BRASÍLIA – No momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é criticado pelo setor produtivo e se encontra isolado na agenda de contenção de gastos tributários, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, defendeu o avanço da pauta, sob pena de o Brasil quebrar.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Dantas fez um diagnóstico dos motivos que levaram a um esgarçamento da agenda, elevando a percepção de risco fiscal e a reação negativa do setor privado – que cobra um ajuste pelo lado das despesas.
Na avaliação dele, ao mesmo tempo que acerta ao enfrentar os problemas que consumiram a base de arrecadação, o governo se coloca em posição vulnerável ao não pôr na mesa para discussão do Congresso e do Judiciário o quadro geral dos problemas fiscais e a indexação de parte do Orçamento. O maior problema, para Dantas, é promover uma discussão setorizada, o que alimenta a insatisfação e o contra-ataque.
“Perceba que as mesmas pessoas que estão cobrando do ministro Fernando Haddad austeridade fiscal é que não querem pagar imposto. Agora, o maior problema desse debate fiscal é fazer a discussão setorizada”, disse.
Dantas conversou com a reportagem na tarde desta terça-feira, 11, pouco tempo antes de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), impor uma derrota a Haddad e devolver ao governo a parte da medida provisória que restringia os créditos de PIS/Cofins para bancar a desoneração da folha. Para o ministro do TCU, a reação é um exemplo de por que os problemas não podem ser atacados isoladamente. Nesta quinta-feira, 13, em fala que reverteu parte da depreciação do real registrada na última semana, Haddad foi à público junto da ministra do Planejamento, Simone Tebet, para garantir que o governo está debruçado sobre uma “revisão ampla, geral e irrestrita” das despesas públicas.
O presidente do TCU também fez uma análise mais dura sobre o que levou o Brasil a ter um gasto tributário tão alto em proporção ao PIB. Para ele, “dez anos de presidentes fracos” ou com falta de disposição para enfrentar a questão produziram esse cenário. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O debate da desindexação do Orçamento esquentou de novo. Com a pressão dos gastos obrigatórios, parece que as regras fiscais no Brasil sempre acabam minadas por um problema que não é resolvido. Vê chance de esse paradigma ser quebrado?
Da nossa cadeira, conseguimos ter diagnósticos muito precisos sobre o quadro macroeconômico, microeconômico. Óbvio que o TCU já se pronunciou diversas vezes sobre grandes questões que o Brasil resiste em endereçar. Eu gosto muito de falar da necessidade de um ajuste na Previdência, de uma reforma administrativa; mas talvez o assunto que eu mais fale e, curiosamente, as pessoas não têm repercutido adequadamente é que, com o volume de gasto tributário que nós temos, vamos levar o Brasil à bancarrota. Numa analogia, se você quer dar uma isenção para o sujeito da cobertura, o morador do primeiro andar vai ter de pagar mais condomínio.
O ministro Haddad tem batido nessa tecla. Mas o humor das últimas semanas pode indicar que o empresariado está dizendo que chegou ao limite dessa revisão de benefícios?
Veja, de novo, os subsídios totais no Brasil estão se aproximando de 6% do PIB [disso, 4,8% de gasto tributário]. Isso é insustentável em qualquer lugar do mundo. Só para vocês terem uma ideia, quando o presidente Lula assumiu, em 2003, esse gasto era de 2%. Com a crise de 2008, o governo investiu no consumo com uma política de desoneração muito forte. Mas não foi aí que nós chegamos a 6%. Nós chegamos a 6% no hiato de dez anos entre o impeachment da presidente Dilma e a volta do presidente Lula. Ou seja, dez anos de presidentes fracos produziram isso no Brasil. Cada setor que tinha capacidade de se organizar e fazer lobby no Congresso foi lá e arrancou o seu naco do Orçamento público. Países desenvolvidos têm isenções fiscais, mas isso geralmente é feito para setores estratégicos ou com elevada capacidade de inovação. Aqui, fazemos isso para tudo. Esses dez anos de presidentes da República fracos ou com falta de disposição para enfrentar a questão produziram isso.
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E existe um comando constitucional para redução dos gastos tributários?
Foi a emenda do auxílio emergencial. Só que o governo aprovou a emenda e jogou para o futuro, porque o governo que aprovou a emenda constitucional aumentou o gasto tributário. E é com isso que o ministro Haddad está se deparando. Mas talvez o que esteja faltando é colocar todas as alternativas na mesa e ter pacto nacional com o Executivo, as duas casas do Legislativo e o Judiciário. Sentar todo mundo e falar o seguinte: “nós vamos aqui cortar 2% dos gastos tributários, mas nós também vamos fazer aqui uma reforma da Previdência, que corrija três pontos, que seja – e que renda algo como R$ 200 bilhões”. Se você corrige 2% do gasto tributário, isso equivale a R$ 200 bilhões; mais R$ 200 bilhões de uma eventual desindexação da política do salário mínimo, nós estamos falando aí de R$ 600 bilhões. E, se fizermos uma reforma administrativa, acho que conseguimos mudar esse panorama.
Falta olhar para o quadro geral?
O que eu vejo é que o empresariado tem reclamado de olhar só para receita, né? Está faltando botar tudo na mesa. Tem que olhar o Simples. Tem gente que está no Simples e que não deveria estar né? Tem que olhar os grandes blocos de despesa. Por exemplo, a isenção da cesta básica: faz sentido caviar e salmão estarem na isenção da cesta básica? Ou melhor, faz sentido financiar o feijão do rico, ou era melhor cobrar imposto de todos e dar cashback para o pobre?
Foi o que a Fazenda tentou fazer na reforma tributária?
Perceba que são as mesmas pessoas que estão cobrando do ministro Fernando Haddad austeridade fiscal que não querem pagar imposto. Agora, o maior problema desse debate todo é fazer a discussão setorizada. Tinha que colocar na mesa todas as alternativas. “Olha, tudo bem, vocês querem reformas que cortem direito dos servidores públicos, que atinja a população, ok; mas me mostra aqui onde é que o andar de cima vai pagar conta também”. Porque, tudo bem aumentar a idade mínima para aposentadoria, que talvez seja necessário, mas qual é a contraprestação que o andar de cima vai dar?
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O sr. acha que, se o governo fosse um pouco mais incisivo nessa agenda de gastos, talvez o ministro Haddad não ficasse tão isolado na agenda por aumento da arrecadação?
É nesse sentido. Fazer os gestos também. Porque as pessoas não querem se sacrificar sozinhas. De novo, é a questão da MP do crédito de PIS/Cofins. Por que o sujeito que tem crédito de PIS/Cofins vai pagar a conta dos 17 setores que têm desoneração? Esse empresário não entende porque ele está pagando a conta do outro. O que nós não podemos é perder de vista o todo. Se o governo começar a tentar atacar os problemas setorizadamente, o setor que foi atacado se defende reagindo. Se não ficar claro que todo mundo vai ter que perder um pouco para que todos ganhem lá na frente. O risco fiscal hoje infelizmente é pior que o risco de inflação. E é isso que está elevando o juro longo.
Há alguma previsão de o TCU julgar a consulta do governo sobre a possibilidade de limitar o contingenciamento do Orçamento?
Acho que isso é um “não problema”. Não é prioridade. Se fosse um problema premente, certamente responderíamos com rapidez. Contingenciamento (bloqueio preventivo de despesas) é um dos instrumentos que o governo tem para fazer governança fiscal.