‘Se Brasil não trabalhar por inserção global, pode ficar para trás’, diz professor da NY University


Salo Coslovsky, colaborador do Amazônia 2030, alerta que País tem de estar atento para se inserir na nova cadeia global que se estrutura com a transição energética; pesquisador trabalha em modelo de desenvolvimento econômico para Amazônia

Por Ricardo Grinbaum e Luciana Dyniewicz
Atualização:
Foto: Julia Stone
Entrevista comSalo CoslovskyProfessor da New York University e colaborador do Amazônia 2030

Professor da New York University e colaborador do projeto Amazônia 2030, Salo Coslovsky defende que o caminho para o desenvolvimento da região amazônica está em mercadorias simples, como açaí, cacau e castanha, mas que precisam ser produzidas de forma sofisticada. “Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção”, diz ele.

O pesquisador brasileiro mapeou 60 produtos “compatíveis com a floresta” que a Amazônia exporta e, com os quais, tem uma receita de R$ 300 milhões por ano. O mercado global dessas mercadorias, porém, chega a US$ 200 bilhões. “A gente tem 30% das florestas e 0,2% dos mercados”, destaca. Os protagonistas desses mercados são países como Equador, Costa do Marfim, Vietnã, Malásia e Tailândia, acrescenta. No caso da castanha do Pará, por exemplo, o Brasil perde para a Bolívia.

Com base nesse estudo, Coslovsky está trabalhando em um novo modelo para ajudar o desenvolvimento da Amazônia. Ele é o pesquisador envolvido em um projeto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em que estão sendo criadas mesas de discussão com os produtores dessas mercadorias. Nesses grupos, a intenção é para entender como alavancar a produção brasileira, um projeto espelhado em uma iniciativa de sucesso do Peru. “É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit.”

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Em relação ao possível protagonismo que o Brasil pode ter na transição energética, Coslovsky alerta que o País tem de estar atento para se inserir em uma cadeia internacional. “Não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço para um país como o Brasil. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.”

A seguir, trechos da entrevista:

Qual o caminho para desenvolver economicamente a Amazônia?

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Quando se discute o desenvolvimento da Amazônia, costuma haver três grandes estratégias: o carbono, a descoberta de drogas milagrosas e a industrialização. O carbono é um mercado difícil, que está crescendo, mas está enfraquecendo. Muito escândalos, fraudes, críticas. Em relação aos princípios ativos, sou cético. Talvez a Amazônia tenha princípios ativos, mas quem ganhará com isso vai ser a Moderna ou a Pfizer. Custa em média US$ 2 bilhões para desenvolver um remédio e a patente dura de 10 a15 anos. Você tem de desenvolver muitos remédios para tirar um que vende muito e paga a conta de todos os outros. Na Amazônia, o pessoal também gosta muito de industrialização. Vender chocolate em vez de cacau. Existe espaço para isso, mas aí você vai competir com a Nestlé. A minha premissa é que existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta, produtos que podem ser vetores de restauração, conservação e recuperação de áreas degradadas. São produtos como a castanha, o cacau, o açaí, peixes e frutas tropicais. Produtos frescos, pouco processados, que só podem ser produzidos na faixa equatorial. Aí, você vai competir com Equador, Costa do Marfim, República Dominicana.

Desenvolvimento econômico costuma estar relacionado a valor agregado. Focar em um produto compatível com a floresta não coloca a região em uma faixa de renda que será sempre mais baixa?

Tem dois eixos de desenvolvimento. O da verticalização, que é o que o pessoal chama de valor agregado. O problema, nesse caso, é chegar aos grandes mercados globais. Outro eixo de desenvolvimento é a sofisticação. Você ainda vende produtos pouco processados, mas sofisticados. Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção. Se você tiver alta produtividade, baixo custo de produção, alta rastreabilidade, você tem um enorme valor agregado. Aí você faz uma diversificação. Alguém vai desenvolver as mudas. Alguém vai ter uma empresa de consultoria de como fazer essa produção. Você começa a oferecer serviço. Inventa uma máquina de como colher e cortar o cacau melhor. Se um ou outro quiser vender chocolates, ok. A imagem que tenho é de que isso seja uma indústria dinâmica, com investimento, inovação e tecnologia, gerando muitos empregos e trazendo a floresta de volta.

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Salo: 'Existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta' Foto: Julia Stone

Por que o Brasil hoje não é competitivo como esses outros países da região?

Minha hipótese é a de que não é um problema estrutural. São problemas contingenciais na forma como cada um desses setores se organiza. O café brasileiro no mercado global, por exemplo, era conhecido por ser ruim e barato. Nos últimos 30 anos, os números dos cafés especiais explodiram. É um setor que conseguiu se organizar para atender demandas de sofisticação. Tem casos semelhantes disso no Brasil e fora do País, mas todos eles são casos parecidos, que têm a ver com a provisão de recursos compartilhados, com conhecimento específico daquele setor, mas que interessa a todas as empresas do setor. Por exemplo, o conhecimento de como se produz o café de qualidade no sul de Minas Gerais: precisa de equipamento, treinamento e uma série de coisas que só interessa ao pessoal que produz café. O pessoal do açaí tem outro problema. O da castanha, outro. Mas todos eles têm essa característica de ser um bem público setorial. O desafio é como ajudá-los a entender qual seu gargalo setorial e como superá-lo.

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Está faltando mais Embrapa então?

A Embrapa é uma peça, mas vai além dela. Não é só questão de pesquisa. Em muitos casos, tem a ver com a disseminação do conhecimento. O pessoal da Embrapa é muito bom na pesquisa, mas às vezes o que é interessante para um pesquisador não afeta o produtor. Ter o produtor na cabine de comando é crucial. Os produtores conhecem os seus problemas, estão frustrados, querem crescer e, aí, é preciso dar os instrumentos para que eles ativem os órgãos públicos para ajudá-los.

Então não é necessária uma política pública, mas uma iniciativa de produtores? Ou depende de um BNDES ou de algum ministério?

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Cada órgão público tem a sua ferramenta. O BNDES, crédito. A Embrapa, pesquisa. Às vezes, o problema é uma mistura dos dois. Então é uma política pública, mas é uma forma diferente de como desenhar e como implementar essas políticas públicas. A Apex está lançando o Exporta Mais Amazônia. O Brasil é grande, mas o mundo é maior. O mercado de exportação é muito mais competitivo e exigente. Exportar te coloca na vanguarda. Essa iniciativa é um excelente começo. Nesse projeto, eles estão lançando mesas executivas. A primeira é a da castanha. Eles vão fazer um edital para selecionar de 10 a 15 empresas de castanha que estão na vanguarda produtiva e já exportam, mas estão frustrados por o Brasil ter pouco dinamismo. Vão fazer reuniões mensais para entender qual o problema que afeta a castanha e como a Apex e seus parceiros podem ajudar a resolver esse problema.

E o que os impede de exportar mais?

Minha hipótese é que tem a ver com o controle de qualidade. Algumas das melhores empresas têm uma excelente qualidade, mas o setor como um todo não tem. Isso prejudica a todos. Ao discutir os problemas, os produtores vão identificar seus gargalos mais importantes. A Apex vai articular (a solução) com outros órgãos públicos. A Coreia, por exemplo, cobra 30% de tarifa da castanha brasileira e zero da castanha peruana. Talvez nossos diplomatas consigam uma equiparação. Se isso for um problema, a Apex aciona o Itamaraty. É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit. Mas com ajuda, porque sozinhos eles também não conseguem fazer isso. É uma estrutura para fazer esse tipo de política setorial.

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Ter o produtor na cabine de comando é crucial.

O sr. que incentivou a criação desse programa?

Foram conversas mútuas. Ajudei a pesquisar essas iniciativas. Já existe um programa de mesas executivas no Peru, que serviu de inspiração. Fiz um relatório descrevendo como essa iniciativa peruana poderia ser adaptada no Brasil. O pessoal da Apex comprou a ideia. Eu estou apoiando como pesquisador, mas a liderança e a iniciativa é deles. No Peru, a iniciativa foi criada em 2014, e a equipe original das mesas ainda está lá. O setor privado aprendeu e gostou. Mas lá é muito mais amplo, não é só bioeconomia.

O Brasil vai receber a COP em 2025, e o mundo todo vai cobrar do País uma postura de mudança de práticas. O que vai dar para o Brasil mostrar até lá? Ou seremos um bode expiatório dos problemas ambientais globais?

São poucos anos para ter resultado até lá. Não dá para perder tempo. A equipe da (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva está mostrando bons resultados combatendo o desmatamento. Isso já é excelente. Eu sou neutro, nem otimista nem pessimista. Acho que vai dar para ter um bom portfólio, mas tem um portfólio enorme de tecnologias sendo discutidas globalmente que são muito mais benéficas para a Europa e os Estados Unidos. Se o Brasil ficar pensando no seu próprio umbigo, sem ver como se encaixa nisso, fica difícil. Se não fizer o trabalho de inserção global, pode ficar para trás, porque não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço na mesa para um país como o Brasil. O País tem de trabalhar mais rápido, melhor e com mais vigor não só no lobby, na diplomacia, na propaganda, na produção de pesquisas, mas mostrando resultados rápidos. Imagina que o Brasil é uma startup numa indústria antiga e bem estabelecida. Você tem de ser brutal na comunicação, na eficiência, para não ser destruído pelos incumbentes. E o País não está sendo. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.

Professor da New York University e colaborador do projeto Amazônia 2030, Salo Coslovsky defende que o caminho para o desenvolvimento da região amazônica está em mercadorias simples, como açaí, cacau e castanha, mas que precisam ser produzidas de forma sofisticada. “Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção”, diz ele.

O pesquisador brasileiro mapeou 60 produtos “compatíveis com a floresta” que a Amazônia exporta e, com os quais, tem uma receita de R$ 300 milhões por ano. O mercado global dessas mercadorias, porém, chega a US$ 200 bilhões. “A gente tem 30% das florestas e 0,2% dos mercados”, destaca. Os protagonistas desses mercados são países como Equador, Costa do Marfim, Vietnã, Malásia e Tailândia, acrescenta. No caso da castanha do Pará, por exemplo, o Brasil perde para a Bolívia.

Com base nesse estudo, Coslovsky está trabalhando em um novo modelo para ajudar o desenvolvimento da Amazônia. Ele é o pesquisador envolvido em um projeto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em que estão sendo criadas mesas de discussão com os produtores dessas mercadorias. Nesses grupos, a intenção é para entender como alavancar a produção brasileira, um projeto espelhado em uma iniciativa de sucesso do Peru. “É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit.”

Em relação ao possível protagonismo que o Brasil pode ter na transição energética, Coslovsky alerta que o País tem de estar atento para se inserir em uma cadeia internacional. “Não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço para um país como o Brasil. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.”

A seguir, trechos da entrevista:

Qual o caminho para desenvolver economicamente a Amazônia?

Quando se discute o desenvolvimento da Amazônia, costuma haver três grandes estratégias: o carbono, a descoberta de drogas milagrosas e a industrialização. O carbono é um mercado difícil, que está crescendo, mas está enfraquecendo. Muito escândalos, fraudes, críticas. Em relação aos princípios ativos, sou cético. Talvez a Amazônia tenha princípios ativos, mas quem ganhará com isso vai ser a Moderna ou a Pfizer. Custa em média US$ 2 bilhões para desenvolver um remédio e a patente dura de 10 a15 anos. Você tem de desenvolver muitos remédios para tirar um que vende muito e paga a conta de todos os outros. Na Amazônia, o pessoal também gosta muito de industrialização. Vender chocolate em vez de cacau. Existe espaço para isso, mas aí você vai competir com a Nestlé. A minha premissa é que existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta, produtos que podem ser vetores de restauração, conservação e recuperação de áreas degradadas. São produtos como a castanha, o cacau, o açaí, peixes e frutas tropicais. Produtos frescos, pouco processados, que só podem ser produzidos na faixa equatorial. Aí, você vai competir com Equador, Costa do Marfim, República Dominicana.

Desenvolvimento econômico costuma estar relacionado a valor agregado. Focar em um produto compatível com a floresta não coloca a região em uma faixa de renda que será sempre mais baixa?

Tem dois eixos de desenvolvimento. O da verticalização, que é o que o pessoal chama de valor agregado. O problema, nesse caso, é chegar aos grandes mercados globais. Outro eixo de desenvolvimento é a sofisticação. Você ainda vende produtos pouco processados, mas sofisticados. Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção. Se você tiver alta produtividade, baixo custo de produção, alta rastreabilidade, você tem um enorme valor agregado. Aí você faz uma diversificação. Alguém vai desenvolver as mudas. Alguém vai ter uma empresa de consultoria de como fazer essa produção. Você começa a oferecer serviço. Inventa uma máquina de como colher e cortar o cacau melhor. Se um ou outro quiser vender chocolates, ok. A imagem que tenho é de que isso seja uma indústria dinâmica, com investimento, inovação e tecnologia, gerando muitos empregos e trazendo a floresta de volta.

Salo: 'Existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta' Foto: Julia Stone

Por que o Brasil hoje não é competitivo como esses outros países da região?

Minha hipótese é a de que não é um problema estrutural. São problemas contingenciais na forma como cada um desses setores se organiza. O café brasileiro no mercado global, por exemplo, era conhecido por ser ruim e barato. Nos últimos 30 anos, os números dos cafés especiais explodiram. É um setor que conseguiu se organizar para atender demandas de sofisticação. Tem casos semelhantes disso no Brasil e fora do País, mas todos eles são casos parecidos, que têm a ver com a provisão de recursos compartilhados, com conhecimento específico daquele setor, mas que interessa a todas as empresas do setor. Por exemplo, o conhecimento de como se produz o café de qualidade no sul de Minas Gerais: precisa de equipamento, treinamento e uma série de coisas que só interessa ao pessoal que produz café. O pessoal do açaí tem outro problema. O da castanha, outro. Mas todos eles têm essa característica de ser um bem público setorial. O desafio é como ajudá-los a entender qual seu gargalo setorial e como superá-lo.

Está faltando mais Embrapa então?

A Embrapa é uma peça, mas vai além dela. Não é só questão de pesquisa. Em muitos casos, tem a ver com a disseminação do conhecimento. O pessoal da Embrapa é muito bom na pesquisa, mas às vezes o que é interessante para um pesquisador não afeta o produtor. Ter o produtor na cabine de comando é crucial. Os produtores conhecem os seus problemas, estão frustrados, querem crescer e, aí, é preciso dar os instrumentos para que eles ativem os órgãos públicos para ajudá-los.

Então não é necessária uma política pública, mas uma iniciativa de produtores? Ou depende de um BNDES ou de algum ministério?

Cada órgão público tem a sua ferramenta. O BNDES, crédito. A Embrapa, pesquisa. Às vezes, o problema é uma mistura dos dois. Então é uma política pública, mas é uma forma diferente de como desenhar e como implementar essas políticas públicas. A Apex está lançando o Exporta Mais Amazônia. O Brasil é grande, mas o mundo é maior. O mercado de exportação é muito mais competitivo e exigente. Exportar te coloca na vanguarda. Essa iniciativa é um excelente começo. Nesse projeto, eles estão lançando mesas executivas. A primeira é a da castanha. Eles vão fazer um edital para selecionar de 10 a 15 empresas de castanha que estão na vanguarda produtiva e já exportam, mas estão frustrados por o Brasil ter pouco dinamismo. Vão fazer reuniões mensais para entender qual o problema que afeta a castanha e como a Apex e seus parceiros podem ajudar a resolver esse problema.

E o que os impede de exportar mais?

Minha hipótese é que tem a ver com o controle de qualidade. Algumas das melhores empresas têm uma excelente qualidade, mas o setor como um todo não tem. Isso prejudica a todos. Ao discutir os problemas, os produtores vão identificar seus gargalos mais importantes. A Apex vai articular (a solução) com outros órgãos públicos. A Coreia, por exemplo, cobra 30% de tarifa da castanha brasileira e zero da castanha peruana. Talvez nossos diplomatas consigam uma equiparação. Se isso for um problema, a Apex aciona o Itamaraty. É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit. Mas com ajuda, porque sozinhos eles também não conseguem fazer isso. É uma estrutura para fazer esse tipo de política setorial.

Ter o produtor na cabine de comando é crucial.

O sr. que incentivou a criação desse programa?

Foram conversas mútuas. Ajudei a pesquisar essas iniciativas. Já existe um programa de mesas executivas no Peru, que serviu de inspiração. Fiz um relatório descrevendo como essa iniciativa peruana poderia ser adaptada no Brasil. O pessoal da Apex comprou a ideia. Eu estou apoiando como pesquisador, mas a liderança e a iniciativa é deles. No Peru, a iniciativa foi criada em 2014, e a equipe original das mesas ainda está lá. O setor privado aprendeu e gostou. Mas lá é muito mais amplo, não é só bioeconomia.

O Brasil vai receber a COP em 2025, e o mundo todo vai cobrar do País uma postura de mudança de práticas. O que vai dar para o Brasil mostrar até lá? Ou seremos um bode expiatório dos problemas ambientais globais?

São poucos anos para ter resultado até lá. Não dá para perder tempo. A equipe da (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva está mostrando bons resultados combatendo o desmatamento. Isso já é excelente. Eu sou neutro, nem otimista nem pessimista. Acho que vai dar para ter um bom portfólio, mas tem um portfólio enorme de tecnologias sendo discutidas globalmente que são muito mais benéficas para a Europa e os Estados Unidos. Se o Brasil ficar pensando no seu próprio umbigo, sem ver como se encaixa nisso, fica difícil. Se não fizer o trabalho de inserção global, pode ficar para trás, porque não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço na mesa para um país como o Brasil. O País tem de trabalhar mais rápido, melhor e com mais vigor não só no lobby, na diplomacia, na propaganda, na produção de pesquisas, mas mostrando resultados rápidos. Imagina que o Brasil é uma startup numa indústria antiga e bem estabelecida. Você tem de ser brutal na comunicação, na eficiência, para não ser destruído pelos incumbentes. E o País não está sendo. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.

Professor da New York University e colaborador do projeto Amazônia 2030, Salo Coslovsky defende que o caminho para o desenvolvimento da região amazônica está em mercadorias simples, como açaí, cacau e castanha, mas que precisam ser produzidas de forma sofisticada. “Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção”, diz ele.

O pesquisador brasileiro mapeou 60 produtos “compatíveis com a floresta” que a Amazônia exporta e, com os quais, tem uma receita de R$ 300 milhões por ano. O mercado global dessas mercadorias, porém, chega a US$ 200 bilhões. “A gente tem 30% das florestas e 0,2% dos mercados”, destaca. Os protagonistas desses mercados são países como Equador, Costa do Marfim, Vietnã, Malásia e Tailândia, acrescenta. No caso da castanha do Pará, por exemplo, o Brasil perde para a Bolívia.

Com base nesse estudo, Coslovsky está trabalhando em um novo modelo para ajudar o desenvolvimento da Amazônia. Ele é o pesquisador envolvido em um projeto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em que estão sendo criadas mesas de discussão com os produtores dessas mercadorias. Nesses grupos, a intenção é para entender como alavancar a produção brasileira, um projeto espelhado em uma iniciativa de sucesso do Peru. “É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit.”

Em relação ao possível protagonismo que o Brasil pode ter na transição energética, Coslovsky alerta que o País tem de estar atento para se inserir em uma cadeia internacional. “Não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço para um país como o Brasil. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.”

A seguir, trechos da entrevista:

Qual o caminho para desenvolver economicamente a Amazônia?

Quando se discute o desenvolvimento da Amazônia, costuma haver três grandes estratégias: o carbono, a descoberta de drogas milagrosas e a industrialização. O carbono é um mercado difícil, que está crescendo, mas está enfraquecendo. Muito escândalos, fraudes, críticas. Em relação aos princípios ativos, sou cético. Talvez a Amazônia tenha princípios ativos, mas quem ganhará com isso vai ser a Moderna ou a Pfizer. Custa em média US$ 2 bilhões para desenvolver um remédio e a patente dura de 10 a15 anos. Você tem de desenvolver muitos remédios para tirar um que vende muito e paga a conta de todos os outros. Na Amazônia, o pessoal também gosta muito de industrialização. Vender chocolate em vez de cacau. Existe espaço para isso, mas aí você vai competir com a Nestlé. A minha premissa é que existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta, produtos que podem ser vetores de restauração, conservação e recuperação de áreas degradadas. São produtos como a castanha, o cacau, o açaí, peixes e frutas tropicais. Produtos frescos, pouco processados, que só podem ser produzidos na faixa equatorial. Aí, você vai competir com Equador, Costa do Marfim, República Dominicana.

Desenvolvimento econômico costuma estar relacionado a valor agregado. Focar em um produto compatível com a floresta não coloca a região em uma faixa de renda que será sempre mais baixa?

Tem dois eixos de desenvolvimento. O da verticalização, que é o que o pessoal chama de valor agregado. O problema, nesse caso, é chegar aos grandes mercados globais. Outro eixo de desenvolvimento é a sofisticação. Você ainda vende produtos pouco processados, mas sofisticados. Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção. Se você tiver alta produtividade, baixo custo de produção, alta rastreabilidade, você tem um enorme valor agregado. Aí você faz uma diversificação. Alguém vai desenvolver as mudas. Alguém vai ter uma empresa de consultoria de como fazer essa produção. Você começa a oferecer serviço. Inventa uma máquina de como colher e cortar o cacau melhor. Se um ou outro quiser vender chocolates, ok. A imagem que tenho é de que isso seja uma indústria dinâmica, com investimento, inovação e tecnologia, gerando muitos empregos e trazendo a floresta de volta.

Salo: 'Existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta' Foto: Julia Stone

Por que o Brasil hoje não é competitivo como esses outros países da região?

Minha hipótese é a de que não é um problema estrutural. São problemas contingenciais na forma como cada um desses setores se organiza. O café brasileiro no mercado global, por exemplo, era conhecido por ser ruim e barato. Nos últimos 30 anos, os números dos cafés especiais explodiram. É um setor que conseguiu se organizar para atender demandas de sofisticação. Tem casos semelhantes disso no Brasil e fora do País, mas todos eles são casos parecidos, que têm a ver com a provisão de recursos compartilhados, com conhecimento específico daquele setor, mas que interessa a todas as empresas do setor. Por exemplo, o conhecimento de como se produz o café de qualidade no sul de Minas Gerais: precisa de equipamento, treinamento e uma série de coisas que só interessa ao pessoal que produz café. O pessoal do açaí tem outro problema. O da castanha, outro. Mas todos eles têm essa característica de ser um bem público setorial. O desafio é como ajudá-los a entender qual seu gargalo setorial e como superá-lo.

Está faltando mais Embrapa então?

A Embrapa é uma peça, mas vai além dela. Não é só questão de pesquisa. Em muitos casos, tem a ver com a disseminação do conhecimento. O pessoal da Embrapa é muito bom na pesquisa, mas às vezes o que é interessante para um pesquisador não afeta o produtor. Ter o produtor na cabine de comando é crucial. Os produtores conhecem os seus problemas, estão frustrados, querem crescer e, aí, é preciso dar os instrumentos para que eles ativem os órgãos públicos para ajudá-los.

Então não é necessária uma política pública, mas uma iniciativa de produtores? Ou depende de um BNDES ou de algum ministério?

Cada órgão público tem a sua ferramenta. O BNDES, crédito. A Embrapa, pesquisa. Às vezes, o problema é uma mistura dos dois. Então é uma política pública, mas é uma forma diferente de como desenhar e como implementar essas políticas públicas. A Apex está lançando o Exporta Mais Amazônia. O Brasil é grande, mas o mundo é maior. O mercado de exportação é muito mais competitivo e exigente. Exportar te coloca na vanguarda. Essa iniciativa é um excelente começo. Nesse projeto, eles estão lançando mesas executivas. A primeira é a da castanha. Eles vão fazer um edital para selecionar de 10 a 15 empresas de castanha que estão na vanguarda produtiva e já exportam, mas estão frustrados por o Brasil ter pouco dinamismo. Vão fazer reuniões mensais para entender qual o problema que afeta a castanha e como a Apex e seus parceiros podem ajudar a resolver esse problema.

E o que os impede de exportar mais?

Minha hipótese é que tem a ver com o controle de qualidade. Algumas das melhores empresas têm uma excelente qualidade, mas o setor como um todo não tem. Isso prejudica a todos. Ao discutir os problemas, os produtores vão identificar seus gargalos mais importantes. A Apex vai articular (a solução) com outros órgãos públicos. A Coreia, por exemplo, cobra 30% de tarifa da castanha brasileira e zero da castanha peruana. Talvez nossos diplomatas consigam uma equiparação. Se isso for um problema, a Apex aciona o Itamaraty. É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit. Mas com ajuda, porque sozinhos eles também não conseguem fazer isso. É uma estrutura para fazer esse tipo de política setorial.

Ter o produtor na cabine de comando é crucial.

O sr. que incentivou a criação desse programa?

Foram conversas mútuas. Ajudei a pesquisar essas iniciativas. Já existe um programa de mesas executivas no Peru, que serviu de inspiração. Fiz um relatório descrevendo como essa iniciativa peruana poderia ser adaptada no Brasil. O pessoal da Apex comprou a ideia. Eu estou apoiando como pesquisador, mas a liderança e a iniciativa é deles. No Peru, a iniciativa foi criada em 2014, e a equipe original das mesas ainda está lá. O setor privado aprendeu e gostou. Mas lá é muito mais amplo, não é só bioeconomia.

O Brasil vai receber a COP em 2025, e o mundo todo vai cobrar do País uma postura de mudança de práticas. O que vai dar para o Brasil mostrar até lá? Ou seremos um bode expiatório dos problemas ambientais globais?

São poucos anos para ter resultado até lá. Não dá para perder tempo. A equipe da (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva está mostrando bons resultados combatendo o desmatamento. Isso já é excelente. Eu sou neutro, nem otimista nem pessimista. Acho que vai dar para ter um bom portfólio, mas tem um portfólio enorme de tecnologias sendo discutidas globalmente que são muito mais benéficas para a Europa e os Estados Unidos. Se o Brasil ficar pensando no seu próprio umbigo, sem ver como se encaixa nisso, fica difícil. Se não fizer o trabalho de inserção global, pode ficar para trás, porque não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço na mesa para um país como o Brasil. O País tem de trabalhar mais rápido, melhor e com mais vigor não só no lobby, na diplomacia, na propaganda, na produção de pesquisas, mas mostrando resultados rápidos. Imagina que o Brasil é uma startup numa indústria antiga e bem estabelecida. Você tem de ser brutal na comunicação, na eficiência, para não ser destruído pelos incumbentes. E o País não está sendo. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.

Professor da New York University e colaborador do projeto Amazônia 2030, Salo Coslovsky defende que o caminho para o desenvolvimento da região amazônica está em mercadorias simples, como açaí, cacau e castanha, mas que precisam ser produzidas de forma sofisticada. “Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção”, diz ele.

O pesquisador brasileiro mapeou 60 produtos “compatíveis com a floresta” que a Amazônia exporta e, com os quais, tem uma receita de R$ 300 milhões por ano. O mercado global dessas mercadorias, porém, chega a US$ 200 bilhões. “A gente tem 30% das florestas e 0,2% dos mercados”, destaca. Os protagonistas desses mercados são países como Equador, Costa do Marfim, Vietnã, Malásia e Tailândia, acrescenta. No caso da castanha do Pará, por exemplo, o Brasil perde para a Bolívia.

Com base nesse estudo, Coslovsky está trabalhando em um novo modelo para ajudar o desenvolvimento da Amazônia. Ele é o pesquisador envolvido em um projeto da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) em que estão sendo criadas mesas de discussão com os produtores dessas mercadorias. Nesses grupos, a intenção é para entender como alavancar a produção brasileira, um projeto espelhado em uma iniciativa de sucesso do Peru. “É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit.”

Em relação ao possível protagonismo que o Brasil pode ter na transição energética, Coslovsky alerta que o País tem de estar atento para se inserir em uma cadeia internacional. “Não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço para um país como o Brasil. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.”

A seguir, trechos da entrevista:

Qual o caminho para desenvolver economicamente a Amazônia?

Quando se discute o desenvolvimento da Amazônia, costuma haver três grandes estratégias: o carbono, a descoberta de drogas milagrosas e a industrialização. O carbono é um mercado difícil, que está crescendo, mas está enfraquecendo. Muito escândalos, fraudes, críticas. Em relação aos princípios ativos, sou cético. Talvez a Amazônia tenha princípios ativos, mas quem ganhará com isso vai ser a Moderna ou a Pfizer. Custa em média US$ 2 bilhões para desenvolver um remédio e a patente dura de 10 a15 anos. Você tem de desenvolver muitos remédios para tirar um que vende muito e paga a conta de todos os outros. Na Amazônia, o pessoal também gosta muito de industrialização. Vender chocolate em vez de cacau. Existe espaço para isso, mas aí você vai competir com a Nestlé. A minha premissa é que existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta, produtos que podem ser vetores de restauração, conservação e recuperação de áreas degradadas. São produtos como a castanha, o cacau, o açaí, peixes e frutas tropicais. Produtos frescos, pouco processados, que só podem ser produzidos na faixa equatorial. Aí, você vai competir com Equador, Costa do Marfim, República Dominicana.

Desenvolvimento econômico costuma estar relacionado a valor agregado. Focar em um produto compatível com a floresta não coloca a região em uma faixa de renda que será sempre mais baixa?

Tem dois eixos de desenvolvimento. O da verticalização, que é o que o pessoal chama de valor agregado. O problema, nesse caso, é chegar aos grandes mercados globais. Outro eixo de desenvolvimento é a sofisticação. Você ainda vende produtos pouco processados, mas sofisticados. Cacau não é tudo igual. Um engenheiro de alimentos que trabalha numa grande moageira fazendo chocolate na Bélgica quer uma semente de cacau com uma série de características específicas. Ele está disposto a pagar mais por isso. A gente pode avançar nessa direção. Se você tiver alta produtividade, baixo custo de produção, alta rastreabilidade, você tem um enorme valor agregado. Aí você faz uma diversificação. Alguém vai desenvolver as mudas. Alguém vai ter uma empresa de consultoria de como fazer essa produção. Você começa a oferecer serviço. Inventa uma máquina de como colher e cortar o cacau melhor. Se um ou outro quiser vender chocolates, ok. A imagem que tenho é de que isso seja uma indústria dinâmica, com investimento, inovação e tecnologia, gerando muitos empregos e trazendo a floresta de volta.

Salo: 'Existe um caminho melhor, mais viável e pragmático com produtos compatíveis com a floresta' Foto: Julia Stone

Por que o Brasil hoje não é competitivo como esses outros países da região?

Minha hipótese é a de que não é um problema estrutural. São problemas contingenciais na forma como cada um desses setores se organiza. O café brasileiro no mercado global, por exemplo, era conhecido por ser ruim e barato. Nos últimos 30 anos, os números dos cafés especiais explodiram. É um setor que conseguiu se organizar para atender demandas de sofisticação. Tem casos semelhantes disso no Brasil e fora do País, mas todos eles são casos parecidos, que têm a ver com a provisão de recursos compartilhados, com conhecimento específico daquele setor, mas que interessa a todas as empresas do setor. Por exemplo, o conhecimento de como se produz o café de qualidade no sul de Minas Gerais: precisa de equipamento, treinamento e uma série de coisas que só interessa ao pessoal que produz café. O pessoal do açaí tem outro problema. O da castanha, outro. Mas todos eles têm essa característica de ser um bem público setorial. O desafio é como ajudá-los a entender qual seu gargalo setorial e como superá-lo.

Está faltando mais Embrapa então?

A Embrapa é uma peça, mas vai além dela. Não é só questão de pesquisa. Em muitos casos, tem a ver com a disseminação do conhecimento. O pessoal da Embrapa é muito bom na pesquisa, mas às vezes o que é interessante para um pesquisador não afeta o produtor. Ter o produtor na cabine de comando é crucial. Os produtores conhecem os seus problemas, estão frustrados, querem crescer e, aí, é preciso dar os instrumentos para que eles ativem os órgãos públicos para ajudá-los.

Então não é necessária uma política pública, mas uma iniciativa de produtores? Ou depende de um BNDES ou de algum ministério?

Cada órgão público tem a sua ferramenta. O BNDES, crédito. A Embrapa, pesquisa. Às vezes, o problema é uma mistura dos dois. Então é uma política pública, mas é uma forma diferente de como desenhar e como implementar essas políticas públicas. A Apex está lançando o Exporta Mais Amazônia. O Brasil é grande, mas o mundo é maior. O mercado de exportação é muito mais competitivo e exigente. Exportar te coloca na vanguarda. Essa iniciativa é um excelente começo. Nesse projeto, eles estão lançando mesas executivas. A primeira é a da castanha. Eles vão fazer um edital para selecionar de 10 a 15 empresas de castanha que estão na vanguarda produtiva e já exportam, mas estão frustrados por o Brasil ter pouco dinamismo. Vão fazer reuniões mensais para entender qual o problema que afeta a castanha e como a Apex e seus parceiros podem ajudar a resolver esse problema.

E o que os impede de exportar mais?

Minha hipótese é que tem a ver com o controle de qualidade. Algumas das melhores empresas têm uma excelente qualidade, mas o setor como um todo não tem. Isso prejudica a todos. Ao discutir os problemas, os produtores vão identificar seus gargalos mais importantes. A Apex vai articular (a solução) com outros órgãos públicos. A Coreia, por exemplo, cobra 30% de tarifa da castanha brasileira e zero da castanha peruana. Talvez nossos diplomatas consigam uma equiparação. Se isso for um problema, a Apex aciona o Itamaraty. É um espaço para cobrir os problemas, priorizá-los e mobilizar as entidades que podem ajudar a resolvê-los. O pessoal não gosta do termo, mas é uma política industrial moderna que coloca as empresas de ponta no cockpit. Mas com ajuda, porque sozinhos eles também não conseguem fazer isso. É uma estrutura para fazer esse tipo de política setorial.

Ter o produtor na cabine de comando é crucial.

O sr. que incentivou a criação desse programa?

Foram conversas mútuas. Ajudei a pesquisar essas iniciativas. Já existe um programa de mesas executivas no Peru, que serviu de inspiração. Fiz um relatório descrevendo como essa iniciativa peruana poderia ser adaptada no Brasil. O pessoal da Apex comprou a ideia. Eu estou apoiando como pesquisador, mas a liderança e a iniciativa é deles. No Peru, a iniciativa foi criada em 2014, e a equipe original das mesas ainda está lá. O setor privado aprendeu e gostou. Mas lá é muito mais amplo, não é só bioeconomia.

O Brasil vai receber a COP em 2025, e o mundo todo vai cobrar do País uma postura de mudança de práticas. O que vai dar para o Brasil mostrar até lá? Ou seremos um bode expiatório dos problemas ambientais globais?

São poucos anos para ter resultado até lá. Não dá para perder tempo. A equipe da (ministra do Meio Ambiente) Marina Silva está mostrando bons resultados combatendo o desmatamento. Isso já é excelente. Eu sou neutro, nem otimista nem pessimista. Acho que vai dar para ter um bom portfólio, mas tem um portfólio enorme de tecnologias sendo discutidas globalmente que são muito mais benéficas para a Europa e os Estados Unidos. Se o Brasil ficar pensando no seu próprio umbigo, sem ver como se encaixa nisso, fica difícil. Se não fizer o trabalho de inserção global, pode ficar para trás, porque não é do interesse de quem faz as regras globais e de quem têm muito dinheiro abrir espaço na mesa para um país como o Brasil. O País tem de trabalhar mais rápido, melhor e com mais vigor não só no lobby, na diplomacia, na propaganda, na produção de pesquisas, mas mostrando resultados rápidos. Imagina que o Brasil é uma startup numa indústria antiga e bem estabelecida. Você tem de ser brutal na comunicação, na eficiência, para não ser destruído pelos incumbentes. E o País não está sendo. Não dá pra achar que vai ser inevitável, que a gente vai dar certo de qualquer modo.

Tudo Sobre
Entrevista por Ricardo Grinbaum
Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. É fellow do World Press Institute (WPI).

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