‘Não há vontade política, e não é de Lula’, diz Tebet sobre reforma estrutural nos gastos este ano


Ministra do Planejamento e Orçamento diz que mudanças na estrutura da despesa dependem, em sua maioria, de alterações legislativas: ‘Não se pode colocar só no colo do Executivo’; ela prevê que haverá uma janela para esse debate em 2025, após as eleições e a conclusão da reforma tributária

Por Bianca Lima
Atualização:
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comSimone TebetMinistra do Planejamento e Orçamento

BRASÍLIA - A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, avalia que a agenda de revisão estrutural dos gastos precisa levar em conta o tempo e a vontade da política. Ambos, em sua avaliação, não são favoráveis em 2024 devido às eleições municipais e à necessidade de se concluir a regulamentação da reforma tributária.

“Neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo”, afirmou Tebet, em entrevista ao Estadão.

Ela prevê que esse cenário estará mais favorável no primeiro semestre de 2025, quando pretende angariar apoio dentro do Congresso, via debates em comissões e conversas com lideranças. As alterações pela ótica da despesa, se aprovadas, só teriam impacto mais relevante no Orçamento de 2026, o último do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Na peça orçamentária de 2025, o foco da equipe econômica segue voltado à receita, com um pacote arrecadatório de R$ 166 bilhões, o qual inclui aumento de tributos. Já a expectativa de corte de gastos é bem mais tímida, de R$ 25,9 bilhões, por meio, sobretudo, de revisões cadastrais e combate a fraudes em benefícios assistenciais.

Tebet sinaliza disposição de debater com governo e Congresso alterações em benefícios previdenciários de militares, a desvinculação de benefícios assistenciais temporários e o desenho do Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agencia Brasil

Questionada sobre a viabilidade política do plano de revisões ― que ela costuma dizer que vai de ‘A a Z’ ―, Tebet diz que mapeou as ações por cor: “sinal vermelho, amarelo e verde”. O critério é dificuldade versus custo-benefício, levando em conta justiça social. Na lista vermelha, de itens fora de discussão, estão uma mudança na correção real (acima da inflação) do salário mínimo, a revisão dos pisos constitucionais da saúde e da educação e a desvinculação das aposentadorias do INSS em relação ao mínimo.

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Transitam nas duas outras listas a desindexação de benefícios assistenciais temporários e a revisão de benefícios previdenciários de militares, dentre eles a chamada “morte fictícia”, espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas. “Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante”, afirmou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à GloboNews que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas ― os militares ficaram de fora da reformulação geral feita em 2019.

Tebet também incluiu nas listas verde e amarela a revisão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), para melhorar a efetividade do gasto, que dobrou nos últimos anos sem que isso se refletisse, na mesma proporção, nos indicadores educacionais.

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“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que eu tenho que garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra.

Nesse tema, ela admite ter uma discordância “semântica” com o presidente. “Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto (e não investimento, como diz Lula), porque não repercute na qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Orçamento de 2025 é criticado por focar em receitas extraordinárias e trazer um corte de gastos visto como tímido. A sra. mencionou recentemente que a ‘verdadeira revisão’ das despesas está por vir. Por que ela ainda não aconteceu?

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Eu tenho que avaliar duas questões: o tempo da política e a vontade da política. Nós temos um objetivo, que é atender a todos os compromissos sociais de um governo legitimamente eleito. Mas, justamente para cumprir isso, eu tenho convicção, como mantra, regra absoluta, o cumprimento da meta fiscal. A responsabilidade fiscal é o único meio de podermos entregar ao presidente Lula, consequentemente à sociedade brasileira, a diminuição da desigualdade. Nós sabemos onde queremos chegar: meta (de déficit) zero esse ano, meta zero no ano que vem e superávit a partir de 2026. E nós sabemos o momento de fazer e o momento de não fazer as coisas.

E em qual momento a sra. avalia que nós estamos?

Este momento, com toda transparência, eu te asseguro, que é possível cumprir a meta com as propostas que foram apresentadas, com os bloqueios, contingenciamentos, cortes (de gastos) e faseamento (dos gastos, limitando o valor empenhado pelos ministérios). E temos a consciência de que vamos precisar das receitas extraordinárias, ou seja, das receitas que não são correntes; nós estamos contando com elas para zerar a meta. E tudo bem em relação a isso. (...) Não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. Ou seja, não importa de que forma nós vamos fazer. Nós temos e vamos cumprir a meta zero.

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Mas por que ‘tudo bem’ contar com essas receitas não recorrentes? O governo está confortável com isso?

Porque nós sabemos que esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal. E, neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo.

Esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal.

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E quando a sra. avalia que haverá vontade política para essa revisão mais estrutural dos gastos? Esse ano após as eleições municipais?

Agora, nós temos que fechar a reforma tributária. Acho que temos de começar no primeiro semestre de 2025 um diálogo de mais profundidade com os ministérios, muitos já estão trabalhando conosco, e levar (essa agenda) para dentro do Congresso Nacional ― pelas comissões, conversar com os líderes, ver o que os líderes estão dispostos a analisar. Eu vi uma fala até do (presidente da Câmara, Arthur) Lira nesse sentido, em relação à revisão de gastos.

A sra. tem mencionado que há um cardápio amplo para a revisão de gastos, mas qual a viabilidade política dessas ações avançarem no Executivo e no Legislativo?

Nós já temos tudo mapeado, inclusive por cor: sinal vermelho, amarelo e verde. Por exemplo: me apresentaram duas contas, uma que era por PEC (Proposta de Emenda à Constituição, que precisa de mais votos) e a outra por lei complementar. A PEC dava R$ 3 bilhões de economia e a lei complementar somava R$ 20 bilhões. Já coloquei um vermelhinho na de R$ 3 bilhões. Eu falei: ‘Olha o desgaste de se aprovar uma PEC de R$ 3 bilhões, se eu tenho uma medida de R$ 20 bilhões por lei’. E as duas com o mesmo nível de impopularidade. Já foi para o pacotinho vermelho, para alguém discutir isso lá em 2027, no próximo governo. Então, está tudo mapeado por dificuldade versus custo-benefício, obviamente com a justiça social de sempre.

Em relação às políticas públicas, o que entra na lista vermelha?

Ninguém vai mexer nos pisos (constitucionais) da saúde e educação. Nem devemos. O piso da saúde é o contrário: a população está envelhecendo, os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, a partir de 2042, a faixa de idosos vai ser maior do que a faixa de jovens no País. E não tem discussão sobre a valorização real (acima da inflação) do salário mínimo e sobre desvincular o salário mínimo das aposentadorias.

Agora, na educação, a sra. tem feito críticas ao formato do Fundeb...

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou. Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. Eu tenho de garantir a qualidade do ensino.

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou.

Então, Fundeb está nas listas amarela e verde?

Sem dúvida. Quando eu falo de educação, é mera semântica com o presidente; a única que eu faço uma pequena alteração é essa. Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto, porque ele não repercute lá na frente em qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador. No dia que eu estiver gastando com a educação e esse gasto significar que a escola pública tem a mesma qualidade de ensino das melhores escolas privadas, aí eu posso dizer que vai virar investimento. Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média. Não teve um avanço.

Posso entender, então, que o objetivo é revisar o Fundeb para melhorar a efetividade do gasto, mas também para se obter alguma economia fiscal?

É importante lembrar que o Ministério do Planejamento e Orçamento é um ministério meio para se alcançar um fim. O ministério finalístico, nesse caso, é o Ministério da Educação. Se ele falar não vou fazer, a gente não vai fazer. O Ministério do Desenvolvimento Social falou: ‘Eu vou fazer com o Bolsa Família’. Eu queria R$ 7 bilhões de economia e ele me deu R$ 12 bilhões. O Ministério da Previdência, o (ministro Carlos) Lupi me disse que ia gerar R$ 5,6 bilhões de economia com o Atestemed (análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração). Ou seja, a gente só joga luz, coloca uma lupa. Quem faz é o ministério.

A desvinculação da Previdência está na lista vermelha, mas e a discussão sobre desindexar benefícios assistenciais temporários?

É uma discussão que nós vamos colocar no papel. Nós já temos os valores e, no momento certo, vamos levar ao presidente.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas. Isso significa que o governo vai propor uma reforma para os militares?

Não uma reforma dos militares. Uma reforma completa, não. Mas você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante. Tendo o apoio dos próprios militares, fica fácil votar.

Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante.

Tem aquela questão da chamada ‘morte fictícia’, uma espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas, certo?

Sim, tem.

Mas seria uma economia relevante?

Não gera (uma economia tão relevante) em 2025, mas começa a gerar em 2026.

A sra. também tem falado sobre uma revisão de benefícios fiscais. Tem chance disso avançar?

Os gastos tributários, creditícios e financeiros batem a casa dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto). Nós temos que analisar com o Congresso, em que momento se avançaria nisso, de se discutir um percentual fixo, com prazos, na Constituição. A gente tentou isso lá atrás (com a aprovação da PEC Emergencial, em 2021) mas ficou uma dúvida, o texto ficou confuso. Ainda que leve dez anos (para reduzir gradualmente), tudo bem. Por exemplo: de 6% do PIB para 5% em dois anos, para 4% em mais dois anos, 3% em mais dois anos, e 2% em mais dois anos. Eu estaria falando de cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Poderia dar um exemplo de gasto tributário que chama a atenção?

Por exemplo, o Simples (Nacional), que antes não era nada, e hoje representa 25% de toda a renúncia fiscal. Isso porque aumentou demais o valor da receita (da empresa que pode ser contemplada pelo benefício). Então, hoje, a gente vê empresas médias dentro do Simples, e antes não era assim. A cada dois anos queriam aumentar o piso do Simples. Agora, para conseguir aumentar (após a exigência do STF para a compensação de renúncias), ou o parlamentar precisa dizer da onde vai sair a receita ou da onde vai cortar despesa. Então, o Congresso não tem mais condição de ficar fazendo isso (elevando o valor). Além disso, quando a empresa bate no teto de faturamento do Simples, ela cria outro CNPJ. Ou seja, isso estimula o desmembramento das empresas. A Receita está fazendo esse cruzamento.

O Simples, que antes não era nada, hoje representa 25% da renúncia fiscal. Quando a empresa bate no teto de faturamento, ela cria outro CNPJ. A Receita está fazendo esse cruzamento.

Congresso e empresários não receberam bem a proposta de aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e de maior taxação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Há viabilidade política de se aprovar esse projeto e garantir as receitas extras?

Nesse ponto, eu concordo com o ministro Haddad. Sob a ótica das receitas, esse Orçamento está um pouco mais fácil do que o passado. Se vocês olharem o Orçamento de 2024, houve uma necessidade de muito mais medidas legislativas. Medidas provisórias, lei complementares e um pacote muito maior de novas receitas.

A sra. diz em quantidade de medidas propostas?

Em quantidade de projetos. Agora, o Haddad está falando o seguinte: ‘olha, eu tenho um problema aqui’. Aliás, não é nem problema, porque, qualquer coisa, eu tenho uma decisão judicial (do STF, que exige a compensação da desoneração da folha de pagamento para empresas e municípios). Eu tenho uma CSLL por um ano, que eu preciso como um apoio se as medidas apresentadas pelo Congresso não foram suficientes para compensar a desoneração da folha.

E o aumento do Imposto de Renda sobre JCP?

Olha, tem muita gente do Congresso que concorda com o Imposto de Renda sobre o JCP. É uma discussão que vai ser feita lá. E, se você for analisar, é o menor valor, nós estamos falando de R$ 3 bilhões. Se R$ 3 bilhões não comparecerem, a gente pensa em uma outra (medida). Ah, não tem receita, aí a gente vai ser obrigado a cortar gastos, porque nós temos uma meta para cumprir e temos uma despesa obrigatória consumindo (o Orçamento).

Também há duras críticas ao Auxílio Gás turbinado, criado pelo Ministério de Minas e Energia. Como a sra. avalia o financiamento do programa por meio do Fundo Social, sem que a despesa seja computada no Orçamento? O texto teve o aval do ministério?

O fato de ser um projeto de Lei e, portanto, ser discutido com o Congresso Nacional, vai permitir o aperfeiçoamento da proposta, inclusive das questões orçamentárias e financeiras. Trata-se de uma política importante, e, como qualquer política pública, deve ser eficiente, eficaz e seguir as regras fiscais vigentes.

BRASÍLIA - A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, avalia que a agenda de revisão estrutural dos gastos precisa levar em conta o tempo e a vontade da política. Ambos, em sua avaliação, não são favoráveis em 2024 devido às eleições municipais e à necessidade de se concluir a regulamentação da reforma tributária.

“Neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo”, afirmou Tebet, em entrevista ao Estadão.

Ela prevê que esse cenário estará mais favorável no primeiro semestre de 2025, quando pretende angariar apoio dentro do Congresso, via debates em comissões e conversas com lideranças. As alterações pela ótica da despesa, se aprovadas, só teriam impacto mais relevante no Orçamento de 2026, o último do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na peça orçamentária de 2025, o foco da equipe econômica segue voltado à receita, com um pacote arrecadatório de R$ 166 bilhões, o qual inclui aumento de tributos. Já a expectativa de corte de gastos é bem mais tímida, de R$ 25,9 bilhões, por meio, sobretudo, de revisões cadastrais e combate a fraudes em benefícios assistenciais.

Tebet sinaliza disposição de debater com governo e Congresso alterações em benefícios previdenciários de militares, a desvinculação de benefícios assistenciais temporários e o desenho do Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agencia Brasil

Questionada sobre a viabilidade política do plano de revisões ― que ela costuma dizer que vai de ‘A a Z’ ―, Tebet diz que mapeou as ações por cor: “sinal vermelho, amarelo e verde”. O critério é dificuldade versus custo-benefício, levando em conta justiça social. Na lista vermelha, de itens fora de discussão, estão uma mudança na correção real (acima da inflação) do salário mínimo, a revisão dos pisos constitucionais da saúde e da educação e a desvinculação das aposentadorias do INSS em relação ao mínimo.

Transitam nas duas outras listas a desindexação de benefícios assistenciais temporários e a revisão de benefícios previdenciários de militares, dentre eles a chamada “morte fictícia”, espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas. “Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante”, afirmou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à GloboNews que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas ― os militares ficaram de fora da reformulação geral feita em 2019.

Tebet também incluiu nas listas verde e amarela a revisão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), para melhorar a efetividade do gasto, que dobrou nos últimos anos sem que isso se refletisse, na mesma proporção, nos indicadores educacionais.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que eu tenho que garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra.

Nesse tema, ela admite ter uma discordância “semântica” com o presidente. “Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto (e não investimento, como diz Lula), porque não repercute na qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Orçamento de 2025 é criticado por focar em receitas extraordinárias e trazer um corte de gastos visto como tímido. A sra. mencionou recentemente que a ‘verdadeira revisão’ das despesas está por vir. Por que ela ainda não aconteceu?

Eu tenho que avaliar duas questões: o tempo da política e a vontade da política. Nós temos um objetivo, que é atender a todos os compromissos sociais de um governo legitimamente eleito. Mas, justamente para cumprir isso, eu tenho convicção, como mantra, regra absoluta, o cumprimento da meta fiscal. A responsabilidade fiscal é o único meio de podermos entregar ao presidente Lula, consequentemente à sociedade brasileira, a diminuição da desigualdade. Nós sabemos onde queremos chegar: meta (de déficit) zero esse ano, meta zero no ano que vem e superávit a partir de 2026. E nós sabemos o momento de fazer e o momento de não fazer as coisas.

E em qual momento a sra. avalia que nós estamos?

Este momento, com toda transparência, eu te asseguro, que é possível cumprir a meta com as propostas que foram apresentadas, com os bloqueios, contingenciamentos, cortes (de gastos) e faseamento (dos gastos, limitando o valor empenhado pelos ministérios). E temos a consciência de que vamos precisar das receitas extraordinárias, ou seja, das receitas que não são correntes; nós estamos contando com elas para zerar a meta. E tudo bem em relação a isso. (...) Não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. Ou seja, não importa de que forma nós vamos fazer. Nós temos e vamos cumprir a meta zero.

Mas por que ‘tudo bem’ contar com essas receitas não recorrentes? O governo está confortável com isso?

Porque nós sabemos que esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal. E, neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo.

Esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal.

E quando a sra. avalia que haverá vontade política para essa revisão mais estrutural dos gastos? Esse ano após as eleições municipais?

Agora, nós temos que fechar a reforma tributária. Acho que temos de começar no primeiro semestre de 2025 um diálogo de mais profundidade com os ministérios, muitos já estão trabalhando conosco, e levar (essa agenda) para dentro do Congresso Nacional ― pelas comissões, conversar com os líderes, ver o que os líderes estão dispostos a analisar. Eu vi uma fala até do (presidente da Câmara, Arthur) Lira nesse sentido, em relação à revisão de gastos.

A sra. tem mencionado que há um cardápio amplo para a revisão de gastos, mas qual a viabilidade política dessas ações avançarem no Executivo e no Legislativo?

Nós já temos tudo mapeado, inclusive por cor: sinal vermelho, amarelo e verde. Por exemplo: me apresentaram duas contas, uma que era por PEC (Proposta de Emenda à Constituição, que precisa de mais votos) e a outra por lei complementar. A PEC dava R$ 3 bilhões de economia e a lei complementar somava R$ 20 bilhões. Já coloquei um vermelhinho na de R$ 3 bilhões. Eu falei: ‘Olha o desgaste de se aprovar uma PEC de R$ 3 bilhões, se eu tenho uma medida de R$ 20 bilhões por lei’. E as duas com o mesmo nível de impopularidade. Já foi para o pacotinho vermelho, para alguém discutir isso lá em 2027, no próximo governo. Então, está tudo mapeado por dificuldade versus custo-benefício, obviamente com a justiça social de sempre.

Em relação às políticas públicas, o que entra na lista vermelha?

Ninguém vai mexer nos pisos (constitucionais) da saúde e educação. Nem devemos. O piso da saúde é o contrário: a população está envelhecendo, os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, a partir de 2042, a faixa de idosos vai ser maior do que a faixa de jovens no País. E não tem discussão sobre a valorização real (acima da inflação) do salário mínimo e sobre desvincular o salário mínimo das aposentadorias.

Agora, na educação, a sra. tem feito críticas ao formato do Fundeb...

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou. Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. Eu tenho de garantir a qualidade do ensino.

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou.

Então, Fundeb está nas listas amarela e verde?

Sem dúvida. Quando eu falo de educação, é mera semântica com o presidente; a única que eu faço uma pequena alteração é essa. Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto, porque ele não repercute lá na frente em qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador. No dia que eu estiver gastando com a educação e esse gasto significar que a escola pública tem a mesma qualidade de ensino das melhores escolas privadas, aí eu posso dizer que vai virar investimento. Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média. Não teve um avanço.

Posso entender, então, que o objetivo é revisar o Fundeb para melhorar a efetividade do gasto, mas também para se obter alguma economia fiscal?

É importante lembrar que o Ministério do Planejamento e Orçamento é um ministério meio para se alcançar um fim. O ministério finalístico, nesse caso, é o Ministério da Educação. Se ele falar não vou fazer, a gente não vai fazer. O Ministério do Desenvolvimento Social falou: ‘Eu vou fazer com o Bolsa Família’. Eu queria R$ 7 bilhões de economia e ele me deu R$ 12 bilhões. O Ministério da Previdência, o (ministro Carlos) Lupi me disse que ia gerar R$ 5,6 bilhões de economia com o Atestemed (análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração). Ou seja, a gente só joga luz, coloca uma lupa. Quem faz é o ministério.

A desvinculação da Previdência está na lista vermelha, mas e a discussão sobre desindexar benefícios assistenciais temporários?

É uma discussão que nós vamos colocar no papel. Nós já temos os valores e, no momento certo, vamos levar ao presidente.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas. Isso significa que o governo vai propor uma reforma para os militares?

Não uma reforma dos militares. Uma reforma completa, não. Mas você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante. Tendo o apoio dos próprios militares, fica fácil votar.

Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante.

Tem aquela questão da chamada ‘morte fictícia’, uma espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas, certo?

Sim, tem.

Mas seria uma economia relevante?

Não gera (uma economia tão relevante) em 2025, mas começa a gerar em 2026.

A sra. também tem falado sobre uma revisão de benefícios fiscais. Tem chance disso avançar?

Os gastos tributários, creditícios e financeiros batem a casa dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto). Nós temos que analisar com o Congresso, em que momento se avançaria nisso, de se discutir um percentual fixo, com prazos, na Constituição. A gente tentou isso lá atrás (com a aprovação da PEC Emergencial, em 2021) mas ficou uma dúvida, o texto ficou confuso. Ainda que leve dez anos (para reduzir gradualmente), tudo bem. Por exemplo: de 6% do PIB para 5% em dois anos, para 4% em mais dois anos, 3% em mais dois anos, e 2% em mais dois anos. Eu estaria falando de cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Poderia dar um exemplo de gasto tributário que chama a atenção?

Por exemplo, o Simples (Nacional), que antes não era nada, e hoje representa 25% de toda a renúncia fiscal. Isso porque aumentou demais o valor da receita (da empresa que pode ser contemplada pelo benefício). Então, hoje, a gente vê empresas médias dentro do Simples, e antes não era assim. A cada dois anos queriam aumentar o piso do Simples. Agora, para conseguir aumentar (após a exigência do STF para a compensação de renúncias), ou o parlamentar precisa dizer da onde vai sair a receita ou da onde vai cortar despesa. Então, o Congresso não tem mais condição de ficar fazendo isso (elevando o valor). Além disso, quando a empresa bate no teto de faturamento do Simples, ela cria outro CNPJ. Ou seja, isso estimula o desmembramento das empresas. A Receita está fazendo esse cruzamento.

O Simples, que antes não era nada, hoje representa 25% da renúncia fiscal. Quando a empresa bate no teto de faturamento, ela cria outro CNPJ. A Receita está fazendo esse cruzamento.

Congresso e empresários não receberam bem a proposta de aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e de maior taxação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Há viabilidade política de se aprovar esse projeto e garantir as receitas extras?

Nesse ponto, eu concordo com o ministro Haddad. Sob a ótica das receitas, esse Orçamento está um pouco mais fácil do que o passado. Se vocês olharem o Orçamento de 2024, houve uma necessidade de muito mais medidas legislativas. Medidas provisórias, lei complementares e um pacote muito maior de novas receitas.

A sra. diz em quantidade de medidas propostas?

Em quantidade de projetos. Agora, o Haddad está falando o seguinte: ‘olha, eu tenho um problema aqui’. Aliás, não é nem problema, porque, qualquer coisa, eu tenho uma decisão judicial (do STF, que exige a compensação da desoneração da folha de pagamento para empresas e municípios). Eu tenho uma CSLL por um ano, que eu preciso como um apoio se as medidas apresentadas pelo Congresso não foram suficientes para compensar a desoneração da folha.

E o aumento do Imposto de Renda sobre JCP?

Olha, tem muita gente do Congresso que concorda com o Imposto de Renda sobre o JCP. É uma discussão que vai ser feita lá. E, se você for analisar, é o menor valor, nós estamos falando de R$ 3 bilhões. Se R$ 3 bilhões não comparecerem, a gente pensa em uma outra (medida). Ah, não tem receita, aí a gente vai ser obrigado a cortar gastos, porque nós temos uma meta para cumprir e temos uma despesa obrigatória consumindo (o Orçamento).

Também há duras críticas ao Auxílio Gás turbinado, criado pelo Ministério de Minas e Energia. Como a sra. avalia o financiamento do programa por meio do Fundo Social, sem que a despesa seja computada no Orçamento? O texto teve o aval do ministério?

O fato de ser um projeto de Lei e, portanto, ser discutido com o Congresso Nacional, vai permitir o aperfeiçoamento da proposta, inclusive das questões orçamentárias e financeiras. Trata-se de uma política importante, e, como qualquer política pública, deve ser eficiente, eficaz e seguir as regras fiscais vigentes.

BRASÍLIA - A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, avalia que a agenda de revisão estrutural dos gastos precisa levar em conta o tempo e a vontade da política. Ambos, em sua avaliação, não são favoráveis em 2024 devido às eleições municipais e à necessidade de se concluir a regulamentação da reforma tributária.

“Neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo”, afirmou Tebet, em entrevista ao Estadão.

Ela prevê que esse cenário estará mais favorável no primeiro semestre de 2025, quando pretende angariar apoio dentro do Congresso, via debates em comissões e conversas com lideranças. As alterações pela ótica da despesa, se aprovadas, só teriam impacto mais relevante no Orçamento de 2026, o último do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na peça orçamentária de 2025, o foco da equipe econômica segue voltado à receita, com um pacote arrecadatório de R$ 166 bilhões, o qual inclui aumento de tributos. Já a expectativa de corte de gastos é bem mais tímida, de R$ 25,9 bilhões, por meio, sobretudo, de revisões cadastrais e combate a fraudes em benefícios assistenciais.

Tebet sinaliza disposição de debater com governo e Congresso alterações em benefícios previdenciários de militares, a desvinculação de benefícios assistenciais temporários e o desenho do Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agencia Brasil

Questionada sobre a viabilidade política do plano de revisões ― que ela costuma dizer que vai de ‘A a Z’ ―, Tebet diz que mapeou as ações por cor: “sinal vermelho, amarelo e verde”. O critério é dificuldade versus custo-benefício, levando em conta justiça social. Na lista vermelha, de itens fora de discussão, estão uma mudança na correção real (acima da inflação) do salário mínimo, a revisão dos pisos constitucionais da saúde e da educação e a desvinculação das aposentadorias do INSS em relação ao mínimo.

Transitam nas duas outras listas a desindexação de benefícios assistenciais temporários e a revisão de benefícios previdenciários de militares, dentre eles a chamada “morte fictícia”, espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas. “Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante”, afirmou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à GloboNews que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas ― os militares ficaram de fora da reformulação geral feita em 2019.

Tebet também incluiu nas listas verde e amarela a revisão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), para melhorar a efetividade do gasto, que dobrou nos últimos anos sem que isso se refletisse, na mesma proporção, nos indicadores educacionais.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que eu tenho que garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra.

Nesse tema, ela admite ter uma discordância “semântica” com o presidente. “Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto (e não investimento, como diz Lula), porque não repercute na qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Orçamento de 2025 é criticado por focar em receitas extraordinárias e trazer um corte de gastos visto como tímido. A sra. mencionou recentemente que a ‘verdadeira revisão’ das despesas está por vir. Por que ela ainda não aconteceu?

Eu tenho que avaliar duas questões: o tempo da política e a vontade da política. Nós temos um objetivo, que é atender a todos os compromissos sociais de um governo legitimamente eleito. Mas, justamente para cumprir isso, eu tenho convicção, como mantra, regra absoluta, o cumprimento da meta fiscal. A responsabilidade fiscal é o único meio de podermos entregar ao presidente Lula, consequentemente à sociedade brasileira, a diminuição da desigualdade. Nós sabemos onde queremos chegar: meta (de déficit) zero esse ano, meta zero no ano que vem e superávit a partir de 2026. E nós sabemos o momento de fazer e o momento de não fazer as coisas.

E em qual momento a sra. avalia que nós estamos?

Este momento, com toda transparência, eu te asseguro, que é possível cumprir a meta com as propostas que foram apresentadas, com os bloqueios, contingenciamentos, cortes (de gastos) e faseamento (dos gastos, limitando o valor empenhado pelos ministérios). E temos a consciência de que vamos precisar das receitas extraordinárias, ou seja, das receitas que não são correntes; nós estamos contando com elas para zerar a meta. E tudo bem em relação a isso. (...) Não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. Ou seja, não importa de que forma nós vamos fazer. Nós temos e vamos cumprir a meta zero.

Mas por que ‘tudo bem’ contar com essas receitas não recorrentes? O governo está confortável com isso?

Porque nós sabemos que esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal. E, neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo.

Esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal.

E quando a sra. avalia que haverá vontade política para essa revisão mais estrutural dos gastos? Esse ano após as eleições municipais?

Agora, nós temos que fechar a reforma tributária. Acho que temos de começar no primeiro semestre de 2025 um diálogo de mais profundidade com os ministérios, muitos já estão trabalhando conosco, e levar (essa agenda) para dentro do Congresso Nacional ― pelas comissões, conversar com os líderes, ver o que os líderes estão dispostos a analisar. Eu vi uma fala até do (presidente da Câmara, Arthur) Lira nesse sentido, em relação à revisão de gastos.

A sra. tem mencionado que há um cardápio amplo para a revisão de gastos, mas qual a viabilidade política dessas ações avançarem no Executivo e no Legislativo?

Nós já temos tudo mapeado, inclusive por cor: sinal vermelho, amarelo e verde. Por exemplo: me apresentaram duas contas, uma que era por PEC (Proposta de Emenda à Constituição, que precisa de mais votos) e a outra por lei complementar. A PEC dava R$ 3 bilhões de economia e a lei complementar somava R$ 20 bilhões. Já coloquei um vermelhinho na de R$ 3 bilhões. Eu falei: ‘Olha o desgaste de se aprovar uma PEC de R$ 3 bilhões, se eu tenho uma medida de R$ 20 bilhões por lei’. E as duas com o mesmo nível de impopularidade. Já foi para o pacotinho vermelho, para alguém discutir isso lá em 2027, no próximo governo. Então, está tudo mapeado por dificuldade versus custo-benefício, obviamente com a justiça social de sempre.

Em relação às políticas públicas, o que entra na lista vermelha?

Ninguém vai mexer nos pisos (constitucionais) da saúde e educação. Nem devemos. O piso da saúde é o contrário: a população está envelhecendo, os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, a partir de 2042, a faixa de idosos vai ser maior do que a faixa de jovens no País. E não tem discussão sobre a valorização real (acima da inflação) do salário mínimo e sobre desvincular o salário mínimo das aposentadorias.

Agora, na educação, a sra. tem feito críticas ao formato do Fundeb...

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou. Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. Eu tenho de garantir a qualidade do ensino.

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou.

Então, Fundeb está nas listas amarela e verde?

Sem dúvida. Quando eu falo de educação, é mera semântica com o presidente; a única que eu faço uma pequena alteração é essa. Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto, porque ele não repercute lá na frente em qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador. No dia que eu estiver gastando com a educação e esse gasto significar que a escola pública tem a mesma qualidade de ensino das melhores escolas privadas, aí eu posso dizer que vai virar investimento. Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média. Não teve um avanço.

Posso entender, então, que o objetivo é revisar o Fundeb para melhorar a efetividade do gasto, mas também para se obter alguma economia fiscal?

É importante lembrar que o Ministério do Planejamento e Orçamento é um ministério meio para se alcançar um fim. O ministério finalístico, nesse caso, é o Ministério da Educação. Se ele falar não vou fazer, a gente não vai fazer. O Ministério do Desenvolvimento Social falou: ‘Eu vou fazer com o Bolsa Família’. Eu queria R$ 7 bilhões de economia e ele me deu R$ 12 bilhões. O Ministério da Previdência, o (ministro Carlos) Lupi me disse que ia gerar R$ 5,6 bilhões de economia com o Atestemed (análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração). Ou seja, a gente só joga luz, coloca uma lupa. Quem faz é o ministério.

A desvinculação da Previdência está na lista vermelha, mas e a discussão sobre desindexar benefícios assistenciais temporários?

É uma discussão que nós vamos colocar no papel. Nós já temos os valores e, no momento certo, vamos levar ao presidente.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas. Isso significa que o governo vai propor uma reforma para os militares?

Não uma reforma dos militares. Uma reforma completa, não. Mas você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante. Tendo o apoio dos próprios militares, fica fácil votar.

Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante.

Tem aquela questão da chamada ‘morte fictícia’, uma espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas, certo?

Sim, tem.

Mas seria uma economia relevante?

Não gera (uma economia tão relevante) em 2025, mas começa a gerar em 2026.

A sra. também tem falado sobre uma revisão de benefícios fiscais. Tem chance disso avançar?

Os gastos tributários, creditícios e financeiros batem a casa dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto). Nós temos que analisar com o Congresso, em que momento se avançaria nisso, de se discutir um percentual fixo, com prazos, na Constituição. A gente tentou isso lá atrás (com a aprovação da PEC Emergencial, em 2021) mas ficou uma dúvida, o texto ficou confuso. Ainda que leve dez anos (para reduzir gradualmente), tudo bem. Por exemplo: de 6% do PIB para 5% em dois anos, para 4% em mais dois anos, 3% em mais dois anos, e 2% em mais dois anos. Eu estaria falando de cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Poderia dar um exemplo de gasto tributário que chama a atenção?

Por exemplo, o Simples (Nacional), que antes não era nada, e hoje representa 25% de toda a renúncia fiscal. Isso porque aumentou demais o valor da receita (da empresa que pode ser contemplada pelo benefício). Então, hoje, a gente vê empresas médias dentro do Simples, e antes não era assim. A cada dois anos queriam aumentar o piso do Simples. Agora, para conseguir aumentar (após a exigência do STF para a compensação de renúncias), ou o parlamentar precisa dizer da onde vai sair a receita ou da onde vai cortar despesa. Então, o Congresso não tem mais condição de ficar fazendo isso (elevando o valor). Além disso, quando a empresa bate no teto de faturamento do Simples, ela cria outro CNPJ. Ou seja, isso estimula o desmembramento das empresas. A Receita está fazendo esse cruzamento.

O Simples, que antes não era nada, hoje representa 25% da renúncia fiscal. Quando a empresa bate no teto de faturamento, ela cria outro CNPJ. A Receita está fazendo esse cruzamento.

Congresso e empresários não receberam bem a proposta de aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e de maior taxação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Há viabilidade política de se aprovar esse projeto e garantir as receitas extras?

Nesse ponto, eu concordo com o ministro Haddad. Sob a ótica das receitas, esse Orçamento está um pouco mais fácil do que o passado. Se vocês olharem o Orçamento de 2024, houve uma necessidade de muito mais medidas legislativas. Medidas provisórias, lei complementares e um pacote muito maior de novas receitas.

A sra. diz em quantidade de medidas propostas?

Em quantidade de projetos. Agora, o Haddad está falando o seguinte: ‘olha, eu tenho um problema aqui’. Aliás, não é nem problema, porque, qualquer coisa, eu tenho uma decisão judicial (do STF, que exige a compensação da desoneração da folha de pagamento para empresas e municípios). Eu tenho uma CSLL por um ano, que eu preciso como um apoio se as medidas apresentadas pelo Congresso não foram suficientes para compensar a desoneração da folha.

E o aumento do Imposto de Renda sobre JCP?

Olha, tem muita gente do Congresso que concorda com o Imposto de Renda sobre o JCP. É uma discussão que vai ser feita lá. E, se você for analisar, é o menor valor, nós estamos falando de R$ 3 bilhões. Se R$ 3 bilhões não comparecerem, a gente pensa em uma outra (medida). Ah, não tem receita, aí a gente vai ser obrigado a cortar gastos, porque nós temos uma meta para cumprir e temos uma despesa obrigatória consumindo (o Orçamento).

Também há duras críticas ao Auxílio Gás turbinado, criado pelo Ministério de Minas e Energia. Como a sra. avalia o financiamento do programa por meio do Fundo Social, sem que a despesa seja computada no Orçamento? O texto teve o aval do ministério?

O fato de ser um projeto de Lei e, portanto, ser discutido com o Congresso Nacional, vai permitir o aperfeiçoamento da proposta, inclusive das questões orçamentárias e financeiras. Trata-se de uma política importante, e, como qualquer política pública, deve ser eficiente, eficaz e seguir as regras fiscais vigentes.

BRASÍLIA - A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, avalia que a agenda de revisão estrutural dos gastos precisa levar em conta o tempo e a vontade da política. Ambos, em sua avaliação, não são favoráveis em 2024 devido às eleições municipais e à necessidade de se concluir a regulamentação da reforma tributária.

“Neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo”, afirmou Tebet, em entrevista ao Estadão.

Ela prevê que esse cenário estará mais favorável no primeiro semestre de 2025, quando pretende angariar apoio dentro do Congresso, via debates em comissões e conversas com lideranças. As alterações pela ótica da despesa, se aprovadas, só teriam impacto mais relevante no Orçamento de 2026, o último do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na peça orçamentária de 2025, o foco da equipe econômica segue voltado à receita, com um pacote arrecadatório de R$ 166 bilhões, o qual inclui aumento de tributos. Já a expectativa de corte de gastos é bem mais tímida, de R$ 25,9 bilhões, por meio, sobretudo, de revisões cadastrais e combate a fraudes em benefícios assistenciais.

Tebet sinaliza disposição de debater com governo e Congresso alterações em benefícios previdenciários de militares, a desvinculação de benefícios assistenciais temporários e o desenho do Fundeb. Foto: Fernando Frazao/Agencia Brasil

Questionada sobre a viabilidade política do plano de revisões ― que ela costuma dizer que vai de ‘A a Z’ ―, Tebet diz que mapeou as ações por cor: “sinal vermelho, amarelo e verde”. O critério é dificuldade versus custo-benefício, levando em conta justiça social. Na lista vermelha, de itens fora de discussão, estão uma mudança na correção real (acima da inflação) do salário mínimo, a revisão dos pisos constitucionais da saúde e da educação e a desvinculação das aposentadorias do INSS em relação ao mínimo.

Transitam nas duas outras listas a desindexação de benefícios assistenciais temporários e a revisão de benefícios previdenciários de militares, dentre eles a chamada “morte fictícia”, espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas. “Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante”, afirmou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista à GloboNews que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas ― os militares ficaram de fora da reformulação geral feita em 2019.

Tebet também incluiu nas listas verde e amarela a revisão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), para melhorar a efetividade do gasto, que dobrou nos últimos anos sem que isso se refletisse, na mesma proporção, nos indicadores educacionais.

“Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. O que eu tenho que garantir é a qualidade do ensino”, afirmou a ministra.

Nesse tema, ela admite ter uma discordância “semântica” com o presidente. “Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto (e não investimento, como diz Lula), porque não repercute na qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Orçamento de 2025 é criticado por focar em receitas extraordinárias e trazer um corte de gastos visto como tímido. A sra. mencionou recentemente que a ‘verdadeira revisão’ das despesas está por vir. Por que ela ainda não aconteceu?

Eu tenho que avaliar duas questões: o tempo da política e a vontade da política. Nós temos um objetivo, que é atender a todos os compromissos sociais de um governo legitimamente eleito. Mas, justamente para cumprir isso, eu tenho convicção, como mantra, regra absoluta, o cumprimento da meta fiscal. A responsabilidade fiscal é o único meio de podermos entregar ao presidente Lula, consequentemente à sociedade brasileira, a diminuição da desigualdade. Nós sabemos onde queremos chegar: meta (de déficit) zero esse ano, meta zero no ano que vem e superávit a partir de 2026. E nós sabemos o momento de fazer e o momento de não fazer as coisas.

E em qual momento a sra. avalia que nós estamos?

Este momento, com toda transparência, eu te asseguro, que é possível cumprir a meta com as propostas que foram apresentadas, com os bloqueios, contingenciamentos, cortes (de gastos) e faseamento (dos gastos, limitando o valor empenhado pelos ministérios). E temos a consciência de que vamos precisar das receitas extraordinárias, ou seja, das receitas que não são correntes; nós estamos contando com elas para zerar a meta. E tudo bem em relação a isso. (...) Não importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. Ou seja, não importa de que forma nós vamos fazer. Nós temos e vamos cumprir a meta zero.

Mas por que ‘tudo bem’ contar com essas receitas não recorrentes? O governo está confortável com isso?

Porque nós sabemos que esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal. E, neste momento, não há vontade política, e não é do presidente Lula. Ficam falando: ‘ah, esse governo, esse governo’. Mas, a partir do momento em que as medidas estruturantes do lado da revisão de gastos dependem, em sua maioria, de mudanças legislativas, não se pode colocar no colo só do Executivo o não querer. Se ele (presidente Lula) não quisesse, já tinha me tirado daqui há muito tempo.

Esse não é o ano de fazer as reformas estruturantes, é um ano eleitoral, um ano municipal.

E quando a sra. avalia que haverá vontade política para essa revisão mais estrutural dos gastos? Esse ano após as eleições municipais?

Agora, nós temos que fechar a reforma tributária. Acho que temos de começar no primeiro semestre de 2025 um diálogo de mais profundidade com os ministérios, muitos já estão trabalhando conosco, e levar (essa agenda) para dentro do Congresso Nacional ― pelas comissões, conversar com os líderes, ver o que os líderes estão dispostos a analisar. Eu vi uma fala até do (presidente da Câmara, Arthur) Lira nesse sentido, em relação à revisão de gastos.

A sra. tem mencionado que há um cardápio amplo para a revisão de gastos, mas qual a viabilidade política dessas ações avançarem no Executivo e no Legislativo?

Nós já temos tudo mapeado, inclusive por cor: sinal vermelho, amarelo e verde. Por exemplo: me apresentaram duas contas, uma que era por PEC (Proposta de Emenda à Constituição, que precisa de mais votos) e a outra por lei complementar. A PEC dava R$ 3 bilhões de economia e a lei complementar somava R$ 20 bilhões. Já coloquei um vermelhinho na de R$ 3 bilhões. Eu falei: ‘Olha o desgaste de se aprovar uma PEC de R$ 3 bilhões, se eu tenho uma medida de R$ 20 bilhões por lei’. E as duas com o mesmo nível de impopularidade. Já foi para o pacotinho vermelho, para alguém discutir isso lá em 2027, no próximo governo. Então, está tudo mapeado por dificuldade versus custo-benefício, obviamente com a justiça social de sempre.

Em relação às políticas públicas, o que entra na lista vermelha?

Ninguém vai mexer nos pisos (constitucionais) da saúde e educação. Nem devemos. O piso da saúde é o contrário: a população está envelhecendo, os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, a partir de 2042, a faixa de idosos vai ser maior do que a faixa de jovens no País. E não tem discussão sobre a valorização real (acima da inflação) do salário mínimo e sobre desvincular o salário mínimo das aposentadorias.

Agora, na educação, a sra. tem feito críticas ao formato do Fundeb...

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou. Não é que eu queira tirar dinheiro do Fundeb, é que eu tenho que parar de crescer o dinheiro do Fundeb se eu estou parando de ter alunos (nessa taxa de crescimento) dentro da escola. Eu tenho de garantir a qualidade do ensino.

Eu comecei a puxar a discussão da injustiça do Fundeb. É aquela coisa pavorosa, que o presidente assustou, todo mundo assustou.

Então, Fundeb está nas listas amarela e verde?

Sem dúvida. Quando eu falo de educação, é mera semântica com o presidente; a única que eu faço uma pequena alteração é essa. Por enquanto, o que nós temos com educação é gasto, porque ele não repercute lá na frente em qualidade da educação pública e nem na produtividade do trabalhador. No dia que eu estiver gastando com a educação e esse gasto significar que a escola pública tem a mesma qualidade de ensino das melhores escolas privadas, aí eu posso dizer que vai virar investimento. Em 2021, nós repassávamos R$ 23 bilhões a Estados e municípios via Fundeb. Esse ano, nós estamos repassando R$ 47 bilhões. Nós dobramos. E qual foi a nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica)? Ficou estagnada na média. Não teve um avanço.

Posso entender, então, que o objetivo é revisar o Fundeb para melhorar a efetividade do gasto, mas também para se obter alguma economia fiscal?

É importante lembrar que o Ministério do Planejamento e Orçamento é um ministério meio para se alcançar um fim. O ministério finalístico, nesse caso, é o Ministério da Educação. Se ele falar não vou fazer, a gente não vai fazer. O Ministério do Desenvolvimento Social falou: ‘Eu vou fazer com o Bolsa Família’. Eu queria R$ 7 bilhões de economia e ele me deu R$ 12 bilhões. O Ministério da Previdência, o (ministro Carlos) Lupi me disse que ia gerar R$ 5,6 bilhões de economia com o Atestemed (análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração). Ou seja, a gente só joga luz, coloca uma lupa. Quem faz é o ministério.

A desvinculação da Previdência está na lista vermelha, mas e a discussão sobre desindexar benefícios assistenciais temporários?

É uma discussão que nós vamos colocar no papel. Nós já temos os valores e, no momento certo, vamos levar ao presidente.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as categorias que não participaram da última reforma da Previdência poderiam dar a sua contribuição para as contas públicas. Isso significa que o governo vai propor uma reforma para os militares?

Não uma reforma dos militares. Uma reforma completa, não. Mas você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante. Tendo o apoio dos próprios militares, fica fácil votar.

Você tem injustiças dentro da Previdência dos militares que os próprios militares já reconhecem e que já estão mais amadurecidas para serem levadas adiante.

Tem aquela questão da chamada ‘morte fictícia’, uma espécie de pensão concedida a militares expulsos das Forças Armadas, certo?

Sim, tem.

Mas seria uma economia relevante?

Não gera (uma economia tão relevante) em 2025, mas começa a gerar em 2026.

A sra. também tem falado sobre uma revisão de benefícios fiscais. Tem chance disso avançar?

Os gastos tributários, creditícios e financeiros batem a casa dos 6% do PIB (Produto Interno Bruto). Nós temos que analisar com o Congresso, em que momento se avançaria nisso, de se discutir um percentual fixo, com prazos, na Constituição. A gente tentou isso lá atrás (com a aprovação da PEC Emergencial, em 2021) mas ficou uma dúvida, o texto ficou confuso. Ainda que leve dez anos (para reduzir gradualmente), tudo bem. Por exemplo: de 6% do PIB para 5% em dois anos, para 4% em mais dois anos, 3% em mais dois anos, e 2% em mais dois anos. Eu estaria falando de cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Poderia dar um exemplo de gasto tributário que chama a atenção?

Por exemplo, o Simples (Nacional), que antes não era nada, e hoje representa 25% de toda a renúncia fiscal. Isso porque aumentou demais o valor da receita (da empresa que pode ser contemplada pelo benefício). Então, hoje, a gente vê empresas médias dentro do Simples, e antes não era assim. A cada dois anos queriam aumentar o piso do Simples. Agora, para conseguir aumentar (após a exigência do STF para a compensação de renúncias), ou o parlamentar precisa dizer da onde vai sair a receita ou da onde vai cortar despesa. Então, o Congresso não tem mais condição de ficar fazendo isso (elevando o valor). Além disso, quando a empresa bate no teto de faturamento do Simples, ela cria outro CNPJ. Ou seja, isso estimula o desmembramento das empresas. A Receita está fazendo esse cruzamento.

O Simples, que antes não era nada, hoje representa 25% da renúncia fiscal. Quando a empresa bate no teto de faturamento, ela cria outro CNPJ. A Receita está fazendo esse cruzamento.

Congresso e empresários não receberam bem a proposta de aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e de maior taxação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP). Há viabilidade política de se aprovar esse projeto e garantir as receitas extras?

Nesse ponto, eu concordo com o ministro Haddad. Sob a ótica das receitas, esse Orçamento está um pouco mais fácil do que o passado. Se vocês olharem o Orçamento de 2024, houve uma necessidade de muito mais medidas legislativas. Medidas provisórias, lei complementares e um pacote muito maior de novas receitas.

A sra. diz em quantidade de medidas propostas?

Em quantidade de projetos. Agora, o Haddad está falando o seguinte: ‘olha, eu tenho um problema aqui’. Aliás, não é nem problema, porque, qualquer coisa, eu tenho uma decisão judicial (do STF, que exige a compensação da desoneração da folha de pagamento para empresas e municípios). Eu tenho uma CSLL por um ano, que eu preciso como um apoio se as medidas apresentadas pelo Congresso não foram suficientes para compensar a desoneração da folha.

E o aumento do Imposto de Renda sobre JCP?

Olha, tem muita gente do Congresso que concorda com o Imposto de Renda sobre o JCP. É uma discussão que vai ser feita lá. E, se você for analisar, é o menor valor, nós estamos falando de R$ 3 bilhões. Se R$ 3 bilhões não comparecerem, a gente pensa em uma outra (medida). Ah, não tem receita, aí a gente vai ser obrigado a cortar gastos, porque nós temos uma meta para cumprir e temos uma despesa obrigatória consumindo (o Orçamento).

Também há duras críticas ao Auxílio Gás turbinado, criado pelo Ministério de Minas e Energia. Como a sra. avalia o financiamento do programa por meio do Fundo Social, sem que a despesa seja computada no Orçamento? O texto teve o aval do ministério?

O fato de ser um projeto de Lei e, portanto, ser discutido com o Congresso Nacional, vai permitir o aperfeiçoamento da proposta, inclusive das questões orçamentárias e financeiras. Trata-se de uma política importante, e, como qualquer política pública, deve ser eficiente, eficaz e seguir as regras fiscais vigentes.

Entrevista por Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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