Real 30 anos: ‘Plano era de estabilidade da moeda e teve sucesso; faltou a sequência’, diz Setubal


Para copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, plano ajudou Brasil a perceber problemas na frente fiscal e nas contas externas, mas reformas ainda são necessárias para economia do País se tornar dinâmica e moderna

Por Matheus Piovesana
Atualização:
Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO
Entrevista comRoberto SetubalCopresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco

O Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira, 1º, fez os bancos reorientarem seu modelo de negócios para a concessão de crédito, ou seja, para atuarem como bancos de verdade. O copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirma que levou alguns anos para que essa mudança se firmasse, mas que ela ajudou a desenvolver um sistema financeiro mais robusto.

“Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável”, diz ele ao Estadão/Broadcast. Setubal havia assumido a presidência do Itaú cerca de quatro meses antes da implementação do plano, e esteve à frente do conglomerado durante um ciclo de consolidação que levou os bancos que sobreviveram ao fim da inflação, o Itaú entre eles, a conquistarem uma escala maior que a anterior.

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Um dos vetores da consolidação foi a privatização dos bancos estaduais, que eram utilizados pelos governos locais para se financiarem e retroalimentavam a inflação. O Itaú comprou quatro deles: o Banerj (Rio de Janeiro), o BEMGE (Minas Gerais), o Banestado (Paraná) e o BEG (Goiás), entre 1997 e 2001. “Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande”, afirma Setubal. Em 2008, o Itaú se uniu a outro “consolidador”, o Unibanco, dando origem ao maior banco da América Latina, com R$ 2,8 trilhões em ativos.

Setubal se tornou presidente do Itaú Unibanco e ocupou o posto até 2017, quando passou ao comando do conselho, compartilhado com Pedro Moreira Salles, vindo do Unibanco.

De acordo com ele, o Plano Real ajudou o País a perceber outros problemas da economia, nas frentes fiscal e das contas externas. Entretanto, Setubal afirma que ainda há uma agenda de reformas a ser feita. “Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.”

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Segundo Setubal, em 'seis meses estava bem claro' que o Plano Real daria certo Foto: Alex Silva/Estadão

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

O senhor havia acabado de assumir a presidência do Itaú naquele 1º de julho. Como foi passar pelo plano e por seus primeiros meses?

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Vínhamos em um período de inflação alta por muitos anos, e a principal fonte de receita dos bancos era o fluxo financeiro que transitava pelo banco. Esse floating gerava uma renda muito grande porque as taxas de juros eram gigantescas. Lembro que, em certo momento, chegamos a ter uma taxa de 3% ao dia, um negócio de louco. Nesse modelo, os bancos desenvolveram um supersistema de transferência de recursos no País, e desde aquela época transferíamos no mesmo dia dinheiro de Manaus para São Paulo. Nos Estados Unidos, ainda hoje isso leva dias. Para as empresas isso tinha um valor enorme, porque, de um lado, o banco podia ganhar 3%, e elas “perdiam” 3%. Já os empréstimos nessa época eram muito curtos. A inflação era muito incerta, e a ocorrência de planos econômicos impossibilitava fazer empréstimos. Os prazos eram de três, seis meses, e não havia empréstimos longos, fora os repasses do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Quando veio o Plano Real, houve uma mudança muito grande, porque a fonte de receita do floating secou, e os bancos passaram a ser bancos de verdade. Houve uma certa dúvida: o que vai se fazer agora? Até termos uma receita equilibrada e empréstimos, achávamos que demoraria algum tempo, mas a economia aqueceu tanto com o fim da inflação que a demanda por empréstimos foi muito alta, e rapidamente conseguimos repor as receitas. Isso se deu no primeiro ano pós-Plano Real. Em seguida, como a economia aqueceu demais, a inflação começou a voltar, e o Banco Central subiu a taxa de juros de forma muito forte. A redução da atividade causou uma inadimplência muito alta. Saímos de um problema de não ter receita para um problema de inadimplência dois anos depois. E aí vieram as crises da Ásia, da Rússia, toda hora havia crise em algum país emergente. Foram períodos bastante difíceis de lidar, até que isso se estabilizou lá pelo ano 2000.

O que mostrou que essa estabilização havia acontecido no caso dos bancos? Foi a queda da inadimplência?

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Nesse período de transição difícil, alguns bancos ficaram pelo caminho. Bancos grandes, como o Nacional, que teve aquele rombo. Depois houve o Econômico e o Bamerindus. Os bancos mais fortes e capitalizados, como o próprio Itaú, o Bradesco, o Unibanco e o Real, passaram com suas dificuldades, mas com saúde. O problema da inadimplência também veio pelo despreparo dos bancos para fazer empréstimos. As áreas de crédito não tinham capacidade de fazer os volumes de empréstimo que estavam fazendo. Óbvio que isso se desenvolveu muito melhor ao longo dos anos. Tivemos o fim das crises internacionais na segunda metade dos anos 1990, e uma estabilização na inadimplência. Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável.

Como foi esse processo de remodelagem dos bancos? Foi tentativa e erro, ou o sistema buscou exemplos no exterior?

Sem dúvida, olhamos bastante lá para fora. Lembro que fizemos visitas no exterior para ver como os bancos estavam organizados na área de crédito, que tipo de política e de modelagem para os pontos críticos observavam.

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O Itaú teve um papel importante nas privatizações dos bancos estaduais, que eram parte do esforço do plano, comprando quatro deles. O que essas instituições trouxeram?

Uma das fontes da inflação eram os bancos estaduais. Os governos estaduais tomavam empréstimos junto aos bancos estaduais, em volumes para os quais esses bancos não tinham depósitos, e eles estouravam a conta-reserva que tinham no Banco Central, o que criava uma expansão monetária permanente. Quando foi feito o Plano Real, decidiu-se que os governos estaduais não podiam mais tomar emprestado dinheiro nos seus bancos, e o governo federal ofereceu duas alternativas: ou os governos pagavam aos bancos, ou entregavam o banco para o governo federal, que financiaria a dívida que tinham com os bancos em 30 anos. Os bancos estaduais eram de muito baixa qualidade, com algumas exceções. O primeiro a ser privatizado foi o Banerj, do Rio de Janeiro (em 1997), que era muito problemático, e o governo federal fez um enorme esforço para privatizar. Separaram o banco bom do banco ruim, mas o banco bom, entre aspas, era muito ruim, e não apareceu ninguém no primeiro leilão. Tínhamos muito medo de comprar um banco estadual porque não sabíamos como funcionaria. Aí o governo fez outro leilão, mudando algumas coisas, e o Itaú o comprou. Foi superimportante, porque o Itaú era muito fraco no Rio de Janeiro, e esse banco nos deu uma presença muito forte. O Itaú era muito forte no Estado de São Paulo, mas fora de São Paulo, não. Em seguida veio o banco em Minas Gerais, o BEMGE, e nós compramos. Neste leilão apareceram vários interessados, porque perceberam que era possível administrar um banco estadual e que os funcionários se adaptavam. Nós, que conhecíamos melhor o que era um banco estadual, fizemos a melhor oferta. Em Minas tínhamos uma presença relativamente pequena, e com a compra do banco crescemos muito. Em seguida, compramos o banco do Paraná (o Banestado). Nós, que éramos fortes em São Paulo, passamos a ser fortes em São Paulo, Minas, Rio e Paraná. Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande.

Quando ficou claro que o Plano Real havia dado certo no objetivo de conter a inflação?

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Em seis meses estava bem claro que daria certo. O plano tinha endereçado pontos que os anteriores não tinham. Uma é a questão dos bancos estaduais, e outra é a questão fiscal, com uma política que buscava o superávit primário. As lições dos planos anteriores foram muito bem aproveitadas para fazer um plano que funcionasse.

Quais foram as principais lições dos planos anteriores? Não congelar preços, por exemplo?

Os planos anteriores basicamente eram congelar preços, não havia medidas fiscais ou monetárias. A consolidação definitiva do real foi a adoção do câmbio flutuante, em 1999, uma mudança gigantesca nos mercados. Havia muito pouca experiência, como no crédito, com o câmbio flutuante. O Brasil estava sempre próximo de uma crise externa, e o câmbio flutuante resolveu definitivamente essa questão. Também foi um passo fantástico, que consolidou os ganhos do Plano Real.

O Plano Real veio acompanhado de uma série de reformas, mas 30 anos depois ainda falamos na necessidade de reformar a economia. O que faltou executar?

O plano era de estabilidade da moeda, e nesse sentido teve sucesso absoluto. Dito isso, faltou dar sequência a ele. Em certos momentos, as coisas funcionaram bem: chegamos a ter, se não me engano, 3% de superávit primário, e a situação fiscal ficou bastante boa por alguns anos. Depois, perdeu-se. Estamos ciclotímicos com a questão fiscal, não é uma questão resolvida, mas é importante. Com ela vêm as questões previdenciárias, que são uma fonte grande de pressão no Orçamento. Algumas reformas deram resultados bons, como a trabalhista, embora eu ache que ainda tenha de haver um segundo capítulo, porque o País tem uma quantidade de ações trabalhistas e de problemas nessa área muito grande. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada, e isso tira muita competitividade da nossa indústria. Há coisas muito relevantes para endereçarmos. A reforma tributária, que está sendo feita agora, é um passo bastante relevante.

O Plano Real e seu sucesso ajudaram a ampliar a consciência de que é preciso fazer reformas?

Nos períodos de alta inflação, ninguém tinha muita noção dos problemas que vinham junto, porque a inflação era um problema tão grande que o resto ficava muito menor. Lembro de programas de televisão entrevistando pessoas na rua para demonstrar como era a situação, e as pessoas não tinham noção dos preços. A estabilização baixou a água, e aí começou-se a perceber os problemas. Os primeiros foram a questão fiscal e a das contas externas. O processo precisa continuar. Em qualquer ranking de produtividade, competitividade ou atração de investimentos, o Brasil hoje está muito abaixo. Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.

O Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira, 1º, fez os bancos reorientarem seu modelo de negócios para a concessão de crédito, ou seja, para atuarem como bancos de verdade. O copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirma que levou alguns anos para que essa mudança se firmasse, mas que ela ajudou a desenvolver um sistema financeiro mais robusto.

“Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável”, diz ele ao Estadão/Broadcast. Setubal havia assumido a presidência do Itaú cerca de quatro meses antes da implementação do plano, e esteve à frente do conglomerado durante um ciclo de consolidação que levou os bancos que sobreviveram ao fim da inflação, o Itaú entre eles, a conquistarem uma escala maior que a anterior.

Um dos vetores da consolidação foi a privatização dos bancos estaduais, que eram utilizados pelos governos locais para se financiarem e retroalimentavam a inflação. O Itaú comprou quatro deles: o Banerj (Rio de Janeiro), o BEMGE (Minas Gerais), o Banestado (Paraná) e o BEG (Goiás), entre 1997 e 2001. “Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande”, afirma Setubal. Em 2008, o Itaú se uniu a outro “consolidador”, o Unibanco, dando origem ao maior banco da América Latina, com R$ 2,8 trilhões em ativos.

Setubal se tornou presidente do Itaú Unibanco e ocupou o posto até 2017, quando passou ao comando do conselho, compartilhado com Pedro Moreira Salles, vindo do Unibanco.

De acordo com ele, o Plano Real ajudou o País a perceber outros problemas da economia, nas frentes fiscal e das contas externas. Entretanto, Setubal afirma que ainda há uma agenda de reformas a ser feita. “Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.”

Segundo Setubal, em 'seis meses estava bem claro' que o Plano Real daria certo Foto: Alex Silva/Estadão

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

O senhor havia acabado de assumir a presidência do Itaú naquele 1º de julho. Como foi passar pelo plano e por seus primeiros meses?

Vínhamos em um período de inflação alta por muitos anos, e a principal fonte de receita dos bancos era o fluxo financeiro que transitava pelo banco. Esse floating gerava uma renda muito grande porque as taxas de juros eram gigantescas. Lembro que, em certo momento, chegamos a ter uma taxa de 3% ao dia, um negócio de louco. Nesse modelo, os bancos desenvolveram um supersistema de transferência de recursos no País, e desde aquela época transferíamos no mesmo dia dinheiro de Manaus para São Paulo. Nos Estados Unidos, ainda hoje isso leva dias. Para as empresas isso tinha um valor enorme, porque, de um lado, o banco podia ganhar 3%, e elas “perdiam” 3%. Já os empréstimos nessa época eram muito curtos. A inflação era muito incerta, e a ocorrência de planos econômicos impossibilitava fazer empréstimos. Os prazos eram de três, seis meses, e não havia empréstimos longos, fora os repasses do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Quando veio o Plano Real, houve uma mudança muito grande, porque a fonte de receita do floating secou, e os bancos passaram a ser bancos de verdade. Houve uma certa dúvida: o que vai se fazer agora? Até termos uma receita equilibrada e empréstimos, achávamos que demoraria algum tempo, mas a economia aqueceu tanto com o fim da inflação que a demanda por empréstimos foi muito alta, e rapidamente conseguimos repor as receitas. Isso se deu no primeiro ano pós-Plano Real. Em seguida, como a economia aqueceu demais, a inflação começou a voltar, e o Banco Central subiu a taxa de juros de forma muito forte. A redução da atividade causou uma inadimplência muito alta. Saímos de um problema de não ter receita para um problema de inadimplência dois anos depois. E aí vieram as crises da Ásia, da Rússia, toda hora havia crise em algum país emergente. Foram períodos bastante difíceis de lidar, até que isso se estabilizou lá pelo ano 2000.

O que mostrou que essa estabilização havia acontecido no caso dos bancos? Foi a queda da inadimplência?

Nesse período de transição difícil, alguns bancos ficaram pelo caminho. Bancos grandes, como o Nacional, que teve aquele rombo. Depois houve o Econômico e o Bamerindus. Os bancos mais fortes e capitalizados, como o próprio Itaú, o Bradesco, o Unibanco e o Real, passaram com suas dificuldades, mas com saúde. O problema da inadimplência também veio pelo despreparo dos bancos para fazer empréstimos. As áreas de crédito não tinham capacidade de fazer os volumes de empréstimo que estavam fazendo. Óbvio que isso se desenvolveu muito melhor ao longo dos anos. Tivemos o fim das crises internacionais na segunda metade dos anos 1990, e uma estabilização na inadimplência. Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável.

Como foi esse processo de remodelagem dos bancos? Foi tentativa e erro, ou o sistema buscou exemplos no exterior?

Sem dúvida, olhamos bastante lá para fora. Lembro que fizemos visitas no exterior para ver como os bancos estavam organizados na área de crédito, que tipo de política e de modelagem para os pontos críticos observavam.

O Itaú teve um papel importante nas privatizações dos bancos estaduais, que eram parte do esforço do plano, comprando quatro deles. O que essas instituições trouxeram?

Uma das fontes da inflação eram os bancos estaduais. Os governos estaduais tomavam empréstimos junto aos bancos estaduais, em volumes para os quais esses bancos não tinham depósitos, e eles estouravam a conta-reserva que tinham no Banco Central, o que criava uma expansão monetária permanente. Quando foi feito o Plano Real, decidiu-se que os governos estaduais não podiam mais tomar emprestado dinheiro nos seus bancos, e o governo federal ofereceu duas alternativas: ou os governos pagavam aos bancos, ou entregavam o banco para o governo federal, que financiaria a dívida que tinham com os bancos em 30 anos. Os bancos estaduais eram de muito baixa qualidade, com algumas exceções. O primeiro a ser privatizado foi o Banerj, do Rio de Janeiro (em 1997), que era muito problemático, e o governo federal fez um enorme esforço para privatizar. Separaram o banco bom do banco ruim, mas o banco bom, entre aspas, era muito ruim, e não apareceu ninguém no primeiro leilão. Tínhamos muito medo de comprar um banco estadual porque não sabíamos como funcionaria. Aí o governo fez outro leilão, mudando algumas coisas, e o Itaú o comprou. Foi superimportante, porque o Itaú era muito fraco no Rio de Janeiro, e esse banco nos deu uma presença muito forte. O Itaú era muito forte no Estado de São Paulo, mas fora de São Paulo, não. Em seguida veio o banco em Minas Gerais, o BEMGE, e nós compramos. Neste leilão apareceram vários interessados, porque perceberam que era possível administrar um banco estadual e que os funcionários se adaptavam. Nós, que conhecíamos melhor o que era um banco estadual, fizemos a melhor oferta. Em Minas tínhamos uma presença relativamente pequena, e com a compra do banco crescemos muito. Em seguida, compramos o banco do Paraná (o Banestado). Nós, que éramos fortes em São Paulo, passamos a ser fortes em São Paulo, Minas, Rio e Paraná. Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande.

Quando ficou claro que o Plano Real havia dado certo no objetivo de conter a inflação?

Em seis meses estava bem claro que daria certo. O plano tinha endereçado pontos que os anteriores não tinham. Uma é a questão dos bancos estaduais, e outra é a questão fiscal, com uma política que buscava o superávit primário. As lições dos planos anteriores foram muito bem aproveitadas para fazer um plano que funcionasse.

Quais foram as principais lições dos planos anteriores? Não congelar preços, por exemplo?

Os planos anteriores basicamente eram congelar preços, não havia medidas fiscais ou monetárias. A consolidação definitiva do real foi a adoção do câmbio flutuante, em 1999, uma mudança gigantesca nos mercados. Havia muito pouca experiência, como no crédito, com o câmbio flutuante. O Brasil estava sempre próximo de uma crise externa, e o câmbio flutuante resolveu definitivamente essa questão. Também foi um passo fantástico, que consolidou os ganhos do Plano Real.

O Plano Real veio acompanhado de uma série de reformas, mas 30 anos depois ainda falamos na necessidade de reformar a economia. O que faltou executar?

O plano era de estabilidade da moeda, e nesse sentido teve sucesso absoluto. Dito isso, faltou dar sequência a ele. Em certos momentos, as coisas funcionaram bem: chegamos a ter, se não me engano, 3% de superávit primário, e a situação fiscal ficou bastante boa por alguns anos. Depois, perdeu-se. Estamos ciclotímicos com a questão fiscal, não é uma questão resolvida, mas é importante. Com ela vêm as questões previdenciárias, que são uma fonte grande de pressão no Orçamento. Algumas reformas deram resultados bons, como a trabalhista, embora eu ache que ainda tenha de haver um segundo capítulo, porque o País tem uma quantidade de ações trabalhistas e de problemas nessa área muito grande. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada, e isso tira muita competitividade da nossa indústria. Há coisas muito relevantes para endereçarmos. A reforma tributária, que está sendo feita agora, é um passo bastante relevante.

O Plano Real e seu sucesso ajudaram a ampliar a consciência de que é preciso fazer reformas?

Nos períodos de alta inflação, ninguém tinha muita noção dos problemas que vinham junto, porque a inflação era um problema tão grande que o resto ficava muito menor. Lembro de programas de televisão entrevistando pessoas na rua para demonstrar como era a situação, e as pessoas não tinham noção dos preços. A estabilização baixou a água, e aí começou-se a perceber os problemas. Os primeiros foram a questão fiscal e a das contas externas. O processo precisa continuar. Em qualquer ranking de produtividade, competitividade ou atração de investimentos, o Brasil hoje está muito abaixo. Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.

O Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira, 1º, fez os bancos reorientarem seu modelo de negócios para a concessão de crédito, ou seja, para atuarem como bancos de verdade. O copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirma que levou alguns anos para que essa mudança se firmasse, mas que ela ajudou a desenvolver um sistema financeiro mais robusto.

“Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável”, diz ele ao Estadão/Broadcast. Setubal havia assumido a presidência do Itaú cerca de quatro meses antes da implementação do plano, e esteve à frente do conglomerado durante um ciclo de consolidação que levou os bancos que sobreviveram ao fim da inflação, o Itaú entre eles, a conquistarem uma escala maior que a anterior.

Um dos vetores da consolidação foi a privatização dos bancos estaduais, que eram utilizados pelos governos locais para se financiarem e retroalimentavam a inflação. O Itaú comprou quatro deles: o Banerj (Rio de Janeiro), o BEMGE (Minas Gerais), o Banestado (Paraná) e o BEG (Goiás), entre 1997 e 2001. “Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande”, afirma Setubal. Em 2008, o Itaú se uniu a outro “consolidador”, o Unibanco, dando origem ao maior banco da América Latina, com R$ 2,8 trilhões em ativos.

Setubal se tornou presidente do Itaú Unibanco e ocupou o posto até 2017, quando passou ao comando do conselho, compartilhado com Pedro Moreira Salles, vindo do Unibanco.

De acordo com ele, o Plano Real ajudou o País a perceber outros problemas da economia, nas frentes fiscal e das contas externas. Entretanto, Setubal afirma que ainda há uma agenda de reformas a ser feita. “Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.”

Segundo Setubal, em 'seis meses estava bem claro' que o Plano Real daria certo Foto: Alex Silva/Estadão

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

O senhor havia acabado de assumir a presidência do Itaú naquele 1º de julho. Como foi passar pelo plano e por seus primeiros meses?

Vínhamos em um período de inflação alta por muitos anos, e a principal fonte de receita dos bancos era o fluxo financeiro que transitava pelo banco. Esse floating gerava uma renda muito grande porque as taxas de juros eram gigantescas. Lembro que, em certo momento, chegamos a ter uma taxa de 3% ao dia, um negócio de louco. Nesse modelo, os bancos desenvolveram um supersistema de transferência de recursos no País, e desde aquela época transferíamos no mesmo dia dinheiro de Manaus para São Paulo. Nos Estados Unidos, ainda hoje isso leva dias. Para as empresas isso tinha um valor enorme, porque, de um lado, o banco podia ganhar 3%, e elas “perdiam” 3%. Já os empréstimos nessa época eram muito curtos. A inflação era muito incerta, e a ocorrência de planos econômicos impossibilitava fazer empréstimos. Os prazos eram de três, seis meses, e não havia empréstimos longos, fora os repasses do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Quando veio o Plano Real, houve uma mudança muito grande, porque a fonte de receita do floating secou, e os bancos passaram a ser bancos de verdade. Houve uma certa dúvida: o que vai se fazer agora? Até termos uma receita equilibrada e empréstimos, achávamos que demoraria algum tempo, mas a economia aqueceu tanto com o fim da inflação que a demanda por empréstimos foi muito alta, e rapidamente conseguimos repor as receitas. Isso se deu no primeiro ano pós-Plano Real. Em seguida, como a economia aqueceu demais, a inflação começou a voltar, e o Banco Central subiu a taxa de juros de forma muito forte. A redução da atividade causou uma inadimplência muito alta. Saímos de um problema de não ter receita para um problema de inadimplência dois anos depois. E aí vieram as crises da Ásia, da Rússia, toda hora havia crise em algum país emergente. Foram períodos bastante difíceis de lidar, até que isso se estabilizou lá pelo ano 2000.

O que mostrou que essa estabilização havia acontecido no caso dos bancos? Foi a queda da inadimplência?

Nesse período de transição difícil, alguns bancos ficaram pelo caminho. Bancos grandes, como o Nacional, que teve aquele rombo. Depois houve o Econômico e o Bamerindus. Os bancos mais fortes e capitalizados, como o próprio Itaú, o Bradesco, o Unibanco e o Real, passaram com suas dificuldades, mas com saúde. O problema da inadimplência também veio pelo despreparo dos bancos para fazer empréstimos. As áreas de crédito não tinham capacidade de fazer os volumes de empréstimo que estavam fazendo. Óbvio que isso se desenvolveu muito melhor ao longo dos anos. Tivemos o fim das crises internacionais na segunda metade dos anos 1990, e uma estabilização na inadimplência. Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável.

Como foi esse processo de remodelagem dos bancos? Foi tentativa e erro, ou o sistema buscou exemplos no exterior?

Sem dúvida, olhamos bastante lá para fora. Lembro que fizemos visitas no exterior para ver como os bancos estavam organizados na área de crédito, que tipo de política e de modelagem para os pontos críticos observavam.

O Itaú teve um papel importante nas privatizações dos bancos estaduais, que eram parte do esforço do plano, comprando quatro deles. O que essas instituições trouxeram?

Uma das fontes da inflação eram os bancos estaduais. Os governos estaduais tomavam empréstimos junto aos bancos estaduais, em volumes para os quais esses bancos não tinham depósitos, e eles estouravam a conta-reserva que tinham no Banco Central, o que criava uma expansão monetária permanente. Quando foi feito o Plano Real, decidiu-se que os governos estaduais não podiam mais tomar emprestado dinheiro nos seus bancos, e o governo federal ofereceu duas alternativas: ou os governos pagavam aos bancos, ou entregavam o banco para o governo federal, que financiaria a dívida que tinham com os bancos em 30 anos. Os bancos estaduais eram de muito baixa qualidade, com algumas exceções. O primeiro a ser privatizado foi o Banerj, do Rio de Janeiro (em 1997), que era muito problemático, e o governo federal fez um enorme esforço para privatizar. Separaram o banco bom do banco ruim, mas o banco bom, entre aspas, era muito ruim, e não apareceu ninguém no primeiro leilão. Tínhamos muito medo de comprar um banco estadual porque não sabíamos como funcionaria. Aí o governo fez outro leilão, mudando algumas coisas, e o Itaú o comprou. Foi superimportante, porque o Itaú era muito fraco no Rio de Janeiro, e esse banco nos deu uma presença muito forte. O Itaú era muito forte no Estado de São Paulo, mas fora de São Paulo, não. Em seguida veio o banco em Minas Gerais, o BEMGE, e nós compramos. Neste leilão apareceram vários interessados, porque perceberam que era possível administrar um banco estadual e que os funcionários se adaptavam. Nós, que conhecíamos melhor o que era um banco estadual, fizemos a melhor oferta. Em Minas tínhamos uma presença relativamente pequena, e com a compra do banco crescemos muito. Em seguida, compramos o banco do Paraná (o Banestado). Nós, que éramos fortes em São Paulo, passamos a ser fortes em São Paulo, Minas, Rio e Paraná. Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande.

Quando ficou claro que o Plano Real havia dado certo no objetivo de conter a inflação?

Em seis meses estava bem claro que daria certo. O plano tinha endereçado pontos que os anteriores não tinham. Uma é a questão dos bancos estaduais, e outra é a questão fiscal, com uma política que buscava o superávit primário. As lições dos planos anteriores foram muito bem aproveitadas para fazer um plano que funcionasse.

Quais foram as principais lições dos planos anteriores? Não congelar preços, por exemplo?

Os planos anteriores basicamente eram congelar preços, não havia medidas fiscais ou monetárias. A consolidação definitiva do real foi a adoção do câmbio flutuante, em 1999, uma mudança gigantesca nos mercados. Havia muito pouca experiência, como no crédito, com o câmbio flutuante. O Brasil estava sempre próximo de uma crise externa, e o câmbio flutuante resolveu definitivamente essa questão. Também foi um passo fantástico, que consolidou os ganhos do Plano Real.

O Plano Real veio acompanhado de uma série de reformas, mas 30 anos depois ainda falamos na necessidade de reformar a economia. O que faltou executar?

O plano era de estabilidade da moeda, e nesse sentido teve sucesso absoluto. Dito isso, faltou dar sequência a ele. Em certos momentos, as coisas funcionaram bem: chegamos a ter, se não me engano, 3% de superávit primário, e a situação fiscal ficou bastante boa por alguns anos. Depois, perdeu-se. Estamos ciclotímicos com a questão fiscal, não é uma questão resolvida, mas é importante. Com ela vêm as questões previdenciárias, que são uma fonte grande de pressão no Orçamento. Algumas reformas deram resultados bons, como a trabalhista, embora eu ache que ainda tenha de haver um segundo capítulo, porque o País tem uma quantidade de ações trabalhistas e de problemas nessa área muito grande. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada, e isso tira muita competitividade da nossa indústria. Há coisas muito relevantes para endereçarmos. A reforma tributária, que está sendo feita agora, é um passo bastante relevante.

O Plano Real e seu sucesso ajudaram a ampliar a consciência de que é preciso fazer reformas?

Nos períodos de alta inflação, ninguém tinha muita noção dos problemas que vinham junto, porque a inflação era um problema tão grande que o resto ficava muito menor. Lembro de programas de televisão entrevistando pessoas na rua para demonstrar como era a situação, e as pessoas não tinham noção dos preços. A estabilização baixou a água, e aí começou-se a perceber os problemas. Os primeiros foram a questão fiscal e a das contas externas. O processo precisa continuar. Em qualquer ranking de produtividade, competitividade ou atração de investimentos, o Brasil hoje está muito abaixo. Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.

O Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira, 1º, fez os bancos reorientarem seu modelo de negócios para a concessão de crédito, ou seja, para atuarem como bancos de verdade. O copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, afirma que levou alguns anos para que essa mudança se firmasse, mas que ela ajudou a desenvolver um sistema financeiro mais robusto.

“Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável”, diz ele ao Estadão/Broadcast. Setubal havia assumido a presidência do Itaú cerca de quatro meses antes da implementação do plano, e esteve à frente do conglomerado durante um ciclo de consolidação que levou os bancos que sobreviveram ao fim da inflação, o Itaú entre eles, a conquistarem uma escala maior que a anterior.

Um dos vetores da consolidação foi a privatização dos bancos estaduais, que eram utilizados pelos governos locais para se financiarem e retroalimentavam a inflação. O Itaú comprou quatro deles: o Banerj (Rio de Janeiro), o BEMGE (Minas Gerais), o Banestado (Paraná) e o BEG (Goiás), entre 1997 e 2001. “Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande”, afirma Setubal. Em 2008, o Itaú se uniu a outro “consolidador”, o Unibanco, dando origem ao maior banco da América Latina, com R$ 2,8 trilhões em ativos.

Setubal se tornou presidente do Itaú Unibanco e ocupou o posto até 2017, quando passou ao comando do conselho, compartilhado com Pedro Moreira Salles, vindo do Unibanco.

De acordo com ele, o Plano Real ajudou o País a perceber outros problemas da economia, nas frentes fiscal e das contas externas. Entretanto, Setubal afirma que ainda há uma agenda de reformas a ser feita. “Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.”

Segundo Setubal, em 'seis meses estava bem claro' que o Plano Real daria certo Foto: Alex Silva/Estadão

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

O senhor havia acabado de assumir a presidência do Itaú naquele 1º de julho. Como foi passar pelo plano e por seus primeiros meses?

Vínhamos em um período de inflação alta por muitos anos, e a principal fonte de receita dos bancos era o fluxo financeiro que transitava pelo banco. Esse floating gerava uma renda muito grande porque as taxas de juros eram gigantescas. Lembro que, em certo momento, chegamos a ter uma taxa de 3% ao dia, um negócio de louco. Nesse modelo, os bancos desenvolveram um supersistema de transferência de recursos no País, e desde aquela época transferíamos no mesmo dia dinheiro de Manaus para São Paulo. Nos Estados Unidos, ainda hoje isso leva dias. Para as empresas isso tinha um valor enorme, porque, de um lado, o banco podia ganhar 3%, e elas “perdiam” 3%. Já os empréstimos nessa época eram muito curtos. A inflação era muito incerta, e a ocorrência de planos econômicos impossibilitava fazer empréstimos. Os prazos eram de três, seis meses, e não havia empréstimos longos, fora os repasses do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Quando veio o Plano Real, houve uma mudança muito grande, porque a fonte de receita do floating secou, e os bancos passaram a ser bancos de verdade. Houve uma certa dúvida: o que vai se fazer agora? Até termos uma receita equilibrada e empréstimos, achávamos que demoraria algum tempo, mas a economia aqueceu tanto com o fim da inflação que a demanda por empréstimos foi muito alta, e rapidamente conseguimos repor as receitas. Isso se deu no primeiro ano pós-Plano Real. Em seguida, como a economia aqueceu demais, a inflação começou a voltar, e o Banco Central subiu a taxa de juros de forma muito forte. A redução da atividade causou uma inadimplência muito alta. Saímos de um problema de não ter receita para um problema de inadimplência dois anos depois. E aí vieram as crises da Ásia, da Rússia, toda hora havia crise em algum país emergente. Foram períodos bastante difíceis de lidar, até que isso se estabilizou lá pelo ano 2000.

O que mostrou que essa estabilização havia acontecido no caso dos bancos? Foi a queda da inadimplência?

Nesse período de transição difícil, alguns bancos ficaram pelo caminho. Bancos grandes, como o Nacional, que teve aquele rombo. Depois houve o Econômico e o Bamerindus. Os bancos mais fortes e capitalizados, como o próprio Itaú, o Bradesco, o Unibanco e o Real, passaram com suas dificuldades, mas com saúde. O problema da inadimplência também veio pelo despreparo dos bancos para fazer empréstimos. As áreas de crédito não tinham capacidade de fazer os volumes de empréstimo que estavam fazendo. Óbvio que isso se desenvolveu muito melhor ao longo dos anos. Tivemos o fim das crises internacionais na segunda metade dos anos 1990, e uma estabilização na inadimplência. Fomos readaptando o modelo de negócios para um cenário mais estável.

Como foi esse processo de remodelagem dos bancos? Foi tentativa e erro, ou o sistema buscou exemplos no exterior?

Sem dúvida, olhamos bastante lá para fora. Lembro que fizemos visitas no exterior para ver como os bancos estavam organizados na área de crédito, que tipo de política e de modelagem para os pontos críticos observavam.

O Itaú teve um papel importante nas privatizações dos bancos estaduais, que eram parte do esforço do plano, comprando quatro deles. O que essas instituições trouxeram?

Uma das fontes da inflação eram os bancos estaduais. Os governos estaduais tomavam empréstimos junto aos bancos estaduais, em volumes para os quais esses bancos não tinham depósitos, e eles estouravam a conta-reserva que tinham no Banco Central, o que criava uma expansão monetária permanente. Quando foi feito o Plano Real, decidiu-se que os governos estaduais não podiam mais tomar emprestado dinheiro nos seus bancos, e o governo federal ofereceu duas alternativas: ou os governos pagavam aos bancos, ou entregavam o banco para o governo federal, que financiaria a dívida que tinham com os bancos em 30 anos. Os bancos estaduais eram de muito baixa qualidade, com algumas exceções. O primeiro a ser privatizado foi o Banerj, do Rio de Janeiro (em 1997), que era muito problemático, e o governo federal fez um enorme esforço para privatizar. Separaram o banco bom do banco ruim, mas o banco bom, entre aspas, era muito ruim, e não apareceu ninguém no primeiro leilão. Tínhamos muito medo de comprar um banco estadual porque não sabíamos como funcionaria. Aí o governo fez outro leilão, mudando algumas coisas, e o Itaú o comprou. Foi superimportante, porque o Itaú era muito fraco no Rio de Janeiro, e esse banco nos deu uma presença muito forte. O Itaú era muito forte no Estado de São Paulo, mas fora de São Paulo, não. Em seguida veio o banco em Minas Gerais, o BEMGE, e nós compramos. Neste leilão apareceram vários interessados, porque perceberam que era possível administrar um banco estadual e que os funcionários se adaptavam. Nós, que conhecíamos melhor o que era um banco estadual, fizemos a melhor oferta. Em Minas tínhamos uma presença relativamente pequena, e com a compra do banco crescemos muito. Em seguida, compramos o banco do Paraná (o Banestado). Nós, que éramos fortes em São Paulo, passamos a ser fortes em São Paulo, Minas, Rio e Paraná. Foi um momento em que tivemos um crescimento muito grande.

Quando ficou claro que o Plano Real havia dado certo no objetivo de conter a inflação?

Em seis meses estava bem claro que daria certo. O plano tinha endereçado pontos que os anteriores não tinham. Uma é a questão dos bancos estaduais, e outra é a questão fiscal, com uma política que buscava o superávit primário. As lições dos planos anteriores foram muito bem aproveitadas para fazer um plano que funcionasse.

Quais foram as principais lições dos planos anteriores? Não congelar preços, por exemplo?

Os planos anteriores basicamente eram congelar preços, não havia medidas fiscais ou monetárias. A consolidação definitiva do real foi a adoção do câmbio flutuante, em 1999, uma mudança gigantesca nos mercados. Havia muito pouca experiência, como no crédito, com o câmbio flutuante. O Brasil estava sempre próximo de uma crise externa, e o câmbio flutuante resolveu definitivamente essa questão. Também foi um passo fantástico, que consolidou os ganhos do Plano Real.

O Plano Real veio acompanhado de uma série de reformas, mas 30 anos depois ainda falamos na necessidade de reformar a economia. O que faltou executar?

O plano era de estabilidade da moeda, e nesse sentido teve sucesso absoluto. Dito isso, faltou dar sequência a ele. Em certos momentos, as coisas funcionaram bem: chegamos a ter, se não me engano, 3% de superávit primário, e a situação fiscal ficou bastante boa por alguns anos. Depois, perdeu-se. Estamos ciclotímicos com a questão fiscal, não é uma questão resolvida, mas é importante. Com ela vêm as questões previdenciárias, que são uma fonte grande de pressão no Orçamento. Algumas reformas deram resultados bons, como a trabalhista, embora eu ache que ainda tenha de haver um segundo capítulo, porque o País tem uma quantidade de ações trabalhistas e de problemas nessa área muito grande. O Brasil ainda é uma economia relativamente fechada, e isso tira muita competitividade da nossa indústria. Há coisas muito relevantes para endereçarmos. A reforma tributária, que está sendo feita agora, é um passo bastante relevante.

O Plano Real e seu sucesso ajudaram a ampliar a consciência de que é preciso fazer reformas?

Nos períodos de alta inflação, ninguém tinha muita noção dos problemas que vinham junto, porque a inflação era um problema tão grande que o resto ficava muito menor. Lembro de programas de televisão entrevistando pessoas na rua para demonstrar como era a situação, e as pessoas não tinham noção dos preços. A estabilização baixou a água, e aí começou-se a perceber os problemas. Os primeiros foram a questão fiscal e a das contas externas. O processo precisa continuar. Em qualquer ranking de produtividade, competitividade ou atração de investimentos, o Brasil hoje está muito abaixo. Nossa economia não é dinâmica, moderna, com forte crescimento, infelizmente. Essas reformas são importantes para chegarmos lá.

Entrevista por Matheus Piovesana

Matheus Piovesana é repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Responsável por cobrir bancos, pagamentos e seguros, é formado em jornalismo pela UFPR, tem especialização em jornalismo econômico pela FGV-SP e cursa MBA em Mercado Financeiro e de Capitais no Mackenzie. Ganhador de dois Prêmios Abecip de Jornalismo.

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