‘Moody’s vai rebaixar o Brasil em dois ou três anos’, diz Samuel Pessôa


Pesquisador do FGV/Ibre enxerga uma série de desequilíbrios na economia brasileira que tornam o crescimento econômico e da dívida pública insustentável

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Foto: HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO
Entrevista comSamuel PessôaPesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), Samuel Pessôa tem uma avaliação mais negativa do desempenho econômico do Brasil do que a agência de classificação de risco Moody’s – que deixou o País a um passo do grau de investimento.

“O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão”, afirma.

Pessôa enxerga uma série desequilíbrios na economia brasileira que tornam o crescimento econômico e da dívida pública insustentável. Mas avalia que será possível “empurrar com a barriga até o processo eleitoral” de 2026.

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“É (uma visão) mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme”, afirma Pessôa.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação do sr. sobre a decisão da Moodys?

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A decisão é muito baseada numa perspectiva de atividade melhor, num crescimento melhor e na avaliação de que o arcabouço fiscal, num prazo razoável, vai conseguir encaminhar os nossos desequilíbrios fiscais. Essas são as avaliações que os economistas da Moody’s fizeram. Acho que é uma avaliação legitima, mas eu, em particular, discordo. E discordo dos dois pontos.

Por que o sr. discorda?

É verdade que o crescimento brasileiro está bem melhor do que se imaginava, mas, no meu entender, é um crescimento insustentável. É uma espécie de economia em marcha forçada - para a usar o título de um livro famoso nos anos 1980 sobre a economia brasileira no governo Geisel. O que significa? Significa que a gente está crescendo bem, mas esse crescimento é turbinado por gastos públicos. E é insustentável porque estamos no pleno emprego. Portanto, um crescimento turbinado por gastos públicos numa economia em pleno emprego é fortemente inflacionário no médio prazo. Ele é insustentável, porque a remuneração do trabalho tem corrido muito mais rapidamente do que a produtividade do trabalho. Sempre que a gente tem uma trajetória de crescimento em que a produtividade do trabalho corre significativamente aquém da remuneração do trabalho, os problemas se avolumam à frente.

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Eu também tive a oportunidade de olhar uns dados organizados e tabulados pelo professor Rocca (Carlos Rocca) sobre a rentabilidade das empresas. A gente vê que começa uma trajetória de queda da rentabilidade das empresas. É um outro sinal de um crescimento insustentável. E quando olhamos para as contas nacionais, também começamos a ver nos últimos dois trimestres uma queda das exportações líquidas com proporção do PIB.

E qual é o saldo dessa combinação?

Se juntar tudo o que falei, é um crescimento de uma economia a pleno emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda, e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável. Sinaliza que, em algum momento à frente, um ajuste terá de acontecer. Adicionalmente, a gente tem também uma insustentabilidade das contas públicas na dívida pública. Na minha empresa, a gente acabou de rever os números. Achávamos que a dívida pública brasileira iria fechar em uns 83% do PIB ou 84% do PIB em dezembro de 2026, mas, hoje, estamos enxergando a dívida pública terminando 2026 em 86% do PIB. No terceiro mandato do presidente Lula, haverá um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB da dívida pública. E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência. Ou seja, do ponto de vista da dinâmica do endividamento, também estamos numa trajetória insustentável. Quando coloco todos esses números, a minha visão é diferente da visão da Moody’s.

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Do ponto de vista fiscal, Brasil está numa trajetória insustentável, diz Samuel Pessâo Foto: Helvio Romero/Estadão

É uma visão mais negativa, então?

É mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme.

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Com esse cenário descrito, até quando a economia aguenta?

Essa é a dúvida de todo mundo, mas a gente tem algumas coisas que nos ajudam. O calendário eleitoral ajuda. Então, a impressão que tenho é que a gente consegue empurrar com a barriga até o processo eleitoral. O (governo) Lula 4 terá dificuldades em 2027, 2028.

Mas será um cenário que se assemelha ao segundo governo da Dilma?

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É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2, mas numa intensidade bem menor. Mesmo num período de mais dois anos e um trimestre de uma trajetória desequilibrada e insustentável, os desequilíbrios que vão se acumular serão muito menores. 2027 será parecido com 2015, mas menos intenso.

Por que será menos intenso?

Naquele período, a gente ficou desorganizando a economia durante muito tempo. A desorganização começou em 2007 mais ou menos. Se você olhar as minhas colunas na Folha, tem uma coluna minha do ano passado em que argumento que a de organização da economia não começou com Dilma 1, mas no Lula 2. O que marca o início da desorganização da economia é a mudança no Ministério da Fazenda com a saída de Antônio Palocci e a ida de Guido Mantega. E essas estatísticas todas que eu acabei de elencar, eu mostro como elas evoluíram entre 2007 e 2013. Se você olhar as estatísticas que eu elenquei, evolução do déficit primário estrutural, evolução das exportações líquidas como proporção do PIB, evolução da rentabilidade das empresas e salários correndo além da produtividade, você verá que essas quatro estatísticas pioraram muito entre 2007 e 2013 tomando 2006 como o ano base de comparação. E a piora é mais ou menos constante. Ela não se acentua no governo Dilma. Ela tem um ritmo de piora equivalente no governo Dilma e no governo Lula 2.

E por que os problemas demoraram a surgir?

Os problemas demoraram para aparecer porque o boom de commodities escondeu os problemas. E, na verdade, ao contrário do que as pessoas acham, a recuperação da crise de 2008 foi muito rápida no mundo todo. E o maior boom de commodities ocorreu após a crise. Então, não é verdade que a crise atrapalhou o Brasil. Nesse sentido, o presidente Lula tem razão. Para nós, a crise foi uma marolinha, porque a China com os impulsos que praticou, naquela época, voltou muito forte. E essa volta chinesa muito forte gerou um aumento muito grande do preço das nossas commodities e os termos de trocas ficaram muito bons. Então, todo esse período longo de desequilíbrios, demoraram para aparecer, porque a situação internacional muito favorável escondia os problemas. Mas foram muitos anos acumulando desequilíbrios. Quando o mundo virou, os problemas apareceram.

E agora?

Agora, estamos numa trajetória de arrumar a economia, pelo menos, de 2015 até 2021. Mesmo do ponto de vista fiscal, houve avanços no governo Bolsonaro. O Paulo Guedes levou para o ministro Fernando Haddad um país numa situação fiscal melhor do que ele pegou. No segundo mandato da presidente Dilma, iniciou-se um esforço reformador no País. Passou pelo governo Temer e passou pelo governo Bolsonaro, pelo menos, até 2021. E como a gente não tem uma situação externa tão favorável, os problemas não estão sendo tão encobertos e o tempo é mais curto. Serão só quatro anos de desarrumação de casa. Não serão sete anos como foi daquela vez. E também fizemos muitas reformas que dificultam a capacidade do governo atual em bagunçar muito a casa. Esses motivos todos explicam porque haverá um ajuste menos intenso em 2027 do que correu em 2015.

O grau de investimento está longe então?

O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão.

O sr. já fala em Lula 4. Acredita que um eventual próximo governo pode mudar a rota da economia?

Acho que o presidente Lula continua uma pessoa pragmática. Mas ele me parece menos pragmático. Me parece que virou um economista heterodoxo. Me parece que ele foi convencido - não sei como, porque os fatos vão na direção contrária - de que gasto é vida, que gasto estimula a economia e gera bons resultados. Mas acho que ele não é tão ideológico quanto a Dilma. Mesmo a Dilma, tentou arrumar a casa em 2015. Ela fez o diagnóstico certo. O problema é que as circunstâncias políticas impediram que a presidente Dilma arrumasse. Ela tentou fazer o certo. Como o presidente Lula é uma pessoa de muito mais traquejo, a minha avaliação é que ele conseguirá ajustar de alguma forma em 2027 e 2028, mas, talvez, haja a transição política em 2030. Como o FHC 2 chegou mal no final do segundo mandato, provavelmente, o Lula chegará mal no final do quarto mandato.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), Samuel Pessôa tem uma avaliação mais negativa do desempenho econômico do Brasil do que a agência de classificação de risco Moody’s – que deixou o País a um passo do grau de investimento.

“O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão”, afirma.

Pessôa enxerga uma série desequilíbrios na economia brasileira que tornam o crescimento econômico e da dívida pública insustentável. Mas avalia que será possível “empurrar com a barriga até o processo eleitoral” de 2026.

“É (uma visão) mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme”, afirma Pessôa.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação do sr. sobre a decisão da Moodys?

A decisão é muito baseada numa perspectiva de atividade melhor, num crescimento melhor e na avaliação de que o arcabouço fiscal, num prazo razoável, vai conseguir encaminhar os nossos desequilíbrios fiscais. Essas são as avaliações que os economistas da Moody’s fizeram. Acho que é uma avaliação legitima, mas eu, em particular, discordo. E discordo dos dois pontos.

Por que o sr. discorda?

É verdade que o crescimento brasileiro está bem melhor do que se imaginava, mas, no meu entender, é um crescimento insustentável. É uma espécie de economia em marcha forçada - para a usar o título de um livro famoso nos anos 1980 sobre a economia brasileira no governo Geisel. O que significa? Significa que a gente está crescendo bem, mas esse crescimento é turbinado por gastos públicos. E é insustentável porque estamos no pleno emprego. Portanto, um crescimento turbinado por gastos públicos numa economia em pleno emprego é fortemente inflacionário no médio prazo. Ele é insustentável, porque a remuneração do trabalho tem corrido muito mais rapidamente do que a produtividade do trabalho. Sempre que a gente tem uma trajetória de crescimento em que a produtividade do trabalho corre significativamente aquém da remuneração do trabalho, os problemas se avolumam à frente.

Eu também tive a oportunidade de olhar uns dados organizados e tabulados pelo professor Rocca (Carlos Rocca) sobre a rentabilidade das empresas. A gente vê que começa uma trajetória de queda da rentabilidade das empresas. É um outro sinal de um crescimento insustentável. E quando olhamos para as contas nacionais, também começamos a ver nos últimos dois trimestres uma queda das exportações líquidas com proporção do PIB.

E qual é o saldo dessa combinação?

Se juntar tudo o que falei, é um crescimento de uma economia a pleno emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda, e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável. Sinaliza que, em algum momento à frente, um ajuste terá de acontecer. Adicionalmente, a gente tem também uma insustentabilidade das contas públicas na dívida pública. Na minha empresa, a gente acabou de rever os números. Achávamos que a dívida pública brasileira iria fechar em uns 83% do PIB ou 84% do PIB em dezembro de 2026, mas, hoje, estamos enxergando a dívida pública terminando 2026 em 86% do PIB. No terceiro mandato do presidente Lula, haverá um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB da dívida pública. E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência. Ou seja, do ponto de vista da dinâmica do endividamento, também estamos numa trajetória insustentável. Quando coloco todos esses números, a minha visão é diferente da visão da Moody’s.

Do ponto de vista fiscal, Brasil está numa trajetória insustentável, diz Samuel Pessâo Foto: Helvio Romero/Estadão

É uma visão mais negativa, então?

É mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme.

Com esse cenário descrito, até quando a economia aguenta?

Essa é a dúvida de todo mundo, mas a gente tem algumas coisas que nos ajudam. O calendário eleitoral ajuda. Então, a impressão que tenho é que a gente consegue empurrar com a barriga até o processo eleitoral. O (governo) Lula 4 terá dificuldades em 2027, 2028.

Mas será um cenário que se assemelha ao segundo governo da Dilma?

É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2, mas numa intensidade bem menor. Mesmo num período de mais dois anos e um trimestre de uma trajetória desequilibrada e insustentável, os desequilíbrios que vão se acumular serão muito menores. 2027 será parecido com 2015, mas menos intenso.

Por que será menos intenso?

Naquele período, a gente ficou desorganizando a economia durante muito tempo. A desorganização começou em 2007 mais ou menos. Se você olhar as minhas colunas na Folha, tem uma coluna minha do ano passado em que argumento que a de organização da economia não começou com Dilma 1, mas no Lula 2. O que marca o início da desorganização da economia é a mudança no Ministério da Fazenda com a saída de Antônio Palocci e a ida de Guido Mantega. E essas estatísticas todas que eu acabei de elencar, eu mostro como elas evoluíram entre 2007 e 2013. Se você olhar as estatísticas que eu elenquei, evolução do déficit primário estrutural, evolução das exportações líquidas como proporção do PIB, evolução da rentabilidade das empresas e salários correndo além da produtividade, você verá que essas quatro estatísticas pioraram muito entre 2007 e 2013 tomando 2006 como o ano base de comparação. E a piora é mais ou menos constante. Ela não se acentua no governo Dilma. Ela tem um ritmo de piora equivalente no governo Dilma e no governo Lula 2.

E por que os problemas demoraram a surgir?

Os problemas demoraram para aparecer porque o boom de commodities escondeu os problemas. E, na verdade, ao contrário do que as pessoas acham, a recuperação da crise de 2008 foi muito rápida no mundo todo. E o maior boom de commodities ocorreu após a crise. Então, não é verdade que a crise atrapalhou o Brasil. Nesse sentido, o presidente Lula tem razão. Para nós, a crise foi uma marolinha, porque a China com os impulsos que praticou, naquela época, voltou muito forte. E essa volta chinesa muito forte gerou um aumento muito grande do preço das nossas commodities e os termos de trocas ficaram muito bons. Então, todo esse período longo de desequilíbrios, demoraram para aparecer, porque a situação internacional muito favorável escondia os problemas. Mas foram muitos anos acumulando desequilíbrios. Quando o mundo virou, os problemas apareceram.

E agora?

Agora, estamos numa trajetória de arrumar a economia, pelo menos, de 2015 até 2021. Mesmo do ponto de vista fiscal, houve avanços no governo Bolsonaro. O Paulo Guedes levou para o ministro Fernando Haddad um país numa situação fiscal melhor do que ele pegou. No segundo mandato da presidente Dilma, iniciou-se um esforço reformador no País. Passou pelo governo Temer e passou pelo governo Bolsonaro, pelo menos, até 2021. E como a gente não tem uma situação externa tão favorável, os problemas não estão sendo tão encobertos e o tempo é mais curto. Serão só quatro anos de desarrumação de casa. Não serão sete anos como foi daquela vez. E também fizemos muitas reformas que dificultam a capacidade do governo atual em bagunçar muito a casa. Esses motivos todos explicam porque haverá um ajuste menos intenso em 2027 do que correu em 2015.

O grau de investimento está longe então?

O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão.

O sr. já fala em Lula 4. Acredita que um eventual próximo governo pode mudar a rota da economia?

Acho que o presidente Lula continua uma pessoa pragmática. Mas ele me parece menos pragmático. Me parece que virou um economista heterodoxo. Me parece que ele foi convencido - não sei como, porque os fatos vão na direção contrária - de que gasto é vida, que gasto estimula a economia e gera bons resultados. Mas acho que ele não é tão ideológico quanto a Dilma. Mesmo a Dilma, tentou arrumar a casa em 2015. Ela fez o diagnóstico certo. O problema é que as circunstâncias políticas impediram que a presidente Dilma arrumasse. Ela tentou fazer o certo. Como o presidente Lula é uma pessoa de muito mais traquejo, a minha avaliação é que ele conseguirá ajustar de alguma forma em 2027 e 2028, mas, talvez, haja a transição política em 2030. Como o FHC 2 chegou mal no final do segundo mandato, provavelmente, o Lula chegará mal no final do quarto mandato.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), Samuel Pessôa tem uma avaliação mais negativa do desempenho econômico do Brasil do que a agência de classificação de risco Moody’s – que deixou o País a um passo do grau de investimento.

“O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão”, afirma.

Pessôa enxerga uma série desequilíbrios na economia brasileira que tornam o crescimento econômico e da dívida pública insustentável. Mas avalia que será possível “empurrar com a barriga até o processo eleitoral” de 2026.

“É (uma visão) mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme”, afirma Pessôa.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação do sr. sobre a decisão da Moodys?

A decisão é muito baseada numa perspectiva de atividade melhor, num crescimento melhor e na avaliação de que o arcabouço fiscal, num prazo razoável, vai conseguir encaminhar os nossos desequilíbrios fiscais. Essas são as avaliações que os economistas da Moody’s fizeram. Acho que é uma avaliação legitima, mas eu, em particular, discordo. E discordo dos dois pontos.

Por que o sr. discorda?

É verdade que o crescimento brasileiro está bem melhor do que se imaginava, mas, no meu entender, é um crescimento insustentável. É uma espécie de economia em marcha forçada - para a usar o título de um livro famoso nos anos 1980 sobre a economia brasileira no governo Geisel. O que significa? Significa que a gente está crescendo bem, mas esse crescimento é turbinado por gastos públicos. E é insustentável porque estamos no pleno emprego. Portanto, um crescimento turbinado por gastos públicos numa economia em pleno emprego é fortemente inflacionário no médio prazo. Ele é insustentável, porque a remuneração do trabalho tem corrido muito mais rapidamente do que a produtividade do trabalho. Sempre que a gente tem uma trajetória de crescimento em que a produtividade do trabalho corre significativamente aquém da remuneração do trabalho, os problemas se avolumam à frente.

Eu também tive a oportunidade de olhar uns dados organizados e tabulados pelo professor Rocca (Carlos Rocca) sobre a rentabilidade das empresas. A gente vê que começa uma trajetória de queda da rentabilidade das empresas. É um outro sinal de um crescimento insustentável. E quando olhamos para as contas nacionais, também começamos a ver nos últimos dois trimestres uma queda das exportações líquidas com proporção do PIB.

E qual é o saldo dessa combinação?

Se juntar tudo o que falei, é um crescimento de uma economia a pleno emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda, e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável. Sinaliza que, em algum momento à frente, um ajuste terá de acontecer. Adicionalmente, a gente tem também uma insustentabilidade das contas públicas na dívida pública. Na minha empresa, a gente acabou de rever os números. Achávamos que a dívida pública brasileira iria fechar em uns 83% do PIB ou 84% do PIB em dezembro de 2026, mas, hoje, estamos enxergando a dívida pública terminando 2026 em 86% do PIB. No terceiro mandato do presidente Lula, haverá um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB da dívida pública. E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência. Ou seja, do ponto de vista da dinâmica do endividamento, também estamos numa trajetória insustentável. Quando coloco todos esses números, a minha visão é diferente da visão da Moody’s.

Do ponto de vista fiscal, Brasil está numa trajetória insustentável, diz Samuel Pessâo Foto: Helvio Romero/Estadão

É uma visão mais negativa, então?

É mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme.

Com esse cenário descrito, até quando a economia aguenta?

Essa é a dúvida de todo mundo, mas a gente tem algumas coisas que nos ajudam. O calendário eleitoral ajuda. Então, a impressão que tenho é que a gente consegue empurrar com a barriga até o processo eleitoral. O (governo) Lula 4 terá dificuldades em 2027, 2028.

Mas será um cenário que se assemelha ao segundo governo da Dilma?

É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2, mas numa intensidade bem menor. Mesmo num período de mais dois anos e um trimestre de uma trajetória desequilibrada e insustentável, os desequilíbrios que vão se acumular serão muito menores. 2027 será parecido com 2015, mas menos intenso.

Por que será menos intenso?

Naquele período, a gente ficou desorganizando a economia durante muito tempo. A desorganização começou em 2007 mais ou menos. Se você olhar as minhas colunas na Folha, tem uma coluna minha do ano passado em que argumento que a de organização da economia não começou com Dilma 1, mas no Lula 2. O que marca o início da desorganização da economia é a mudança no Ministério da Fazenda com a saída de Antônio Palocci e a ida de Guido Mantega. E essas estatísticas todas que eu acabei de elencar, eu mostro como elas evoluíram entre 2007 e 2013. Se você olhar as estatísticas que eu elenquei, evolução do déficit primário estrutural, evolução das exportações líquidas como proporção do PIB, evolução da rentabilidade das empresas e salários correndo além da produtividade, você verá que essas quatro estatísticas pioraram muito entre 2007 e 2013 tomando 2006 como o ano base de comparação. E a piora é mais ou menos constante. Ela não se acentua no governo Dilma. Ela tem um ritmo de piora equivalente no governo Dilma e no governo Lula 2.

E por que os problemas demoraram a surgir?

Os problemas demoraram para aparecer porque o boom de commodities escondeu os problemas. E, na verdade, ao contrário do que as pessoas acham, a recuperação da crise de 2008 foi muito rápida no mundo todo. E o maior boom de commodities ocorreu após a crise. Então, não é verdade que a crise atrapalhou o Brasil. Nesse sentido, o presidente Lula tem razão. Para nós, a crise foi uma marolinha, porque a China com os impulsos que praticou, naquela época, voltou muito forte. E essa volta chinesa muito forte gerou um aumento muito grande do preço das nossas commodities e os termos de trocas ficaram muito bons. Então, todo esse período longo de desequilíbrios, demoraram para aparecer, porque a situação internacional muito favorável escondia os problemas. Mas foram muitos anos acumulando desequilíbrios. Quando o mundo virou, os problemas apareceram.

E agora?

Agora, estamos numa trajetória de arrumar a economia, pelo menos, de 2015 até 2021. Mesmo do ponto de vista fiscal, houve avanços no governo Bolsonaro. O Paulo Guedes levou para o ministro Fernando Haddad um país numa situação fiscal melhor do que ele pegou. No segundo mandato da presidente Dilma, iniciou-se um esforço reformador no País. Passou pelo governo Temer e passou pelo governo Bolsonaro, pelo menos, até 2021. E como a gente não tem uma situação externa tão favorável, os problemas não estão sendo tão encobertos e o tempo é mais curto. Serão só quatro anos de desarrumação de casa. Não serão sete anos como foi daquela vez. E também fizemos muitas reformas que dificultam a capacidade do governo atual em bagunçar muito a casa. Esses motivos todos explicam porque haverá um ajuste menos intenso em 2027 do que correu em 2015.

O grau de investimento está longe então?

O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão.

O sr. já fala em Lula 4. Acredita que um eventual próximo governo pode mudar a rota da economia?

Acho que o presidente Lula continua uma pessoa pragmática. Mas ele me parece menos pragmático. Me parece que virou um economista heterodoxo. Me parece que ele foi convencido - não sei como, porque os fatos vão na direção contrária - de que gasto é vida, que gasto estimula a economia e gera bons resultados. Mas acho que ele não é tão ideológico quanto a Dilma. Mesmo a Dilma, tentou arrumar a casa em 2015. Ela fez o diagnóstico certo. O problema é que as circunstâncias políticas impediram que a presidente Dilma arrumasse. Ela tentou fazer o certo. Como o presidente Lula é uma pessoa de muito mais traquejo, a minha avaliação é que ele conseguirá ajustar de alguma forma em 2027 e 2028, mas, talvez, haja a transição política em 2030. Como o FHC 2 chegou mal no final do segundo mandato, provavelmente, o Lula chegará mal no final do quarto mandato.

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre), Samuel Pessôa tem uma avaliação mais negativa do desempenho econômico do Brasil do que a agência de classificação de risco Moody’s – que deixou o País a um passo do grau de investimento.

“O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão”, afirma.

Pessôa enxerga uma série desequilíbrios na economia brasileira que tornam o crescimento econômico e da dívida pública insustentável. Mas avalia que será possível “empurrar com a barriga até o processo eleitoral” de 2026.

“É (uma visão) mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme”, afirma Pessôa.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação do sr. sobre a decisão da Moodys?

A decisão é muito baseada numa perspectiva de atividade melhor, num crescimento melhor e na avaliação de que o arcabouço fiscal, num prazo razoável, vai conseguir encaminhar os nossos desequilíbrios fiscais. Essas são as avaliações que os economistas da Moody’s fizeram. Acho que é uma avaliação legitima, mas eu, em particular, discordo. E discordo dos dois pontos.

Por que o sr. discorda?

É verdade que o crescimento brasileiro está bem melhor do que se imaginava, mas, no meu entender, é um crescimento insustentável. É uma espécie de economia em marcha forçada - para a usar o título de um livro famoso nos anos 1980 sobre a economia brasileira no governo Geisel. O que significa? Significa que a gente está crescendo bem, mas esse crescimento é turbinado por gastos públicos. E é insustentável porque estamos no pleno emprego. Portanto, um crescimento turbinado por gastos públicos numa economia em pleno emprego é fortemente inflacionário no médio prazo. Ele é insustentável, porque a remuneração do trabalho tem corrido muito mais rapidamente do que a produtividade do trabalho. Sempre que a gente tem uma trajetória de crescimento em que a produtividade do trabalho corre significativamente aquém da remuneração do trabalho, os problemas se avolumam à frente.

Eu também tive a oportunidade de olhar uns dados organizados e tabulados pelo professor Rocca (Carlos Rocca) sobre a rentabilidade das empresas. A gente vê que começa uma trajetória de queda da rentabilidade das empresas. É um outro sinal de um crescimento insustentável. E quando olhamos para as contas nacionais, também começamos a ver nos últimos dois trimestres uma queda das exportações líquidas com proporção do PIB.

E qual é o saldo dessa combinação?

Se juntar tudo o que falei, é um crescimento de uma economia a pleno emprego, turbinado pelos gastos públicos, com salários correndo além da produtividade do trabalho, exportações líquidas como proporção do PIB em queda, e rentabilidade das empresas em queda. Tudo isso aponta para uma trajetória de crescimento insustentável. Sinaliza que, em algum momento à frente, um ajuste terá de acontecer. Adicionalmente, a gente tem também uma insustentabilidade das contas públicas na dívida pública. Na minha empresa, a gente acabou de rever os números. Achávamos que a dívida pública brasileira iria fechar em uns 83% do PIB ou 84% do PIB em dezembro de 2026, mas, hoje, estamos enxergando a dívida pública terminando 2026 em 86% do PIB. No terceiro mandato do presidente Lula, haverá um aumento de 14 pontos porcentuais do PIB da dívida pública. E não conseguimos enxergar nenhum processo de estabilização, de reversão dessa tendência. Ou seja, do ponto de vista da dinâmica do endividamento, também estamos numa trajetória insustentável. Quando coloco todos esses números, a minha visão é diferente da visão da Moody’s.

Do ponto de vista fiscal, Brasil está numa trajetória insustentável, diz Samuel Pessâo Foto: Helvio Romero/Estadão

É uma visão mais negativa, então?

É mais negativa. Não tanto pela foto do País, mas o filme é ruim. Quando a gente fala sobre a insustentabilidade, ela não necessariamente se aplica à foto, mas se aplica ao filme.

Com esse cenário descrito, até quando a economia aguenta?

Essa é a dúvida de todo mundo, mas a gente tem algumas coisas que nos ajudam. O calendário eleitoral ajuda. Então, a impressão que tenho é que a gente consegue empurrar com a barriga até o processo eleitoral. O (governo) Lula 4 terá dificuldades em 2027, 2028.

Mas será um cenário que se assemelha ao segundo governo da Dilma?

É um cenário muito parecido com o governo Dilma 2, mas numa intensidade bem menor. Mesmo num período de mais dois anos e um trimestre de uma trajetória desequilibrada e insustentável, os desequilíbrios que vão se acumular serão muito menores. 2027 será parecido com 2015, mas menos intenso.

Por que será menos intenso?

Naquele período, a gente ficou desorganizando a economia durante muito tempo. A desorganização começou em 2007 mais ou menos. Se você olhar as minhas colunas na Folha, tem uma coluna minha do ano passado em que argumento que a de organização da economia não começou com Dilma 1, mas no Lula 2. O que marca o início da desorganização da economia é a mudança no Ministério da Fazenda com a saída de Antônio Palocci e a ida de Guido Mantega. E essas estatísticas todas que eu acabei de elencar, eu mostro como elas evoluíram entre 2007 e 2013. Se você olhar as estatísticas que eu elenquei, evolução do déficit primário estrutural, evolução das exportações líquidas como proporção do PIB, evolução da rentabilidade das empresas e salários correndo além da produtividade, você verá que essas quatro estatísticas pioraram muito entre 2007 e 2013 tomando 2006 como o ano base de comparação. E a piora é mais ou menos constante. Ela não se acentua no governo Dilma. Ela tem um ritmo de piora equivalente no governo Dilma e no governo Lula 2.

E por que os problemas demoraram a surgir?

Os problemas demoraram para aparecer porque o boom de commodities escondeu os problemas. E, na verdade, ao contrário do que as pessoas acham, a recuperação da crise de 2008 foi muito rápida no mundo todo. E o maior boom de commodities ocorreu após a crise. Então, não é verdade que a crise atrapalhou o Brasil. Nesse sentido, o presidente Lula tem razão. Para nós, a crise foi uma marolinha, porque a China com os impulsos que praticou, naquela época, voltou muito forte. E essa volta chinesa muito forte gerou um aumento muito grande do preço das nossas commodities e os termos de trocas ficaram muito bons. Então, todo esse período longo de desequilíbrios, demoraram para aparecer, porque a situação internacional muito favorável escondia os problemas. Mas foram muitos anos acumulando desequilíbrios. Quando o mundo virou, os problemas apareceram.

E agora?

Agora, estamos numa trajetória de arrumar a economia, pelo menos, de 2015 até 2021. Mesmo do ponto de vista fiscal, houve avanços no governo Bolsonaro. O Paulo Guedes levou para o ministro Fernando Haddad um país numa situação fiscal melhor do que ele pegou. No segundo mandato da presidente Dilma, iniciou-se um esforço reformador no País. Passou pelo governo Temer e passou pelo governo Bolsonaro, pelo menos, até 2021. E como a gente não tem uma situação externa tão favorável, os problemas não estão sendo tão encobertos e o tempo é mais curto. Serão só quatro anos de desarrumação de casa. Não serão sete anos como foi daquela vez. E também fizemos muitas reformas que dificultam a capacidade do governo atual em bagunçar muito a casa. Esses motivos todos explicam porque haverá um ajuste menos intenso em 2027 do que correu em 2015.

O grau de investimento está longe então?

O grau de investimento é superdistante. Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão.

O sr. já fala em Lula 4. Acredita que um eventual próximo governo pode mudar a rota da economia?

Acho que o presidente Lula continua uma pessoa pragmática. Mas ele me parece menos pragmático. Me parece que virou um economista heterodoxo. Me parece que ele foi convencido - não sei como, porque os fatos vão na direção contrária - de que gasto é vida, que gasto estimula a economia e gera bons resultados. Mas acho que ele não é tão ideológico quanto a Dilma. Mesmo a Dilma, tentou arrumar a casa em 2015. Ela fez o diagnóstico certo. O problema é que as circunstâncias políticas impediram que a presidente Dilma arrumasse. Ela tentou fazer o certo. Como o presidente Lula é uma pessoa de muito mais traquejo, a minha avaliação é que ele conseguirá ajustar de alguma forma em 2027 e 2028, mas, talvez, haja a transição política em 2030. Como o FHC 2 chegou mal no final do segundo mandato, provavelmente, o Lula chegará mal no final do quarto mandato.

Entrevista por Luiz Guilherme Gerbelli

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