Governo Lula está ‘radicalizado e ideologizado’ contra agro, diz novo líder da bancada ruralista


Deputado que assume a Frente Parlamentar da Agropecuária diz que Ministério da Agricultura foi ‘esvaziado’ e que bancada quer reverter medidas tomadas no primeiro mês de mandato

Por André Borges
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comPedro LupionDeputado federal pelo PP-PR e novo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), dona da maior bancada do Congresso Nacional, se articula para anular uma série de mudanças já promovidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mês de mandato. Em entrevista ao Estadão, o novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), que assume o comando da frente nesta quarta-feira, 1º, para um mandato de dois anos, diz que Lula iniciou um governo marcado por “radicalismo ideológico” contra o setor e que já tem propostas prontas para derrubar atos do petista que, segundo ele, “esvaziaram” o poder do Ministério da Agricultura.

Alinhado à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com o agronegócio, Lupion cita três mudanças que a bancada quer reverter com a retomada dos trabalhos no Congresso. Os ruralistas cobram o retorno do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, que centraliza as ações de regularização fundiária e foi transferido para o Ministério do Meio Ambiente.

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Outras duas prioridades são a retomada de dois órgãos que o Ministério da Agricultura perdeu para o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Estamos com as medidas prontas. Para além da questão ideológica, o que tem nos preocupado bastante é essa nova composição da Esplanada e o enfraquecimento claro e real do Ministério da Agricultura”, disse Lupion.

O novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR
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O novo líder acredita que, no primeiro semestre deste ano, a bancada de mais de 300 parlamentares do agro terá força política para aprovar projetos que tramitam no Congresso, como os que tratam do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e dos agrotóxicos. E diz que o setor está pronto para o enfrentamento, se for necessário. “Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Quais serão as primeiras medidas do sr. na presidência da FPA?

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Vamos agir imediatamente para reverter atos do governo Lula, que promoveram o completo esvaziamento do Ministério da Agricultura. Tiraram o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta e transferiram para o Ministério do Meio Ambiente. O ministério também perdeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. Isso acabou com a possibilidade de planejamento de longo prazo. É um absurdo gigantesco.

Por quê?

Porque esses ministérios estão enviesados, ideologicamente, em vez de terem uma posição técnica. Para além da questão ideológica, essa nova composição da Esplanada é o que tem nos preocupado bastante, porque traz um enfraquecimento claro e real ao Ministério da Agricultura. Por isso, já estamos tomando medidas.

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Quais medidas?

Temos emendas parlamentares prontas para derrubar, que foram feitas por meio de medida provisória. Vamos a plenário com essas emendas, para comissões especiais, para o plenário. E se algo foi feito por meio de decreto, vamos apresentar um projeto de lei para derrubar. Já avisamos ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que vamos fazer isso. Temos de, minimamente, reverter o estrago já feito. Quem tem maioria, grita. Quem tem minoria, usa o regimento e tenta se fazer valer. É óbvio que tudo isso vai passar por muita negociação, mas a nossa iniciativa será essa.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do ministro Carlos Fávaro na ponte entre o agro e o governo Lula?

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Vejo boa vontade do ministro Fávaro, a quem tenho apreço e reconheço a capacidade, mas há uma questão ideológica dentro do governo. Criaram, basicamente, um impedimento para o ministério planejar o futuro. Hoje, não consegue mais nem fazer o Plano Safra. A gente precisa garantir que o agro tenha o espaço de direito que ele representa, um ministério para tratar do setor que responde por um terço dos empregos e da renda. É um absurdo a gente ter que lidar com um esvaziamento desses, perdendo funções para esse Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo.

Por que isso é ruim?

Essa é uma das situações que geram mais preocupação, porque é uma pasta estritamente ideológica, criada com esse objetivo, e ninguém esconde isso. Basta ver quem é o ministro (Paulo Teixeira), um dos mais radicalizados do PT, que já deixou clara qual é sua intenção. Há dois dias, ele disse numa entrevista que a titulação dos assentamentos que fizemos nos últimos anos tem a validade de um papel de pão, que não tem valor jurídico. Isso gera uma insegurança gigantesca para 450 mil famílias que se libertaram de um movimento social e que hoje têm seu título, sua propriedade. O que a gente vê, infelizmente, é a tentativa de desmontar o trabalho que foi feito no setor; mas alivia um pouco a situação o fato de Carlos Fávaro conhecer o setor, legitimar as nossas demandas. Acredito que ele vai conseguir segurar os exageros.

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Quais exageros?

A própria questão da reestruturação do ministério. Eu tenho certeza que, com apoio dele, vamos retomar essas estruturas. Hoje, temos no Ministério da Agricultura um bom canal de diálogo, mas eles dependem também da gente, precisam da nossa força política no Congresso para segurar exageros e erros em relação ao nosso setor. Óbvio que Fávaro, como ministro da Agricultura do PT, não pode se posicionar contra o partido. A gente tem de entender qual é o cenário para, politicamente, fazer o trabalho dentro do Congresso.

A bancada do agro será a principal oposição ao governo Lula no Congresso?

Não posso dizer isso. Nós vamos fazer oposição sempre que tiver algum tipo de prejuízo para o setor. Agora, é óbvio que eu não posso ser irresponsável e dizer que não iremos apoiar medidas positivas para o setor. Agora, ideologicamente, 90% da nossa bancada é contrária o governo e tem uma posição de oposição, efetivamente. É um momento difícil, mas já vivemos isso outras vezes, como no auge do PT, em 2003, mas a FPA fez a diferença e tivemos ministros no governo do PT que nos orgulham até hoje, como o Roberto Rodrigues (2003-2006) e o Reinhold Stephanes (2007-2010). Espero que Fávaro seja um desses, que consiga fazer a diferença.

Há sinais para isso?

O governo começou muito radicalizado, ideologizado. Eu tenho dito para as pessoas se acalmarem: o pessoal dos sindicatos rurais, as cooperativas, porque o jogo ainda não começou, o Congresso não tomou posse. Hoje, o governo está surfando sozinho, mas eu vejo, pelo perfil das bancadas que foram eleitas, tanto na Câmara, quanto no Senado, que o governo não vai ter vida fácil.

O agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro?

Isso é mais uma guerra de narrativas, do mesmo jeito que, na campanha, nós fomos chamados de fascistas, de patinho feio, culpados de destruirmos tudo, de sermos o lobo mau da sociedade brasileira. O que aconteceu aqui em Brasília não é a representação da direita brasileira. A nossa característica sempre foi a de posicionamento pacífico, nunca foi de agressão, de pancadaria, de vandalismo. É o que a gente defende. Para nós, é mais um capítulo dessa guerra de tentar desqualificar o nosso trabalho.

Estão no Senado projetos sobre regularização fundiária, licenciamento ambiental e agrotóxicos. Há condições de a bancada aprovar esses projetos de lei?

Estou tranquilo em relação à nova composição do Senado, mais esperançoso. Elegemos muitos senadores aliados. Dos 27 novos, praticamente 15 são ligados ao agro. Isso faz com que a gente consiga ter uma bancada mais forte no Senado. Hoje, dos 81 senadores, temos 20 ligados à FPA. Eram só uns quatro ou cinco. Então, melhorou muito. Além de nossos principais aliados do setor, entrou muita gente que não é diretamente ligada ao agro, mas que tem posicionamento favorável a nós, como os senadores Marcos Pontes (PL-SP), Magno Malta (PL-ES) e próprio Sérgio Moro (União Brasil-PR).

Quando esses projetos devem ser votados?

Eu acredito que é possível votar neste semestre. O projeto do licenciamento ambiental deve andar. Só não conseguimos pautar ainda, porque a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) engavetou e falou que não ia liberar. Acho que a regularização fundiária também vai caminhar. No caso dos pesticidas, é um pouco mais delicado, mas tivemos avanço na comissão (A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o texto em 19 de dezembro de 2022). É mais uma guerra de narrativas, porque não estamos falando de um libera geral, mas de modernizar o setor, de ter celeridade nos processos. Não é possível que a Argentina use uma molécula que a gente só consiga registrar dez anos depois deles – ou seja, a concorrência fica completamente desigual. A gente vai ter de conseguir comunicar bem isso, para a pauta poder andar.

Por que o setor precisa de mais veneno?

Há uma dificuldade grande de informação sobre esse assunto, e isso passa pelo próprio governo. O ministro Fávaro apoia o projeto, mas quando tratamos dele na comissão, o próprio PT, através da (ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas) Marina Silva e companhia limitada, foi lá e segurou. Ainda assim, conseguimos avançar. Há uma preocupação de conseguir pautar e evitar o discurso ideológico, mostrando que o assunto é técnico. Nos Estados Unidos, usam produtos muito mais modernos que os nossos, que deixam bem menos resíduos do que os nossos, e a gente não consegue registrar por causa de burocracia. É um retrocesso total.

Organizações já alertaram sobre riscos de entrada de produtos potencialmente cancerígenos.

É exatamente o contrário. Quanto mais moderna é a molécula, menos quantidade dela é necessária, porque é mais eficiente. Hoje, a maioria dos nossos produtos já tem concorrentes no mercado que são mais eficientes, mas não conseguimos registrar. São produtos com menos resíduo, menor agressividade e mais eficientes em relação à quantidade, custo e necessidade de uso. Há produtos atuais, por exemplo, que exigem quatro ou cinco pulverizações, quando existem moléculas que, com uma pulverização, já resolve.

Qual a visão do senhor sobre produtos orgânicos?

Vou te contar uma história. Eu vivo de agro há 40 anos, no Paraná. A minha mulher, um dia, chegou para mim e falou assim: “vamos fazer uma horta orgânica para os nossos filhos” Eu disse: “legal, manda ver”. Plantou couve tomate, alface. Passaram-se duas semanas e ela estava borrifando Malathion, desses que se compra em qualquer floricultura para tirar pulgão. Eu falei: “parabéns, só que deixou de ser orgânico”. E por que isso acontece? Porque não existe a mínima condição de, numa agricultura tropical, você produzir a quantidade de que nós precisamos – e nós produzimos para alimentar o mundo inteiro, se você não tiver o remédio das plantas. O defensivo é isso.

Como o agro vai lidar com a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?

Nós já lidamos, no passado, com essa trupe ideológica que está no ministério. A questão é que, hoje, nós temos uma carta na manga que eles não têm, que é a maior bancada do Congresso. Não vamos deixar passar qualquer incoerência ou absurdo em relação ao setor. Vamos ter de usar todas as nossas cartas.

O clima, portanto, é de enfrentamento.

Se existir possibilidades de diálogo, ótimo. A gente prefere o diálogo ao conflito. Mas, até agora, não houve nenhuma sinalização disso, pelo contrário. Temos visto os nomes que estão sendo colocados no Ministério do Meio Ambiente, em posições importantes, e que nos preocupam bastante. Uma exceção foi o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é um bom quadro: foi deputado, tem diálogo, entende do setor, e isso nos deixa mais aliviado. Agora, o problema não é quem está na cabeça, mas no corpo, para baixo. Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.

Como vê a imagem hoje do agro brasileiro no exterior?

O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. Nós temos dois concorrentes gigantescos: a Europa os Estados Unidos, que ficam incutindo um discurso para a mídia e para a sociedade brasileira de que o agro é o mal. Desse jeito, só eles crescerão e conseguirão novos mercados. Isso preocupa muito. Quando você vê iniciativas como a da União Europeia, de criar critérios para importação de nossos produtos, isso acaba gerando uma punição para um setor que é extremamente organizado e que não concorda com nada disso. Quando dizem “vamos parar de importar do Brasil por causa da Amazônia”, isso arrebenta com a gente.

Não há uma preocupação legítima do exterior com o avanço do desmatamento?

Isso é pura guerra comercial, sem dúvida. Acabei de voltar de uma feira de produtores de sementes em Chicago, nos Estados Unidos. Em todas as palestras a que assisti, as discussões envolviam americanos questionando quem poderia triplicar a produção mundial. Concluíam que seria apenas o Brasil, mas afirmavam que seria preciso se respaldar em relação à guerra ambiental que envolve a Amazônia. É óbvio que estão defendendo o interesse deles. E como você faz isso? desqualificando o outro. Hoje, a gente produz sem ter de derrubar uma árvore, sem ter de aumentar a área do plantio, sem ter de aumentar o desmatamento. Conseguimos isso com uso de tecnologia, podendo triplicar a nossa produção. Isso são narrativas negativas funcionam para vender jornal. Já desfazer essa narrativa é algo extremamente difícil.

O que o agro quer da Amazônia?

A Frente Parlamentar Agropecuária e todos os seus membros são contra o desmatamento ilegal, o garimpo ilegal, a destruição do meio ambiente. Somos contra e defendemos a punição de quem faz isso. Esse é o maior recado que posso dar. Nós gostamos, inclusive, quando, no discurso de Lula na COP-27, ele se referiu especificamente ao desmatamento ilegal. Essa é a diferença que as pessoas não conseguem fazer, por causa dessa guerra de narrativa. Eu entendo que é necessário preservar nascentes, que é preciso ter água boa para o meu solo. Não há necessidade nenhuma de aumentar a área de plantio, temos um monte de área degradada que pode ser transformada em área de agricultura e pecuária.

Como o senhor avalia a proposta da reforma tributária e seu possível impacto no agro?

A reforma é extremamente necessária. É preciso rever o pacto federativo, a distribuição de recursos pelo País, a possibilidade de acesso a esses recursos, a valorização do município, quem efetivamente está produzindo. O que a gente não pode admitir, de maneira alguma, é uma taxação do agro. Isso a gente não vai admitir, não vai aceitar, não vai deixar passar. A partir do momento que se tente rever a Lei Kandir (que isenta de ICMS as exportações de produtos primários), por exemplo, afetando a expansão das exportações do agro, isso gera um problema gravíssimo no País. A gente não pode aceitar. Enfrentamos concorrentes mundiais, que têm incentivos fortíssimos sobre programas, coisa que não temos. Se a gente tiver de pagar mais essa conta, aí fica mais complicado.

Como a FPA vai tratar a questão do marco temporal, sobre as demarcações de terras indígenas?

É outra discussão que nos traz preocupação gigantesca. É uma pauta urgente. Queremos o andamento do PL 490 dentro da Câmera (o projeto impõe o chamado marco temporal e determina que são terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal). Hoje, esse PL está parado. Nós aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), mas não avançou, não foi pautado por resistência política; mas é preciso haver o entendimento de que esse projeto é importante, porque coloca o marco temporal na Constituição.

O Ministério dos Povos Originários anunciou que vai homologar 13 novas terras indígenas.

Soubemos disso. Ao que parece, são áreas antigas e que estão praticamente consolidadas, não geram tanta preocupação. É preciso destacar que existe a necessidade de haver a indenização dos produtores que estão nas áreas. Isso é uma questão, aliás, que está parada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) e que nós temos de tratar. Temos conversado com os ministros, é preciso ter uma condição boa de diálogo com STF.

Não é o momento de agro ter uma postura menos combativa e de mais entendimento, principalmente com a área ambiental, ou isso é impossível?

É possível. A partir do momento em que houver sinais positivos do outro lado, a gente vai reagir proporcionalmente. Para nós, o mundo ideal é não ter de gritar tanto, brigar tanto e que a gente consiga ter algo pacífico. Mas sabemos que não vai acontecer, é uma utopia. Então, cada um mostra as forças do jeito que tem condições. O que nós temos? Temos quantidade e qualidade. Eles (o governo) têm a caneta. A gente vai enfrentar, toda vez que for necessário. Lá fora, o que se vende hoje é que o Brasil voltou, que está maravilhoso, quando sabemos que é exatamente o contrário. Nosso objetivo é que o governo não atrapalhe o produtor brasileiro. Infelizmente, a política só tem feito isso, ultimamente.

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), dona da maior bancada do Congresso Nacional, se articula para anular uma série de mudanças já promovidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mês de mandato. Em entrevista ao Estadão, o novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), que assume o comando da frente nesta quarta-feira, 1º, para um mandato de dois anos, diz que Lula iniciou um governo marcado por “radicalismo ideológico” contra o setor e que já tem propostas prontas para derrubar atos do petista que, segundo ele, “esvaziaram” o poder do Ministério da Agricultura.

Alinhado à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com o agronegócio, Lupion cita três mudanças que a bancada quer reverter com a retomada dos trabalhos no Congresso. Os ruralistas cobram o retorno do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, que centraliza as ações de regularização fundiária e foi transferido para o Ministério do Meio Ambiente.

Outras duas prioridades são a retomada de dois órgãos que o Ministério da Agricultura perdeu para o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Estamos com as medidas prontas. Para além da questão ideológica, o que tem nos preocupado bastante é essa nova composição da Esplanada e o enfraquecimento claro e real do Ministério da Agricultura”, disse Lupion.

O novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O novo líder acredita que, no primeiro semestre deste ano, a bancada de mais de 300 parlamentares do agro terá força política para aprovar projetos que tramitam no Congresso, como os que tratam do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e dos agrotóxicos. E diz que o setor está pronto para o enfrentamento, se for necessário. “Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Quais serão as primeiras medidas do sr. na presidência da FPA?

Vamos agir imediatamente para reverter atos do governo Lula, que promoveram o completo esvaziamento do Ministério da Agricultura. Tiraram o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta e transferiram para o Ministério do Meio Ambiente. O ministério também perdeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. Isso acabou com a possibilidade de planejamento de longo prazo. É um absurdo gigantesco.

Por quê?

Porque esses ministérios estão enviesados, ideologicamente, em vez de terem uma posição técnica. Para além da questão ideológica, essa nova composição da Esplanada é o que tem nos preocupado bastante, porque traz um enfraquecimento claro e real ao Ministério da Agricultura. Por isso, já estamos tomando medidas.

Quais medidas?

Temos emendas parlamentares prontas para derrubar, que foram feitas por meio de medida provisória. Vamos a plenário com essas emendas, para comissões especiais, para o plenário. E se algo foi feito por meio de decreto, vamos apresentar um projeto de lei para derrubar. Já avisamos ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que vamos fazer isso. Temos de, minimamente, reverter o estrago já feito. Quem tem maioria, grita. Quem tem minoria, usa o regimento e tenta se fazer valer. É óbvio que tudo isso vai passar por muita negociação, mas a nossa iniciativa será essa.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do ministro Carlos Fávaro na ponte entre o agro e o governo Lula?

Vejo boa vontade do ministro Fávaro, a quem tenho apreço e reconheço a capacidade, mas há uma questão ideológica dentro do governo. Criaram, basicamente, um impedimento para o ministério planejar o futuro. Hoje, não consegue mais nem fazer o Plano Safra. A gente precisa garantir que o agro tenha o espaço de direito que ele representa, um ministério para tratar do setor que responde por um terço dos empregos e da renda. É um absurdo a gente ter que lidar com um esvaziamento desses, perdendo funções para esse Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo.

Por que isso é ruim?

Essa é uma das situações que geram mais preocupação, porque é uma pasta estritamente ideológica, criada com esse objetivo, e ninguém esconde isso. Basta ver quem é o ministro (Paulo Teixeira), um dos mais radicalizados do PT, que já deixou clara qual é sua intenção. Há dois dias, ele disse numa entrevista que a titulação dos assentamentos que fizemos nos últimos anos tem a validade de um papel de pão, que não tem valor jurídico. Isso gera uma insegurança gigantesca para 450 mil famílias que se libertaram de um movimento social e que hoje têm seu título, sua propriedade. O que a gente vê, infelizmente, é a tentativa de desmontar o trabalho que foi feito no setor; mas alivia um pouco a situação o fato de Carlos Fávaro conhecer o setor, legitimar as nossas demandas. Acredito que ele vai conseguir segurar os exageros.

Quais exageros?

A própria questão da reestruturação do ministério. Eu tenho certeza que, com apoio dele, vamos retomar essas estruturas. Hoje, temos no Ministério da Agricultura um bom canal de diálogo, mas eles dependem também da gente, precisam da nossa força política no Congresso para segurar exageros e erros em relação ao nosso setor. Óbvio que Fávaro, como ministro da Agricultura do PT, não pode se posicionar contra o partido. A gente tem de entender qual é o cenário para, politicamente, fazer o trabalho dentro do Congresso.

A bancada do agro será a principal oposição ao governo Lula no Congresso?

Não posso dizer isso. Nós vamos fazer oposição sempre que tiver algum tipo de prejuízo para o setor. Agora, é óbvio que eu não posso ser irresponsável e dizer que não iremos apoiar medidas positivas para o setor. Agora, ideologicamente, 90% da nossa bancada é contrária o governo e tem uma posição de oposição, efetivamente. É um momento difícil, mas já vivemos isso outras vezes, como no auge do PT, em 2003, mas a FPA fez a diferença e tivemos ministros no governo do PT que nos orgulham até hoje, como o Roberto Rodrigues (2003-2006) e o Reinhold Stephanes (2007-2010). Espero que Fávaro seja um desses, que consiga fazer a diferença.

Há sinais para isso?

O governo começou muito radicalizado, ideologizado. Eu tenho dito para as pessoas se acalmarem: o pessoal dos sindicatos rurais, as cooperativas, porque o jogo ainda não começou, o Congresso não tomou posse. Hoje, o governo está surfando sozinho, mas eu vejo, pelo perfil das bancadas que foram eleitas, tanto na Câmara, quanto no Senado, que o governo não vai ter vida fácil.

O agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro?

Isso é mais uma guerra de narrativas, do mesmo jeito que, na campanha, nós fomos chamados de fascistas, de patinho feio, culpados de destruirmos tudo, de sermos o lobo mau da sociedade brasileira. O que aconteceu aqui em Brasília não é a representação da direita brasileira. A nossa característica sempre foi a de posicionamento pacífico, nunca foi de agressão, de pancadaria, de vandalismo. É o que a gente defende. Para nós, é mais um capítulo dessa guerra de tentar desqualificar o nosso trabalho.

Estão no Senado projetos sobre regularização fundiária, licenciamento ambiental e agrotóxicos. Há condições de a bancada aprovar esses projetos de lei?

Estou tranquilo em relação à nova composição do Senado, mais esperançoso. Elegemos muitos senadores aliados. Dos 27 novos, praticamente 15 são ligados ao agro. Isso faz com que a gente consiga ter uma bancada mais forte no Senado. Hoje, dos 81 senadores, temos 20 ligados à FPA. Eram só uns quatro ou cinco. Então, melhorou muito. Além de nossos principais aliados do setor, entrou muita gente que não é diretamente ligada ao agro, mas que tem posicionamento favorável a nós, como os senadores Marcos Pontes (PL-SP), Magno Malta (PL-ES) e próprio Sérgio Moro (União Brasil-PR).

Quando esses projetos devem ser votados?

Eu acredito que é possível votar neste semestre. O projeto do licenciamento ambiental deve andar. Só não conseguimos pautar ainda, porque a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) engavetou e falou que não ia liberar. Acho que a regularização fundiária também vai caminhar. No caso dos pesticidas, é um pouco mais delicado, mas tivemos avanço na comissão (A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o texto em 19 de dezembro de 2022). É mais uma guerra de narrativas, porque não estamos falando de um libera geral, mas de modernizar o setor, de ter celeridade nos processos. Não é possível que a Argentina use uma molécula que a gente só consiga registrar dez anos depois deles – ou seja, a concorrência fica completamente desigual. A gente vai ter de conseguir comunicar bem isso, para a pauta poder andar.

Por que o setor precisa de mais veneno?

Há uma dificuldade grande de informação sobre esse assunto, e isso passa pelo próprio governo. O ministro Fávaro apoia o projeto, mas quando tratamos dele na comissão, o próprio PT, através da (ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas) Marina Silva e companhia limitada, foi lá e segurou. Ainda assim, conseguimos avançar. Há uma preocupação de conseguir pautar e evitar o discurso ideológico, mostrando que o assunto é técnico. Nos Estados Unidos, usam produtos muito mais modernos que os nossos, que deixam bem menos resíduos do que os nossos, e a gente não consegue registrar por causa de burocracia. É um retrocesso total.

Organizações já alertaram sobre riscos de entrada de produtos potencialmente cancerígenos.

É exatamente o contrário. Quanto mais moderna é a molécula, menos quantidade dela é necessária, porque é mais eficiente. Hoje, a maioria dos nossos produtos já tem concorrentes no mercado que são mais eficientes, mas não conseguimos registrar. São produtos com menos resíduo, menor agressividade e mais eficientes em relação à quantidade, custo e necessidade de uso. Há produtos atuais, por exemplo, que exigem quatro ou cinco pulverizações, quando existem moléculas que, com uma pulverização, já resolve.

Qual a visão do senhor sobre produtos orgânicos?

Vou te contar uma história. Eu vivo de agro há 40 anos, no Paraná. A minha mulher, um dia, chegou para mim e falou assim: “vamos fazer uma horta orgânica para os nossos filhos” Eu disse: “legal, manda ver”. Plantou couve tomate, alface. Passaram-se duas semanas e ela estava borrifando Malathion, desses que se compra em qualquer floricultura para tirar pulgão. Eu falei: “parabéns, só que deixou de ser orgânico”. E por que isso acontece? Porque não existe a mínima condição de, numa agricultura tropical, você produzir a quantidade de que nós precisamos – e nós produzimos para alimentar o mundo inteiro, se você não tiver o remédio das plantas. O defensivo é isso.

Como o agro vai lidar com a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?

Nós já lidamos, no passado, com essa trupe ideológica que está no ministério. A questão é que, hoje, nós temos uma carta na manga que eles não têm, que é a maior bancada do Congresso. Não vamos deixar passar qualquer incoerência ou absurdo em relação ao setor. Vamos ter de usar todas as nossas cartas.

O clima, portanto, é de enfrentamento.

Se existir possibilidades de diálogo, ótimo. A gente prefere o diálogo ao conflito. Mas, até agora, não houve nenhuma sinalização disso, pelo contrário. Temos visto os nomes que estão sendo colocados no Ministério do Meio Ambiente, em posições importantes, e que nos preocupam bastante. Uma exceção foi o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é um bom quadro: foi deputado, tem diálogo, entende do setor, e isso nos deixa mais aliviado. Agora, o problema não é quem está na cabeça, mas no corpo, para baixo. Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.

Como vê a imagem hoje do agro brasileiro no exterior?

O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. Nós temos dois concorrentes gigantescos: a Europa os Estados Unidos, que ficam incutindo um discurso para a mídia e para a sociedade brasileira de que o agro é o mal. Desse jeito, só eles crescerão e conseguirão novos mercados. Isso preocupa muito. Quando você vê iniciativas como a da União Europeia, de criar critérios para importação de nossos produtos, isso acaba gerando uma punição para um setor que é extremamente organizado e que não concorda com nada disso. Quando dizem “vamos parar de importar do Brasil por causa da Amazônia”, isso arrebenta com a gente.

Não há uma preocupação legítima do exterior com o avanço do desmatamento?

Isso é pura guerra comercial, sem dúvida. Acabei de voltar de uma feira de produtores de sementes em Chicago, nos Estados Unidos. Em todas as palestras a que assisti, as discussões envolviam americanos questionando quem poderia triplicar a produção mundial. Concluíam que seria apenas o Brasil, mas afirmavam que seria preciso se respaldar em relação à guerra ambiental que envolve a Amazônia. É óbvio que estão defendendo o interesse deles. E como você faz isso? desqualificando o outro. Hoje, a gente produz sem ter de derrubar uma árvore, sem ter de aumentar a área do plantio, sem ter de aumentar o desmatamento. Conseguimos isso com uso de tecnologia, podendo triplicar a nossa produção. Isso são narrativas negativas funcionam para vender jornal. Já desfazer essa narrativa é algo extremamente difícil.

O que o agro quer da Amazônia?

A Frente Parlamentar Agropecuária e todos os seus membros são contra o desmatamento ilegal, o garimpo ilegal, a destruição do meio ambiente. Somos contra e defendemos a punição de quem faz isso. Esse é o maior recado que posso dar. Nós gostamos, inclusive, quando, no discurso de Lula na COP-27, ele se referiu especificamente ao desmatamento ilegal. Essa é a diferença que as pessoas não conseguem fazer, por causa dessa guerra de narrativa. Eu entendo que é necessário preservar nascentes, que é preciso ter água boa para o meu solo. Não há necessidade nenhuma de aumentar a área de plantio, temos um monte de área degradada que pode ser transformada em área de agricultura e pecuária.

Como o senhor avalia a proposta da reforma tributária e seu possível impacto no agro?

A reforma é extremamente necessária. É preciso rever o pacto federativo, a distribuição de recursos pelo País, a possibilidade de acesso a esses recursos, a valorização do município, quem efetivamente está produzindo. O que a gente não pode admitir, de maneira alguma, é uma taxação do agro. Isso a gente não vai admitir, não vai aceitar, não vai deixar passar. A partir do momento que se tente rever a Lei Kandir (que isenta de ICMS as exportações de produtos primários), por exemplo, afetando a expansão das exportações do agro, isso gera um problema gravíssimo no País. A gente não pode aceitar. Enfrentamos concorrentes mundiais, que têm incentivos fortíssimos sobre programas, coisa que não temos. Se a gente tiver de pagar mais essa conta, aí fica mais complicado.

Como a FPA vai tratar a questão do marco temporal, sobre as demarcações de terras indígenas?

É outra discussão que nos traz preocupação gigantesca. É uma pauta urgente. Queremos o andamento do PL 490 dentro da Câmera (o projeto impõe o chamado marco temporal e determina que são terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal). Hoje, esse PL está parado. Nós aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), mas não avançou, não foi pautado por resistência política; mas é preciso haver o entendimento de que esse projeto é importante, porque coloca o marco temporal na Constituição.

O Ministério dos Povos Originários anunciou que vai homologar 13 novas terras indígenas.

Soubemos disso. Ao que parece, são áreas antigas e que estão praticamente consolidadas, não geram tanta preocupação. É preciso destacar que existe a necessidade de haver a indenização dos produtores que estão nas áreas. Isso é uma questão, aliás, que está parada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) e que nós temos de tratar. Temos conversado com os ministros, é preciso ter uma condição boa de diálogo com STF.

Não é o momento de agro ter uma postura menos combativa e de mais entendimento, principalmente com a área ambiental, ou isso é impossível?

É possível. A partir do momento em que houver sinais positivos do outro lado, a gente vai reagir proporcionalmente. Para nós, o mundo ideal é não ter de gritar tanto, brigar tanto e que a gente consiga ter algo pacífico. Mas sabemos que não vai acontecer, é uma utopia. Então, cada um mostra as forças do jeito que tem condições. O que nós temos? Temos quantidade e qualidade. Eles (o governo) têm a caneta. A gente vai enfrentar, toda vez que for necessário. Lá fora, o que se vende hoje é que o Brasil voltou, que está maravilhoso, quando sabemos que é exatamente o contrário. Nosso objetivo é que o governo não atrapalhe o produtor brasileiro. Infelizmente, a política só tem feito isso, ultimamente.

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), dona da maior bancada do Congresso Nacional, se articula para anular uma série de mudanças já promovidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mês de mandato. Em entrevista ao Estadão, o novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), que assume o comando da frente nesta quarta-feira, 1º, para um mandato de dois anos, diz que Lula iniciou um governo marcado por “radicalismo ideológico” contra o setor e que já tem propostas prontas para derrubar atos do petista que, segundo ele, “esvaziaram” o poder do Ministério da Agricultura.

Alinhado à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com o agronegócio, Lupion cita três mudanças que a bancada quer reverter com a retomada dos trabalhos no Congresso. Os ruralistas cobram o retorno do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, que centraliza as ações de regularização fundiária e foi transferido para o Ministério do Meio Ambiente.

Outras duas prioridades são a retomada de dois órgãos que o Ministério da Agricultura perdeu para o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Estamos com as medidas prontas. Para além da questão ideológica, o que tem nos preocupado bastante é essa nova composição da Esplanada e o enfraquecimento claro e real do Ministério da Agricultura”, disse Lupion.

O novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O novo líder acredita que, no primeiro semestre deste ano, a bancada de mais de 300 parlamentares do agro terá força política para aprovar projetos que tramitam no Congresso, como os que tratam do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e dos agrotóxicos. E diz que o setor está pronto para o enfrentamento, se for necessário. “Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Quais serão as primeiras medidas do sr. na presidência da FPA?

Vamos agir imediatamente para reverter atos do governo Lula, que promoveram o completo esvaziamento do Ministério da Agricultura. Tiraram o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta e transferiram para o Ministério do Meio Ambiente. O ministério também perdeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. Isso acabou com a possibilidade de planejamento de longo prazo. É um absurdo gigantesco.

Por quê?

Porque esses ministérios estão enviesados, ideologicamente, em vez de terem uma posição técnica. Para além da questão ideológica, essa nova composição da Esplanada é o que tem nos preocupado bastante, porque traz um enfraquecimento claro e real ao Ministério da Agricultura. Por isso, já estamos tomando medidas.

Quais medidas?

Temos emendas parlamentares prontas para derrubar, que foram feitas por meio de medida provisória. Vamos a plenário com essas emendas, para comissões especiais, para o plenário. E se algo foi feito por meio de decreto, vamos apresentar um projeto de lei para derrubar. Já avisamos ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que vamos fazer isso. Temos de, minimamente, reverter o estrago já feito. Quem tem maioria, grita. Quem tem minoria, usa o regimento e tenta se fazer valer. É óbvio que tudo isso vai passar por muita negociação, mas a nossa iniciativa será essa.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do ministro Carlos Fávaro na ponte entre o agro e o governo Lula?

Vejo boa vontade do ministro Fávaro, a quem tenho apreço e reconheço a capacidade, mas há uma questão ideológica dentro do governo. Criaram, basicamente, um impedimento para o ministério planejar o futuro. Hoje, não consegue mais nem fazer o Plano Safra. A gente precisa garantir que o agro tenha o espaço de direito que ele representa, um ministério para tratar do setor que responde por um terço dos empregos e da renda. É um absurdo a gente ter que lidar com um esvaziamento desses, perdendo funções para esse Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo.

Por que isso é ruim?

Essa é uma das situações que geram mais preocupação, porque é uma pasta estritamente ideológica, criada com esse objetivo, e ninguém esconde isso. Basta ver quem é o ministro (Paulo Teixeira), um dos mais radicalizados do PT, que já deixou clara qual é sua intenção. Há dois dias, ele disse numa entrevista que a titulação dos assentamentos que fizemos nos últimos anos tem a validade de um papel de pão, que não tem valor jurídico. Isso gera uma insegurança gigantesca para 450 mil famílias que se libertaram de um movimento social e que hoje têm seu título, sua propriedade. O que a gente vê, infelizmente, é a tentativa de desmontar o trabalho que foi feito no setor; mas alivia um pouco a situação o fato de Carlos Fávaro conhecer o setor, legitimar as nossas demandas. Acredito que ele vai conseguir segurar os exageros.

Quais exageros?

A própria questão da reestruturação do ministério. Eu tenho certeza que, com apoio dele, vamos retomar essas estruturas. Hoje, temos no Ministério da Agricultura um bom canal de diálogo, mas eles dependem também da gente, precisam da nossa força política no Congresso para segurar exageros e erros em relação ao nosso setor. Óbvio que Fávaro, como ministro da Agricultura do PT, não pode se posicionar contra o partido. A gente tem de entender qual é o cenário para, politicamente, fazer o trabalho dentro do Congresso.

A bancada do agro será a principal oposição ao governo Lula no Congresso?

Não posso dizer isso. Nós vamos fazer oposição sempre que tiver algum tipo de prejuízo para o setor. Agora, é óbvio que eu não posso ser irresponsável e dizer que não iremos apoiar medidas positivas para o setor. Agora, ideologicamente, 90% da nossa bancada é contrária o governo e tem uma posição de oposição, efetivamente. É um momento difícil, mas já vivemos isso outras vezes, como no auge do PT, em 2003, mas a FPA fez a diferença e tivemos ministros no governo do PT que nos orgulham até hoje, como o Roberto Rodrigues (2003-2006) e o Reinhold Stephanes (2007-2010). Espero que Fávaro seja um desses, que consiga fazer a diferença.

Há sinais para isso?

O governo começou muito radicalizado, ideologizado. Eu tenho dito para as pessoas se acalmarem: o pessoal dos sindicatos rurais, as cooperativas, porque o jogo ainda não começou, o Congresso não tomou posse. Hoje, o governo está surfando sozinho, mas eu vejo, pelo perfil das bancadas que foram eleitas, tanto na Câmara, quanto no Senado, que o governo não vai ter vida fácil.

O agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro?

Isso é mais uma guerra de narrativas, do mesmo jeito que, na campanha, nós fomos chamados de fascistas, de patinho feio, culpados de destruirmos tudo, de sermos o lobo mau da sociedade brasileira. O que aconteceu aqui em Brasília não é a representação da direita brasileira. A nossa característica sempre foi a de posicionamento pacífico, nunca foi de agressão, de pancadaria, de vandalismo. É o que a gente defende. Para nós, é mais um capítulo dessa guerra de tentar desqualificar o nosso trabalho.

Estão no Senado projetos sobre regularização fundiária, licenciamento ambiental e agrotóxicos. Há condições de a bancada aprovar esses projetos de lei?

Estou tranquilo em relação à nova composição do Senado, mais esperançoso. Elegemos muitos senadores aliados. Dos 27 novos, praticamente 15 são ligados ao agro. Isso faz com que a gente consiga ter uma bancada mais forte no Senado. Hoje, dos 81 senadores, temos 20 ligados à FPA. Eram só uns quatro ou cinco. Então, melhorou muito. Além de nossos principais aliados do setor, entrou muita gente que não é diretamente ligada ao agro, mas que tem posicionamento favorável a nós, como os senadores Marcos Pontes (PL-SP), Magno Malta (PL-ES) e próprio Sérgio Moro (União Brasil-PR).

Quando esses projetos devem ser votados?

Eu acredito que é possível votar neste semestre. O projeto do licenciamento ambiental deve andar. Só não conseguimos pautar ainda, porque a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) engavetou e falou que não ia liberar. Acho que a regularização fundiária também vai caminhar. No caso dos pesticidas, é um pouco mais delicado, mas tivemos avanço na comissão (A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o texto em 19 de dezembro de 2022). É mais uma guerra de narrativas, porque não estamos falando de um libera geral, mas de modernizar o setor, de ter celeridade nos processos. Não é possível que a Argentina use uma molécula que a gente só consiga registrar dez anos depois deles – ou seja, a concorrência fica completamente desigual. A gente vai ter de conseguir comunicar bem isso, para a pauta poder andar.

Por que o setor precisa de mais veneno?

Há uma dificuldade grande de informação sobre esse assunto, e isso passa pelo próprio governo. O ministro Fávaro apoia o projeto, mas quando tratamos dele na comissão, o próprio PT, através da (ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas) Marina Silva e companhia limitada, foi lá e segurou. Ainda assim, conseguimos avançar. Há uma preocupação de conseguir pautar e evitar o discurso ideológico, mostrando que o assunto é técnico. Nos Estados Unidos, usam produtos muito mais modernos que os nossos, que deixam bem menos resíduos do que os nossos, e a gente não consegue registrar por causa de burocracia. É um retrocesso total.

Organizações já alertaram sobre riscos de entrada de produtos potencialmente cancerígenos.

É exatamente o contrário. Quanto mais moderna é a molécula, menos quantidade dela é necessária, porque é mais eficiente. Hoje, a maioria dos nossos produtos já tem concorrentes no mercado que são mais eficientes, mas não conseguimos registrar. São produtos com menos resíduo, menor agressividade e mais eficientes em relação à quantidade, custo e necessidade de uso. Há produtos atuais, por exemplo, que exigem quatro ou cinco pulverizações, quando existem moléculas que, com uma pulverização, já resolve.

Qual a visão do senhor sobre produtos orgânicos?

Vou te contar uma história. Eu vivo de agro há 40 anos, no Paraná. A minha mulher, um dia, chegou para mim e falou assim: “vamos fazer uma horta orgânica para os nossos filhos” Eu disse: “legal, manda ver”. Plantou couve tomate, alface. Passaram-se duas semanas e ela estava borrifando Malathion, desses que se compra em qualquer floricultura para tirar pulgão. Eu falei: “parabéns, só que deixou de ser orgânico”. E por que isso acontece? Porque não existe a mínima condição de, numa agricultura tropical, você produzir a quantidade de que nós precisamos – e nós produzimos para alimentar o mundo inteiro, se você não tiver o remédio das plantas. O defensivo é isso.

Como o agro vai lidar com a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?

Nós já lidamos, no passado, com essa trupe ideológica que está no ministério. A questão é que, hoje, nós temos uma carta na manga que eles não têm, que é a maior bancada do Congresso. Não vamos deixar passar qualquer incoerência ou absurdo em relação ao setor. Vamos ter de usar todas as nossas cartas.

O clima, portanto, é de enfrentamento.

Se existir possibilidades de diálogo, ótimo. A gente prefere o diálogo ao conflito. Mas, até agora, não houve nenhuma sinalização disso, pelo contrário. Temos visto os nomes que estão sendo colocados no Ministério do Meio Ambiente, em posições importantes, e que nos preocupam bastante. Uma exceção foi o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é um bom quadro: foi deputado, tem diálogo, entende do setor, e isso nos deixa mais aliviado. Agora, o problema não é quem está na cabeça, mas no corpo, para baixo. Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.

Como vê a imagem hoje do agro brasileiro no exterior?

O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. Nós temos dois concorrentes gigantescos: a Europa os Estados Unidos, que ficam incutindo um discurso para a mídia e para a sociedade brasileira de que o agro é o mal. Desse jeito, só eles crescerão e conseguirão novos mercados. Isso preocupa muito. Quando você vê iniciativas como a da União Europeia, de criar critérios para importação de nossos produtos, isso acaba gerando uma punição para um setor que é extremamente organizado e que não concorda com nada disso. Quando dizem “vamos parar de importar do Brasil por causa da Amazônia”, isso arrebenta com a gente.

Não há uma preocupação legítima do exterior com o avanço do desmatamento?

Isso é pura guerra comercial, sem dúvida. Acabei de voltar de uma feira de produtores de sementes em Chicago, nos Estados Unidos. Em todas as palestras a que assisti, as discussões envolviam americanos questionando quem poderia triplicar a produção mundial. Concluíam que seria apenas o Brasil, mas afirmavam que seria preciso se respaldar em relação à guerra ambiental que envolve a Amazônia. É óbvio que estão defendendo o interesse deles. E como você faz isso? desqualificando o outro. Hoje, a gente produz sem ter de derrubar uma árvore, sem ter de aumentar a área do plantio, sem ter de aumentar o desmatamento. Conseguimos isso com uso de tecnologia, podendo triplicar a nossa produção. Isso são narrativas negativas funcionam para vender jornal. Já desfazer essa narrativa é algo extremamente difícil.

O que o agro quer da Amazônia?

A Frente Parlamentar Agropecuária e todos os seus membros são contra o desmatamento ilegal, o garimpo ilegal, a destruição do meio ambiente. Somos contra e defendemos a punição de quem faz isso. Esse é o maior recado que posso dar. Nós gostamos, inclusive, quando, no discurso de Lula na COP-27, ele se referiu especificamente ao desmatamento ilegal. Essa é a diferença que as pessoas não conseguem fazer, por causa dessa guerra de narrativa. Eu entendo que é necessário preservar nascentes, que é preciso ter água boa para o meu solo. Não há necessidade nenhuma de aumentar a área de plantio, temos um monte de área degradada que pode ser transformada em área de agricultura e pecuária.

Como o senhor avalia a proposta da reforma tributária e seu possível impacto no agro?

A reforma é extremamente necessária. É preciso rever o pacto federativo, a distribuição de recursos pelo País, a possibilidade de acesso a esses recursos, a valorização do município, quem efetivamente está produzindo. O que a gente não pode admitir, de maneira alguma, é uma taxação do agro. Isso a gente não vai admitir, não vai aceitar, não vai deixar passar. A partir do momento que se tente rever a Lei Kandir (que isenta de ICMS as exportações de produtos primários), por exemplo, afetando a expansão das exportações do agro, isso gera um problema gravíssimo no País. A gente não pode aceitar. Enfrentamos concorrentes mundiais, que têm incentivos fortíssimos sobre programas, coisa que não temos. Se a gente tiver de pagar mais essa conta, aí fica mais complicado.

Como a FPA vai tratar a questão do marco temporal, sobre as demarcações de terras indígenas?

É outra discussão que nos traz preocupação gigantesca. É uma pauta urgente. Queremos o andamento do PL 490 dentro da Câmera (o projeto impõe o chamado marco temporal e determina que são terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal). Hoje, esse PL está parado. Nós aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), mas não avançou, não foi pautado por resistência política; mas é preciso haver o entendimento de que esse projeto é importante, porque coloca o marco temporal na Constituição.

O Ministério dos Povos Originários anunciou que vai homologar 13 novas terras indígenas.

Soubemos disso. Ao que parece, são áreas antigas e que estão praticamente consolidadas, não geram tanta preocupação. É preciso destacar que existe a necessidade de haver a indenização dos produtores que estão nas áreas. Isso é uma questão, aliás, que está parada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) e que nós temos de tratar. Temos conversado com os ministros, é preciso ter uma condição boa de diálogo com STF.

Não é o momento de agro ter uma postura menos combativa e de mais entendimento, principalmente com a área ambiental, ou isso é impossível?

É possível. A partir do momento em que houver sinais positivos do outro lado, a gente vai reagir proporcionalmente. Para nós, o mundo ideal é não ter de gritar tanto, brigar tanto e que a gente consiga ter algo pacífico. Mas sabemos que não vai acontecer, é uma utopia. Então, cada um mostra as forças do jeito que tem condições. O que nós temos? Temos quantidade e qualidade. Eles (o governo) têm a caneta. A gente vai enfrentar, toda vez que for necessário. Lá fora, o que se vende hoje é que o Brasil voltou, que está maravilhoso, quando sabemos que é exatamente o contrário. Nosso objetivo é que o governo não atrapalhe o produtor brasileiro. Infelizmente, a política só tem feito isso, ultimamente.

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), dona da maior bancada do Congresso Nacional, se articula para anular uma série de mudanças já promovidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mês de mandato. Em entrevista ao Estadão, o novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), que assume o comando da frente nesta quarta-feira, 1º, para um mandato de dois anos, diz que Lula iniciou um governo marcado por “radicalismo ideológico” contra o setor e que já tem propostas prontas para derrubar atos do petista que, segundo ele, “esvaziaram” o poder do Ministério da Agricultura.

Alinhado à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com o agronegócio, Lupion cita três mudanças que a bancada quer reverter com a retomada dos trabalhos no Congresso. Os ruralistas cobram o retorno do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, que centraliza as ações de regularização fundiária e foi transferido para o Ministério do Meio Ambiente.

Outras duas prioridades são a retomada de dois órgãos que o Ministério da Agricultura perdeu para o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Estamos com as medidas prontas. Para além da questão ideológica, o que tem nos preocupado bastante é essa nova composição da Esplanada e o enfraquecimento claro e real do Ministério da Agricultura”, disse Lupion.

O novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O novo líder acredita que, no primeiro semestre deste ano, a bancada de mais de 300 parlamentares do agro terá força política para aprovar projetos que tramitam no Congresso, como os que tratam do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e dos agrotóxicos. E diz que o setor está pronto para o enfrentamento, se for necessário. “Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Quais serão as primeiras medidas do sr. na presidência da FPA?

Vamos agir imediatamente para reverter atos do governo Lula, que promoveram o completo esvaziamento do Ministério da Agricultura. Tiraram o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta e transferiram para o Ministério do Meio Ambiente. O ministério também perdeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. Isso acabou com a possibilidade de planejamento de longo prazo. É um absurdo gigantesco.

Por quê?

Porque esses ministérios estão enviesados, ideologicamente, em vez de terem uma posição técnica. Para além da questão ideológica, essa nova composição da Esplanada é o que tem nos preocupado bastante, porque traz um enfraquecimento claro e real ao Ministério da Agricultura. Por isso, já estamos tomando medidas.

Quais medidas?

Temos emendas parlamentares prontas para derrubar, que foram feitas por meio de medida provisória. Vamos a plenário com essas emendas, para comissões especiais, para o plenário. E se algo foi feito por meio de decreto, vamos apresentar um projeto de lei para derrubar. Já avisamos ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que vamos fazer isso. Temos de, minimamente, reverter o estrago já feito. Quem tem maioria, grita. Quem tem minoria, usa o regimento e tenta se fazer valer. É óbvio que tudo isso vai passar por muita negociação, mas a nossa iniciativa será essa.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do ministro Carlos Fávaro na ponte entre o agro e o governo Lula?

Vejo boa vontade do ministro Fávaro, a quem tenho apreço e reconheço a capacidade, mas há uma questão ideológica dentro do governo. Criaram, basicamente, um impedimento para o ministério planejar o futuro. Hoje, não consegue mais nem fazer o Plano Safra. A gente precisa garantir que o agro tenha o espaço de direito que ele representa, um ministério para tratar do setor que responde por um terço dos empregos e da renda. É um absurdo a gente ter que lidar com um esvaziamento desses, perdendo funções para esse Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo.

Por que isso é ruim?

Essa é uma das situações que geram mais preocupação, porque é uma pasta estritamente ideológica, criada com esse objetivo, e ninguém esconde isso. Basta ver quem é o ministro (Paulo Teixeira), um dos mais radicalizados do PT, que já deixou clara qual é sua intenção. Há dois dias, ele disse numa entrevista que a titulação dos assentamentos que fizemos nos últimos anos tem a validade de um papel de pão, que não tem valor jurídico. Isso gera uma insegurança gigantesca para 450 mil famílias que se libertaram de um movimento social e que hoje têm seu título, sua propriedade. O que a gente vê, infelizmente, é a tentativa de desmontar o trabalho que foi feito no setor; mas alivia um pouco a situação o fato de Carlos Fávaro conhecer o setor, legitimar as nossas demandas. Acredito que ele vai conseguir segurar os exageros.

Quais exageros?

A própria questão da reestruturação do ministério. Eu tenho certeza que, com apoio dele, vamos retomar essas estruturas. Hoje, temos no Ministério da Agricultura um bom canal de diálogo, mas eles dependem também da gente, precisam da nossa força política no Congresso para segurar exageros e erros em relação ao nosso setor. Óbvio que Fávaro, como ministro da Agricultura do PT, não pode se posicionar contra o partido. A gente tem de entender qual é o cenário para, politicamente, fazer o trabalho dentro do Congresso.

A bancada do agro será a principal oposição ao governo Lula no Congresso?

Não posso dizer isso. Nós vamos fazer oposição sempre que tiver algum tipo de prejuízo para o setor. Agora, é óbvio que eu não posso ser irresponsável e dizer que não iremos apoiar medidas positivas para o setor. Agora, ideologicamente, 90% da nossa bancada é contrária o governo e tem uma posição de oposição, efetivamente. É um momento difícil, mas já vivemos isso outras vezes, como no auge do PT, em 2003, mas a FPA fez a diferença e tivemos ministros no governo do PT que nos orgulham até hoje, como o Roberto Rodrigues (2003-2006) e o Reinhold Stephanes (2007-2010). Espero que Fávaro seja um desses, que consiga fazer a diferença.

Há sinais para isso?

O governo começou muito radicalizado, ideologizado. Eu tenho dito para as pessoas se acalmarem: o pessoal dos sindicatos rurais, as cooperativas, porque o jogo ainda não começou, o Congresso não tomou posse. Hoje, o governo está surfando sozinho, mas eu vejo, pelo perfil das bancadas que foram eleitas, tanto na Câmara, quanto no Senado, que o governo não vai ter vida fácil.

O agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro?

Isso é mais uma guerra de narrativas, do mesmo jeito que, na campanha, nós fomos chamados de fascistas, de patinho feio, culpados de destruirmos tudo, de sermos o lobo mau da sociedade brasileira. O que aconteceu aqui em Brasília não é a representação da direita brasileira. A nossa característica sempre foi a de posicionamento pacífico, nunca foi de agressão, de pancadaria, de vandalismo. É o que a gente defende. Para nós, é mais um capítulo dessa guerra de tentar desqualificar o nosso trabalho.

Estão no Senado projetos sobre regularização fundiária, licenciamento ambiental e agrotóxicos. Há condições de a bancada aprovar esses projetos de lei?

Estou tranquilo em relação à nova composição do Senado, mais esperançoso. Elegemos muitos senadores aliados. Dos 27 novos, praticamente 15 são ligados ao agro. Isso faz com que a gente consiga ter uma bancada mais forte no Senado. Hoje, dos 81 senadores, temos 20 ligados à FPA. Eram só uns quatro ou cinco. Então, melhorou muito. Além de nossos principais aliados do setor, entrou muita gente que não é diretamente ligada ao agro, mas que tem posicionamento favorável a nós, como os senadores Marcos Pontes (PL-SP), Magno Malta (PL-ES) e próprio Sérgio Moro (União Brasil-PR).

Quando esses projetos devem ser votados?

Eu acredito que é possível votar neste semestre. O projeto do licenciamento ambiental deve andar. Só não conseguimos pautar ainda, porque a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) engavetou e falou que não ia liberar. Acho que a regularização fundiária também vai caminhar. No caso dos pesticidas, é um pouco mais delicado, mas tivemos avanço na comissão (A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o texto em 19 de dezembro de 2022). É mais uma guerra de narrativas, porque não estamos falando de um libera geral, mas de modernizar o setor, de ter celeridade nos processos. Não é possível que a Argentina use uma molécula que a gente só consiga registrar dez anos depois deles – ou seja, a concorrência fica completamente desigual. A gente vai ter de conseguir comunicar bem isso, para a pauta poder andar.

Por que o setor precisa de mais veneno?

Há uma dificuldade grande de informação sobre esse assunto, e isso passa pelo próprio governo. O ministro Fávaro apoia o projeto, mas quando tratamos dele na comissão, o próprio PT, através da (ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas) Marina Silva e companhia limitada, foi lá e segurou. Ainda assim, conseguimos avançar. Há uma preocupação de conseguir pautar e evitar o discurso ideológico, mostrando que o assunto é técnico. Nos Estados Unidos, usam produtos muito mais modernos que os nossos, que deixam bem menos resíduos do que os nossos, e a gente não consegue registrar por causa de burocracia. É um retrocesso total.

Organizações já alertaram sobre riscos de entrada de produtos potencialmente cancerígenos.

É exatamente o contrário. Quanto mais moderna é a molécula, menos quantidade dela é necessária, porque é mais eficiente. Hoje, a maioria dos nossos produtos já tem concorrentes no mercado que são mais eficientes, mas não conseguimos registrar. São produtos com menos resíduo, menor agressividade e mais eficientes em relação à quantidade, custo e necessidade de uso. Há produtos atuais, por exemplo, que exigem quatro ou cinco pulverizações, quando existem moléculas que, com uma pulverização, já resolve.

Qual a visão do senhor sobre produtos orgânicos?

Vou te contar uma história. Eu vivo de agro há 40 anos, no Paraná. A minha mulher, um dia, chegou para mim e falou assim: “vamos fazer uma horta orgânica para os nossos filhos” Eu disse: “legal, manda ver”. Plantou couve tomate, alface. Passaram-se duas semanas e ela estava borrifando Malathion, desses que se compra em qualquer floricultura para tirar pulgão. Eu falei: “parabéns, só que deixou de ser orgânico”. E por que isso acontece? Porque não existe a mínima condição de, numa agricultura tropical, você produzir a quantidade de que nós precisamos – e nós produzimos para alimentar o mundo inteiro, se você não tiver o remédio das plantas. O defensivo é isso.

Como o agro vai lidar com a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?

Nós já lidamos, no passado, com essa trupe ideológica que está no ministério. A questão é que, hoje, nós temos uma carta na manga que eles não têm, que é a maior bancada do Congresso. Não vamos deixar passar qualquer incoerência ou absurdo em relação ao setor. Vamos ter de usar todas as nossas cartas.

O clima, portanto, é de enfrentamento.

Se existir possibilidades de diálogo, ótimo. A gente prefere o diálogo ao conflito. Mas, até agora, não houve nenhuma sinalização disso, pelo contrário. Temos visto os nomes que estão sendo colocados no Ministério do Meio Ambiente, em posições importantes, e que nos preocupam bastante. Uma exceção foi o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é um bom quadro: foi deputado, tem diálogo, entende do setor, e isso nos deixa mais aliviado. Agora, o problema não é quem está na cabeça, mas no corpo, para baixo. Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.

Como vê a imagem hoje do agro brasileiro no exterior?

O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. Nós temos dois concorrentes gigantescos: a Europa os Estados Unidos, que ficam incutindo um discurso para a mídia e para a sociedade brasileira de que o agro é o mal. Desse jeito, só eles crescerão e conseguirão novos mercados. Isso preocupa muito. Quando você vê iniciativas como a da União Europeia, de criar critérios para importação de nossos produtos, isso acaba gerando uma punição para um setor que é extremamente organizado e que não concorda com nada disso. Quando dizem “vamos parar de importar do Brasil por causa da Amazônia”, isso arrebenta com a gente.

Não há uma preocupação legítima do exterior com o avanço do desmatamento?

Isso é pura guerra comercial, sem dúvida. Acabei de voltar de uma feira de produtores de sementes em Chicago, nos Estados Unidos. Em todas as palestras a que assisti, as discussões envolviam americanos questionando quem poderia triplicar a produção mundial. Concluíam que seria apenas o Brasil, mas afirmavam que seria preciso se respaldar em relação à guerra ambiental que envolve a Amazônia. É óbvio que estão defendendo o interesse deles. E como você faz isso? desqualificando o outro. Hoje, a gente produz sem ter de derrubar uma árvore, sem ter de aumentar a área do plantio, sem ter de aumentar o desmatamento. Conseguimos isso com uso de tecnologia, podendo triplicar a nossa produção. Isso são narrativas negativas funcionam para vender jornal. Já desfazer essa narrativa é algo extremamente difícil.

O que o agro quer da Amazônia?

A Frente Parlamentar Agropecuária e todos os seus membros são contra o desmatamento ilegal, o garimpo ilegal, a destruição do meio ambiente. Somos contra e defendemos a punição de quem faz isso. Esse é o maior recado que posso dar. Nós gostamos, inclusive, quando, no discurso de Lula na COP-27, ele se referiu especificamente ao desmatamento ilegal. Essa é a diferença que as pessoas não conseguem fazer, por causa dessa guerra de narrativa. Eu entendo que é necessário preservar nascentes, que é preciso ter água boa para o meu solo. Não há necessidade nenhuma de aumentar a área de plantio, temos um monte de área degradada que pode ser transformada em área de agricultura e pecuária.

Como o senhor avalia a proposta da reforma tributária e seu possível impacto no agro?

A reforma é extremamente necessária. É preciso rever o pacto federativo, a distribuição de recursos pelo País, a possibilidade de acesso a esses recursos, a valorização do município, quem efetivamente está produzindo. O que a gente não pode admitir, de maneira alguma, é uma taxação do agro. Isso a gente não vai admitir, não vai aceitar, não vai deixar passar. A partir do momento que se tente rever a Lei Kandir (que isenta de ICMS as exportações de produtos primários), por exemplo, afetando a expansão das exportações do agro, isso gera um problema gravíssimo no País. A gente não pode aceitar. Enfrentamos concorrentes mundiais, que têm incentivos fortíssimos sobre programas, coisa que não temos. Se a gente tiver de pagar mais essa conta, aí fica mais complicado.

Como a FPA vai tratar a questão do marco temporal, sobre as demarcações de terras indígenas?

É outra discussão que nos traz preocupação gigantesca. É uma pauta urgente. Queremos o andamento do PL 490 dentro da Câmera (o projeto impõe o chamado marco temporal e determina que são terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal). Hoje, esse PL está parado. Nós aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), mas não avançou, não foi pautado por resistência política; mas é preciso haver o entendimento de que esse projeto é importante, porque coloca o marco temporal na Constituição.

O Ministério dos Povos Originários anunciou que vai homologar 13 novas terras indígenas.

Soubemos disso. Ao que parece, são áreas antigas e que estão praticamente consolidadas, não geram tanta preocupação. É preciso destacar que existe a necessidade de haver a indenização dos produtores que estão nas áreas. Isso é uma questão, aliás, que está parada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) e que nós temos de tratar. Temos conversado com os ministros, é preciso ter uma condição boa de diálogo com STF.

Não é o momento de agro ter uma postura menos combativa e de mais entendimento, principalmente com a área ambiental, ou isso é impossível?

É possível. A partir do momento em que houver sinais positivos do outro lado, a gente vai reagir proporcionalmente. Para nós, o mundo ideal é não ter de gritar tanto, brigar tanto e que a gente consiga ter algo pacífico. Mas sabemos que não vai acontecer, é uma utopia. Então, cada um mostra as forças do jeito que tem condições. O que nós temos? Temos quantidade e qualidade. Eles (o governo) têm a caneta. A gente vai enfrentar, toda vez que for necessário. Lá fora, o que se vende hoje é que o Brasil voltou, que está maravilhoso, quando sabemos que é exatamente o contrário. Nosso objetivo é que o governo não atrapalhe o produtor brasileiro. Infelizmente, a política só tem feito isso, ultimamente.

BRASÍLIA - A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), dona da maior bancada do Congresso Nacional, se articula para anular uma série de mudanças já promovidas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mês de mandato. Em entrevista ao Estadão, o novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), que assume o comando da frente nesta quarta-feira, 1º, para um mandato de dois anos, diz que Lula iniciou um governo marcado por “radicalismo ideológico” contra o setor e que já tem propostas prontas para derrubar atos do petista que, segundo ele, “esvaziaram” o poder do Ministério da Agricultura.

Alinhado à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro com o agronegócio, Lupion cita três mudanças que a bancada quer reverter com a retomada dos trabalhos no Congresso. Os ruralistas cobram o retorno do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Agricultura, que centraliza as ações de regularização fundiária e foi transferido para o Ministério do Meio Ambiente.

Outras duas prioridades são a retomada de dois órgãos que o Ministério da Agricultura perdeu para o novo Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“Estamos com as medidas prontas. Para além da questão ideológica, o que tem nos preocupado bastante é essa nova composição da Esplanada e o enfraquecimento claro e real do Ministério da Agricultura”, disse Lupion.

O novo presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR). Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O novo líder acredita que, no primeiro semestre deste ano, a bancada de mais de 300 parlamentares do agro terá força política para aprovar projetos que tramitam no Congresso, como os que tratam do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e dos agrotóxicos. E diz que o setor está pronto para o enfrentamento, se for necessário. “Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.”

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Quais serão as primeiras medidas do sr. na presidência da FPA?

Vamos agir imediatamente para reverter atos do governo Lula, que promoveram o completo esvaziamento do Ministério da Agricultura. Tiraram o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta e transferiram para o Ministério do Meio Ambiente. O ministério também perdeu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para o Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar. Isso acabou com a possibilidade de planejamento de longo prazo. É um absurdo gigantesco.

Por quê?

Porque esses ministérios estão enviesados, ideologicamente, em vez de terem uma posição técnica. Para além da questão ideológica, essa nova composição da Esplanada é o que tem nos preocupado bastante, porque traz um enfraquecimento claro e real ao Ministério da Agricultura. Por isso, já estamos tomando medidas.

Quais medidas?

Temos emendas parlamentares prontas para derrubar, que foram feitas por meio de medida provisória. Vamos a plenário com essas emendas, para comissões especiais, para o plenário. E se algo foi feito por meio de decreto, vamos apresentar um projeto de lei para derrubar. Já avisamos ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que vamos fazer isso. Temos de, minimamente, reverter o estrago já feito. Quem tem maioria, grita. Quem tem minoria, usa o regimento e tenta se fazer valer. É óbvio que tudo isso vai passar por muita negociação, mas a nossa iniciativa será essa.

Qual a sua avaliação sobre a atuação do ministro Carlos Fávaro na ponte entre o agro e o governo Lula?

Vejo boa vontade do ministro Fávaro, a quem tenho apreço e reconheço a capacidade, mas há uma questão ideológica dentro do governo. Criaram, basicamente, um impedimento para o ministério planejar o futuro. Hoje, não consegue mais nem fazer o Plano Safra. A gente precisa garantir que o agro tenha o espaço de direito que ele representa, um ministério para tratar do setor que responde por um terço dos empregos e da renda. É um absurdo a gente ter que lidar com um esvaziamento desses, perdendo funções para esse Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo.

Por que isso é ruim?

Essa é uma das situações que geram mais preocupação, porque é uma pasta estritamente ideológica, criada com esse objetivo, e ninguém esconde isso. Basta ver quem é o ministro (Paulo Teixeira), um dos mais radicalizados do PT, que já deixou clara qual é sua intenção. Há dois dias, ele disse numa entrevista que a titulação dos assentamentos que fizemos nos últimos anos tem a validade de um papel de pão, que não tem valor jurídico. Isso gera uma insegurança gigantesca para 450 mil famílias que se libertaram de um movimento social e que hoje têm seu título, sua propriedade. O que a gente vê, infelizmente, é a tentativa de desmontar o trabalho que foi feito no setor; mas alivia um pouco a situação o fato de Carlos Fávaro conhecer o setor, legitimar as nossas demandas. Acredito que ele vai conseguir segurar os exageros.

Quais exageros?

A própria questão da reestruturação do ministério. Eu tenho certeza que, com apoio dele, vamos retomar essas estruturas. Hoje, temos no Ministério da Agricultura um bom canal de diálogo, mas eles dependem também da gente, precisam da nossa força política no Congresso para segurar exageros e erros em relação ao nosso setor. Óbvio que Fávaro, como ministro da Agricultura do PT, não pode se posicionar contra o partido. A gente tem de entender qual é o cenário para, politicamente, fazer o trabalho dentro do Congresso.

A bancada do agro será a principal oposição ao governo Lula no Congresso?

Não posso dizer isso. Nós vamos fazer oposição sempre que tiver algum tipo de prejuízo para o setor. Agora, é óbvio que eu não posso ser irresponsável e dizer que não iremos apoiar medidas positivas para o setor. Agora, ideologicamente, 90% da nossa bancada é contrária o governo e tem uma posição de oposição, efetivamente. É um momento difícil, mas já vivemos isso outras vezes, como no auge do PT, em 2003, mas a FPA fez a diferença e tivemos ministros no governo do PT que nos orgulham até hoje, como o Roberto Rodrigues (2003-2006) e o Reinhold Stephanes (2007-2010). Espero que Fávaro seja um desses, que consiga fazer a diferença.

Há sinais para isso?

O governo começou muito radicalizado, ideologizado. Eu tenho dito para as pessoas se acalmarem: o pessoal dos sindicatos rurais, as cooperativas, porque o jogo ainda não começou, o Congresso não tomou posse. Hoje, o governo está surfando sozinho, mas eu vejo, pelo perfil das bancadas que foram eleitas, tanto na Câmara, quanto no Senado, que o governo não vai ter vida fácil.

O agro financiou os atos golpistas de 8 de janeiro?

Isso é mais uma guerra de narrativas, do mesmo jeito que, na campanha, nós fomos chamados de fascistas, de patinho feio, culpados de destruirmos tudo, de sermos o lobo mau da sociedade brasileira. O que aconteceu aqui em Brasília não é a representação da direita brasileira. A nossa característica sempre foi a de posicionamento pacífico, nunca foi de agressão, de pancadaria, de vandalismo. É o que a gente defende. Para nós, é mais um capítulo dessa guerra de tentar desqualificar o nosso trabalho.

Estão no Senado projetos sobre regularização fundiária, licenciamento ambiental e agrotóxicos. Há condições de a bancada aprovar esses projetos de lei?

Estou tranquilo em relação à nova composição do Senado, mais esperançoso. Elegemos muitos senadores aliados. Dos 27 novos, praticamente 15 são ligados ao agro. Isso faz com que a gente consiga ter uma bancada mais forte no Senado. Hoje, dos 81 senadores, temos 20 ligados à FPA. Eram só uns quatro ou cinco. Então, melhorou muito. Além de nossos principais aliados do setor, entrou muita gente que não é diretamente ligada ao agro, mas que tem posicionamento favorável a nós, como os senadores Marcos Pontes (PL-SP), Magno Malta (PL-ES) e próprio Sérgio Moro (União Brasil-PR).

Quando esses projetos devem ser votados?

Eu acredito que é possível votar neste semestre. O projeto do licenciamento ambiental deve andar. Só não conseguimos pautar ainda, porque a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) engavetou e falou que não ia liberar. Acho que a regularização fundiária também vai caminhar. No caso dos pesticidas, é um pouco mais delicado, mas tivemos avanço na comissão (A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado aprovou o texto em 19 de dezembro de 2022). É mais uma guerra de narrativas, porque não estamos falando de um libera geral, mas de modernizar o setor, de ter celeridade nos processos. Não é possível que a Argentina use uma molécula que a gente só consiga registrar dez anos depois deles – ou seja, a concorrência fica completamente desigual. A gente vai ter de conseguir comunicar bem isso, para a pauta poder andar.

Por que o setor precisa de mais veneno?

Há uma dificuldade grande de informação sobre esse assunto, e isso passa pelo próprio governo. O ministro Fávaro apoia o projeto, mas quando tratamos dele na comissão, o próprio PT, através da (ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas) Marina Silva e companhia limitada, foi lá e segurou. Ainda assim, conseguimos avançar. Há uma preocupação de conseguir pautar e evitar o discurso ideológico, mostrando que o assunto é técnico. Nos Estados Unidos, usam produtos muito mais modernos que os nossos, que deixam bem menos resíduos do que os nossos, e a gente não consegue registrar por causa de burocracia. É um retrocesso total.

Organizações já alertaram sobre riscos de entrada de produtos potencialmente cancerígenos.

É exatamente o contrário. Quanto mais moderna é a molécula, menos quantidade dela é necessária, porque é mais eficiente. Hoje, a maioria dos nossos produtos já tem concorrentes no mercado que são mais eficientes, mas não conseguimos registrar. São produtos com menos resíduo, menor agressividade e mais eficientes em relação à quantidade, custo e necessidade de uso. Há produtos atuais, por exemplo, que exigem quatro ou cinco pulverizações, quando existem moléculas que, com uma pulverização, já resolve.

Qual a visão do senhor sobre produtos orgânicos?

Vou te contar uma história. Eu vivo de agro há 40 anos, no Paraná. A minha mulher, um dia, chegou para mim e falou assim: “vamos fazer uma horta orgânica para os nossos filhos” Eu disse: “legal, manda ver”. Plantou couve tomate, alface. Passaram-se duas semanas e ela estava borrifando Malathion, desses que se compra em qualquer floricultura para tirar pulgão. Eu falei: “parabéns, só que deixou de ser orgânico”. E por que isso acontece? Porque não existe a mínima condição de, numa agricultura tropical, você produzir a quantidade de que nós precisamos – e nós produzimos para alimentar o mundo inteiro, se você não tiver o remédio das plantas. O defensivo é isso.

Como o agro vai lidar com a gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente?

Nós já lidamos, no passado, com essa trupe ideológica que está no ministério. A questão é que, hoje, nós temos uma carta na manga que eles não têm, que é a maior bancada do Congresso. Não vamos deixar passar qualquer incoerência ou absurdo em relação ao setor. Vamos ter de usar todas as nossas cartas.

O clima, portanto, é de enfrentamento.

Se existir possibilidades de diálogo, ótimo. A gente prefere o diálogo ao conflito. Mas, até agora, não houve nenhuma sinalização disso, pelo contrário. Temos visto os nomes que estão sendo colocados no Ministério do Meio Ambiente, em posições importantes, e que nos preocupam bastante. Uma exceção foi o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que é um bom quadro: foi deputado, tem diálogo, entende do setor, e isso nos deixa mais aliviado. Agora, o problema não é quem está na cabeça, mas no corpo, para baixo. Se for para radicalizar mesmo, nós também sabemos radicalizar. Eu imagino que, para o governo, não seja bom brigar com o agro do Brasil inteiro. É uma escolha que eles vão ter de fazer.

Como vê a imagem hoje do agro brasileiro no exterior?

O Brasil é o maior produtor de alimentos do mundo. Nós temos dois concorrentes gigantescos: a Europa os Estados Unidos, que ficam incutindo um discurso para a mídia e para a sociedade brasileira de que o agro é o mal. Desse jeito, só eles crescerão e conseguirão novos mercados. Isso preocupa muito. Quando você vê iniciativas como a da União Europeia, de criar critérios para importação de nossos produtos, isso acaba gerando uma punição para um setor que é extremamente organizado e que não concorda com nada disso. Quando dizem “vamos parar de importar do Brasil por causa da Amazônia”, isso arrebenta com a gente.

Não há uma preocupação legítima do exterior com o avanço do desmatamento?

Isso é pura guerra comercial, sem dúvida. Acabei de voltar de uma feira de produtores de sementes em Chicago, nos Estados Unidos. Em todas as palestras a que assisti, as discussões envolviam americanos questionando quem poderia triplicar a produção mundial. Concluíam que seria apenas o Brasil, mas afirmavam que seria preciso se respaldar em relação à guerra ambiental que envolve a Amazônia. É óbvio que estão defendendo o interesse deles. E como você faz isso? desqualificando o outro. Hoje, a gente produz sem ter de derrubar uma árvore, sem ter de aumentar a área do plantio, sem ter de aumentar o desmatamento. Conseguimos isso com uso de tecnologia, podendo triplicar a nossa produção. Isso são narrativas negativas funcionam para vender jornal. Já desfazer essa narrativa é algo extremamente difícil.

O que o agro quer da Amazônia?

A Frente Parlamentar Agropecuária e todos os seus membros são contra o desmatamento ilegal, o garimpo ilegal, a destruição do meio ambiente. Somos contra e defendemos a punição de quem faz isso. Esse é o maior recado que posso dar. Nós gostamos, inclusive, quando, no discurso de Lula na COP-27, ele se referiu especificamente ao desmatamento ilegal. Essa é a diferença que as pessoas não conseguem fazer, por causa dessa guerra de narrativa. Eu entendo que é necessário preservar nascentes, que é preciso ter água boa para o meu solo. Não há necessidade nenhuma de aumentar a área de plantio, temos um monte de área degradada que pode ser transformada em área de agricultura e pecuária.

Como o senhor avalia a proposta da reforma tributária e seu possível impacto no agro?

A reforma é extremamente necessária. É preciso rever o pacto federativo, a distribuição de recursos pelo País, a possibilidade de acesso a esses recursos, a valorização do município, quem efetivamente está produzindo. O que a gente não pode admitir, de maneira alguma, é uma taxação do agro. Isso a gente não vai admitir, não vai aceitar, não vai deixar passar. A partir do momento que se tente rever a Lei Kandir (que isenta de ICMS as exportações de produtos primários), por exemplo, afetando a expansão das exportações do agro, isso gera um problema gravíssimo no País. A gente não pode aceitar. Enfrentamos concorrentes mundiais, que têm incentivos fortíssimos sobre programas, coisa que não temos. Se a gente tiver de pagar mais essa conta, aí fica mais complicado.

Como a FPA vai tratar a questão do marco temporal, sobre as demarcações de terras indígenas?

É outra discussão que nos traz preocupação gigantesca. É uma pauta urgente. Queremos o andamento do PL 490 dentro da Câmera (o projeto impõe o chamado marco temporal e determina que são terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas pelos povos tradicionais em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal). Hoje, esse PL está parado. Nós aprovamos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara), mas não avançou, não foi pautado por resistência política; mas é preciso haver o entendimento de que esse projeto é importante, porque coloca o marco temporal na Constituição.

O Ministério dos Povos Originários anunciou que vai homologar 13 novas terras indígenas.

Soubemos disso. Ao que parece, são áreas antigas e que estão praticamente consolidadas, não geram tanta preocupação. É preciso destacar que existe a necessidade de haver a indenização dos produtores que estão nas áreas. Isso é uma questão, aliás, que está parada lá no STF (Supremo Tribunal Federal) e que nós temos de tratar. Temos conversado com os ministros, é preciso ter uma condição boa de diálogo com STF.

Não é o momento de agro ter uma postura menos combativa e de mais entendimento, principalmente com a área ambiental, ou isso é impossível?

É possível. A partir do momento em que houver sinais positivos do outro lado, a gente vai reagir proporcionalmente. Para nós, o mundo ideal é não ter de gritar tanto, brigar tanto e que a gente consiga ter algo pacífico. Mas sabemos que não vai acontecer, é uma utopia. Então, cada um mostra as forças do jeito que tem condições. O que nós temos? Temos quantidade e qualidade. Eles (o governo) têm a caneta. A gente vai enfrentar, toda vez que for necessário. Lá fora, o que se vende hoje é que o Brasil voltou, que está maravilhoso, quando sabemos que é exatamente o contrário. Nosso objetivo é que o governo não atrapalhe o produtor brasileiro. Infelizmente, a política só tem feito isso, ultimamente.

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