A reoneração da folha de pagamento deve pesar sobre o setor da construção civil, um dos maiores empregadores do País, com 2,85 milhões de trabalhadores diretos com carteira assinada. A perspectiva é que a volta da tributação sobre a folha aumente entre 5% e 6% o custo do metro quadrado das obras e amplie em 13% as despesas com mão de obra do setor.
Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), diz que a reoneração da folha aumenta a possibilidade de demissões de trabalhadores no setor por conta de ajuste de custos. “Pode haver alguma demissão”, prevê o executivo.
A CBIC faz parte do grupo de 17 setores incluídos na desoneração da folha. Em conjunto, eles negociam com o governo a reoneração gradual da folha nos próximos três anos. Correia diz que há uma proposta de converter ao longo de 2025, 2026 e 2027 a base de tributação da receita para a folha. O objetivo é que “a adaptação seja gradual, não impactante”.
A decisão de reonerar a folha de pagamento dos 17 setores está vigente desde 25 de abril quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin decidiu atender o pedido do presidente Lula.
A decisão de Zanin veio depois que a Câmara e o Senado decidiram manter a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores, que incluem milhares de empresas e mais 9 milhões de trabalhadores empregados. As duas Casas aprovaram a prorrogação do benefício por ampla maioria: na Câmara, foram 430 votos favoráveis e 17 contrários; enquanto que no Senado o tema foi aprovado em 10 minutos, por meio de votação simbólica.
Na sequência, a lei foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado por placares igualmente folgados. No Senado, 60 senadores votaram pela derrubada, e 13 pela manutenção. Já na Câmara, foram 378 votos pela derrubada e 78 para sustentar o veto.
As negociações então recomeçaram com a proposta de um novo projeto de lei. Parlamentares avaliaram, então, que, se quisesse votos, o governo teria de ceder e se aproximar mais da proposta do Congresso. O projeto não avançou e o governo passou por cima da decisão do Congresso e recorreu ao STF.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
As empresas do setor da construção civil estão preparadas para a reoneração da folha de pagamento?
A gente vem discutindo isso há algum tempo e defendendo que se mantenha a desoneração. Mas, com esse caminhar da reoneração, as empresas se adaptarão, muito provavelmente renegociando alguns contratos e repassando para o consumidor no preço, onde for possível. E adequação de custos também, com a redução de postos (de trabalho).
Qual é o impacto direto da reoneração da folha de pagamento?
As estimativas que temos indicam que aumenta na casa 13% o custo da mão de obra e na casa de 5% a 6% o preço final do metro quadrado de construção.
Haverá demissão?
É uma possibilidade. A gente não tem como garantir que vai ter demissão. Aumenta a possibilidade de demissão para ajuste de custos. O que temos falado ao longo deste debate é que, se a minha mão de obra aumenta, posso procurar substituí-la por uma atividade mecanizada. Posso reduzir o número de funcionários, porque a competitividade da mecanização se equiparou com esse aumento. Pode haver alguma demissão.
Hoje o setor da construção emprega quantas pessoas?
Com carteira assinada, 2,85 milhões de trabalhadores.
Existe uma negociação em curso para tentar manter esse benefício? Quais são os termos dessa negociação?
Diretamente, a CBIC não está participando da negociação com o governo. Existe uma negociação feita pelos 17 setores, em conjunto. E tem uma proposta de fazer uma graduação. Na verdade, é uma mudança de base tributária. O que o governo defende é tributar sobre a folha de pagamento. O que os setores defendem é tributar sobre a receita. Então, existe uma possível proposta de ir convertendo, passando da receita para a folha (a tributação) ao longo de 2025, 2026 e 2027, gradualmente, para irmos absorvendo essa mudança ao longo do tempo. Para que a adaptação seja gradual, não impactante. Mas não tem uma proposta oficial. Isso são possibilidades que estão sendo avaliadas para uma possível proposta.
O sr. acha que é factível essa negociação emplacar?
Acho que ela faz sentido. Quando se compara o impacto integral em 2024, faz sentido pensar em uma graduação. Quando o governo avalia a possibilidade de ter receita só em 2028, também faz sentido a graduação ao longo do tempo. Há possibilidade, sim, de um acordo.
Como fica o recolhimento no próximo dia 20 de maio, referente a abril, já com a reoneração da folha?
Faz parte do possível acordo uma noventena. Ou seja, pelo menos adiar essa decisão por 90 dias. O adiamento é o espaço necessário para se conversar sem essa imposição do dia 20 (de maio), que vai ser muito ruim para as empresas.
O que a CBIC está recomendando para as empresas, do ponto de vista prático?
Não tem muito o que recomendar. Se a decisão for mantida, (o tributo) tem de ser pago. E se houver o acordo, não será pago.
E as empresas têm condições de pagar os tributos referentes a essa reoneração da folha?
Vai diminuir o caixa. Vai depender do caixa de cada empresa. Tem empresa que terá mais dificuldade. Outras conseguirão pagar. É um universo muito grande. São mais de 100 mil empresas. Nosso setor é muito pulverizado. Não temos uma posição idêntica entre as empresas. Cada uma vai ter de absorver da sua maneira. Duas coisas são importantes. Uma delas é o prazo da decisão (para entrar em vigor). A outra é, havendo um acordo, essa graduação para que as empresas possam absorver os novos custos.
Quantos empregos foram gerados no setor com a desoneração da folha?
Do início da pandemia a até fevereiro deste ano, foram gerados 712 mil novos empregos no setor.
O senhor está otimista com a volta da desoneração ou não?
O caminho é um acordo para até 2027 voltar a reoneração. Estou realista. Nem otimista nem pessimista.