Na tarde de inverno em que o advogado Rodrigo Pupo deu entrevista para o Estadão, em vez de frio ou uma temperatura amena, a cidade de São Paulo registrava uma das piores qualidades de ar do planeta, em meio a um calor de mais de 30ºC. E menos de 20% de umidade relativa do ar.
É em meio a esses efeitos das mudanças climáticas, sentidas agora em todo o mundo, que regiões como os Estados Unidos e a União Europeia (UE) aceleraram suas políticas industriais verdes. O Green Deal Industrial Plan, o plano da União Europeia lançado em 2023, e a americana Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act - IRA), proposta em 2021, preveem uma série de investimentos verdes em várias atividades, com destaque para a produção de energia renovável.
Mas foram aspectos protecionistas dos dois programas — assim como outras leis anteriores da UE — que levaram o advogado paulistano Rodrigo Pupo a se especializar no tema: industrialização verde. “Sempre trabalhei com mercado exterior, mas quando leis europeias ou americanas passaram a impor barreiras a produtos brasileiros, passei a focar mais no tema”, diz.
Segundo ele, a preocupação com a economia verde é necessária e já deveria estar sendo adotada pelo Brasil. Mas alerta que muitos países estão fazendo da causa verde uma justificativa para proteger mercados domésticos e provocar concorrência desleal.
Pupo será um dos participantes do evento “Neoindustrialização apoiada pela transição energética - Como unir a política industrial e a política de sustentabilidade”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, do Ciesp, da Firjan e da CNI. O evento ocorre na próxima sexta-feira, 20, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O que são essas políticas industriais verdes que tanto a União Europeia quanto os EUA estão implementando?
Podemos definir uma política industrial verde quando ela é voltada para uma economia de baixo carbono. Uma política que busca a industrialização orientada para a descarbonização. Os casos mais emblemáticos são o Green Deal Industrial Plan, o plano da União Europeia, de 2023, e a Lei de Redução da Inflação (Inflation Reduction Act - IRA), proposta em 2021 nos Estados Unidos. A novidade dessas políticas industriais verdes é que elas alinham o combate às mudanças climáticas com incentivos para trazer novamente para dentro desses países a produção — que, com a globalização, foi levada para outras nações, como a China. Mas essa nova industrialização, além de estar mais próxima dos mercados consumidores, é de baixo carbono, com menos emissão de gases de efeito estufa. É trazer a manufatura mais para perto, a chamada “Neo Indústria”. E ela está muito atrelada ao dinheiro do governo, na forma de subsídios. São indústrias que dependem disso, porque elas ainda não têm escala, trabalham com tecnologias muito caras ainda e não dão retorno de investimento tão cedo.
E o Brasil está onde nesse cenário?
Isso afeta diretamente as exportações brasileiras de alguns produtos da agroindústria, como soja, café, carnes. Os importadores europeus, no caso, vão ter de indicar quanto há de carbono incorporado nos produtos que estão comprando de nós, para poder vendê-los na União Europeia. E essas regras são todas novas. O Brasil não está preparado para isso. Mesmo sendo um país privilegiado em relação à energia limpa, com as hidrelétricas, o etanol, a disponibilidade de energia solar, o Brasil ainda não tem, por exemplo, um mercado de carbono. É a receita desse mercado que a Europa e os EUA vão usar para pagar os subsídios à indústria verde. E o Brasil não tem uma situação fiscal boa. Não tem de onde tirar dinheiro para investir nisso. E quem não se enquadrar, não tiver uma política industrial verde, não vai conseguir vender para a Europa ou para os Estados Unidos. É nesse ponto que os subsídios acabam virando um veneno.
Como assim?
Para os países que concedem o subsídio para promover a indústria verde, ele provoca um círculo virtuoso: a economia verde se desenvolve, gera riqueza e o ambiente fica protegido. E quem larga na frente vai se destacar, vai ter os seus produtos no mercado de outros países, suas tecnologias no mercado internacional, para poder cobrar royalties em cima. Mas os subsídios formam um ciclo vicioso para aqueles países que estão de fora. É o caso do Brasil. Por mais que o Brasil tenha vantagens comparativas em relação à energia renovável, podemos ficar cada vez mais para trás porque não temos o mesmo dinheiro para investir que a Europa. Então, é um ciclo horroroso, na verdade.
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O que o Brasil precisa fazer, então?
Primeiro, deve entrar no tema agora. Acompanhar o movimento de descarbonização da indústria. Tem de ficar também muito atento para esse abuso dos subsídios industriais por outros países, para que não sejam usados para criar protecionismo e comércio desleal.
Mas as vantagens que o Brasil tem de área, de energia limpa, não ajudam o governo a fomentar essa indústria verde com menos investimento?
Até poderia. Mas quando o subsídio dos outros é enorme, ele pode anular as nossas vantagens. E aí o produto brasileiro perde competitividade, né? Porque o Brasil vai competir com o carro elétrico altamente subsidiado, com um painel fotovoltaico extremamente subsidiado da China. Já estamos tendo muitos contenciosos internacionais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e retaliações comerciais em função desses subsídios. É o que acontece com esses aumentos de tarifas de importação dos Estados Unidos contra diversos produtos, especialmente da China, intensivos em energia, como aço, alumínio, carros elétricos.
Então, se o Brasil não começar agora a pensar numa indústria verde, o futuro será sombrio para nós?
Eu não diria sombrio, eu diria que tem oportunidades, mas uma oportunidade imediata, que o Brasil não pode perder. É agora, neste momento. O País não pode demorar. E quais são essas oportunidades? Primeiro é acompanhar todas essas discussões. E questionar sempre que esses subsídios forem indevidos, questionar a concorrência desleal, né? E saber aproveitar e atrair investimentos como uma estratégia nacional. Não é uma estratégia de governo, é uma estratégia de Estado, para dar estabilidade ao setor produtivo. E cada real que o Brasil investir em subsídio precisa ser muito mais bem empregado, mais bem utilizado do que o dólar dos EUA ou o euro da UE.
Essas ondas de calor e outros efeitos das mudanças climáticas podem acelerar a entrada do Brasil nessa indústria verde?
Isso traz o tema para a realidade das pessoas. A transição energética e a sustentabilidade também ficam mais perto da política industrial.
E o sr. tem exemplos de países que estão fazendo essa lição de casa, em que o Brasil possa se basear?
Olha, é tudo muito novo, ainda. Então, não temos um período para conseguir analisar o que deu certo e o que não deu. Mas o mercado de carbono europeu é um exemplo. Nós não temos esse mercado. Então, precisa ter para começar a cobrar sobre o carbono e financiar a mudança.
Diante de tudo isso, fica uma dúvida: essas mudanças todas estão acontecendo para proteger o planeta, o meio ambiente, ou para dar proteção aos mercados europeus e americano?
Sem dúvida tem o objetivo da proteção de mercado. Dando um exemplo: a lei da indústria “Net Zero” (Regulamento Indústria de Impacto Zero) da União Europeia, aprovada em junho. O que eles querem é proteger e atrair a produção e processos produtivos para a Europa. Para não perder para a China ou Estados Unidos e outros países. Eles combinam o combate às mudanças climáticas com o incentivo à produção local. Então, muitas vezes, tem ali uma roupagem ambiental, mas com muita justificativa de segurança nacional.