‘Estamos empurrando com a barriga discussão sobre mudar meta ou contingenciar’, diz Solange Srour


Para diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, sinais de que os juros vão demorar mais tempo a cair nos EUA pode deixar economia global mais difícil e exacerbar as dificuldades do País na área fiscal

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comSolange SrourDiretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos.

Hoje, o cenário do UBS Global Wealth Management é de que o BC norte-americano deve promover três cortes de 0,25 ponto nos juros em 2024. O primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. “Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países”, afirma Solange.

Com um cenário mais desafiador nos EUA, Solange alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não endereçar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica – em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal.

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“Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento”, afirma ela. “Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. analisa este começo de ano para a economia brasileira?

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Vou começar com a parte internacional, porque é o mais relevante em termos de cenário para o Brasil. Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente, nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos Estados Unidos é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa. Estamos vendo os dados surpreenderem e colocando um viés positivo para o crescimento deste ano. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Você tem uma parte de serviços nos Estados Unidos - não relacionada ao mercado imobiliário - que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido uma preocupação para o Fed. Não é uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas no sentido de se já é o momento de se fazer o corte ou não.

E qual tem sido a consequência desse cenário?

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Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais, então, afeta o Brasil e outros países. Estamos vendo as curvas de juros, por exemplo, na Europa reagir a isso. A grande incerteza hoje não é quando corta. É quanto corta. E qual o impacto isso vai ter para crescimento mundial.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

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E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Vai depender muito do caminho até junho. Se a gente continuar vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio Banco Central tem dito, dependendo dos impactos que pode ter na trajetória de inflação. Depende muito do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E qual é o cenário para os juros no Brasil?

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A gente vê o Banco Central continuando com o corte gradual de 50 em 50 (pontos). Não acho que (os diretores) estão numa situação muito confortável, porque você vê uma desinflação acontecer e, ao mesmo tempo, a economia surpreender para cima. Hoje, não tem por que acelerar, dar algum sinal de aceleração de cortes ou sinalizar para o mercado que vai parar numa taxa abaixo do (juro) neutro. A atuação do Banco Central está muito correta num cenário de tanta incerteza doméstica, marcada pela pressão sobre serviços - ou quanto mais os serviços vão desinflacionar - pelas incertezas fiscais, que ainda são bastante elevadas, e pela incerteza internacional enorme em relação aos impactos de uma postergação maior do Fed no corte de juros.

Até onde pode ir esse corte de juros no Brasil?

O que a gente trabalha é que corta de 50 em 50 (pontos) até chegar próximo do nível neutro. E a gente acha que o Focus está muito justo. Entre 9% e 9,25% seria próximo do neutro.

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E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

No curto prazo, a gente tem tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando a gente tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário para este ano. Eu vejo o consenso indo para o número um pouquinho abaixo disso. Dito isso, ainda é um número muito longe de zero, que é a meta.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

Muito provavelmente vai se alterar a meta fiscal, diz Solange Srour Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O ministro Fernando Haddad tem reforçado que persegue a meta zero. Poderia detalhar se uma eventual mudança vai trazer algum impacto?

Muita gente diz que mudar a meta deste ano não faz diferença porque ninguém espera que o (resultado) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

É uma preocupação maior com 2025 e 2026, então?

O arcabouço também está em xeque em 2025 e 2026. A gente voltou com uma regra do salário mínimo antiga (reajuste acima da inflação) sem fazer uma discussão em relação a outros gastos. O quanto, por exemplo, essa regra de salário mínimo vai implicar no crescimento muito elevado das despesas com Previdência, muito acima do que está no Orçamento. Isso vai comprimir as despesas discricionárias em 2025, junto com a nova regra (do gasto) da educação e da saúde, que cresce com a receita. No ano que vem, essa discussão do contingenciamento vai ser mais difícil ainda e pode levar, na minha opinião, a alterações do arcabouço, não só alteração na meta.

E tudo isso num contexto em que a queda de juros pode ser postergada nos Estados Unidos?

Exatamente. Se fosse um ambiente em que já estivesse claro que os juros (nos EUA) fossem cair em março ou maio, as chances de passar impune uma mudança de meta, sem medidas de controle de gastos, eram maiores do que é hoje. Eu acho que é por isso que o Haddad está realmente batendo o pé de que não vai mudar a meta. Só que se chegar num momento em que vai ficar óbvio que a meta não vai ser cumprida e isso implicar gatilhos, a gente vai ter de ter ou um contingenciamento muito forte ou uma mudança de meta com contingenciamento. Essa vai ser a hora da verdade. E aí vai depender muito do ambiente externo naquele momento.

Uma eventual eleição do Trump adiciona incerteza nesse ambiente externo?

A gente tem vários riscos no ambiente externo. A eleição americana é um dos principais. Fora isso, a gente até pode ter surpresas no conflito do Oriente Médio - não acho que a situação seja de tranquilidade extrema. Não é uma crise ainda resolvida. A mesma coisa com a guerra da Rússia. Mas em relação à eleição americana, eu acho que existe muita incerteza sobre duas pautas muito importantes nos Estados Unidos, tanto a questão da política externa e da guerra comercial como a questão doméstica, especificamente, do fiscal. A gente só vai ter um cenário mais claro com o presidente eleito.

A eleição americana, de fato, só vai começar a trazer mais preocupações para o mercado quando a gente conseguir ter um grau de conhecimento maior do que vai ser a política doméstica e externa. Hoje, é tudo tão imprevisível e essa discussão está fora do debate americano que fica difícil saber como o mercado vai reagir no dia seguinte da eleição. Mas, à medida que o próximo presidente for montando a sua equipe e mostrando qual vai ser a sua política doméstica e externa, eu acho que você pode ter uma mudança importante de cenário.

Dá para falar em pouso suave nos EUA?

O pouso suave descreve o cenário de 2024. O que estou dizendo é o seguinte: à medida que a taxa de juros fique alta por mais tempo, você pode contratar em 2025, não diria uma recessão gravíssima, mas uma desaceleração maior porque os juros reais estão altos e vão ficar por mais tempo. Mas não tem muita alternativa para o Fed. Se ele passar a impressão de que vai aceitar uma inflação muito mais alta, você pode acabar desancorando as expectativas de inflação. Não é o caso agora, mas pode ser o caso se ficar claro que existe uma pressa para cair juros.

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos.

Hoje, o cenário do UBS Global Wealth Management é de que o BC norte-americano deve promover três cortes de 0,25 ponto nos juros em 2024. O primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. “Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países”, afirma Solange.

Com um cenário mais desafiador nos EUA, Solange alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não endereçar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica – em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal.

“Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento”, afirma ela. “Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. analisa este começo de ano para a economia brasileira?

Vou começar com a parte internacional, porque é o mais relevante em termos de cenário para o Brasil. Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente, nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos Estados Unidos é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa. Estamos vendo os dados surpreenderem e colocando um viés positivo para o crescimento deste ano. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Você tem uma parte de serviços nos Estados Unidos - não relacionada ao mercado imobiliário - que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido uma preocupação para o Fed. Não é uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas no sentido de se já é o momento de se fazer o corte ou não.

E qual tem sido a consequência desse cenário?

Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais, então, afeta o Brasil e outros países. Estamos vendo as curvas de juros, por exemplo, na Europa reagir a isso. A grande incerteza hoje não é quando corta. É quanto corta. E qual o impacto isso vai ter para crescimento mundial.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Vai depender muito do caminho até junho. Se a gente continuar vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio Banco Central tem dito, dependendo dos impactos que pode ter na trajetória de inflação. Depende muito do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E qual é o cenário para os juros no Brasil?

A gente vê o Banco Central continuando com o corte gradual de 50 em 50 (pontos). Não acho que (os diretores) estão numa situação muito confortável, porque você vê uma desinflação acontecer e, ao mesmo tempo, a economia surpreender para cima. Hoje, não tem por que acelerar, dar algum sinal de aceleração de cortes ou sinalizar para o mercado que vai parar numa taxa abaixo do (juro) neutro. A atuação do Banco Central está muito correta num cenário de tanta incerteza doméstica, marcada pela pressão sobre serviços - ou quanto mais os serviços vão desinflacionar - pelas incertezas fiscais, que ainda são bastante elevadas, e pela incerteza internacional enorme em relação aos impactos de uma postergação maior do Fed no corte de juros.

Até onde pode ir esse corte de juros no Brasil?

O que a gente trabalha é que corta de 50 em 50 (pontos) até chegar próximo do nível neutro. E a gente acha que o Focus está muito justo. Entre 9% e 9,25% seria próximo do neutro.

E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

No curto prazo, a gente tem tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando a gente tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário para este ano. Eu vejo o consenso indo para o número um pouquinho abaixo disso. Dito isso, ainda é um número muito longe de zero, que é a meta.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

Muito provavelmente vai se alterar a meta fiscal, diz Solange Srour Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O ministro Fernando Haddad tem reforçado que persegue a meta zero. Poderia detalhar se uma eventual mudança vai trazer algum impacto?

Muita gente diz que mudar a meta deste ano não faz diferença porque ninguém espera que o (resultado) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

É uma preocupação maior com 2025 e 2026, então?

O arcabouço também está em xeque em 2025 e 2026. A gente voltou com uma regra do salário mínimo antiga (reajuste acima da inflação) sem fazer uma discussão em relação a outros gastos. O quanto, por exemplo, essa regra de salário mínimo vai implicar no crescimento muito elevado das despesas com Previdência, muito acima do que está no Orçamento. Isso vai comprimir as despesas discricionárias em 2025, junto com a nova regra (do gasto) da educação e da saúde, que cresce com a receita. No ano que vem, essa discussão do contingenciamento vai ser mais difícil ainda e pode levar, na minha opinião, a alterações do arcabouço, não só alteração na meta.

E tudo isso num contexto em que a queda de juros pode ser postergada nos Estados Unidos?

Exatamente. Se fosse um ambiente em que já estivesse claro que os juros (nos EUA) fossem cair em março ou maio, as chances de passar impune uma mudança de meta, sem medidas de controle de gastos, eram maiores do que é hoje. Eu acho que é por isso que o Haddad está realmente batendo o pé de que não vai mudar a meta. Só que se chegar num momento em que vai ficar óbvio que a meta não vai ser cumprida e isso implicar gatilhos, a gente vai ter de ter ou um contingenciamento muito forte ou uma mudança de meta com contingenciamento. Essa vai ser a hora da verdade. E aí vai depender muito do ambiente externo naquele momento.

Uma eventual eleição do Trump adiciona incerteza nesse ambiente externo?

A gente tem vários riscos no ambiente externo. A eleição americana é um dos principais. Fora isso, a gente até pode ter surpresas no conflito do Oriente Médio - não acho que a situação seja de tranquilidade extrema. Não é uma crise ainda resolvida. A mesma coisa com a guerra da Rússia. Mas em relação à eleição americana, eu acho que existe muita incerteza sobre duas pautas muito importantes nos Estados Unidos, tanto a questão da política externa e da guerra comercial como a questão doméstica, especificamente, do fiscal. A gente só vai ter um cenário mais claro com o presidente eleito.

A eleição americana, de fato, só vai começar a trazer mais preocupações para o mercado quando a gente conseguir ter um grau de conhecimento maior do que vai ser a política doméstica e externa. Hoje, é tudo tão imprevisível e essa discussão está fora do debate americano que fica difícil saber como o mercado vai reagir no dia seguinte da eleição. Mas, à medida que o próximo presidente for montando a sua equipe e mostrando qual vai ser a sua política doméstica e externa, eu acho que você pode ter uma mudança importante de cenário.

Dá para falar em pouso suave nos EUA?

O pouso suave descreve o cenário de 2024. O que estou dizendo é o seguinte: à medida que a taxa de juros fique alta por mais tempo, você pode contratar em 2025, não diria uma recessão gravíssima, mas uma desaceleração maior porque os juros reais estão altos e vão ficar por mais tempo. Mas não tem muita alternativa para o Fed. Se ele passar a impressão de que vai aceitar uma inflação muito mais alta, você pode acabar desancorando as expectativas de inflação. Não é o caso agora, mas pode ser o caso se ficar claro que existe uma pressa para cair juros.

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos.

Hoje, o cenário do UBS Global Wealth Management é de que o BC norte-americano deve promover três cortes de 0,25 ponto nos juros em 2024. O primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. “Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países”, afirma Solange.

Com um cenário mais desafiador nos EUA, Solange alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não endereçar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica – em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal.

“Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento”, afirma ela. “Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. analisa este começo de ano para a economia brasileira?

Vou começar com a parte internacional, porque é o mais relevante em termos de cenário para o Brasil. Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente, nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos Estados Unidos é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa. Estamos vendo os dados surpreenderem e colocando um viés positivo para o crescimento deste ano. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Você tem uma parte de serviços nos Estados Unidos - não relacionada ao mercado imobiliário - que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido uma preocupação para o Fed. Não é uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas no sentido de se já é o momento de se fazer o corte ou não.

E qual tem sido a consequência desse cenário?

Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais, então, afeta o Brasil e outros países. Estamos vendo as curvas de juros, por exemplo, na Europa reagir a isso. A grande incerteza hoje não é quando corta. É quanto corta. E qual o impacto isso vai ter para crescimento mundial.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Vai depender muito do caminho até junho. Se a gente continuar vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio Banco Central tem dito, dependendo dos impactos que pode ter na trajetória de inflação. Depende muito do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E qual é o cenário para os juros no Brasil?

A gente vê o Banco Central continuando com o corte gradual de 50 em 50 (pontos). Não acho que (os diretores) estão numa situação muito confortável, porque você vê uma desinflação acontecer e, ao mesmo tempo, a economia surpreender para cima. Hoje, não tem por que acelerar, dar algum sinal de aceleração de cortes ou sinalizar para o mercado que vai parar numa taxa abaixo do (juro) neutro. A atuação do Banco Central está muito correta num cenário de tanta incerteza doméstica, marcada pela pressão sobre serviços - ou quanto mais os serviços vão desinflacionar - pelas incertezas fiscais, que ainda são bastante elevadas, e pela incerteza internacional enorme em relação aos impactos de uma postergação maior do Fed no corte de juros.

Até onde pode ir esse corte de juros no Brasil?

O que a gente trabalha é que corta de 50 em 50 (pontos) até chegar próximo do nível neutro. E a gente acha que o Focus está muito justo. Entre 9% e 9,25% seria próximo do neutro.

E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

No curto prazo, a gente tem tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando a gente tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário para este ano. Eu vejo o consenso indo para o número um pouquinho abaixo disso. Dito isso, ainda é um número muito longe de zero, que é a meta.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

Muito provavelmente vai se alterar a meta fiscal, diz Solange Srour Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O ministro Fernando Haddad tem reforçado que persegue a meta zero. Poderia detalhar se uma eventual mudança vai trazer algum impacto?

Muita gente diz que mudar a meta deste ano não faz diferença porque ninguém espera que o (resultado) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

É uma preocupação maior com 2025 e 2026, então?

O arcabouço também está em xeque em 2025 e 2026. A gente voltou com uma regra do salário mínimo antiga (reajuste acima da inflação) sem fazer uma discussão em relação a outros gastos. O quanto, por exemplo, essa regra de salário mínimo vai implicar no crescimento muito elevado das despesas com Previdência, muito acima do que está no Orçamento. Isso vai comprimir as despesas discricionárias em 2025, junto com a nova regra (do gasto) da educação e da saúde, que cresce com a receita. No ano que vem, essa discussão do contingenciamento vai ser mais difícil ainda e pode levar, na minha opinião, a alterações do arcabouço, não só alteração na meta.

E tudo isso num contexto em que a queda de juros pode ser postergada nos Estados Unidos?

Exatamente. Se fosse um ambiente em que já estivesse claro que os juros (nos EUA) fossem cair em março ou maio, as chances de passar impune uma mudança de meta, sem medidas de controle de gastos, eram maiores do que é hoje. Eu acho que é por isso que o Haddad está realmente batendo o pé de que não vai mudar a meta. Só que se chegar num momento em que vai ficar óbvio que a meta não vai ser cumprida e isso implicar gatilhos, a gente vai ter de ter ou um contingenciamento muito forte ou uma mudança de meta com contingenciamento. Essa vai ser a hora da verdade. E aí vai depender muito do ambiente externo naquele momento.

Uma eventual eleição do Trump adiciona incerteza nesse ambiente externo?

A gente tem vários riscos no ambiente externo. A eleição americana é um dos principais. Fora isso, a gente até pode ter surpresas no conflito do Oriente Médio - não acho que a situação seja de tranquilidade extrema. Não é uma crise ainda resolvida. A mesma coisa com a guerra da Rússia. Mas em relação à eleição americana, eu acho que existe muita incerteza sobre duas pautas muito importantes nos Estados Unidos, tanto a questão da política externa e da guerra comercial como a questão doméstica, especificamente, do fiscal. A gente só vai ter um cenário mais claro com o presidente eleito.

A eleição americana, de fato, só vai começar a trazer mais preocupações para o mercado quando a gente conseguir ter um grau de conhecimento maior do que vai ser a política doméstica e externa. Hoje, é tudo tão imprevisível e essa discussão está fora do debate americano que fica difícil saber como o mercado vai reagir no dia seguinte da eleição. Mas, à medida que o próximo presidente for montando a sua equipe e mostrando qual vai ser a sua política doméstica e externa, eu acho que você pode ter uma mudança importante de cenário.

Dá para falar em pouso suave nos EUA?

O pouso suave descreve o cenário de 2024. O que estou dizendo é o seguinte: à medida que a taxa de juros fique alta por mais tempo, você pode contratar em 2025, não diria uma recessão gravíssima, mas uma desaceleração maior porque os juros reais estão altos e vão ficar por mais tempo. Mas não tem muita alternativa para o Fed. Se ele passar a impressão de que vai aceitar uma inflação muito mais alta, você pode acabar desancorando as expectativas de inflação. Não é o caso agora, mas pode ser o caso se ficar claro que existe uma pressa para cair juros.

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos.

Hoje, o cenário do UBS Global Wealth Management é de que o BC norte-americano deve promover três cortes de 0,25 ponto nos juros em 2024. O primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. “Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países”, afirma Solange.

Com um cenário mais desafiador nos EUA, Solange alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não endereçar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica – em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal.

“Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento”, afirma ela. “Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. analisa este começo de ano para a economia brasileira?

Vou começar com a parte internacional, porque é o mais relevante em termos de cenário para o Brasil. Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente, nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos Estados Unidos é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa. Estamos vendo os dados surpreenderem e colocando um viés positivo para o crescimento deste ano. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Você tem uma parte de serviços nos Estados Unidos - não relacionada ao mercado imobiliário - que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido uma preocupação para o Fed. Não é uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas no sentido de se já é o momento de se fazer o corte ou não.

E qual tem sido a consequência desse cenário?

Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais, então, afeta o Brasil e outros países. Estamos vendo as curvas de juros, por exemplo, na Europa reagir a isso. A grande incerteza hoje não é quando corta. É quanto corta. E qual o impacto isso vai ter para crescimento mundial.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Vai depender muito do caminho até junho. Se a gente continuar vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio Banco Central tem dito, dependendo dos impactos que pode ter na trajetória de inflação. Depende muito do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E qual é o cenário para os juros no Brasil?

A gente vê o Banco Central continuando com o corte gradual de 50 em 50 (pontos). Não acho que (os diretores) estão numa situação muito confortável, porque você vê uma desinflação acontecer e, ao mesmo tempo, a economia surpreender para cima. Hoje, não tem por que acelerar, dar algum sinal de aceleração de cortes ou sinalizar para o mercado que vai parar numa taxa abaixo do (juro) neutro. A atuação do Banco Central está muito correta num cenário de tanta incerteza doméstica, marcada pela pressão sobre serviços - ou quanto mais os serviços vão desinflacionar - pelas incertezas fiscais, que ainda são bastante elevadas, e pela incerteza internacional enorme em relação aos impactos de uma postergação maior do Fed no corte de juros.

Até onde pode ir esse corte de juros no Brasil?

O que a gente trabalha é que corta de 50 em 50 (pontos) até chegar próximo do nível neutro. E a gente acha que o Focus está muito justo. Entre 9% e 9,25% seria próximo do neutro.

E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

No curto prazo, a gente tem tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando a gente tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário para este ano. Eu vejo o consenso indo para o número um pouquinho abaixo disso. Dito isso, ainda é um número muito longe de zero, que é a meta.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

Muito provavelmente vai se alterar a meta fiscal, diz Solange Srour Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O ministro Fernando Haddad tem reforçado que persegue a meta zero. Poderia detalhar se uma eventual mudança vai trazer algum impacto?

Muita gente diz que mudar a meta deste ano não faz diferença porque ninguém espera que o (resultado) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

É uma preocupação maior com 2025 e 2026, então?

O arcabouço também está em xeque em 2025 e 2026. A gente voltou com uma regra do salário mínimo antiga (reajuste acima da inflação) sem fazer uma discussão em relação a outros gastos. O quanto, por exemplo, essa regra de salário mínimo vai implicar no crescimento muito elevado das despesas com Previdência, muito acima do que está no Orçamento. Isso vai comprimir as despesas discricionárias em 2025, junto com a nova regra (do gasto) da educação e da saúde, que cresce com a receita. No ano que vem, essa discussão do contingenciamento vai ser mais difícil ainda e pode levar, na minha opinião, a alterações do arcabouço, não só alteração na meta.

E tudo isso num contexto em que a queda de juros pode ser postergada nos Estados Unidos?

Exatamente. Se fosse um ambiente em que já estivesse claro que os juros (nos EUA) fossem cair em março ou maio, as chances de passar impune uma mudança de meta, sem medidas de controle de gastos, eram maiores do que é hoje. Eu acho que é por isso que o Haddad está realmente batendo o pé de que não vai mudar a meta. Só que se chegar num momento em que vai ficar óbvio que a meta não vai ser cumprida e isso implicar gatilhos, a gente vai ter de ter ou um contingenciamento muito forte ou uma mudança de meta com contingenciamento. Essa vai ser a hora da verdade. E aí vai depender muito do ambiente externo naquele momento.

Uma eventual eleição do Trump adiciona incerteza nesse ambiente externo?

A gente tem vários riscos no ambiente externo. A eleição americana é um dos principais. Fora isso, a gente até pode ter surpresas no conflito do Oriente Médio - não acho que a situação seja de tranquilidade extrema. Não é uma crise ainda resolvida. A mesma coisa com a guerra da Rússia. Mas em relação à eleição americana, eu acho que existe muita incerteza sobre duas pautas muito importantes nos Estados Unidos, tanto a questão da política externa e da guerra comercial como a questão doméstica, especificamente, do fiscal. A gente só vai ter um cenário mais claro com o presidente eleito.

A eleição americana, de fato, só vai começar a trazer mais preocupações para o mercado quando a gente conseguir ter um grau de conhecimento maior do que vai ser a política doméstica e externa. Hoje, é tudo tão imprevisível e essa discussão está fora do debate americano que fica difícil saber como o mercado vai reagir no dia seguinte da eleição. Mas, à medida que o próximo presidente for montando a sua equipe e mostrando qual vai ser a sua política doméstica e externa, eu acho que você pode ter uma mudança importante de cenário.

Dá para falar em pouso suave nos EUA?

O pouso suave descreve o cenário de 2024. O que estou dizendo é o seguinte: à medida que a taxa de juros fique alta por mais tempo, você pode contratar em 2025, não diria uma recessão gravíssima, mas uma desaceleração maior porque os juros reais estão altos e vão ficar por mais tempo. Mas não tem muita alternativa para o Fed. Se ele passar a impressão de que vai aceitar uma inflação muito mais alta, você pode acabar desancorando as expectativas de inflação. Não é o caso agora, mas pode ser o caso se ficar claro que existe uma pressa para cair juros.

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos.

Hoje, o cenário do UBS Global Wealth Management é de que o BC norte-americano deve promover três cortes de 0,25 ponto nos juros em 2024. O primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. “Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países”, afirma Solange.

Com um cenário mais desafiador nos EUA, Solange alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não endereçar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica – em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal.

“Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento”, afirma ela. “Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida.”

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como a sra. analisa este começo de ano para a economia brasileira?

Vou começar com a parte internacional, porque é o mais relevante em termos de cenário para o Brasil. Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente, nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos Estados Unidos é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa. Estamos vendo os dados surpreenderem e colocando um viés positivo para o crescimento deste ano. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Você tem uma parte de serviços nos Estados Unidos - não relacionada ao mercado imobiliário - que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido uma preocupação para o Fed. Não é uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas no sentido de se já é o momento de se fazer o corte ou não.

E qual tem sido a consequência desse cenário?

Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais, então, afeta o Brasil e outros países. Estamos vendo as curvas de juros, por exemplo, na Europa reagir a isso. A grande incerteza hoje não é quando corta. É quanto corta. E qual o impacto isso vai ter para crescimento mundial.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Vai depender muito do caminho até junho. Se a gente continuar vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio Banco Central tem dito, dependendo dos impactos que pode ter na trajetória de inflação. Depende muito do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E qual é o cenário para os juros no Brasil?

A gente vê o Banco Central continuando com o corte gradual de 50 em 50 (pontos). Não acho que (os diretores) estão numa situação muito confortável, porque você vê uma desinflação acontecer e, ao mesmo tempo, a economia surpreender para cima. Hoje, não tem por que acelerar, dar algum sinal de aceleração de cortes ou sinalizar para o mercado que vai parar numa taxa abaixo do (juro) neutro. A atuação do Banco Central está muito correta num cenário de tanta incerteza doméstica, marcada pela pressão sobre serviços - ou quanto mais os serviços vão desinflacionar - pelas incertezas fiscais, que ainda são bastante elevadas, e pela incerteza internacional enorme em relação aos impactos de uma postergação maior do Fed no corte de juros.

Até onde pode ir esse corte de juros no Brasil?

O que a gente trabalha é que corta de 50 em 50 (pontos) até chegar próximo do nível neutro. E a gente acha que o Focus está muito justo. Entre 9% e 9,25% seria próximo do neutro.

E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

No curto prazo, a gente tem tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando a gente tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário para este ano. Eu vejo o consenso indo para o número um pouquinho abaixo disso. Dito isso, ainda é um número muito longe de zero, que é a meta.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

Muito provavelmente vai se alterar a meta fiscal, diz Solange Srour Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO

O ministro Fernando Haddad tem reforçado que persegue a meta zero. Poderia detalhar se uma eventual mudança vai trazer algum impacto?

Muita gente diz que mudar a meta deste ano não faz diferença porque ninguém espera que o (resultado) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

É uma preocupação maior com 2025 e 2026, então?

O arcabouço também está em xeque em 2025 e 2026. A gente voltou com uma regra do salário mínimo antiga (reajuste acima da inflação) sem fazer uma discussão em relação a outros gastos. O quanto, por exemplo, essa regra de salário mínimo vai implicar no crescimento muito elevado das despesas com Previdência, muito acima do que está no Orçamento. Isso vai comprimir as despesas discricionárias em 2025, junto com a nova regra (do gasto) da educação e da saúde, que cresce com a receita. No ano que vem, essa discussão do contingenciamento vai ser mais difícil ainda e pode levar, na minha opinião, a alterações do arcabouço, não só alteração na meta.

E tudo isso num contexto em que a queda de juros pode ser postergada nos Estados Unidos?

Exatamente. Se fosse um ambiente em que já estivesse claro que os juros (nos EUA) fossem cair em março ou maio, as chances de passar impune uma mudança de meta, sem medidas de controle de gastos, eram maiores do que é hoje. Eu acho que é por isso que o Haddad está realmente batendo o pé de que não vai mudar a meta. Só que se chegar num momento em que vai ficar óbvio que a meta não vai ser cumprida e isso implicar gatilhos, a gente vai ter de ter ou um contingenciamento muito forte ou uma mudança de meta com contingenciamento. Essa vai ser a hora da verdade. E aí vai depender muito do ambiente externo naquele momento.

Uma eventual eleição do Trump adiciona incerteza nesse ambiente externo?

A gente tem vários riscos no ambiente externo. A eleição americana é um dos principais. Fora isso, a gente até pode ter surpresas no conflito do Oriente Médio - não acho que a situação seja de tranquilidade extrema. Não é uma crise ainda resolvida. A mesma coisa com a guerra da Rússia. Mas em relação à eleição americana, eu acho que existe muita incerteza sobre duas pautas muito importantes nos Estados Unidos, tanto a questão da política externa e da guerra comercial como a questão doméstica, especificamente, do fiscal. A gente só vai ter um cenário mais claro com o presidente eleito.

A eleição americana, de fato, só vai começar a trazer mais preocupações para o mercado quando a gente conseguir ter um grau de conhecimento maior do que vai ser a política doméstica e externa. Hoje, é tudo tão imprevisível e essa discussão está fora do debate americano que fica difícil saber como o mercado vai reagir no dia seguinte da eleição. Mas, à medida que o próximo presidente for montando a sua equipe e mostrando qual vai ser a sua política doméstica e externa, eu acho que você pode ter uma mudança importante de cenário.

Dá para falar em pouso suave nos EUA?

O pouso suave descreve o cenário de 2024. O que estou dizendo é o seguinte: à medida que a taxa de juros fique alta por mais tempo, você pode contratar em 2025, não diria uma recessão gravíssima, mas uma desaceleração maior porque os juros reais estão altos e vão ficar por mais tempo. Mas não tem muita alternativa para o Fed. Se ele passar a impressão de que vai aceitar uma inflação muito mais alta, você pode acabar desancorando as expectativas de inflação. Não é o caso agora, mas pode ser o caso se ficar claro que existe uma pressa para cair juros.

Entrevista por Luiz Guilherme Gerbelli

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