do Orçamento e um montante expressivo de gastos fora da meta. Isso preocupa?

Os gastos de R$ 40 bilhões fora da meta, a meu ver, não são um problema, porque dizem respeito a créditos extraordinários – na sua maior parte, para atender a calamidade pública do Rio Grande do Sul. Isso conta com a aprovação do Congresso Nacional. Porém, a crítica relativa ao parafiscal, para mim, está correta. Esse exemplo do Auxílio Gás, acho que a crítica levantada foi correta. Esse é o tipo de medida que só alimenta o ruído de déjà vu de episódios passados. O governo tem de mirar e concentrar esforços naquilo que é positivo; reduzir ruídos, e não ampliá-los. O governo terá uma probabilidade alta de entregar o resultado de 2024; então, ruídos em nada ajudam.

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Qual é o cenário para cumprimento da meta em 2025?

Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil. Para uma visão de médio e longo prazo, não há necessidade de corte nominal de despesa. O fundamental é moderar o ritmo de crescimento – continuar crescendo, mas num ritmo menor.

O novo desenho do Auxílio Gás é tipo de medida que só alimenta o ruído de ‘déjà vu’ de episódios passados.

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O governo consegue chegar em 2026 e terminar o mandato sem mudança estrutural nos gastos?

Seria um caminho arriscado, complexo e crítico. A grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle da despesa obrigatória será em 15 de abril do ano que vem, quando envia o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026. Nessa data, precisa ter uma sinalização de revisão estrutural mais contundente. O projeto trabalha com um marco fiscal de médio prazo, até 2026, e a trajetória da dívida para dez anos. Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

De quanto precisa ser essa revisão e em quais medidas?

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Em tese, temos duas grandes medidas estruturais, que seriam a desindexação e as desvinculações da despesa. São quatro despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo: Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego e abono salarial. Do lado das vinculações, são os pisos de saúde, educação e outros. É preciso repensar esse conjunto de indexações e vinculações. Não é eliminar (as vinculações e indexações), no sentido de desproteger. A questão é: vinculados a quê? Crescendo a que ritmo? Vinculação à receita, para mim, não é um bom negócio. É preciso modernizar, crescer a ritmos mais moderados.

O melhor seria limitar essas despesas a que indexador?

Há muito tempo, defendo três diretrizes básicas: evitar vinculações à receita; garantir que não haverá cortes, mas sim uma redução do ritmo de crescimento, com atualização pelo menos pela inflação; e cautela para não se confundir pisos com tetos. Quando olhamos o corredor do arcabouço, que é um crescimento da despesa de 0,6% a 2,5% (acima da inflação), é preciso evitar alguns equívocos. Por exemplo, faria pouco sentido se os pisos ficassem em 2,5%, porque aí o piso vira teto.

Há como controlar o crescimento das despesas obrigatórias mantendo a vinculação desses benefícios ao salário mínimo?

Não tem como. A meu ver, isso não geraria resultado fiscal significativo.

Então, tem de desvincular?

Se o objetivo for realmente pivotar essa trajetória de despesas obrigatórias, não vejo outro caminho.

Uma saída seria começar pelos benefícios temporários, como a ministra Simone Tebet chegou a sugerir?

Sim, seria um início possível. O importante é colocar em marcha essa agenda. Que se escolha um caminho politicamente viável no início para depois expandir. O importante é dar um sinal de que as mudanças estão sendo feitas.

O sr. defende a inclusão dos precatórios na revisão de gastos ou é um problema para o próximo mandato, já que o governo tem até 2026 para pagar essas dívidas fora do limite de despesas?

Seria desejável que ele já fosse contemplado pelo menos pelo anexo de revisão do gasto (de 2026). O precatório (dívida judicial da União) só está fora da governabilidade no curto prazo. Todo mês de abril, o governo recebe a fatura de precatórios para o ano seguinte. No médio e no longo prazo, o governo tem condição de influenciar a dinâmica dessa despesa pela abordagem da governança atacando a causa-raiz, o que está gerando esses precatórios. O governo pode atuar melhor, evitar dar azo a medidas administrativas que possam alimentar precatórios. Existe aquele conselho que foi criado, de Avaliação de Riscos Fiscais Judiciais, coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União), e dali podem nascer propostas que alimentem esse anexo de revisão de gastos.

Onde é possível atuar para revisar o gasto com precatórios?

Como a maior rubrica do Orçamento é Previdência, naturalmente, precatórios têm em maior medida Previdência ali dentro. Tudo que for feito para melhorar cadastros e concessão de benefícios previdenciários pode se refletir positivamente lá na frente. Até mesmo benefícios temporários como o auxílio-doença, se passarem a ser mais bem administrados, como parece que têm sido feito, podem contribuir para melhorar essa pressão de precatórios previdenciários no futuro.

Sem as despesas obrigatórias, os pisos, as emendas e o PAC, sobram R$ 76 bilhões em despesas livres no Orçamento. Esse valor compromete o funcionamento da máquina?

Para você chegar a um ponto crítico, não é preciso chegar ao shutdown. A despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) é uma questão muito sensível. Quando você refina o cálculo, fica muito claro que a questão é para ser resolvida agora – e não postergada. Não é uma situação confortável e esse desconforto vai se acentuando.

As despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento de 2025?

Eu não usaria a palavra “subestimada”. O que existe são pontos de atenção que merecem ser considerados e monitorados – por exemplo, os que foram objeto da apresentação do governo (de revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios). No caso do BPC, tem um um espaço considerável que pode ser alcançado por meio da da revisão de cadastro e biometria.

O governo mandou um pacote de R$ 166 bilhões em novas receitas para fechar o Orçamento de 2025. Neste ano, em que se previu R$ 168 bilhões, houve uma série de frustrações. A projeção está superestimada?

Esse é mais um ponto de atenção, do lado da receita. É preciso ver qual vai ser o desempenho disso tudo e acompanhar mensalmente para ver em que medida isso é levado em consideração e ajustado. Há também ventos favoráveis: temos visto o desempenho econômico mitigando essas frustrações. Esses pontos de atenção só reforçam a necessidade de uma revisão mais estrutural da despesa obrigatória. Para mim, é a saída: não vejo outro caminho.

É um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória nos gastos obrigatórios em 15 de abril do ano que vem. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

Houve uma recuperação do valor de investimentos, mas ainda há queixas sobre execução baixa e perda de controle em função das emendas. Como o sr. avalia?

Houve um esforço do governo de recuperar o caráter mais estratégico dos investimentos com a ressurreição do PAC. Então, existe uma unidade dedicada para o tema. De outro lado, tudo volta à questão central do controle das despesas obrigatórias: se o objetivo é ter mais espaço, preservá-lo e eventualmente ampliá-lo, para chegar lá, só mesmo controlando as despesas obrigatórias. O controle serve a várias propósitos, até mesmo para a preocupação da questão ambiental. A probabilidade de que eventos climáticos extremos ocorram com mais frequência e mais intensidade já está colocada.

Então, esses gastos têm de passar a constar no Orçamento, em vez de só se usar crédito extraordinário?

Exato. Então, isso tem de ser planejado e estruturado. Tem de se abrir espaço fiscal para isso; porque, no fim do dia, tudo vai para o aumento da dívida pública.

Está faltando o Congresso entrar na discussão de revisão dos gastos e encontrar recursos para o que precisa?

Se de um lado o Congresso é coprotagonista na elaboração do Orçamento, de outro, ele é corresponsável pelos resultados. Não existe reserva de iniciativa para propor mudanças na despesa obrigatória; o que existe é uma maior dificuldade operacional. Para que uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nasça no Executivo, basta a decisão do chefe. No Legislativo, ela precisa do apoio de um terço da Casa de origem (Câmara ou Senado). No Congresso, continuo defendendo que as emendas de comissão, em tese, são as que têm maior probabilidade de acolher a discussão de políticas públicas de forma colegiada e especializada.

BRASÍLIA – O ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirma que não há como o governo enfrentar a agenda de revisão de gastos e retomar o controle das contas públicas sem mexer na vinculação de despesas como aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo – medida que enfrenta forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil”, afirma em entrevista ao Estadão.

Bijos, que deixou o Ministério do Planejamento em julho e voltou a atuar como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, como revelou o Estadão, afirma que a grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle das despesas obrigatórias será em 15 de abril do ano que vem – quando envia ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.

“Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo reduziu o congelamento de gastos no Orçamento deste ano. Foi prudente ou deveria ter segurado mais?

Entendo que haja dúvidas e críticas em relação à magnitude de bloqueio e contingenciamento, mas acho que uma análise ponderada precisa levar em consideração o fato mais positivo, que é o faseamento (decisão de limitar os gastos dos ministérios mês a mês). É uma questão prudencial e preventiva: ele evita que se libere um limite para empenho muito cedo e que, depois, não haja espaço para bloqueios e contingenciamentos maiores. O faseamento feito desde o último relatório bimestral, da ordem de R$ 40 bilhões, foi um sinal muito positivo. Esse aspecto dá um significado melhor para a narrativa do governo de que eles terão condições de entregar o resultado.

O sr. concorda com a visão de que o piso virou o novo centro da meta fiscal?

A regra do jogo do arcabouço fiscal deu esse espaço para o governo trabalhar dentro do intervalo – que é, em termos de valores absolutos, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. O governo tem a faculdade (opção) de contingenciar para ficar no centro da meta, mas não tem essa obrigação. O cenário ideal sempre foi buscar o centro (da meta, que é zero); mas como o ajuste foi muito feito pelo lado das receitas – e as receitas têm um componente de incerteza muito forte –, nós chegamos a esse cenário. O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior. Não é o ideal.

O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior da meta de resultado primário. Não é o ideal.

Economistas têm feito fortes críticas a práticas ‘parafiscais’ do governo, como a intensificação do uso de fundos como despesa financeira, o desenho do Auxílio Gás fora do Orçamento e um montante expressivo de gastos fora da meta. Isso preocupa?

Os gastos de R$ 40 bilhões fora da meta, a meu ver, não são um problema, porque dizem respeito a créditos extraordinários – na sua maior parte, para atender a calamidade pública do Rio Grande do Sul. Isso conta com a aprovação do Congresso Nacional. Porém, a crítica relativa ao parafiscal, para mim, está correta. Esse exemplo do Auxílio Gás, acho que a crítica levantada foi correta. Esse é o tipo de medida que só alimenta o ruído de déjà vu de episódios passados. O governo tem de mirar e concentrar esforços naquilo que é positivo; reduzir ruídos, e não ampliá-los. O governo terá uma probabilidade alta de entregar o resultado de 2024; então, ruídos em nada ajudam.

Qual é o cenário para cumprimento da meta em 2025?

Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil. Para uma visão de médio e longo prazo, não há necessidade de corte nominal de despesa. O fundamental é moderar o ritmo de crescimento – continuar crescendo, mas num ritmo menor.

O novo desenho do Auxílio Gás é tipo de medida que só alimenta o ruído de ‘déjà vu’ de episódios passados.

O governo consegue chegar em 2026 e terminar o mandato sem mudança estrutural nos gastos?

Seria um caminho arriscado, complexo e crítico. A grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle da despesa obrigatória será em 15 de abril do ano que vem, quando envia o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026. Nessa data, precisa ter uma sinalização de revisão estrutural mais contundente. O projeto trabalha com um marco fiscal de médio prazo, até 2026, e a trajetória da dívida para dez anos. Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

De quanto precisa ser essa revisão e em quais medidas?

Em tese, temos duas grandes medidas estruturais, que seriam a desindexação e as desvinculações da despesa. São quatro despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo: Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego e abono salarial. Do lado das vinculações, são os pisos de saúde, educação e outros. É preciso repensar esse conjunto de indexações e vinculações. Não é eliminar (as vinculações e indexações), no sentido de desproteger. A questão é: vinculados a quê? Crescendo a que ritmo? Vinculação à receita, para mim, não é um bom negócio. É preciso modernizar, crescer a ritmos mais moderados.

O melhor seria limitar essas despesas a que indexador?

Há muito tempo, defendo três diretrizes básicas: evitar vinculações à receita; garantir que não haverá cortes, mas sim uma redução do ritmo de crescimento, com atualização pelo menos pela inflação; e cautela para não se confundir pisos com tetos. Quando olhamos o corredor do arcabouço, que é um crescimento da despesa de 0,6% a 2,5% (acima da inflação), é preciso evitar alguns equívocos. Por exemplo, faria pouco sentido se os pisos ficassem em 2,5%, porque aí o piso vira teto.

Há como controlar o crescimento das despesas obrigatórias mantendo a vinculação desses benefícios ao salário mínimo?

Não tem como. A meu ver, isso não geraria resultado fiscal significativo.

Então, tem de desvincular?

Se o objetivo for realmente pivotar essa trajetória de despesas obrigatórias, não vejo outro caminho.

Uma saída seria começar pelos benefícios temporários, como a ministra Simone Tebet chegou a sugerir?

Sim, seria um início possível. O importante é colocar em marcha essa agenda. Que se escolha um caminho politicamente viável no início para depois expandir. O importante é dar um sinal de que as mudanças estão sendo feitas.

O sr. defende a inclusão dos precatórios na revisão de gastos ou é um problema para o próximo mandato, já que o governo tem até 2026 para pagar essas dívidas fora do limite de despesas?

Seria desejável que ele já fosse contemplado pelo menos pelo anexo de revisão do gasto (de 2026). O precatório (dívida judicial da União) só está fora da governabilidade no curto prazo. Todo mês de abril, o governo recebe a fatura de precatórios para o ano seguinte. No médio e no longo prazo, o governo tem condição de influenciar a dinâmica dessa despesa pela abordagem da governança atacando a causa-raiz, o que está gerando esses precatórios. O governo pode atuar melhor, evitar dar azo a medidas administrativas que possam alimentar precatórios. Existe aquele conselho que foi criado, de Avaliação de Riscos Fiscais Judiciais, coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União), e dali podem nascer propostas que alimentem esse anexo de revisão de gastos.

Onde é possível atuar para revisar o gasto com precatórios?

Como a maior rubrica do Orçamento é Previdência, naturalmente, precatórios têm em maior medida Previdência ali dentro. Tudo que for feito para melhorar cadastros e concessão de benefícios previdenciários pode se refletir positivamente lá na frente. Até mesmo benefícios temporários como o auxílio-doença, se passarem a ser mais bem administrados, como parece que têm sido feito, podem contribuir para melhorar essa pressão de precatórios previdenciários no futuro.

Sem as despesas obrigatórias, os pisos, as emendas e o PAC, sobram R$ 76 bilhões em despesas livres no Orçamento. Esse valor compromete o funcionamento da máquina?

Para você chegar a um ponto crítico, não é preciso chegar ao shutdown. A despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) é uma questão muito sensível. Quando você refina o cálculo, fica muito claro que a questão é para ser resolvida agora – e não postergada. Não é uma situação confortável e esse desconforto vai se acentuando.

As despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento de 2025?

Eu não usaria a palavra “subestimada”. O que existe são pontos de atenção que merecem ser considerados e monitorados – por exemplo, os que foram objeto da apresentação do governo (de revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios). No caso do BPC, tem um um espaço considerável que pode ser alcançado por meio da da revisão de cadastro e biometria.

O governo mandou um pacote de R$ 166 bilhões em novas receitas para fechar o Orçamento de 2025. Neste ano, em que se previu R$ 168 bilhões, houve uma série de frustrações. A projeção está superestimada?

Esse é mais um ponto de atenção, do lado da receita. É preciso ver qual vai ser o desempenho disso tudo e acompanhar mensalmente para ver em que medida isso é levado em consideração e ajustado. Há também ventos favoráveis: temos visto o desempenho econômico mitigando essas frustrações. Esses pontos de atenção só reforçam a necessidade de uma revisão mais estrutural da despesa obrigatória. Para mim, é a saída: não vejo outro caminho.

É um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória nos gastos obrigatórios em 15 de abril do ano que vem. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

Houve uma recuperação do valor de investimentos, mas ainda há queixas sobre execução baixa e perda de controle em função das emendas. Como o sr. avalia?

Houve um esforço do governo de recuperar o caráter mais estratégico dos investimentos com a ressurreição do PAC. Então, existe uma unidade dedicada para o tema. De outro lado, tudo volta à questão central do controle das despesas obrigatórias: se o objetivo é ter mais espaço, preservá-lo e eventualmente ampliá-lo, para chegar lá, só mesmo controlando as despesas obrigatórias. O controle serve a várias propósitos, até mesmo para a preocupação da questão ambiental. A probabilidade de que eventos climáticos extremos ocorram com mais frequência e mais intensidade já está colocada.

Então, esses gastos têm de passar a constar no Orçamento, em vez de só se usar crédito extraordinário?

Exato. Então, isso tem de ser planejado e estruturado. Tem de se abrir espaço fiscal para isso; porque, no fim do dia, tudo vai para o aumento da dívida pública.

Está faltando o Congresso entrar na discussão de revisão dos gastos e encontrar recursos para o que precisa?

Se de um lado o Congresso é coprotagonista na elaboração do Orçamento, de outro, ele é corresponsável pelos resultados. Não existe reserva de iniciativa para propor mudanças na despesa obrigatória; o que existe é uma maior dificuldade operacional. Para que uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nasça no Executivo, basta a decisão do chefe. No Legislativo, ela precisa do apoio de um terço da Casa de origem (Câmara ou Senado). No Congresso, continuo defendendo que as emendas de comissão, em tese, são as que têm maior probabilidade de acolher a discussão de políticas públicas de forma colegiada e especializada.

BRASÍLIA – O ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirma que não há como o governo enfrentar a agenda de revisão de gastos e retomar o controle das contas públicas sem mexer na vinculação de despesas como aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo – medida que enfrenta forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil”, afirma em entrevista ao Estadão.

Bijos, que deixou o Ministério do Planejamento em julho e voltou a atuar como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, como revelou o Estadão, afirma que a grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle das despesas obrigatórias será em 15 de abril do ano que vem – quando envia ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.

“Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo reduziu o congelamento de gastos no Orçamento deste ano. Foi prudente ou deveria ter segurado mais?

Entendo que haja dúvidas e críticas em relação à magnitude de bloqueio e contingenciamento, mas acho que uma análise ponderada precisa levar em consideração o fato mais positivo, que é o faseamento (decisão de limitar os gastos dos ministérios mês a mês). É uma questão prudencial e preventiva: ele evita que se libere um limite para empenho muito cedo e que, depois, não haja espaço para bloqueios e contingenciamentos maiores. O faseamento feito desde o último relatório bimestral, da ordem de R$ 40 bilhões, foi um sinal muito positivo. Esse aspecto dá um significado melhor para a narrativa do governo de que eles terão condições de entregar o resultado.

O sr. concorda com a visão de que o piso virou o novo centro da meta fiscal?

A regra do jogo do arcabouço fiscal deu esse espaço para o governo trabalhar dentro do intervalo – que é, em termos de valores absolutos, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. O governo tem a faculdade (opção) de contingenciar para ficar no centro da meta, mas não tem essa obrigação. O cenário ideal sempre foi buscar o centro (da meta, que é zero); mas como o ajuste foi muito feito pelo lado das receitas – e as receitas têm um componente de incerteza muito forte –, nós chegamos a esse cenário. O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior. Não é o ideal.

O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior da meta de resultado primário. Não é o ideal.

Economistas têm feito fortes críticas a práticas ‘parafiscais’ do governo, como a intensificação do uso de fundos como despesa financeira, o desenho do Auxílio Gás fora do Orçamento e um montante expressivo de gastos fora da meta. Isso preocupa?

Os gastos de R$ 40 bilhões fora da meta, a meu ver, não são um problema, porque dizem respeito a créditos extraordinários – na sua maior parte, para atender a calamidade pública do Rio Grande do Sul. Isso conta com a aprovação do Congresso Nacional. Porém, a crítica relativa ao parafiscal, para mim, está correta. Esse exemplo do Auxílio Gás, acho que a crítica levantada foi correta. Esse é o tipo de medida que só alimenta o ruído de déjà vu de episódios passados. O governo tem de mirar e concentrar esforços naquilo que é positivo; reduzir ruídos, e não ampliá-los. O governo terá uma probabilidade alta de entregar o resultado de 2024; então, ruídos em nada ajudam.

Qual é o cenário para cumprimento da meta em 2025?

Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil. Para uma visão de médio e longo prazo, não há necessidade de corte nominal de despesa. O fundamental é moderar o ritmo de crescimento – continuar crescendo, mas num ritmo menor.

O novo desenho do Auxílio Gás é tipo de medida que só alimenta o ruído de ‘déjà vu’ de episódios passados.

O governo consegue chegar em 2026 e terminar o mandato sem mudança estrutural nos gastos?

Seria um caminho arriscado, complexo e crítico. A grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle da despesa obrigatória será em 15 de abril do ano que vem, quando envia o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026. Nessa data, precisa ter uma sinalização de revisão estrutural mais contundente. O projeto trabalha com um marco fiscal de médio prazo, até 2026, e a trajetória da dívida para dez anos. Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

De quanto precisa ser essa revisão e em quais medidas?

Em tese, temos duas grandes medidas estruturais, que seriam a desindexação e as desvinculações da despesa. São quatro despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo: Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego e abono salarial. Do lado das vinculações, são os pisos de saúde, educação e outros. É preciso repensar esse conjunto de indexações e vinculações. Não é eliminar (as vinculações e indexações), no sentido de desproteger. A questão é: vinculados a quê? Crescendo a que ritmo? Vinculação à receita, para mim, não é um bom negócio. É preciso modernizar, crescer a ritmos mais moderados.

O melhor seria limitar essas despesas a que indexador?

Há muito tempo, defendo três diretrizes básicas: evitar vinculações à receita; garantir que não haverá cortes, mas sim uma redução do ritmo de crescimento, com atualização pelo menos pela inflação; e cautela para não se confundir pisos com tetos. Quando olhamos o corredor do arcabouço, que é um crescimento da despesa de 0,6% a 2,5% (acima da inflação), é preciso evitar alguns equívocos. Por exemplo, faria pouco sentido se os pisos ficassem em 2,5%, porque aí o piso vira teto.

Há como controlar o crescimento das despesas obrigatórias mantendo a vinculação desses benefícios ao salário mínimo?

Não tem como. A meu ver, isso não geraria resultado fiscal significativo.

Então, tem de desvincular?

Se o objetivo for realmente pivotar essa trajetória de despesas obrigatórias, não vejo outro caminho.

Uma saída seria começar pelos benefícios temporários, como a ministra Simone Tebet chegou a sugerir?

Sim, seria um início possível. O importante é colocar em marcha essa agenda. Que se escolha um caminho politicamente viável no início para depois expandir. O importante é dar um sinal de que as mudanças estão sendo feitas.

O sr. defende a inclusão dos precatórios na revisão de gastos ou é um problema para o próximo mandato, já que o governo tem até 2026 para pagar essas dívidas fora do limite de despesas?

Seria desejável que ele já fosse contemplado pelo menos pelo anexo de revisão do gasto (de 2026). O precatório (dívida judicial da União) só está fora da governabilidade no curto prazo. Todo mês de abril, o governo recebe a fatura de precatórios para o ano seguinte. No médio e no longo prazo, o governo tem condição de influenciar a dinâmica dessa despesa pela abordagem da governança atacando a causa-raiz, o que está gerando esses precatórios. O governo pode atuar melhor, evitar dar azo a medidas administrativas que possam alimentar precatórios. Existe aquele conselho que foi criado, de Avaliação de Riscos Fiscais Judiciais, coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União), e dali podem nascer propostas que alimentem esse anexo de revisão de gastos.

Onde é possível atuar para revisar o gasto com precatórios?

Como a maior rubrica do Orçamento é Previdência, naturalmente, precatórios têm em maior medida Previdência ali dentro. Tudo que for feito para melhorar cadastros e concessão de benefícios previdenciários pode se refletir positivamente lá na frente. Até mesmo benefícios temporários como o auxílio-doença, se passarem a ser mais bem administrados, como parece que têm sido feito, podem contribuir para melhorar essa pressão de precatórios previdenciários no futuro.

Sem as despesas obrigatórias, os pisos, as emendas e o PAC, sobram R$ 76 bilhões em despesas livres no Orçamento. Esse valor compromete o funcionamento da máquina?

Para você chegar a um ponto crítico, não é preciso chegar ao shutdown. A despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) é uma questão muito sensível. Quando você refina o cálculo, fica muito claro que a questão é para ser resolvida agora – e não postergada. Não é uma situação confortável e esse desconforto vai se acentuando.

As despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento de 2025?

Eu não usaria a palavra “subestimada”. O que existe são pontos de atenção que merecem ser considerados e monitorados – por exemplo, os que foram objeto da apresentação do governo (de revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios). No caso do BPC, tem um um espaço considerável que pode ser alcançado por meio da da revisão de cadastro e biometria.

O governo mandou um pacote de R$ 166 bilhões em novas receitas para fechar o Orçamento de 2025. Neste ano, em que se previu R$ 168 bilhões, houve uma série de frustrações. A projeção está superestimada?

Esse é mais um ponto de atenção, do lado da receita. É preciso ver qual vai ser o desempenho disso tudo e acompanhar mensalmente para ver em que medida isso é levado em consideração e ajustado. Há também ventos favoráveis: temos visto o desempenho econômico mitigando essas frustrações. Esses pontos de atenção só reforçam a necessidade de uma revisão mais estrutural da despesa obrigatória. Para mim, é a saída: não vejo outro caminho.

É um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória nos gastos obrigatórios em 15 de abril do ano que vem. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

Houve uma recuperação do valor de investimentos, mas ainda há queixas sobre execução baixa e perda de controle em função das emendas. Como o sr. avalia?

Houve um esforço do governo de recuperar o caráter mais estratégico dos investimentos com a ressurreição do PAC. Então, existe uma unidade dedicada para o tema. De outro lado, tudo volta à questão central do controle das despesas obrigatórias: se o objetivo é ter mais espaço, preservá-lo e eventualmente ampliá-lo, para chegar lá, só mesmo controlando as despesas obrigatórias. O controle serve a várias propósitos, até mesmo para a preocupação da questão ambiental. A probabilidade de que eventos climáticos extremos ocorram com mais frequência e mais intensidade já está colocada.

Então, esses gastos têm de passar a constar no Orçamento, em vez de só se usar crédito extraordinário?

Exato. Então, isso tem de ser planejado e estruturado. Tem de se abrir espaço fiscal para isso; porque, no fim do dia, tudo vai para o aumento da dívida pública.

Está faltando o Congresso entrar na discussão de revisão dos gastos e encontrar recursos para o que precisa?

Se de um lado o Congresso é coprotagonista na elaboração do Orçamento, de outro, ele é corresponsável pelos resultados. Não existe reserva de iniciativa para propor mudanças na despesa obrigatória; o que existe é uma maior dificuldade operacional. Para que uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nasça no Executivo, basta a decisão do chefe. No Legislativo, ela precisa do apoio de um terço da Casa de origem (Câmara ou Senado). No Congresso, continuo defendendo que as emendas de comissão, em tese, são as que têm maior probabilidade de acolher a discussão de políticas públicas de forma colegiada e especializada.

BRASÍLIA – O ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirma que não há como o governo enfrentar a agenda de revisão de gastos e retomar o controle das contas públicas sem mexer na vinculação de despesas como aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo – medida que enfrenta forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil”, afirma em entrevista ao Estadão.

Bijos, que deixou o Ministério do Planejamento em julho e voltou a atuar como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, como revelou o Estadão, afirma que a grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle das despesas obrigatórias será em 15 de abril do ano que vem – quando envia ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.

“Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo reduziu o congelamento de gastos no Orçamento deste ano. Foi prudente ou deveria ter segurado mais?

Entendo que haja dúvidas e críticas em relação à magnitude de bloqueio e contingenciamento, mas acho que uma análise ponderada precisa levar em consideração o fato mais positivo, que é o faseamento (decisão de limitar os gastos dos ministérios mês a mês). É uma questão prudencial e preventiva: ele evita que se libere um limite para empenho muito cedo e que, depois, não haja espaço para bloqueios e contingenciamentos maiores. O faseamento feito desde o último relatório bimestral, da ordem de R$ 40 bilhões, foi um sinal muito positivo. Esse aspecto dá um significado melhor para a narrativa do governo de que eles terão condições de entregar o resultado.

O sr. concorda com a visão de que o piso virou o novo centro da meta fiscal?

A regra do jogo do arcabouço fiscal deu esse espaço para o governo trabalhar dentro do intervalo – que é, em termos de valores absolutos, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. O governo tem a faculdade (opção) de contingenciar para ficar no centro da meta, mas não tem essa obrigação. O cenário ideal sempre foi buscar o centro (da meta, que é zero); mas como o ajuste foi muito feito pelo lado das receitas – e as receitas têm um componente de incerteza muito forte –, nós chegamos a esse cenário. O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior. Não é o ideal.

O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior da meta de resultado primário. Não é o ideal.

Economistas têm feito fortes críticas a práticas ‘parafiscais’ do governo, como a intensificação do uso de fundos como despesa financeira, o desenho do Auxílio Gás fora do Orçamento e um montante expressivo de gastos fora da meta. Isso preocupa?

Os gastos de R$ 40 bilhões fora da meta, a meu ver, não são um problema, porque dizem respeito a créditos extraordinários – na sua maior parte, para atender a calamidade pública do Rio Grande do Sul. Isso conta com a aprovação do Congresso Nacional. Porém, a crítica relativa ao parafiscal, para mim, está correta. Esse exemplo do Auxílio Gás, acho que a crítica levantada foi correta. Esse é o tipo de medida que só alimenta o ruído de déjà vu de episódios passados. O governo tem de mirar e concentrar esforços naquilo que é positivo; reduzir ruídos, e não ampliá-los. O governo terá uma probabilidade alta de entregar o resultado de 2024; então, ruídos em nada ajudam.

Qual é o cenário para cumprimento da meta em 2025?

Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil. Para uma visão de médio e longo prazo, não há necessidade de corte nominal de despesa. O fundamental é moderar o ritmo de crescimento – continuar crescendo, mas num ritmo menor.

O novo desenho do Auxílio Gás é tipo de medida que só alimenta o ruído de ‘déjà vu’ de episódios passados.

O governo consegue chegar em 2026 e terminar o mandato sem mudança estrutural nos gastos?

Seria um caminho arriscado, complexo e crítico. A grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle da despesa obrigatória será em 15 de abril do ano que vem, quando envia o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026. Nessa data, precisa ter uma sinalização de revisão estrutural mais contundente. O projeto trabalha com um marco fiscal de médio prazo, até 2026, e a trajetória da dívida para dez anos. Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

De quanto precisa ser essa revisão e em quais medidas?

Em tese, temos duas grandes medidas estruturais, que seriam a desindexação e as desvinculações da despesa. São quatro despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo: Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego e abono salarial. Do lado das vinculações, são os pisos de saúde, educação e outros. É preciso repensar esse conjunto de indexações e vinculações. Não é eliminar (as vinculações e indexações), no sentido de desproteger. A questão é: vinculados a quê? Crescendo a que ritmo? Vinculação à receita, para mim, não é um bom negócio. É preciso modernizar, crescer a ritmos mais moderados.

O melhor seria limitar essas despesas a que indexador?

Há muito tempo, defendo três diretrizes básicas: evitar vinculações à receita; garantir que não haverá cortes, mas sim uma redução do ritmo de crescimento, com atualização pelo menos pela inflação; e cautela para não se confundir pisos com tetos. Quando olhamos o corredor do arcabouço, que é um crescimento da despesa de 0,6% a 2,5% (acima da inflação), é preciso evitar alguns equívocos. Por exemplo, faria pouco sentido se os pisos ficassem em 2,5%, porque aí o piso vira teto.

Há como controlar o crescimento das despesas obrigatórias mantendo a vinculação desses benefícios ao salário mínimo?

Não tem como. A meu ver, isso não geraria resultado fiscal significativo.

Então, tem de desvincular?

Se o objetivo for realmente pivotar essa trajetória de despesas obrigatórias, não vejo outro caminho.

Uma saída seria começar pelos benefícios temporários, como a ministra Simone Tebet chegou a sugerir?

Sim, seria um início possível. O importante é colocar em marcha essa agenda. Que se escolha um caminho politicamente viável no início para depois expandir. O importante é dar um sinal de que as mudanças estão sendo feitas.

O sr. defende a inclusão dos precatórios na revisão de gastos ou é um problema para o próximo mandato, já que o governo tem até 2026 para pagar essas dívidas fora do limite de despesas?

Seria desejável que ele já fosse contemplado pelo menos pelo anexo de revisão do gasto (de 2026). O precatório (dívida judicial da União) só está fora da governabilidade no curto prazo. Todo mês de abril, o governo recebe a fatura de precatórios para o ano seguinte. No médio e no longo prazo, o governo tem condição de influenciar a dinâmica dessa despesa pela abordagem da governança atacando a causa-raiz, o que está gerando esses precatórios. O governo pode atuar melhor, evitar dar azo a medidas administrativas que possam alimentar precatórios. Existe aquele conselho que foi criado, de Avaliação de Riscos Fiscais Judiciais, coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União), e dali podem nascer propostas que alimentem esse anexo de revisão de gastos.

Onde é possível atuar para revisar o gasto com precatórios?

Como a maior rubrica do Orçamento é Previdência, naturalmente, precatórios têm em maior medida Previdência ali dentro. Tudo que for feito para melhorar cadastros e concessão de benefícios previdenciários pode se refletir positivamente lá na frente. Até mesmo benefícios temporários como o auxílio-doença, se passarem a ser mais bem administrados, como parece que têm sido feito, podem contribuir para melhorar essa pressão de precatórios previdenciários no futuro.

Sem as despesas obrigatórias, os pisos, as emendas e o PAC, sobram R$ 76 bilhões em despesas livres no Orçamento. Esse valor compromete o funcionamento da máquina?

Para você chegar a um ponto crítico, não é preciso chegar ao shutdown. A despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) é uma questão muito sensível. Quando você refina o cálculo, fica muito claro que a questão é para ser resolvida agora – e não postergada. Não é uma situação confortável e esse desconforto vai se acentuando.

As despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento de 2025?

Eu não usaria a palavra “subestimada”. O que existe são pontos de atenção que merecem ser considerados e monitorados – por exemplo, os que foram objeto da apresentação do governo (de revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios). No caso do BPC, tem um um espaço considerável que pode ser alcançado por meio da da revisão de cadastro e biometria.

O governo mandou um pacote de R$ 166 bilhões em novas receitas para fechar o Orçamento de 2025. Neste ano, em que se previu R$ 168 bilhões, houve uma série de frustrações. A projeção está superestimada?

Esse é mais um ponto de atenção, do lado da receita. É preciso ver qual vai ser o desempenho disso tudo e acompanhar mensalmente para ver em que medida isso é levado em consideração e ajustado. Há também ventos favoráveis: temos visto o desempenho econômico mitigando essas frustrações. Esses pontos de atenção só reforçam a necessidade de uma revisão mais estrutural da despesa obrigatória. Para mim, é a saída: não vejo outro caminho.

É um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória nos gastos obrigatórios em 15 de abril do ano que vem. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

Houve uma recuperação do valor de investimentos, mas ainda há queixas sobre execução baixa e perda de controle em função das emendas. Como o sr. avalia?

Houve um esforço do governo de recuperar o caráter mais estratégico dos investimentos com a ressurreição do PAC. Então, existe uma unidade dedicada para o tema. De outro lado, tudo volta à questão central do controle das despesas obrigatórias: se o objetivo é ter mais espaço, preservá-lo e eventualmente ampliá-lo, para chegar lá, só mesmo controlando as despesas obrigatórias. O controle serve a várias propósitos, até mesmo para a preocupação da questão ambiental. A probabilidade de que eventos climáticos extremos ocorram com mais frequência e mais intensidade já está colocada.

Então, esses gastos têm de passar a constar no Orçamento, em vez de só se usar crédito extraordinário?

Exato. Então, isso tem de ser planejado e estruturado. Tem de se abrir espaço fiscal para isso; porque, no fim do dia, tudo vai para o aumento da dívida pública.

Está faltando o Congresso entrar na discussão de revisão dos gastos e encontrar recursos para o que precisa?

Se de um lado o Congresso é coprotagonista na elaboração do Orçamento, de outro, ele é corresponsável pelos resultados. Não existe reserva de iniciativa para propor mudanças na despesa obrigatória; o que existe é uma maior dificuldade operacional. Para que uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nasça no Executivo, basta a decisão do chefe. No Legislativo, ela precisa do apoio de um terço da Casa de origem (Câmara ou Senado). No Congresso, continuo defendendo que as emendas de comissão, em tese, são as que têm maior probabilidade de acolher a discussão de políticas públicas de forma colegiada e especializada.

BRASÍLIA – O ex-secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos, afirma que não há como o governo enfrentar a agenda de revisão de gastos e retomar o controle das contas públicas sem mexer na vinculação de despesas como aposentadorias e benefícios assistenciais ao salário mínimo – medida que enfrenta forte resistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil”, afirma em entrevista ao Estadão.

Bijos, que deixou o Ministério do Planejamento em julho e voltou a atuar como consultor legislativo na Câmara dos Deputados, como revelou o Estadão, afirma que a grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle das despesas obrigatórias será em 15 de abril do ano que vem – quando envia ao Congresso o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026.

“Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo reduziu o congelamento de gastos no Orçamento deste ano. Foi prudente ou deveria ter segurado mais?

Entendo que haja dúvidas e críticas em relação à magnitude de bloqueio e contingenciamento, mas acho que uma análise ponderada precisa levar em consideração o fato mais positivo, que é o faseamento (decisão de limitar os gastos dos ministérios mês a mês). É uma questão prudencial e preventiva: ele evita que se libere um limite para empenho muito cedo e que, depois, não haja espaço para bloqueios e contingenciamentos maiores. O faseamento feito desde o último relatório bimestral, da ordem de R$ 40 bilhões, foi um sinal muito positivo. Esse aspecto dá um significado melhor para a narrativa do governo de que eles terão condições de entregar o resultado.

O sr. concorda com a visão de que o piso virou o novo centro da meta fiscal?

A regra do jogo do arcabouço fiscal deu esse espaço para o governo trabalhar dentro do intervalo – que é, em termos de valores absolutos, um déficit de até R$ 28,8 bilhões. O governo tem a faculdade (opção) de contingenciar para ficar no centro da meta, mas não tem essa obrigação. O cenário ideal sempre foi buscar o centro (da meta, que é zero); mas como o ajuste foi muito feito pelo lado das receitas – e as receitas têm um componente de incerteza muito forte –, nós chegamos a esse cenário. O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior. Não é o ideal.

O governo já parece que se dará por satisfeito de ficar no limite inferior da meta de resultado primário. Não é o ideal.

Economistas têm feito fortes críticas a práticas ‘parafiscais’ do governo, como a intensificação do uso de fundos como despesa financeira, o desenho do Auxílio Gás fora do Orçamento e um montante expressivo de gastos fora da meta. Isso preocupa?

Os gastos de R$ 40 bilhões fora da meta, a meu ver, não são um problema, porque dizem respeito a créditos extraordinários – na sua maior parte, para atender a calamidade pública do Rio Grande do Sul. Isso conta com a aprovação do Congresso Nacional. Porém, a crítica relativa ao parafiscal, para mim, está correta. Esse exemplo do Auxílio Gás, acho que a crítica levantada foi correta. Esse é o tipo de medida que só alimenta o ruído de déjà vu de episódios passados. O governo tem de mirar e concentrar esforços naquilo que é positivo; reduzir ruídos, e não ampliá-los. O governo terá uma probabilidade alta de entregar o resultado de 2024; então, ruídos em nada ajudam.

Qual é o cenário para cumprimento da meta em 2025?

Do ano que vem em diante, o resultado vai ser determinado pelo ritmo de atuação do governo em relação à despesa obrigatória. Para se chegar ao centro da meta, é necessário evoluir com maior intensidade no controle da despesa. Sem isso, fica muito difícil. Para uma visão de médio e longo prazo, não há necessidade de corte nominal de despesa. O fundamental é moderar o ritmo de crescimento – continuar crescendo, mas num ritmo menor.

O novo desenho do Auxílio Gás é tipo de medida que só alimenta o ruído de ‘déjà vu’ de episódios passados.

O governo consegue chegar em 2026 e terminar o mandato sem mudança estrutural nos gastos?

Seria um caminho arriscado, complexo e crítico. A grande oportunidade para o governo demonstrar avanço no controle da despesa obrigatória será em 15 de abril do ano que vem, quando envia o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) para 2026. Nessa data, precisa ter uma sinalização de revisão estrutural mais contundente. O projeto trabalha com um marco fiscal de médio prazo, até 2026, e a trajetória da dívida para dez anos. Em termos de expectativas e de inspiração de confiança, é um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

De quanto precisa ser essa revisão e em quais medidas?

Em tese, temos duas grandes medidas estruturais, que seriam a desindexação e as desvinculações da despesa. São quatro despesas obrigatórias indexadas ao salário mínimo: Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), seguro-desemprego e abono salarial. Do lado das vinculações, são os pisos de saúde, educação e outros. É preciso repensar esse conjunto de indexações e vinculações. Não é eliminar (as vinculações e indexações), no sentido de desproteger. A questão é: vinculados a quê? Crescendo a que ritmo? Vinculação à receita, para mim, não é um bom negócio. É preciso modernizar, crescer a ritmos mais moderados.

O melhor seria limitar essas despesas a que indexador?

Há muito tempo, defendo três diretrizes básicas: evitar vinculações à receita; garantir que não haverá cortes, mas sim uma redução do ritmo de crescimento, com atualização pelo menos pela inflação; e cautela para não se confundir pisos com tetos. Quando olhamos o corredor do arcabouço, que é um crescimento da despesa de 0,6% a 2,5% (acima da inflação), é preciso evitar alguns equívocos. Por exemplo, faria pouco sentido se os pisos ficassem em 2,5%, porque aí o piso vira teto.

Há como controlar o crescimento das despesas obrigatórias mantendo a vinculação desses benefícios ao salário mínimo?

Não tem como. A meu ver, isso não geraria resultado fiscal significativo.

Então, tem de desvincular?

Se o objetivo for realmente pivotar essa trajetória de despesas obrigatórias, não vejo outro caminho.

Uma saída seria começar pelos benefícios temporários, como a ministra Simone Tebet chegou a sugerir?

Sim, seria um início possível. O importante é colocar em marcha essa agenda. Que se escolha um caminho politicamente viável no início para depois expandir. O importante é dar um sinal de que as mudanças estão sendo feitas.

O sr. defende a inclusão dos precatórios na revisão de gastos ou é um problema para o próximo mandato, já que o governo tem até 2026 para pagar essas dívidas fora do limite de despesas?

Seria desejável que ele já fosse contemplado pelo menos pelo anexo de revisão do gasto (de 2026). O precatório (dívida judicial da União) só está fora da governabilidade no curto prazo. Todo mês de abril, o governo recebe a fatura de precatórios para o ano seguinte. No médio e no longo prazo, o governo tem condição de influenciar a dinâmica dessa despesa pela abordagem da governança atacando a causa-raiz, o que está gerando esses precatórios. O governo pode atuar melhor, evitar dar azo a medidas administrativas que possam alimentar precatórios. Existe aquele conselho que foi criado, de Avaliação de Riscos Fiscais Judiciais, coordenado pela AGU (Advocacia-Geral da União), e dali podem nascer propostas que alimentem esse anexo de revisão de gastos.

Onde é possível atuar para revisar o gasto com precatórios?

Como a maior rubrica do Orçamento é Previdência, naturalmente, precatórios têm em maior medida Previdência ali dentro. Tudo que for feito para melhorar cadastros e concessão de benefícios previdenciários pode se refletir positivamente lá na frente. Até mesmo benefícios temporários como o auxílio-doença, se passarem a ser mais bem administrados, como parece que têm sido feito, podem contribuir para melhorar essa pressão de precatórios previdenciários no futuro.

Sem as despesas obrigatórias, os pisos, as emendas e o PAC, sobram R$ 76 bilhões em despesas livres no Orçamento. Esse valor compromete o funcionamento da máquina?

Para você chegar a um ponto crítico, não é preciso chegar ao shutdown. A despesa discricionária (não obrigatória, como investimentos e custeio) é uma questão muito sensível. Quando você refina o cálculo, fica muito claro que a questão é para ser resolvida agora – e não postergada. Não é uma situação confortável e esse desconforto vai se acentuando.

As despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento de 2025?

Eu não usaria a palavra “subestimada”. O que existe são pontos de atenção que merecem ser considerados e monitorados – por exemplo, os que foram objeto da apresentação do governo (de revisão de R$ 25,9 bilhões em gastos obrigatórios). No caso do BPC, tem um um espaço considerável que pode ser alcançado por meio da da revisão de cadastro e biometria.

O governo mandou um pacote de R$ 166 bilhões em novas receitas para fechar o Orçamento de 2025. Neste ano, em que se previu R$ 168 bilhões, houve uma série de frustrações. A projeção está superestimada?

Esse é mais um ponto de atenção, do lado da receita. É preciso ver qual vai ser o desempenho disso tudo e acompanhar mensalmente para ver em que medida isso é levado em consideração e ajustado. Há também ventos favoráveis: temos visto o desempenho econômico mitigando essas frustrações. Esses pontos de atenção só reforçam a necessidade de uma revisão mais estrutural da despesa obrigatória. Para mim, é a saída: não vejo outro caminho.

É um risco alto perder o timing de sinalizar uma mudança de trajetória nos gastos obrigatórios em 15 de abril do ano que vem. Se essa janela for perdida, vai ser um grande erro.

Houve uma recuperação do valor de investimentos, mas ainda há queixas sobre execução baixa e perda de controle em função das emendas. Como o sr. avalia?

Houve um esforço do governo de recuperar o caráter mais estratégico dos investimentos com a ressurreição do PAC. Então, existe uma unidade dedicada para o tema. De outro lado, tudo volta à questão central do controle das despesas obrigatórias: se o objetivo é ter mais espaço, preservá-lo e eventualmente ampliá-lo, para chegar lá, só mesmo controlando as despesas obrigatórias. O controle serve a várias propósitos, até mesmo para a preocupação da questão ambiental. A probabilidade de que eventos climáticos extremos ocorram com mais frequência e mais intensidade já está colocada.

Então, esses gastos têm de passar a constar no Orçamento, em vez de só se usar crédito extraordinário?

Exato. Então, isso tem de ser planejado e estruturado. Tem de se abrir espaço fiscal para isso; porque, no fim do dia, tudo vai para o aumento da dívida pública.

Está faltando o Congresso entrar na discussão de revisão dos gastos e encontrar recursos para o que precisa?

Se de um lado o Congresso é coprotagonista na elaboração do Orçamento, de outro, ele é corresponsável pelos resultados. Não existe reserva de iniciativa para propor mudanças na despesa obrigatória; o que existe é uma maior dificuldade operacional. Para que uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) nasça no Executivo, basta a decisão do chefe. No Legislativo, ela precisa do apoio de um terço da Casa de origem (Câmara ou Senado). No Congresso, continuo defendendo que as emendas de comissão, em tese, são as que têm maior probabilidade de acolher a discussão de políticas públicas de forma colegiada e especializada.

Entrevista por Anna Carolina Papp

Editora e coordenadora de Economia do Estadão em Brasília. Paulista, graduada em jornalismo pela USP e com MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Foi editora de Economia na GloboNews no Rio e repórter do Estadão em São Paulo. Vencedora dos prêmios CNH, Andef, C6 Bank e Estadão.

Daniel Weterman

Repórter do Estadão em Brasília (DF), com experiência em economia, política e investigação. Participou das coberturas que desvendaram o orçamento secreto, a emenda Pix, as irregularidades cometidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o descontrole no orçamento do Ministério da Saúde. Vencedor dos prêmios IREE, Ielusc e Estadão.

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