NOVA YORK - Ao menos por ora, a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, diz que a elevação dos juros no Brasil não será repassada aos clientes do banco, uma vez que o movimento ocorre em paralelo ao esperado início do corte das taxas nos Estados Unidos. O ciclo de aperto monetário no País deve ser curto, na visão da banqueira.
“Eu não acho que se iniciou um ciclo de alta de juros no Brasil. Nós tivemos uma alta e, talvez, um viés neutro de alta para uma próxima (reunião), mas eu não vejo um ciclo longo de elevação de taxas de juros”, diz Medeiros, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, durante o evento “SDGs in Brazil 2024″, na sede da ONU em Nova York, por ocasião da Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Quanto às queimadas no Brasil, ela afirma que o banco ainda não teve impacto no seu negócio, seja no crédito ou no seguro. Segundo Medeiros, a janela da safra agrícola 2024/2025 começa agora, e nas áreas de plantio, não há fogo, conforme monitoramento feito pelo BB.
A banqueira reconhece que as queimadas causam um ruído “muito grande” no contexto internacional, mas reforça a defesa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de que parte do fogo nas florestas é causado por ações criminosas, além dos efeitos do clima. “Esse momento agora é difícil, delicado”, admite.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Os juros nos Estados Unidos começaram a cair, enquanto o Brasil voltou a elevar as suas taxas. Qual o impacto?
Precisamos esperar um pouco para entender o que vai acontecer com a taxa de juros futuros. Nesse primeiro momento, um aumento de 0,25 ponto porcentual (p.p.) no Brasil, com a queda de 0,50 p.p. nos Estados Unidos, ainda não interfere nos preços. O ciclo de aperto monetário tende a ser curto no País.
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O BB não vai repassar, então?
Não. Fizemos alguns exercícios dos impactos da subida dos juros e ainda não há a intenção de repasse para as taxas cobradas. A gente vai esperar um pouco para entender melhor o que vai vir adiante. Eu não acho que se iniciou um ciclo de alta de juros no Brasil. Nós tivemos uma alta e, talvez, um viés neutro de alta para uma próxima (reunião), mas eu não vejo um ciclo longo de elevação de taxas de juros. Ao contrário. Com o Fed cortando, inicia-se aqui aquele ciclo de corte de juros tão esperado.
A senhora vê impacto na inadimplência?
Não vejo impacto na inadimplência em números maiores do que o que a gente já tem observado. No agro, por exemplo, é algo sazonal. A gente sabe que tem uma questão de preço de commodities e tudo mais. Mas tem a janela da safra que vai acontecer agora até o fim do semestre. Então, acredito que essa inadimplência do agro se acomode logo depois. A inadimplência da micro e pequena empresa historicamente já é um pouco mais elevada, mas nada fora do comum. É do perfil desse tipo de cliente. E nada que assuste, que nos preocupe.
E quanto às queimadas? Chegou a impactar os clientes do agro?
A gente ainda não tem percepção de impacto no nosso negócio. Nem no seguro, nem no crédito. Por exemplo, teve um aumento considerável de queimadas no Pantanal, mas nesse período historicamente há queimadas por lá. Este ano, nós tivemos mais. Em Brasília, está uma coisa absurda, você sai com a roupa defumada. Colocaram fogo nos parques no meio da cidade. São áreas verdes, que estão em áreas urbanas e que nunca tinham queimado antes. Precisamos entender quais os impactos adiante. Até o fim do semestre, vamos ter condição de avaliar, quando começarem a ocorrer pedidos de sinistros, se ocorrerem, e no crédito.
Então, o banco não espera impacto na safra atual?
A janela da safra 2024/2025 começa agora, no fim de setembro. Então, por enquanto, qual é o impacto que a gente sentiu no crédito? É o preço da commodity, que está muito mais barato. Então, o pessoal segura um pouquinho a produção para poder plantar de novo. A gente faz o monitoramento dessas áreas, e onde tem plantio, agora, não são as áreas de queimadas.
Quando o governo assumiu, teve uma mudança na maneira como o Brasil era visto no exterior na questão ambiental, e agora temos essas queimadas. Há críticas na comunidade internacional, entre investidores, de que o governo demorou para agir...
Na minha percepção, o governo não demorou para agir. A gente está em setembro. Esse processo iniciou-se em setembro. O processo de queimada e de regeneração do Pantanal, por exemplo, é um processo que acontece, daquele bioma. O que a gente tem enfrentado este ano, e eu acho que aí ganha o noticiário internacional, é esse outro tipo de queimadas que vêm acontecendo em áreas não previstas. E que não são queimadas por questões ambientais. Por exemplo, no Parque Burle Marx, o rapaz foi preso. Isso é algo que o governo não tem como prever. E que não há como se prevenir em relação a isso.
Fundos têm olhado com maior atenção para investir na recuperação de áreas degradadas. Como o banco atua nessa questão?
O governo tem feito um trabalho muito efetivo nesse sentido, e a gente tem participado bastante. Emprestamos R$ 2,3 bilhões em crédito para recuperação de áreas degradadas, que dá 580 mil hectares, e isso é dinheiro novo. Se a gente conseguir recuperar áreas degradadas do Brasil, para plantar grãos ou para fazer pastos, seja lá o que for, a gente não precisa desmatar mais nem um hectare de floresta. Há 100 milhões de hectares de áreas degradadas no Brasil, a proposta do governo é recuperar 40 milhões.
E tem alguma iniciativa para manter a floresta em pé?
Outra coisa é o incentivo para desmatamento evitado. Essa é uma linha que a gente tem trabalhado, com incentivo de taxa, em que o produtor é estimulado a preservar uma área ambiental maior do que a legislação prevê. Já alcançamos 670 mil hectares de desmatamento evitado, e a meta é de 1 milhão até 2025. A gente vai cumprir essa meta. É muita coisa. Então, há, sim, um esforço muito grande do governo em preservar, em incentivar a preservação, em ter um agro que se utilize cada vez de mais tecnologia. Só que não é nada que pode ser feito num curtíssimo prazo. A gente está com muita ansiedade para a solução de problemas históricos num prazo muito pequeno.
Agora, tem uma expectativa de que a queda dos juros estimule a entrada de recursos em países emergentes, e o Brasil poderia se beneficiar. As queimadas no Brasil podem atrapalhar o apetite internacional?
As ações do governo têm sido efetivas. Gera muito barulho, é óbvio, um ruído muito grande. Mas quando a gente está tratando de investidores, no momento em que você tem condições de expor o planejamento que está previsto... A gente vai ter o G20 no Brasil. Todas as atenções estarão voltadas para o Brasil. O governo está muito preparado para mostrar tudo o que o País está fazendo e o que tem de projetos em andamento. Depois, tem a COP-30, que é outro momento em que o mundo estará voltado para o Brasil. Este momento agora é difícil, delicado. Mas o governo vai mostrar os projetos que estão em andamento e a gente vai ter condição de atrair esse capital internacional para investimento no nosso País.
O bloqueio do X no Brasil impactou na visão do investidor estrangeiro?
Eu não vi. Já conversei com diversos investidores e ninguém tratou do X.
No ano passado, o BB chegou bem perto de ultrapassar o lucro líquido anual do Itaú Unibanco, o maior banco da América Latina em ativos. Vocês vão conseguir neste ano?
O que eu digo sempre, e eu repito, é a gente está trabalhando para entregar números do tamanho do Banco do Brasil. Se por acaso conseguirmos ultrapassar (o Itaú), vamos ficar felizes também. Mas o objetivo é entregar um número saudável e sustentável do tamanho que o Banco do Brasil tem capacidade de gerar.