‘Só no cenário mais otimista governo cumprirá metas fiscais em 2025′, diz diretora da IFI


Economista Vilma Pinto afirma que governo prevê ampliar receitas em R$ 238 bilhões no próximo ano para zerar déficit; necessidades prosseguirão no futuro

Por Adriana Fernandes e Mariana Carneiro
Atualização:
Foto: Denis Ferreira Neto/Estadão - 8/7/2021
Entrevista comVilma PintoDiretora da Instituição Fiscal Independente

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de incremento das receitas. E essas expectativas são ambiciosas.

No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit nas contas do governo.

Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB – a previsão da IFI é que 2023 feche com um déficit ao redor de 1% do PIB (R$ 104 bilhões).

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“Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 a 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025″, disse ela ao Estadão.

“Aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante”, afirma. “Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.”

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Para a economista Vilma da Conceição Pinto, da IFI, o texto do novo arcabouço fiscal teve 'muita coisa aprimorada na Câmara' Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Veja a seguir trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

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A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas. E algumas medidas que foram anunciadas – ou ainda não estão valendo – temos dúvidas se vão apresentar esse impacto potencial que está sendo apresentado. É um desafio entender como vai ser o cumprimento dessas regras fiscais para os anos seguintes.

Mas partindo do pressuposto que o governo atinja a receita que ele precisa para 2024, cumpra a meta com a receita e despesa previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ele ainda vai precisar de aumentos de receita adicionais?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário para os anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros etc.

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Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025.

Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero em 2024 para 0,5% em 2025, 1% em 2026 e 1,5% em 2027. Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.

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A meta não está compatível com o regime de redução de despesas proposto pelo arcabouço?

O arcabouço não visa à redução da despesa. Mesmo que a receita caia, a despesa continuará subindo 0,6% em termos reais. Então, em todos os cenários, você tem um crescimento da despesa em menor ou maior medida. O quanto essa despesa vai crescer vai depender do crescimento da receita, o que ajuda. Ao longo do tempo o crescimento dessa despesa é inferior ao crescimento das receitas, por isso que a gente consegue ver um cenário de melhora dos resultados primários. Nos nossos cenários, se a receita tiver um crescimento muito expressivo, a gente teria superávits acima da meta de primário para os anos seguintes, mesmo incorporando o bônus para investimento.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

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Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, em que não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

O governo pode revisar a meta, e a IFI mesmo nota que isso aconteceu com alguma frequência desde a vigência do regime de metas (iniciado em 2001), não?

O texto aprovado na Câmara diz que a meta tem de ser compatível com a estabilização da relação dívida no horizonte de dez anos. O governo vai fixar metas para quatro anos, é sempre uma janela móvel de quatro anos. Isso não impede de o governo criar uma meta menos ambiciosa no início, desde que nos anos seguintes ele ajuste para que no horizonte de dez anos essa dívida fique estável.

O ministro Fernando Haddad fixou uma meta alta para 2024?

Ele já fixou uma meta bem ambiciosa, logo para 2024, com o objetivo de sinalizar que está comprometido com o ajuste fiscal. E essa meta é ambiciosa no sentido de que a melhora de receita em relação ao que a gente tem hoje, de resultado primário em relação ao que a gente tem hoje, é expressiva. Eu fiz uma conta que ilustra essa situação. Eu comparo o último decreto de programação orçamentária-financeira para esse ano, de quanto o governo está esperando de receitas e despesas, e comparo com os números do LDO de 2024. O incremento de receita entre 2023 e 2024, pelas contas do governo, é de um salto de R$ 238,3 bilhões para zerar o déficit.

Você está dizendo que, para cumprir o deficit zero em 2024, o governo precisa colocar a mais no caixa R$ 238 bilhões?

Pegando a projeção do governo para esse ano de 2023, de janeiro a dezembro, e comparando com a LDO de 2024, ele vai precisar aumentar a receita em R$ 238 bilhões. Nesse cenário, o aumento de despesas está em R$ 103,8 bilhões. É um cenário que mostra claramente essa dependência de receitas para se alcançar a meta sinalizada e mostra o tamanho do desafio de equilibrar as contas. A PEC da Transição aumentou gastos e mudou diversos programas, e não foram discutidas as fontes de financiamento. Então, muito provavelmente, a nova regra fiscal vai preservar esses gastos que foram majorados, e aí será necessário alguma sinalização pelo lado da receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é a de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é a de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). Até porque, se a gente observar o novo arcabouço fiscal como está desenhado hoje, ele não teria muito problema em não cumprir a meta.

Não é ruim começar com uma meta que já corre risco de ser descumprida em 2025?

O texto do novo arcabouço fiscal diz que a meta definida é para quatro anos. Mas se você observar a LDO, a meta é para o ano seguinte, depois disso são metas de referência, e todo ano elas se alteram. Para 2025 e 2026, elas vão ser recalibradas provavelmente em 2024, quando for feita a LDO de 2025.

Acredita que a meta será recalibrada?

Se não conseguir as receitas que estão sendo desejadas, se não tiver as reformas que estão sendo planejadas, eu acho que é possível essa meta ser alterada.

A sua avaliação é a de que o novo regime criado é muito flexível? Pelas contas de vocês, o texto abre brecha para ampliar os gastos em cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem.

Ainda que ele possa criar os créditos suplementares nesse valor de R$ 60 bilhões, isso vai estar condicionado também ao quanto de receita que ele vai conseguir. Se ele conseguir gerar o volume de receita que ele está esperando para 2024, aí é possível que ele utilize essa possibilidade de ampliação (de gastos via) de crédito suplementar. Agora, se ele vir que não vai conseguir essas receitas, se tem algum risco relacionado ao cumprimento da meta de primário, ele não vai poder fazer esses créditos suplementares. Então apesar de ter essa margem de expansão de despesa para 2024, ela ainda está muito condicionada à essa incerteza que a gente tem em relação à meta.

O Senado deve mudar o texto do arcabouço aprovado na Câmara?

O texto teve muita coisa aprimorada na Câmara. Por exemplo, essa questão da sustentabilidade da dívida que não estava no texto original, questões de redação também. Mas tem alguns pontos que realmente são sensíveis. Vai depender muito do debate. O texto já tem mais de 20 emendas no Senado, então é possível que tenha mudanças. Por exemplo, o artigo 15 foi incluído no dia da votação, sobre a possibilidade de incrementar o teto de gastos em relação às estimativas de receita. Esse artigo claramente pode ser aprimorado em termos de redação, porque é um artigo que está um pouco dúbio em relação ao entendimento.

Mas, se mudá-lo, haveria impacto fiscal?

Mesmo que não mude o efeito fiscal, é um ponto que talvez tenha uma atenção maior dos parlamentares e dos técnicos da consultoria pela redação estar um pouco complexa. Mas tem outros pontos de debate, que são as exceções. Agora, se você tem muitas e muitas exceções, você não consegue garantir que aquelas despesas que estão sendo controladas podem de fato gerar aquele resultado que você deseja.

Haverá mais uma exceção ao arcabouço, que é o Fundo de Desenvolvimento Regional, da reforma tributária. Isso preocupa?

Vai depender muito da magnitude de valores. Por exemplo, no teto de gastos, era possível ver a trajetória do teto e a trajetória da primária total não sujeita ao teto, e elas seguiam mais ou menos a mesma trajetória. Então, a partir da projeção do teto de gastos, era possível ter uma noção do resultado primário. Mas aí começaram a ter muitas outras exceções, e as despesas sujeitas ao teto não estavam mais expressando o resultado. Criou-se um gap muito grande. Então, ter muita exceção não é bom, ter exceções é razoável, desde que haja justificativa. No caso do Fundo de Desenvolvimento, vai depender muito do desenho, se será possível definir a priori os valores. Se for algo na linha da última versão da Lei Kandir, que são R$ 4 bilhões por ano, um valor fixo, não teria risco de aumento continuado dos valores.

E sobre as outras exceções, o fundo do DF, por exemplo?

É um dos temas que está gerando mais polêmica. Foi feita a inclusão do fundo no teto de gastos e ele teve alterado o critério de repasse. Antes, o fundo recebia recursos de acordo com o crescimento da receita corrente líquida. Agora, a variação (da despesa) centrada em junho também vai definir também o repasse do ano seguinte para o fundo constitucional do Distrito Federal. O que está sendo proposto é que agora ele possa ser corrigido de acordo com a regra do arcabouço.

Qual o impacto?

Quando se altera a regra de correção, pode haver valores distintos. Só que o arcabouço é corrigido também pelo volume de receitas. Então, o impacto negativo dessa alteração, ele só vai ser muito expressivo se o crescimento da receita for muito elevado e o crescimento, considerando a regra do novo arcabouço, ficar muito baixo. Esse cenário daria um impacto de R$ 24 bilhões em dez anos. Há um impacto, mas é num cenário extremo. Nos cenários alternativos, que eu considero mais factíveis, dariam um impacto de R$ 1,4 bilhão a R$ 9,6 bilhões. Mas também cabem algumas reflexões. O repasse de 2022 para 2023 foi muito elevado por conta do choque na receita, com o crescimento muito elevado em 2021 e 2022. Esse aumento de 42% no valor repassado em 2023 expressa realmente as necessidades de gastos do DF? Ao mesmo tempo, em 2016, o fundo teve uma queda nominal de 3,1%. Será que essa queda não significou uma dificuldade para o DF cumprir as suas obrigações? Com a nova regra, a volatilidade das receitas seria reduzida.

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de incremento das receitas. E essas expectativas são ambiciosas.

No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit nas contas do governo.

Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB – a previsão da IFI é que 2023 feche com um déficit ao redor de 1% do PIB (R$ 104 bilhões).

“Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 a 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025″, disse ela ao Estadão.

“Aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante”, afirma. “Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.”

Para a economista Vilma da Conceição Pinto, da IFI, o texto do novo arcabouço fiscal teve 'muita coisa aprimorada na Câmara' Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Veja a seguir trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas. E algumas medidas que foram anunciadas – ou ainda não estão valendo – temos dúvidas se vão apresentar esse impacto potencial que está sendo apresentado. É um desafio entender como vai ser o cumprimento dessas regras fiscais para os anos seguintes.

Mas partindo do pressuposto que o governo atinja a receita que ele precisa para 2024, cumpra a meta com a receita e despesa previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ele ainda vai precisar de aumentos de receita adicionais?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário para os anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros etc.

Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025.

Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero em 2024 para 0,5% em 2025, 1% em 2026 e 1,5% em 2027. Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.

A meta não está compatível com o regime de redução de despesas proposto pelo arcabouço?

O arcabouço não visa à redução da despesa. Mesmo que a receita caia, a despesa continuará subindo 0,6% em termos reais. Então, em todos os cenários, você tem um crescimento da despesa em menor ou maior medida. O quanto essa despesa vai crescer vai depender do crescimento da receita, o que ajuda. Ao longo do tempo o crescimento dessa despesa é inferior ao crescimento das receitas, por isso que a gente consegue ver um cenário de melhora dos resultados primários. Nos nossos cenários, se a receita tiver um crescimento muito expressivo, a gente teria superávits acima da meta de primário para os anos seguintes, mesmo incorporando o bônus para investimento.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, em que não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

O governo pode revisar a meta, e a IFI mesmo nota que isso aconteceu com alguma frequência desde a vigência do regime de metas (iniciado em 2001), não?

O texto aprovado na Câmara diz que a meta tem de ser compatível com a estabilização da relação dívida no horizonte de dez anos. O governo vai fixar metas para quatro anos, é sempre uma janela móvel de quatro anos. Isso não impede de o governo criar uma meta menos ambiciosa no início, desde que nos anos seguintes ele ajuste para que no horizonte de dez anos essa dívida fique estável.

O ministro Fernando Haddad fixou uma meta alta para 2024?

Ele já fixou uma meta bem ambiciosa, logo para 2024, com o objetivo de sinalizar que está comprometido com o ajuste fiscal. E essa meta é ambiciosa no sentido de que a melhora de receita em relação ao que a gente tem hoje, de resultado primário em relação ao que a gente tem hoje, é expressiva. Eu fiz uma conta que ilustra essa situação. Eu comparo o último decreto de programação orçamentária-financeira para esse ano, de quanto o governo está esperando de receitas e despesas, e comparo com os números do LDO de 2024. O incremento de receita entre 2023 e 2024, pelas contas do governo, é de um salto de R$ 238,3 bilhões para zerar o déficit.

Você está dizendo que, para cumprir o deficit zero em 2024, o governo precisa colocar a mais no caixa R$ 238 bilhões?

Pegando a projeção do governo para esse ano de 2023, de janeiro a dezembro, e comparando com a LDO de 2024, ele vai precisar aumentar a receita em R$ 238 bilhões. Nesse cenário, o aumento de despesas está em R$ 103,8 bilhões. É um cenário que mostra claramente essa dependência de receitas para se alcançar a meta sinalizada e mostra o tamanho do desafio de equilibrar as contas. A PEC da Transição aumentou gastos e mudou diversos programas, e não foram discutidas as fontes de financiamento. Então, muito provavelmente, a nova regra fiscal vai preservar esses gastos que foram majorados, e aí será necessário alguma sinalização pelo lado da receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é a de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é a de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). Até porque, se a gente observar o novo arcabouço fiscal como está desenhado hoje, ele não teria muito problema em não cumprir a meta.

Não é ruim começar com uma meta que já corre risco de ser descumprida em 2025?

O texto do novo arcabouço fiscal diz que a meta definida é para quatro anos. Mas se você observar a LDO, a meta é para o ano seguinte, depois disso são metas de referência, e todo ano elas se alteram. Para 2025 e 2026, elas vão ser recalibradas provavelmente em 2024, quando for feita a LDO de 2025.

Acredita que a meta será recalibrada?

Se não conseguir as receitas que estão sendo desejadas, se não tiver as reformas que estão sendo planejadas, eu acho que é possível essa meta ser alterada.

A sua avaliação é a de que o novo regime criado é muito flexível? Pelas contas de vocês, o texto abre brecha para ampliar os gastos em cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem.

Ainda que ele possa criar os créditos suplementares nesse valor de R$ 60 bilhões, isso vai estar condicionado também ao quanto de receita que ele vai conseguir. Se ele conseguir gerar o volume de receita que ele está esperando para 2024, aí é possível que ele utilize essa possibilidade de ampliação (de gastos via) de crédito suplementar. Agora, se ele vir que não vai conseguir essas receitas, se tem algum risco relacionado ao cumprimento da meta de primário, ele não vai poder fazer esses créditos suplementares. Então apesar de ter essa margem de expansão de despesa para 2024, ela ainda está muito condicionada à essa incerteza que a gente tem em relação à meta.

O Senado deve mudar o texto do arcabouço aprovado na Câmara?

O texto teve muita coisa aprimorada na Câmara. Por exemplo, essa questão da sustentabilidade da dívida que não estava no texto original, questões de redação também. Mas tem alguns pontos que realmente são sensíveis. Vai depender muito do debate. O texto já tem mais de 20 emendas no Senado, então é possível que tenha mudanças. Por exemplo, o artigo 15 foi incluído no dia da votação, sobre a possibilidade de incrementar o teto de gastos em relação às estimativas de receita. Esse artigo claramente pode ser aprimorado em termos de redação, porque é um artigo que está um pouco dúbio em relação ao entendimento.

Mas, se mudá-lo, haveria impacto fiscal?

Mesmo que não mude o efeito fiscal, é um ponto que talvez tenha uma atenção maior dos parlamentares e dos técnicos da consultoria pela redação estar um pouco complexa. Mas tem outros pontos de debate, que são as exceções. Agora, se você tem muitas e muitas exceções, você não consegue garantir que aquelas despesas que estão sendo controladas podem de fato gerar aquele resultado que você deseja.

Haverá mais uma exceção ao arcabouço, que é o Fundo de Desenvolvimento Regional, da reforma tributária. Isso preocupa?

Vai depender muito da magnitude de valores. Por exemplo, no teto de gastos, era possível ver a trajetória do teto e a trajetória da primária total não sujeita ao teto, e elas seguiam mais ou menos a mesma trajetória. Então, a partir da projeção do teto de gastos, era possível ter uma noção do resultado primário. Mas aí começaram a ter muitas outras exceções, e as despesas sujeitas ao teto não estavam mais expressando o resultado. Criou-se um gap muito grande. Então, ter muita exceção não é bom, ter exceções é razoável, desde que haja justificativa. No caso do Fundo de Desenvolvimento, vai depender muito do desenho, se será possível definir a priori os valores. Se for algo na linha da última versão da Lei Kandir, que são R$ 4 bilhões por ano, um valor fixo, não teria risco de aumento continuado dos valores.

E sobre as outras exceções, o fundo do DF, por exemplo?

É um dos temas que está gerando mais polêmica. Foi feita a inclusão do fundo no teto de gastos e ele teve alterado o critério de repasse. Antes, o fundo recebia recursos de acordo com o crescimento da receita corrente líquida. Agora, a variação (da despesa) centrada em junho também vai definir também o repasse do ano seguinte para o fundo constitucional do Distrito Federal. O que está sendo proposto é que agora ele possa ser corrigido de acordo com a regra do arcabouço.

Qual o impacto?

Quando se altera a regra de correção, pode haver valores distintos. Só que o arcabouço é corrigido também pelo volume de receitas. Então, o impacto negativo dessa alteração, ele só vai ser muito expressivo se o crescimento da receita for muito elevado e o crescimento, considerando a regra do novo arcabouço, ficar muito baixo. Esse cenário daria um impacto de R$ 24 bilhões em dez anos. Há um impacto, mas é num cenário extremo. Nos cenários alternativos, que eu considero mais factíveis, dariam um impacto de R$ 1,4 bilhão a R$ 9,6 bilhões. Mas também cabem algumas reflexões. O repasse de 2022 para 2023 foi muito elevado por conta do choque na receita, com o crescimento muito elevado em 2021 e 2022. Esse aumento de 42% no valor repassado em 2023 expressa realmente as necessidades de gastos do DF? Ao mesmo tempo, em 2016, o fundo teve uma queda nominal de 3,1%. Será que essa queda não significou uma dificuldade para o DF cumprir as suas obrigações? Com a nova regra, a volatilidade das receitas seria reduzida.

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de incremento das receitas. E essas expectativas são ambiciosas.

No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit nas contas do governo.

Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB – a previsão da IFI é que 2023 feche com um déficit ao redor de 1% do PIB (R$ 104 bilhões).

“Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 a 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025″, disse ela ao Estadão.

“Aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante”, afirma. “Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.”

Para a economista Vilma da Conceição Pinto, da IFI, o texto do novo arcabouço fiscal teve 'muita coisa aprimorada na Câmara' Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Veja a seguir trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas. E algumas medidas que foram anunciadas – ou ainda não estão valendo – temos dúvidas se vão apresentar esse impacto potencial que está sendo apresentado. É um desafio entender como vai ser o cumprimento dessas regras fiscais para os anos seguintes.

Mas partindo do pressuposto que o governo atinja a receita que ele precisa para 2024, cumpra a meta com a receita e despesa previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ele ainda vai precisar de aumentos de receita adicionais?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário para os anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros etc.

Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025.

Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero em 2024 para 0,5% em 2025, 1% em 2026 e 1,5% em 2027. Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.

A meta não está compatível com o regime de redução de despesas proposto pelo arcabouço?

O arcabouço não visa à redução da despesa. Mesmo que a receita caia, a despesa continuará subindo 0,6% em termos reais. Então, em todos os cenários, você tem um crescimento da despesa em menor ou maior medida. O quanto essa despesa vai crescer vai depender do crescimento da receita, o que ajuda. Ao longo do tempo o crescimento dessa despesa é inferior ao crescimento das receitas, por isso que a gente consegue ver um cenário de melhora dos resultados primários. Nos nossos cenários, se a receita tiver um crescimento muito expressivo, a gente teria superávits acima da meta de primário para os anos seguintes, mesmo incorporando o bônus para investimento.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, em que não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

O governo pode revisar a meta, e a IFI mesmo nota que isso aconteceu com alguma frequência desde a vigência do regime de metas (iniciado em 2001), não?

O texto aprovado na Câmara diz que a meta tem de ser compatível com a estabilização da relação dívida no horizonte de dez anos. O governo vai fixar metas para quatro anos, é sempre uma janela móvel de quatro anos. Isso não impede de o governo criar uma meta menos ambiciosa no início, desde que nos anos seguintes ele ajuste para que no horizonte de dez anos essa dívida fique estável.

O ministro Fernando Haddad fixou uma meta alta para 2024?

Ele já fixou uma meta bem ambiciosa, logo para 2024, com o objetivo de sinalizar que está comprometido com o ajuste fiscal. E essa meta é ambiciosa no sentido de que a melhora de receita em relação ao que a gente tem hoje, de resultado primário em relação ao que a gente tem hoje, é expressiva. Eu fiz uma conta que ilustra essa situação. Eu comparo o último decreto de programação orçamentária-financeira para esse ano, de quanto o governo está esperando de receitas e despesas, e comparo com os números do LDO de 2024. O incremento de receita entre 2023 e 2024, pelas contas do governo, é de um salto de R$ 238,3 bilhões para zerar o déficit.

Você está dizendo que, para cumprir o deficit zero em 2024, o governo precisa colocar a mais no caixa R$ 238 bilhões?

Pegando a projeção do governo para esse ano de 2023, de janeiro a dezembro, e comparando com a LDO de 2024, ele vai precisar aumentar a receita em R$ 238 bilhões. Nesse cenário, o aumento de despesas está em R$ 103,8 bilhões. É um cenário que mostra claramente essa dependência de receitas para se alcançar a meta sinalizada e mostra o tamanho do desafio de equilibrar as contas. A PEC da Transição aumentou gastos e mudou diversos programas, e não foram discutidas as fontes de financiamento. Então, muito provavelmente, a nova regra fiscal vai preservar esses gastos que foram majorados, e aí será necessário alguma sinalização pelo lado da receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é a de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é a de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). Até porque, se a gente observar o novo arcabouço fiscal como está desenhado hoje, ele não teria muito problema em não cumprir a meta.

Não é ruim começar com uma meta que já corre risco de ser descumprida em 2025?

O texto do novo arcabouço fiscal diz que a meta definida é para quatro anos. Mas se você observar a LDO, a meta é para o ano seguinte, depois disso são metas de referência, e todo ano elas se alteram. Para 2025 e 2026, elas vão ser recalibradas provavelmente em 2024, quando for feita a LDO de 2025.

Acredita que a meta será recalibrada?

Se não conseguir as receitas que estão sendo desejadas, se não tiver as reformas que estão sendo planejadas, eu acho que é possível essa meta ser alterada.

A sua avaliação é a de que o novo regime criado é muito flexível? Pelas contas de vocês, o texto abre brecha para ampliar os gastos em cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem.

Ainda que ele possa criar os créditos suplementares nesse valor de R$ 60 bilhões, isso vai estar condicionado também ao quanto de receita que ele vai conseguir. Se ele conseguir gerar o volume de receita que ele está esperando para 2024, aí é possível que ele utilize essa possibilidade de ampliação (de gastos via) de crédito suplementar. Agora, se ele vir que não vai conseguir essas receitas, se tem algum risco relacionado ao cumprimento da meta de primário, ele não vai poder fazer esses créditos suplementares. Então apesar de ter essa margem de expansão de despesa para 2024, ela ainda está muito condicionada à essa incerteza que a gente tem em relação à meta.

O Senado deve mudar o texto do arcabouço aprovado na Câmara?

O texto teve muita coisa aprimorada na Câmara. Por exemplo, essa questão da sustentabilidade da dívida que não estava no texto original, questões de redação também. Mas tem alguns pontos que realmente são sensíveis. Vai depender muito do debate. O texto já tem mais de 20 emendas no Senado, então é possível que tenha mudanças. Por exemplo, o artigo 15 foi incluído no dia da votação, sobre a possibilidade de incrementar o teto de gastos em relação às estimativas de receita. Esse artigo claramente pode ser aprimorado em termos de redação, porque é um artigo que está um pouco dúbio em relação ao entendimento.

Mas, se mudá-lo, haveria impacto fiscal?

Mesmo que não mude o efeito fiscal, é um ponto que talvez tenha uma atenção maior dos parlamentares e dos técnicos da consultoria pela redação estar um pouco complexa. Mas tem outros pontos de debate, que são as exceções. Agora, se você tem muitas e muitas exceções, você não consegue garantir que aquelas despesas que estão sendo controladas podem de fato gerar aquele resultado que você deseja.

Haverá mais uma exceção ao arcabouço, que é o Fundo de Desenvolvimento Regional, da reforma tributária. Isso preocupa?

Vai depender muito da magnitude de valores. Por exemplo, no teto de gastos, era possível ver a trajetória do teto e a trajetória da primária total não sujeita ao teto, e elas seguiam mais ou menos a mesma trajetória. Então, a partir da projeção do teto de gastos, era possível ter uma noção do resultado primário. Mas aí começaram a ter muitas outras exceções, e as despesas sujeitas ao teto não estavam mais expressando o resultado. Criou-se um gap muito grande. Então, ter muita exceção não é bom, ter exceções é razoável, desde que haja justificativa. No caso do Fundo de Desenvolvimento, vai depender muito do desenho, se será possível definir a priori os valores. Se for algo na linha da última versão da Lei Kandir, que são R$ 4 bilhões por ano, um valor fixo, não teria risco de aumento continuado dos valores.

E sobre as outras exceções, o fundo do DF, por exemplo?

É um dos temas que está gerando mais polêmica. Foi feita a inclusão do fundo no teto de gastos e ele teve alterado o critério de repasse. Antes, o fundo recebia recursos de acordo com o crescimento da receita corrente líquida. Agora, a variação (da despesa) centrada em junho também vai definir também o repasse do ano seguinte para o fundo constitucional do Distrito Federal. O que está sendo proposto é que agora ele possa ser corrigido de acordo com a regra do arcabouço.

Qual o impacto?

Quando se altera a regra de correção, pode haver valores distintos. Só que o arcabouço é corrigido também pelo volume de receitas. Então, o impacto negativo dessa alteração, ele só vai ser muito expressivo se o crescimento da receita for muito elevado e o crescimento, considerando a regra do novo arcabouço, ficar muito baixo. Esse cenário daria um impacto de R$ 24 bilhões em dez anos. Há um impacto, mas é num cenário extremo. Nos cenários alternativos, que eu considero mais factíveis, dariam um impacto de R$ 1,4 bilhão a R$ 9,6 bilhões. Mas também cabem algumas reflexões. O repasse de 2022 para 2023 foi muito elevado por conta do choque na receita, com o crescimento muito elevado em 2021 e 2022. Esse aumento de 42% no valor repassado em 2023 expressa realmente as necessidades de gastos do DF? Ao mesmo tempo, em 2016, o fundo teve uma queda nominal de 3,1%. Será que essa queda não significou uma dificuldade para o DF cumprir as suas obrigações? Com a nova regra, a volatilidade das receitas seria reduzida.

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de incremento das receitas. E essas expectativas são ambiciosas.

No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit nas contas do governo.

Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB – a previsão da IFI é que 2023 feche com um déficit ao redor de 1% do PIB (R$ 104 bilhões).

“Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 a 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025″, disse ela ao Estadão.

“Aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante”, afirma. “Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.”

Para a economista Vilma da Conceição Pinto, da IFI, o texto do novo arcabouço fiscal teve 'muita coisa aprimorada na Câmara' Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Veja a seguir trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas. E algumas medidas que foram anunciadas – ou ainda não estão valendo – temos dúvidas se vão apresentar esse impacto potencial que está sendo apresentado. É um desafio entender como vai ser o cumprimento dessas regras fiscais para os anos seguintes.

Mas partindo do pressuposto que o governo atinja a receita que ele precisa para 2024, cumpra a meta com a receita e despesa previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ele ainda vai precisar de aumentos de receita adicionais?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário para os anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros etc.

Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025.

Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero em 2024 para 0,5% em 2025, 1% em 2026 e 1,5% em 2027. Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.

A meta não está compatível com o regime de redução de despesas proposto pelo arcabouço?

O arcabouço não visa à redução da despesa. Mesmo que a receita caia, a despesa continuará subindo 0,6% em termos reais. Então, em todos os cenários, você tem um crescimento da despesa em menor ou maior medida. O quanto essa despesa vai crescer vai depender do crescimento da receita, o que ajuda. Ao longo do tempo o crescimento dessa despesa é inferior ao crescimento das receitas, por isso que a gente consegue ver um cenário de melhora dos resultados primários. Nos nossos cenários, se a receita tiver um crescimento muito expressivo, a gente teria superávits acima da meta de primário para os anos seguintes, mesmo incorporando o bônus para investimento.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, em que não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

O governo pode revisar a meta, e a IFI mesmo nota que isso aconteceu com alguma frequência desde a vigência do regime de metas (iniciado em 2001), não?

O texto aprovado na Câmara diz que a meta tem de ser compatível com a estabilização da relação dívida no horizonte de dez anos. O governo vai fixar metas para quatro anos, é sempre uma janela móvel de quatro anos. Isso não impede de o governo criar uma meta menos ambiciosa no início, desde que nos anos seguintes ele ajuste para que no horizonte de dez anos essa dívida fique estável.

O ministro Fernando Haddad fixou uma meta alta para 2024?

Ele já fixou uma meta bem ambiciosa, logo para 2024, com o objetivo de sinalizar que está comprometido com o ajuste fiscal. E essa meta é ambiciosa no sentido de que a melhora de receita em relação ao que a gente tem hoje, de resultado primário em relação ao que a gente tem hoje, é expressiva. Eu fiz uma conta que ilustra essa situação. Eu comparo o último decreto de programação orçamentária-financeira para esse ano, de quanto o governo está esperando de receitas e despesas, e comparo com os números do LDO de 2024. O incremento de receita entre 2023 e 2024, pelas contas do governo, é de um salto de R$ 238,3 bilhões para zerar o déficit.

Você está dizendo que, para cumprir o deficit zero em 2024, o governo precisa colocar a mais no caixa R$ 238 bilhões?

Pegando a projeção do governo para esse ano de 2023, de janeiro a dezembro, e comparando com a LDO de 2024, ele vai precisar aumentar a receita em R$ 238 bilhões. Nesse cenário, o aumento de despesas está em R$ 103,8 bilhões. É um cenário que mostra claramente essa dependência de receitas para se alcançar a meta sinalizada e mostra o tamanho do desafio de equilibrar as contas. A PEC da Transição aumentou gastos e mudou diversos programas, e não foram discutidas as fontes de financiamento. Então, muito provavelmente, a nova regra fiscal vai preservar esses gastos que foram majorados, e aí será necessário alguma sinalização pelo lado da receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é a de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é a de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). Até porque, se a gente observar o novo arcabouço fiscal como está desenhado hoje, ele não teria muito problema em não cumprir a meta.

Não é ruim começar com uma meta que já corre risco de ser descumprida em 2025?

O texto do novo arcabouço fiscal diz que a meta definida é para quatro anos. Mas se você observar a LDO, a meta é para o ano seguinte, depois disso são metas de referência, e todo ano elas se alteram. Para 2025 e 2026, elas vão ser recalibradas provavelmente em 2024, quando for feita a LDO de 2025.

Acredita que a meta será recalibrada?

Se não conseguir as receitas que estão sendo desejadas, se não tiver as reformas que estão sendo planejadas, eu acho que é possível essa meta ser alterada.

A sua avaliação é a de que o novo regime criado é muito flexível? Pelas contas de vocês, o texto abre brecha para ampliar os gastos em cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem.

Ainda que ele possa criar os créditos suplementares nesse valor de R$ 60 bilhões, isso vai estar condicionado também ao quanto de receita que ele vai conseguir. Se ele conseguir gerar o volume de receita que ele está esperando para 2024, aí é possível que ele utilize essa possibilidade de ampliação (de gastos via) de crédito suplementar. Agora, se ele vir que não vai conseguir essas receitas, se tem algum risco relacionado ao cumprimento da meta de primário, ele não vai poder fazer esses créditos suplementares. Então apesar de ter essa margem de expansão de despesa para 2024, ela ainda está muito condicionada à essa incerteza que a gente tem em relação à meta.

O Senado deve mudar o texto do arcabouço aprovado na Câmara?

O texto teve muita coisa aprimorada na Câmara. Por exemplo, essa questão da sustentabilidade da dívida que não estava no texto original, questões de redação também. Mas tem alguns pontos que realmente são sensíveis. Vai depender muito do debate. O texto já tem mais de 20 emendas no Senado, então é possível que tenha mudanças. Por exemplo, o artigo 15 foi incluído no dia da votação, sobre a possibilidade de incrementar o teto de gastos em relação às estimativas de receita. Esse artigo claramente pode ser aprimorado em termos de redação, porque é um artigo que está um pouco dúbio em relação ao entendimento.

Mas, se mudá-lo, haveria impacto fiscal?

Mesmo que não mude o efeito fiscal, é um ponto que talvez tenha uma atenção maior dos parlamentares e dos técnicos da consultoria pela redação estar um pouco complexa. Mas tem outros pontos de debate, que são as exceções. Agora, se você tem muitas e muitas exceções, você não consegue garantir que aquelas despesas que estão sendo controladas podem de fato gerar aquele resultado que você deseja.

Haverá mais uma exceção ao arcabouço, que é o Fundo de Desenvolvimento Regional, da reforma tributária. Isso preocupa?

Vai depender muito da magnitude de valores. Por exemplo, no teto de gastos, era possível ver a trajetória do teto e a trajetória da primária total não sujeita ao teto, e elas seguiam mais ou menos a mesma trajetória. Então, a partir da projeção do teto de gastos, era possível ter uma noção do resultado primário. Mas aí começaram a ter muitas outras exceções, e as despesas sujeitas ao teto não estavam mais expressando o resultado. Criou-se um gap muito grande. Então, ter muita exceção não é bom, ter exceções é razoável, desde que haja justificativa. No caso do Fundo de Desenvolvimento, vai depender muito do desenho, se será possível definir a priori os valores. Se for algo na linha da última versão da Lei Kandir, que são R$ 4 bilhões por ano, um valor fixo, não teria risco de aumento continuado dos valores.

E sobre as outras exceções, o fundo do DF, por exemplo?

É um dos temas que está gerando mais polêmica. Foi feita a inclusão do fundo no teto de gastos e ele teve alterado o critério de repasse. Antes, o fundo recebia recursos de acordo com o crescimento da receita corrente líquida. Agora, a variação (da despesa) centrada em junho também vai definir também o repasse do ano seguinte para o fundo constitucional do Distrito Federal. O que está sendo proposto é que agora ele possa ser corrigido de acordo com a regra do arcabouço.

Qual o impacto?

Quando se altera a regra de correção, pode haver valores distintos. Só que o arcabouço é corrigido também pelo volume de receitas. Então, o impacto negativo dessa alteração, ele só vai ser muito expressivo se o crescimento da receita for muito elevado e o crescimento, considerando a regra do novo arcabouço, ficar muito baixo. Esse cenário daria um impacto de R$ 24 bilhões em dez anos. Há um impacto, mas é num cenário extremo. Nos cenários alternativos, que eu considero mais factíveis, dariam um impacto de R$ 1,4 bilhão a R$ 9,6 bilhões. Mas também cabem algumas reflexões. O repasse de 2022 para 2023 foi muito elevado por conta do choque na receita, com o crescimento muito elevado em 2021 e 2022. Esse aumento de 42% no valor repassado em 2023 expressa realmente as necessidades de gastos do DF? Ao mesmo tempo, em 2016, o fundo teve uma queda nominal de 3,1%. Será que essa queda não significou uma dificuldade para o DF cumprir as suas obrigações? Com a nova regra, a volatilidade das receitas seria reduzida.

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, afirma que as metas traçadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o resultado das contas do governo nos próximos anos podem não ser cumpridas caso sejam frustradas as expectativas de incremento das receitas. E essas expectativas são ambiciosas.

No primeiro ano de vigência do novo arcabouço fiscal, em 2024, o governo prevê ampliar as receitas em R$ 238 bilhões para zerar o déficit nas contas do governo.

Segundo a economista, porém, um novo aumento de receita será necessário para o cumprimento da meta fiscal em 2025, quando o governo prevê entregar um superávit primário equivalente a 0,5% do PIB – a previsão da IFI é que 2023 feche com um déficit ao redor de 1% do PIB (R$ 104 bilhões).

“Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 a 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025″, disse ela ao Estadão.

“Aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante”, afirma. “Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.”

Para a economista Vilma da Conceição Pinto, da IFI, o texto do novo arcabouço fiscal teve 'muita coisa aprimorada na Câmara' Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Veja a seguir trechos da entrevista.

A IFI projeta que a meta fiscal pode não ser cumprida já em 2025. Pode explicar melhor essa previsão?

A gente parte de um cenário em que o objetivo de 2024 é cumprido, que o déficit fiscal é zerado no ano que vem. Sabemos que existe uma dificuldade em razão do potencial de receita que vai poder ser incrementado, mas tem esse dado como partida. E, a partir daí, traçamos diversos cenários que mostram a dependência de receitas. O governo precisa alcançar um volume expressivo de receitas para cumprir as metas que ele mesmo definiu. Mas ainda não há clareza em relação às medidas que vão ser adotadas, dado que o foco desse ajuste está sendo concentrado em receitas. E algumas medidas que foram anunciadas – ou ainda não estão valendo – temos dúvidas se vão apresentar esse impacto potencial que está sendo apresentado. É um desafio entender como vai ser o cumprimento dessas regras fiscais para os anos seguintes.

Mas partindo do pressuposto que o governo atinja a receita que ele precisa para 2024, cumpra a meta com a receita e despesa previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), o cenário para frente, só com a aplicação da regra do teto de gastos, é suficiente para ele conseguir continuar cumprindo as metas de resultado fiscal ou ele ainda vai precisar de aumentos de receita adicionais?

O nosso cenário indica que, mesmo partindo de 2024 como um cenário de déficit zero, ele ainda assim poderia encontrar dificuldades para cumprir a meta de primário para os anos seguintes. Naturalmente, esse número pode variar a depender do PIB, da taxa de juros etc.

Mas ele já descumpriria a meta em 2025?

Para 2025, se conseguirmos fazer com que o crescimento econômico seja um pouco melhor, isso pode ajudar no cumprimento (da meta), mas ainda assim é um cenário que mostra claramente que o governo vai precisar de incrementos adicionais de receita. Fizemos várias hipóteses olhando um pouco do passado do crescimento das receitas. Somente no cenário que a gente considera mais otimista, pegando a média de crescimento (da receita) de 1999 até 2022, que pega aquele período de boom de commodities, que a gente consegue ver o cumprimento da meta em 2025.

Agora, aplicando as regras de gastos puramente, de teto e de piso, realmente o cenário é um pouco preocupante. Até chegar em 2027 pelo menos, o governo deve encontrar alguma dificuldade para fazer esse incremento adicional de metas de primário, saindo de zero em 2024 para 0,5% em 2025, 1% em 2026 e 1,5% em 2027. Essa trajetória possivelmente vai exigir algum adicional de receita.

A meta não está compatível com o regime de redução de despesas proposto pelo arcabouço?

O arcabouço não visa à redução da despesa. Mesmo que a receita caia, a despesa continuará subindo 0,6% em termos reais. Então, em todos os cenários, você tem um crescimento da despesa em menor ou maior medida. O quanto essa despesa vai crescer vai depender do crescimento da receita, o que ajuda. Ao longo do tempo o crescimento dessa despesa é inferior ao crescimento das receitas, por isso que a gente consegue ver um cenário de melhora dos resultados primários. Nos nossos cenários, se a receita tiver um crescimento muito expressivo, a gente teria superávits acima da meta de primário para os anos seguintes, mesmo incorporando o bônus para investimento.

Então, o grande teste vai ser nos dois primeiros anos (2024 e 2025)?

Exatamente. É uma regra fiscal que tem alguns elementos interessantes. Em cenários normais, em que não há queda da receita ou que a receita não cresça pouco, você teria sempre um cenário em que a despesa cresce abaixo do crescimento da receita. Então isso gera uma convergência, uma melhora gradual dos resultados fiscais. Mas, como fixado no texto do arcabouço, as metas de resultado primário têm de ser compatíveis com a estabilização da relação dívida/PIB. Então mesmo que você tenha uma melhora do resultado primário, por conta da regra, essa melhora pode não ser suficiente para cumprir a meta de primário. Por isso, é necessário recorrer a mais receita.

O governo pode revisar a meta, e a IFI mesmo nota que isso aconteceu com alguma frequência desde a vigência do regime de metas (iniciado em 2001), não?

O texto aprovado na Câmara diz que a meta tem de ser compatível com a estabilização da relação dívida no horizonte de dez anos. O governo vai fixar metas para quatro anos, é sempre uma janela móvel de quatro anos. Isso não impede de o governo criar uma meta menos ambiciosa no início, desde que nos anos seguintes ele ajuste para que no horizonte de dez anos essa dívida fique estável.

O ministro Fernando Haddad fixou uma meta alta para 2024?

Ele já fixou uma meta bem ambiciosa, logo para 2024, com o objetivo de sinalizar que está comprometido com o ajuste fiscal. E essa meta é ambiciosa no sentido de que a melhora de receita em relação ao que a gente tem hoje, de resultado primário em relação ao que a gente tem hoje, é expressiva. Eu fiz uma conta que ilustra essa situação. Eu comparo o último decreto de programação orçamentária-financeira para esse ano, de quanto o governo está esperando de receitas e despesas, e comparo com os números do LDO de 2024. O incremento de receita entre 2023 e 2024, pelas contas do governo, é de um salto de R$ 238,3 bilhões para zerar o déficit.

Você está dizendo que, para cumprir o deficit zero em 2024, o governo precisa colocar a mais no caixa R$ 238 bilhões?

Pegando a projeção do governo para esse ano de 2023, de janeiro a dezembro, e comparando com a LDO de 2024, ele vai precisar aumentar a receita em R$ 238 bilhões. Nesse cenário, o aumento de despesas está em R$ 103,8 bilhões. É um cenário que mostra claramente essa dependência de receitas para se alcançar a meta sinalizada e mostra o tamanho do desafio de equilibrar as contas. A PEC da Transição aumentou gastos e mudou diversos programas, e não foram discutidas as fontes de financiamento. Então, muito provavelmente, a nova regra fiscal vai preservar esses gastos que foram majorados, e aí será necessário alguma sinalização pelo lado da receita.

Pelas contas da IFI, qual o impacto das medidas já anunciadas pelo ministro da Fazenda pelo lado das receitas?

O governo está sinalizando que precisa incrementar (as receitas) em R$ 238 bilhões e já anunciou como potencial R$ 251 bilhões que a gente sabe que tem muita incerteza nesses números. Então o número que a gente está considerando nas nossas contas, a princípio, é algo como R$ 90 bilhões desses R$ 251 bilhões para 2024.

Sua avaliação é a de que o governo está colocando a régua muito alta, e a tendência é revisar a meta para baixo já na LDO de 2024, que tramita no Congresso?

Eu acredito que mudar a meta logo na largada traria uma sinalização ruim. Então, por enquanto, minha percepção é a de que o governo vai tentar atingir a meta de primário (em 2024). Até porque, se a gente observar o novo arcabouço fiscal como está desenhado hoje, ele não teria muito problema em não cumprir a meta.

Não é ruim começar com uma meta que já corre risco de ser descumprida em 2025?

O texto do novo arcabouço fiscal diz que a meta definida é para quatro anos. Mas se você observar a LDO, a meta é para o ano seguinte, depois disso são metas de referência, e todo ano elas se alteram. Para 2025 e 2026, elas vão ser recalibradas provavelmente em 2024, quando for feita a LDO de 2025.

Acredita que a meta será recalibrada?

Se não conseguir as receitas que estão sendo desejadas, se não tiver as reformas que estão sendo planejadas, eu acho que é possível essa meta ser alterada.

A sua avaliação é a de que o novo regime criado é muito flexível? Pelas contas de vocês, o texto abre brecha para ampliar os gastos em cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem.

Ainda que ele possa criar os créditos suplementares nesse valor de R$ 60 bilhões, isso vai estar condicionado também ao quanto de receita que ele vai conseguir. Se ele conseguir gerar o volume de receita que ele está esperando para 2024, aí é possível que ele utilize essa possibilidade de ampliação (de gastos via) de crédito suplementar. Agora, se ele vir que não vai conseguir essas receitas, se tem algum risco relacionado ao cumprimento da meta de primário, ele não vai poder fazer esses créditos suplementares. Então apesar de ter essa margem de expansão de despesa para 2024, ela ainda está muito condicionada à essa incerteza que a gente tem em relação à meta.

O Senado deve mudar o texto do arcabouço aprovado na Câmara?

O texto teve muita coisa aprimorada na Câmara. Por exemplo, essa questão da sustentabilidade da dívida que não estava no texto original, questões de redação também. Mas tem alguns pontos que realmente são sensíveis. Vai depender muito do debate. O texto já tem mais de 20 emendas no Senado, então é possível que tenha mudanças. Por exemplo, o artigo 15 foi incluído no dia da votação, sobre a possibilidade de incrementar o teto de gastos em relação às estimativas de receita. Esse artigo claramente pode ser aprimorado em termos de redação, porque é um artigo que está um pouco dúbio em relação ao entendimento.

Mas, se mudá-lo, haveria impacto fiscal?

Mesmo que não mude o efeito fiscal, é um ponto que talvez tenha uma atenção maior dos parlamentares e dos técnicos da consultoria pela redação estar um pouco complexa. Mas tem outros pontos de debate, que são as exceções. Agora, se você tem muitas e muitas exceções, você não consegue garantir que aquelas despesas que estão sendo controladas podem de fato gerar aquele resultado que você deseja.

Haverá mais uma exceção ao arcabouço, que é o Fundo de Desenvolvimento Regional, da reforma tributária. Isso preocupa?

Vai depender muito da magnitude de valores. Por exemplo, no teto de gastos, era possível ver a trajetória do teto e a trajetória da primária total não sujeita ao teto, e elas seguiam mais ou menos a mesma trajetória. Então, a partir da projeção do teto de gastos, era possível ter uma noção do resultado primário. Mas aí começaram a ter muitas outras exceções, e as despesas sujeitas ao teto não estavam mais expressando o resultado. Criou-se um gap muito grande. Então, ter muita exceção não é bom, ter exceções é razoável, desde que haja justificativa. No caso do Fundo de Desenvolvimento, vai depender muito do desenho, se será possível definir a priori os valores. Se for algo na linha da última versão da Lei Kandir, que são R$ 4 bilhões por ano, um valor fixo, não teria risco de aumento continuado dos valores.

E sobre as outras exceções, o fundo do DF, por exemplo?

É um dos temas que está gerando mais polêmica. Foi feita a inclusão do fundo no teto de gastos e ele teve alterado o critério de repasse. Antes, o fundo recebia recursos de acordo com o crescimento da receita corrente líquida. Agora, a variação (da despesa) centrada em junho também vai definir também o repasse do ano seguinte para o fundo constitucional do Distrito Federal. O que está sendo proposto é que agora ele possa ser corrigido de acordo com a regra do arcabouço.

Qual o impacto?

Quando se altera a regra de correção, pode haver valores distintos. Só que o arcabouço é corrigido também pelo volume de receitas. Então, o impacto negativo dessa alteração, ele só vai ser muito expressivo se o crescimento da receita for muito elevado e o crescimento, considerando a regra do novo arcabouço, ficar muito baixo. Esse cenário daria um impacto de R$ 24 bilhões em dez anos. Há um impacto, mas é num cenário extremo. Nos cenários alternativos, que eu considero mais factíveis, dariam um impacto de R$ 1,4 bilhão a R$ 9,6 bilhões. Mas também cabem algumas reflexões. O repasse de 2022 para 2023 foi muito elevado por conta do choque na receita, com o crescimento muito elevado em 2021 e 2022. Esse aumento de 42% no valor repassado em 2023 expressa realmente as necessidades de gastos do DF? Ao mesmo tempo, em 2016, o fundo teve uma queda nominal de 3,1%. Será que essa queda não significou uma dificuldade para o DF cumprir as suas obrigações? Com a nova regra, a volatilidade das receitas seria reduzida.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Mariana Carneiro

Repórter especial de Economia em Brasília. Foi editora da Coluna do Estadão. Graduada em comunicação social pela PUC-Rio, com MBA em mercado financeiro pela B3 e especialização em análise de conjuntura econômica pela UFRJ. Foi correspondente na Argentina (2015) pela Folha de S.Paulo e também trabalhou em O Globo, TV Globo, JB e Jornal do Commercio.

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