O resultado da reunião desta quarta-feira, 19, do Comitê de Política Econômica (Copom), do Banco Central, era o mais aguardado dos últimos tempos. A pressão aumentou quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a questionar as decisões do presidente do BC, Roberto Campos Neto, depois de ele ter participado de um jantar com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
As críticas foram ecoadas por outros líderes petistas, e colocaram mais tensão num ambiente que já era visto pelo mercado como tensionado após a reunião anterior, de 8 de maio, quando todos os diretores do Copom indicados por Lula votaram por uma queda de 0,50 ponto percentual, enquanto a maioria defendeu 0,25.
Para Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor da Universidade Georgetown, em Washington, a reunião desta quarta precisava trazer uma mensagem clara de que o Copom não tinha se politizado e que continuava dedicado a perseguir as metas de inflação.
Leia os principais trechos da entrevista:
Havia bons motivos para esta reunião do Copom ser a mais aguardada em muito tempo?
Este é “o” Copom. É difícil dizer qual a reunião mais importante, mas talvez este seja o mais importante desde aquela em que ia se definir a subida de juros depois de a taxa estar em 2% (em março de 2021, depois de seis anos sem altas na Selic). Está nesse mesmo patamar. Estamos vivendo um momento em que houve uma confluência de fatores, começando pela questão fiscal e agora também a questão monetária. Sempre soubemos que a transição (da presidência) do BC seria algo complicado, mas o último Copom, quando ele rachou, entre aspas, “bolsonaristas” e “lulistas”, meio que antecipou o problema. A tensão, que poderia ter ocorrido por volta de outubro, foi antecipada para agora, exatamente quando a questão fiscal também sofria com a mudança da meta do arcabouço fiscal. Então, foi realmente uma obra do diabo colocar essas duas coisas juntas. E aqui estamos.
O mais importante era, então, ter uma decisão unânime do que saber se os juros iriam cair ou ser mantidos agora?
Pode ser. Ter uma decisão unânime era vital para não piorar o ambiente após o racha na última reunião. De fato, não via uma grande diferença entre já interromper as quedas de juros e uma queda de 0,25 ponto com um forward guidance de que haveria uma pausa nas baixas. Era preciso ter um freio de arrumação nessas questões, para o Copom conseguir reconstruir a capacidade de dar continuidade ao ciclo de queda de uma maneira segura e técnica. Para evitar a questão de que o tema estaria sendo poluída por questões políticas dos dois lados.
A participação de Campos Neto em evento com o governador de São Paulo contribuiu para aumentar a politização do tema?
Claramente, a ida de Roberto Campos Neto para os eventos em São Paulo, infelizmente, mas de uma maneira previsível, a meu ver, dava uma margem para a interpretação que ele estaria tendo uma atuação política. Eu acredito que não era o caso, porque eu não vejo nas decisões dele isso. Eu sempre vi, em todas as decisões que ele tem tomado até agora um fundo técnico, mas o caso abre margem para essa especulação.
De certa forma, ele colocou mais gasolina na fogueira para o governo continuar utilizando o discurso de que está sendo prejudicado pelas taxas de juros definidas por um presidente do BC oposicionista?
Ajuda nisso. Morando aqui nos Estados Unidos, eu sempre fico fazendo comparações entre este país e o Brasil. Até nos Estados Unidos, onde o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) tem uma tradição de independência bem mais sólida, imagina se o (presidente da instituição, Jerome) Powell fosse jantar com o Donald Trump (candidato à presidência americana), mesmo que não fosse em ano eleitoral. Haveria obviamente uma reação muito forte. Entendo que existe a pessoa física, e que Campos Neto tem amizade com o Tarcísio. Não tem nenhum problema com isso. Mas ele foi membro de outro governo, nomeado por outro governo, da mesma maneira que o Powell foi nomeado pelos republicanos. Existe a questão da aparência. É aquela história de que, para a mulher de César, não basta ser honesta. Ela tem de parecer honesta.
Alguns economistas chegaram a especular que poderia ser possível uma nova alta de juros em breve. Esse cenário faz sentido?
Não vejo a necessidade de sinalizar essa possibilidade agora, como forward guidance. Seria no caso de um cenário de risco. Se houvesse uma sequência de más decisões por todas as partes envolvidas, inclusive pelo governo, seria possível começar uma espiral de piora, e, lá na frente, em algum momento, o Banco Central seria forçado a fazer uma alta para tentar proteger o real, e tentar controlar a alta do dólar. Esse é um cenário de risco, mas não é um cenário impossível. Se começasse a ter um racha estrutural no Copom, repetindo o racha de votos 5 a 4, como na última reunião, haveria um efeito negativo adicional sobre as expectativas de inflação, levando a uma perda das condições financeiras. Isso acabaria trazendo um cenário de inflação maior com crescimento menor, e, por outro lado, o governo poderia decidir tentar acionar políticas fiscais e parafiscais para tentar levantar o crescimento da economia na marra. Tudo isso, obviamente, lembrando um pouquinho o período entre 2011 e 2014. E a gente sabe o que aconteceu a partir de 2014.
As próximas decisões do Fed podem influenciar a criar esse cenário de risco?
Não. Ironicamente, tudo isso começou, pelo menos, a partir do Banco Central, com a fala do Roberto Campos Neto no Fundo Monetário Internacional, aqui em Washington, quando ele estava apontando essa questão do Fed. Mas, agora, esse ponto está mais pacificado. Temos mais clareza sobre o momento pelo qual a economia americana está passando. Na época, parecia ser um momento de aceleração do crescimento econômico, que levaria o Fed, possivelmente, a subir os juros. Ainda estamos num momento de transição, em que o Fed tem sinalizado uma postura mais conservadora. Apesar dessa boa toada de dados recentes, eles ainda querem levar a coisa de uma maneira mais conservadora e indicando a probabilidade de só ter um corte de juros este ano. Não é o melhor dos mundos. O melhor dos mundos seria ter mais do que um corte. Mas, na minha opinião, pelo menos, a incerteza ao redor da trajetória é muito menor do que era quando o Roberto Campos fez aquela intervenção, que começou toda a sequência de eventos que levou ao racha do Copom.
Com sua experiência em reuniões do Copom, acontece de um diretor chegar com uma decisão de voto e mudar de opinião?
É possível. Eu já vi acontecer na minha época (entre 2015 e 2016). Eu não posso afirmar como o Roberto Campos Neto especificamente tenta tocar essa questão. O (diretor) Gabriel Galípolo já disse que ele preza a independência de cada diretor e dá margem para os debates. O voto é individual. O presidente não consegue forçar alguém a mudar o seu voto, mas ele pode apelar, e dizer para o colegiado como um todo: “Olha, se a gente fizer isso, essas serão as consequências, então vamos repensar”. Na minha época, o presidente era o último a votar. Todo mundo votava e, depois, o (então presidente do BC, Alexandre) Tombini votava. Mas ele falava: “Se for assim como vocês estão fazendo, vai ter essas consequências, então, vamos discutir um pouco mais”. Não sei se isso aconteceu, obviamente, no último Copom.