‘Educação de hoje no Brasil não prepara para o futuro do trabalho’, diz Walter Schalka


Para conselheiro da Suzano, Brasil tem uma defasagem de 40 anos na educação; uma das saídas é adotar a escola integral, já adotada em várias partes do mundo

Por Beatriz Bulla
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comWalter SchalkaConselheiro da Suzano

A educação de hoje não prepara os jovens para o futuro do mercado de trabalho. E esse é um dos principais desafios que os países do G-20 precisam enfrentar. Quem diz é o empresário Walter Schalka, conselheiro da Suzano, empresa que presidiu durante os últimos 11 anos.

Schalka liderou a força tarefa sobre emprego e educação do B-20, o braço empresarial do G-20. Ao longo de 2024, portanto, ele coordenou debates com empresários das 20 maiores economias do mundo para discutir o assunto. “Há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação”, diz ele. Os principais fatores que têm alterado o mundo do trabalho, segundo ele, são a inteligência artificial, a questão climática e o nearshoring.

Para o Brasil, segundo ele, o caminho é investir em escola em tempo integral e em um ensino mais digital. “Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Nós não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia”, afirma o empresário. Ele também diz que a inserção da mulher no mercado de trabalho e em postos de comando precisa acontecer e irá mudar o mercado e a sociedade.

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De acordo com o documento do B-20, elaborado pelo grupo coordenado por Schalka, há uma escassez persistente de talentos agravada pela evolução das demandas de habilidades digitais da força de trabalho e empregos orientados para o verde. Em 2024, segundo o documento, 75% dos empregadores em todo o mundo relataram dificuldades em encontrar o talento que necessitam.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

“É provável que esta situação se agrave devido à esperada expansão do emprego resultante da transição para cadeias de abastecimento mais localizadas, principalmente em funções de fabricação que exigem habilidades da Indústria 4.0″, diz o documento.

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O Brasil tem escassez de talentos acima da média global: 80% dos empregadores relataram dificuldade na contratação de talentos. Estados Unidos, China e México têm índice mais baixo – 70%, 69% e 68% dos contratantes nesses países, respectivamente, dizem estar nessa situação.

Schalka defende que o Brasil se concentre na questão climática durante o G-20. “Não vai ter gente ouvindo o Brasil sobre taxação de ricos e reforma dos multilaterais, o País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim”, diz.

O documento da força-tarefa de educação e emprego do B-20 foi elaborado em parceria com a consultoria Accenture. “Duas informações se destacam. A primeira é que o desempenho dos jovens em leitura, matemática e ciências tem apresentado queda constante na última década, conforme indicado pelo índice Pisa. A segunda é que o número de empresas que relatam dificuldades em encontrar talentos no mercado aumentou de 35% para 75% nos últimos 10 anos. Esses dois fatos revelam o imenso desafio que enfrentamos como sociedade”, afirma Rodolfo Eschenbach, presidente da Accenture Brasil e América Latina. “Ao analisarmos os indicadores relacionados à educação, constatamos que o Brasil ocupa uma posição mais próxima do final do que do início dos rankings”, afirma Eschenbach.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

O Estadão publica, a partir desta segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado. Leia abaixo a entrevista:

O que chamou a atenção do sr. ao discutir com o empresariado global sobre emprego e educação?

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Nosso trabalho se iniciou discutindo as tendências que vão mudar a questão do trabalho e da educação no futuro. O mais óbvio de tudo é a inteligência artificial, que, obviamente, vai mudar dramaticamente o papel das pessoas na sociedade. O segundo é a questão geopolítica global, que está levando ao nearshoring. As pessoas trazem as empresas para mais próximo, não mais na busca da eficiência total. Antigamente, o objetivo era de produtividade constante e redução de custo. E agora tem um aspecto que se sobrepõe a isso, que é a questão geopolítica. E tem um terceiro aspecto que é muito relevante também, que é a questão da crise ambiental. A crise climática vai mudar a força de trabalho e o consumo, e aí uma série de coisas ao longo do tempo.

Isso faz com que o trabalho do futuro não seja o trabalho de hoje. Só que o problema é que a educação de hoje é igual à educação de 10, 15, 20 anos atrás. Então, nós temos de projetar o trabalho do futuro. Estamos olhando para daqui a 10 ou 15 anos e estamos olhando uma educação de 20 anos atrás. Portanto, há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação. Não adianta prepararmos os jovens de hoje para um futuro que vai ser diferente. O que acontece com o jovem que hoje está entrando na escola com 7 anos e daqui a 15 vai estar na força de trabalho? Hoje ele está sendo preparado da forma como eu, você ou os nossos pais fomos preparados, ou seja, é tem uma defasagem muito grande.

Qual é o ponto central das propostas que levaram ao governo brasileiro?

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Temos propostas concretas, de mudança da forma da educação. Uma outra coisa que vai mudar muito é a inserção gradual da mulher na força de trabalho. A mulher vem, gradativamente, fazendo uma inserção maior e ela deveria representar, no futuro, 50% da liderança é global, porque é 50% da população global. Isso também vai mudar as relações dentro das empresas e dentro da sociedade como um todo. Então, a pergunta que vem depois de um diagnóstico como esse é: quais são as ações que nós temos de tomar? E aí vem um problema mais profundo: as ações são muito diferentes entre países. Mas nós tivemos sucesso com a participação de todos os países, mais de 130 membros participando ativamente, chegamos a um consenso da nossa proposta. São poucas, mas muito profundas ações de transformação, tanto da educação quanto do emprego.

Pode dar exemplo dessas diferenças de ações que precisam ser tomadas pelos países?

Países do hemisfério norte têm Pisas muito mais elevados. Então, dar uma recomendação para eles talvez não seja válida, mas para o Brasil é fundamental: escola em período integral. Existe uma correlação quase direta entre qualidade de ensino e escola em período integral. Mas no Hemisfério Norte, isso já é uma realidade quase na totalidade.

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Outra questão que é fundamental para o Brasil, dada a dimensão continental que o País tem, é a questão da digitalização. O Brasil precisa ter uma escola mais digital. Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia. É raro ver uma empresa de tecnologia brasileira muito bem sucedida. Nos Estados Unidos e em outras regiões se vê muitas delas. O Brasil perdeu essa onda, e talvez tenham outras ondas e uma delas é biotecnologia, biomedicina e o Brasil deveria se aproveitar dessa onda para estar à frente nessa questão.

Outro ponto que o Brasil é muito relevante é a questão ambiental. O Brasil poderia ou poderá ter uma inserção geopolítica global completamente diferente, usando a questão ambiental como base. Afinal, temos a matriz energética mais limpa do mundo, com energia barata. Poderíamos exportar energia ou exportar produtos com alto teor de energia contido. Poderíamos estar na cadeia de forma muito competitiva. E o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo e deveria usar isso como instrumento de competitividade.

Do outro lado, eu vou dar um outro exemplo, que é a questão da mulher. Para países de religião muçulmana, a questão da mulher é de outra natureza. Eles estão ainda em um estágio diferente em relação ao mundo ocidental. Essas diferenças todas têm de ser amenizadas, ajustadas, para que tenhamos medidas políticas abrangentes e implementáveis pelos países do G-20.

Para Schalka, o Brasil tem oportunidade de dar um salto significativo na educação nos próximos anos Foto: Felipe Rau/Estadão

Quando falamos de educação e emprego, não são temas que estão nos pilares definidos pelo governo brasileiro para discussão no G-20, muito embora eles passem por todos eles de certa maneira, especialmente quando falamos de transição energética e redução de pobreza, claro. Falta fazer desse tema, de fato, uma prioridade de agenda pública no Brasil?

Sabe a história do meio copo vazio, meio copo cheio? O Brasil tem uma grande oportunidade, o Brasil pode dar um salto de qualidade muito significativo na questão da educação nos próximos anos. O que vai levar a uma força de trabalho que gere muito valor para a sociedade e gere uma outra questão importante também, que é a redução da fuga de cérebros. Tem muitas jovens querendo sair do Brasil e isso não é bom, porque, geralmente, os que saem do Brasil são as pessoas mais bem preparadas. Temos de desenvolver oportunidades de trabalho aqui que gerem valor para a sociedade.

É uma grande oportunidade e se investirmos numa educação de qualidade e com base naqueles dois parâmetros principais, tanto escola de período integral quanto a digitalização. Outra coisa que é fundamental no Brasil é a escola técnica. O brasileiro e a brasileira colocaram na cabeça, lá atrás, que o negócio é se formar na universidade. Aí tivemos uma multidão de universidades, muitas delas de baixo nível, nas quais a pessoa se forma, recebe o diploma, mas tem um sub emprego, um emprego que não é correlacionado com a formação acadêmica que teve. E, em compensação, deixamos de ter gente na escola técnica, que é tão fundamental para a sociedade e que, em muitos casos, remunera melhor do que uma universidade.

Então, sim, essas questões todas têm de ser ajustadas. Vejo isso como uma grande oportunidade que vamos apresentar para o governo brasileiro, como sendo um salto de qualidade importante na questão da formação e na questão da utilização dos recursos humanos para transformar a sociedade no futuro.

Qual tem sido a receptividade do governo com relação a ao que vem sendo discutido especificamente nessa área?

O discurso é maravilhoso. O que temos de fazer no Brasil é sair da fase do diagnóstico, irmos para a fase da ação. E não é só nessa área, em várias outras questões. Não adianta, todo mundo reconhecer essa importância da transformação, como todo mundo reconhece a necessidade de ações efetivas para endereçar a questão ambiental de curto prazo. Mas, na prática, temos feito menos do que deveríamos. A grande questão não é mais no processo de convencimento, é no processo de implementação com uma velocidade adequada, e que seja para a sociedade como um todo. É um resultado, o mais rapidamente possível colhido.

O que será um encontro de G-20 bem-sucedido, seja em educação e emprego, tema sobre o qual o sr. se debruçou, seja de maneira mais ampla?

Temos alguns desafios que são desafios muito relevantes na nossa sociedade. E um dos desafios mais relevantes de curto prazo é a questão da crise climática, que está se agravando. O mundo tem de tomar uma ação. Eu adoraria que o G-20 saísse com duas ou três ações específicas nessa direção, porque esse é um desafio colaborativo, é um desafio de 8 bilhões de pessoas.

Eu também adoraria que a questão da mulher fosse trabalhada de uma forma coletiva, globalmente. A mulher tem de ter mais representatividade na sociedade. A mulher tem de ter mais peso específico na sociedade, nas posições de comando. Então, gostaria que fosse dado um direcionamento em relação a isso.

É impossível discutimos repasses de tecnologia entre países, porque existem interesses geopolíticos completamente dispersos e conflitantes em muitos casos. Então, eu não espero alguma solução em relação a isso, mas eu espero que enderecemos o conflito norte-sul e que possamos ajudar os países com menor nível de desenvolvimento e de qualidade de vida.

E temos uma situação: o número de pessoas ricas no mundo é muito limitado, mas o número de pessoas pobres não para de aumentar. Vamos ter de endereçar essa questão, se não, vamos ter um barril de pólvora que vai explodir.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

E qual deve ser especificamente o papel do Brasil neste debate?

O Brasil tem uma oportunidade única e deve usar o B-20, o G-20, a COP como instrumentos de inserção na geopolítica global. O Brasil deveria se colocar numa posição de ser um ator relevante, principalmente na questão ambiental, onde podemos fazer uma grande transformação. O mundo vai ter de passar por uma descarbonização, é inevitável, inexorável. Podemos adiar um pouco, mas cada vez que a gente adia a curva fica ainda mais complexa para o futuro. Só que o Brasil pode estar na ponta da descarbonização, pode ter ação específica em relação a isso, pode ser um coordenador nesse processo.

O governo e o setor privado têm falado muito de transição energética, de necessidade e também da oportunidade para o Brasil diante disso. Mas quando ouvimos as falas públicas tanto do ministro da Fazenda como do presidente, com relação ao G-20, eles se mostram concentrados na taxação de super ricos e na reforma dos sistemas multilaterais. Deveríamos nos concentrar na questão ambiental?

Sendo muito sincero, eu não acho que o Brasil tem lugar de fala nem na questão da taxação de ricos nem na questão da reforma dos organismos multilaterais. Não vai ter gente ouvindo o Brasil nisso. O País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim. O mundo depende da Amazônia. O Brasil depende da Amazônia. E o mundo depende de energia competitiva. O Brasil é líder e pode ser ainda mais líder na questão da energia competitiva e renovável. Os países produtores de petróleo tem uma defesa, é inexorável, do business model deles. O preço do petróleo, eu posso te garantir, daqui a 30, a 50 anos, vai ser muito baixo, porque vamos ter uma transição.

A educação de hoje não prepara os jovens para o futuro do mercado de trabalho. E esse é um dos principais desafios que os países do G-20 precisam enfrentar. Quem diz é o empresário Walter Schalka, conselheiro da Suzano, empresa que presidiu durante os últimos 11 anos.

Schalka liderou a força tarefa sobre emprego e educação do B-20, o braço empresarial do G-20. Ao longo de 2024, portanto, ele coordenou debates com empresários das 20 maiores economias do mundo para discutir o assunto. “Há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação”, diz ele. Os principais fatores que têm alterado o mundo do trabalho, segundo ele, são a inteligência artificial, a questão climática e o nearshoring.

Para o Brasil, segundo ele, o caminho é investir em escola em tempo integral e em um ensino mais digital. “Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Nós não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia”, afirma o empresário. Ele também diz que a inserção da mulher no mercado de trabalho e em postos de comando precisa acontecer e irá mudar o mercado e a sociedade.

De acordo com o documento do B-20, elaborado pelo grupo coordenado por Schalka, há uma escassez persistente de talentos agravada pela evolução das demandas de habilidades digitais da força de trabalho e empregos orientados para o verde. Em 2024, segundo o documento, 75% dos empregadores em todo o mundo relataram dificuldades em encontrar o talento que necessitam.

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“É provável que esta situação se agrave devido à esperada expansão do emprego resultante da transição para cadeias de abastecimento mais localizadas, principalmente em funções de fabricação que exigem habilidades da Indústria 4.0″, diz o documento.

O Brasil tem escassez de talentos acima da média global: 80% dos empregadores relataram dificuldade na contratação de talentos. Estados Unidos, China e México têm índice mais baixo – 70%, 69% e 68% dos contratantes nesses países, respectivamente, dizem estar nessa situação.

Schalka defende que o Brasil se concentre na questão climática durante o G-20. “Não vai ter gente ouvindo o Brasil sobre taxação de ricos e reforma dos multilaterais, o País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim”, diz.

O documento da força-tarefa de educação e emprego do B-20 foi elaborado em parceria com a consultoria Accenture. “Duas informações se destacam. A primeira é que o desempenho dos jovens em leitura, matemática e ciências tem apresentado queda constante na última década, conforme indicado pelo índice Pisa. A segunda é que o número de empresas que relatam dificuldades em encontrar talentos no mercado aumentou de 35% para 75% nos últimos 10 anos. Esses dois fatos revelam o imenso desafio que enfrentamos como sociedade”, afirma Rodolfo Eschenbach, presidente da Accenture Brasil e América Latina. “Ao analisarmos os indicadores relacionados à educação, constatamos que o Brasil ocupa uma posição mais próxima do final do que do início dos rankings”, afirma Eschenbach.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

O Estadão publica, a partir desta segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado. Leia abaixo a entrevista:

O que chamou a atenção do sr. ao discutir com o empresariado global sobre emprego e educação?

Nosso trabalho se iniciou discutindo as tendências que vão mudar a questão do trabalho e da educação no futuro. O mais óbvio de tudo é a inteligência artificial, que, obviamente, vai mudar dramaticamente o papel das pessoas na sociedade. O segundo é a questão geopolítica global, que está levando ao nearshoring. As pessoas trazem as empresas para mais próximo, não mais na busca da eficiência total. Antigamente, o objetivo era de produtividade constante e redução de custo. E agora tem um aspecto que se sobrepõe a isso, que é a questão geopolítica. E tem um terceiro aspecto que é muito relevante também, que é a questão da crise ambiental. A crise climática vai mudar a força de trabalho e o consumo, e aí uma série de coisas ao longo do tempo.

Isso faz com que o trabalho do futuro não seja o trabalho de hoje. Só que o problema é que a educação de hoje é igual à educação de 10, 15, 20 anos atrás. Então, nós temos de projetar o trabalho do futuro. Estamos olhando para daqui a 10 ou 15 anos e estamos olhando uma educação de 20 anos atrás. Portanto, há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação. Não adianta prepararmos os jovens de hoje para um futuro que vai ser diferente. O que acontece com o jovem que hoje está entrando na escola com 7 anos e daqui a 15 vai estar na força de trabalho? Hoje ele está sendo preparado da forma como eu, você ou os nossos pais fomos preparados, ou seja, é tem uma defasagem muito grande.

Qual é o ponto central das propostas que levaram ao governo brasileiro?

Temos propostas concretas, de mudança da forma da educação. Uma outra coisa que vai mudar muito é a inserção gradual da mulher na força de trabalho. A mulher vem, gradativamente, fazendo uma inserção maior e ela deveria representar, no futuro, 50% da liderança é global, porque é 50% da população global. Isso também vai mudar as relações dentro das empresas e dentro da sociedade como um todo. Então, a pergunta que vem depois de um diagnóstico como esse é: quais são as ações que nós temos de tomar? E aí vem um problema mais profundo: as ações são muito diferentes entre países. Mas nós tivemos sucesso com a participação de todos os países, mais de 130 membros participando ativamente, chegamos a um consenso da nossa proposta. São poucas, mas muito profundas ações de transformação, tanto da educação quanto do emprego.

Pode dar exemplo dessas diferenças de ações que precisam ser tomadas pelos países?

Países do hemisfério norte têm Pisas muito mais elevados. Então, dar uma recomendação para eles talvez não seja válida, mas para o Brasil é fundamental: escola em período integral. Existe uma correlação quase direta entre qualidade de ensino e escola em período integral. Mas no Hemisfério Norte, isso já é uma realidade quase na totalidade.

Outra questão que é fundamental para o Brasil, dada a dimensão continental que o País tem, é a questão da digitalização. O Brasil precisa ter uma escola mais digital. Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia. É raro ver uma empresa de tecnologia brasileira muito bem sucedida. Nos Estados Unidos e em outras regiões se vê muitas delas. O Brasil perdeu essa onda, e talvez tenham outras ondas e uma delas é biotecnologia, biomedicina e o Brasil deveria se aproveitar dessa onda para estar à frente nessa questão.

Outro ponto que o Brasil é muito relevante é a questão ambiental. O Brasil poderia ou poderá ter uma inserção geopolítica global completamente diferente, usando a questão ambiental como base. Afinal, temos a matriz energética mais limpa do mundo, com energia barata. Poderíamos exportar energia ou exportar produtos com alto teor de energia contido. Poderíamos estar na cadeia de forma muito competitiva. E o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo e deveria usar isso como instrumento de competitividade.

Do outro lado, eu vou dar um outro exemplo, que é a questão da mulher. Para países de religião muçulmana, a questão da mulher é de outra natureza. Eles estão ainda em um estágio diferente em relação ao mundo ocidental. Essas diferenças todas têm de ser amenizadas, ajustadas, para que tenhamos medidas políticas abrangentes e implementáveis pelos países do G-20.

Para Schalka, o Brasil tem oportunidade de dar um salto significativo na educação nos próximos anos Foto: Felipe Rau/Estadão

Quando falamos de educação e emprego, não são temas que estão nos pilares definidos pelo governo brasileiro para discussão no G-20, muito embora eles passem por todos eles de certa maneira, especialmente quando falamos de transição energética e redução de pobreza, claro. Falta fazer desse tema, de fato, uma prioridade de agenda pública no Brasil?

Sabe a história do meio copo vazio, meio copo cheio? O Brasil tem uma grande oportunidade, o Brasil pode dar um salto de qualidade muito significativo na questão da educação nos próximos anos. O que vai levar a uma força de trabalho que gere muito valor para a sociedade e gere uma outra questão importante também, que é a redução da fuga de cérebros. Tem muitas jovens querendo sair do Brasil e isso não é bom, porque, geralmente, os que saem do Brasil são as pessoas mais bem preparadas. Temos de desenvolver oportunidades de trabalho aqui que gerem valor para a sociedade.

É uma grande oportunidade e se investirmos numa educação de qualidade e com base naqueles dois parâmetros principais, tanto escola de período integral quanto a digitalização. Outra coisa que é fundamental no Brasil é a escola técnica. O brasileiro e a brasileira colocaram na cabeça, lá atrás, que o negócio é se formar na universidade. Aí tivemos uma multidão de universidades, muitas delas de baixo nível, nas quais a pessoa se forma, recebe o diploma, mas tem um sub emprego, um emprego que não é correlacionado com a formação acadêmica que teve. E, em compensação, deixamos de ter gente na escola técnica, que é tão fundamental para a sociedade e que, em muitos casos, remunera melhor do que uma universidade.

Então, sim, essas questões todas têm de ser ajustadas. Vejo isso como uma grande oportunidade que vamos apresentar para o governo brasileiro, como sendo um salto de qualidade importante na questão da formação e na questão da utilização dos recursos humanos para transformar a sociedade no futuro.

Qual tem sido a receptividade do governo com relação a ao que vem sendo discutido especificamente nessa área?

O discurso é maravilhoso. O que temos de fazer no Brasil é sair da fase do diagnóstico, irmos para a fase da ação. E não é só nessa área, em várias outras questões. Não adianta, todo mundo reconhecer essa importância da transformação, como todo mundo reconhece a necessidade de ações efetivas para endereçar a questão ambiental de curto prazo. Mas, na prática, temos feito menos do que deveríamos. A grande questão não é mais no processo de convencimento, é no processo de implementação com uma velocidade adequada, e que seja para a sociedade como um todo. É um resultado, o mais rapidamente possível colhido.

O que será um encontro de G-20 bem-sucedido, seja em educação e emprego, tema sobre o qual o sr. se debruçou, seja de maneira mais ampla?

Temos alguns desafios que são desafios muito relevantes na nossa sociedade. E um dos desafios mais relevantes de curto prazo é a questão da crise climática, que está se agravando. O mundo tem de tomar uma ação. Eu adoraria que o G-20 saísse com duas ou três ações específicas nessa direção, porque esse é um desafio colaborativo, é um desafio de 8 bilhões de pessoas.

Eu também adoraria que a questão da mulher fosse trabalhada de uma forma coletiva, globalmente. A mulher tem de ter mais representatividade na sociedade. A mulher tem de ter mais peso específico na sociedade, nas posições de comando. Então, gostaria que fosse dado um direcionamento em relação a isso.

É impossível discutimos repasses de tecnologia entre países, porque existem interesses geopolíticos completamente dispersos e conflitantes em muitos casos. Então, eu não espero alguma solução em relação a isso, mas eu espero que enderecemos o conflito norte-sul e que possamos ajudar os países com menor nível de desenvolvimento e de qualidade de vida.

E temos uma situação: o número de pessoas ricas no mundo é muito limitado, mas o número de pessoas pobres não para de aumentar. Vamos ter de endereçar essa questão, se não, vamos ter um barril de pólvora que vai explodir.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

E qual deve ser especificamente o papel do Brasil neste debate?

O Brasil tem uma oportunidade única e deve usar o B-20, o G-20, a COP como instrumentos de inserção na geopolítica global. O Brasil deveria se colocar numa posição de ser um ator relevante, principalmente na questão ambiental, onde podemos fazer uma grande transformação. O mundo vai ter de passar por uma descarbonização, é inevitável, inexorável. Podemos adiar um pouco, mas cada vez que a gente adia a curva fica ainda mais complexa para o futuro. Só que o Brasil pode estar na ponta da descarbonização, pode ter ação específica em relação a isso, pode ser um coordenador nesse processo.

O governo e o setor privado têm falado muito de transição energética, de necessidade e também da oportunidade para o Brasil diante disso. Mas quando ouvimos as falas públicas tanto do ministro da Fazenda como do presidente, com relação ao G-20, eles se mostram concentrados na taxação de super ricos e na reforma dos sistemas multilaterais. Deveríamos nos concentrar na questão ambiental?

Sendo muito sincero, eu não acho que o Brasil tem lugar de fala nem na questão da taxação de ricos nem na questão da reforma dos organismos multilaterais. Não vai ter gente ouvindo o Brasil nisso. O País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim. O mundo depende da Amazônia. O Brasil depende da Amazônia. E o mundo depende de energia competitiva. O Brasil é líder e pode ser ainda mais líder na questão da energia competitiva e renovável. Os países produtores de petróleo tem uma defesa, é inexorável, do business model deles. O preço do petróleo, eu posso te garantir, daqui a 30, a 50 anos, vai ser muito baixo, porque vamos ter uma transição.

A educação de hoje não prepara os jovens para o futuro do mercado de trabalho. E esse é um dos principais desafios que os países do G-20 precisam enfrentar. Quem diz é o empresário Walter Schalka, conselheiro da Suzano, empresa que presidiu durante os últimos 11 anos.

Schalka liderou a força tarefa sobre emprego e educação do B-20, o braço empresarial do G-20. Ao longo de 2024, portanto, ele coordenou debates com empresários das 20 maiores economias do mundo para discutir o assunto. “Há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação”, diz ele. Os principais fatores que têm alterado o mundo do trabalho, segundo ele, são a inteligência artificial, a questão climática e o nearshoring.

Para o Brasil, segundo ele, o caminho é investir em escola em tempo integral e em um ensino mais digital. “Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Nós não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia”, afirma o empresário. Ele também diz que a inserção da mulher no mercado de trabalho e em postos de comando precisa acontecer e irá mudar o mercado e a sociedade.

De acordo com o documento do B-20, elaborado pelo grupo coordenado por Schalka, há uma escassez persistente de talentos agravada pela evolução das demandas de habilidades digitais da força de trabalho e empregos orientados para o verde. Em 2024, segundo o documento, 75% dos empregadores em todo o mundo relataram dificuldades em encontrar o talento que necessitam.

Seu navegador não suporta esse video.

O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

“É provável que esta situação se agrave devido à esperada expansão do emprego resultante da transição para cadeias de abastecimento mais localizadas, principalmente em funções de fabricação que exigem habilidades da Indústria 4.0″, diz o documento.

O Brasil tem escassez de talentos acima da média global: 80% dos empregadores relataram dificuldade na contratação de talentos. Estados Unidos, China e México têm índice mais baixo – 70%, 69% e 68% dos contratantes nesses países, respectivamente, dizem estar nessa situação.

Schalka defende que o Brasil se concentre na questão climática durante o G-20. “Não vai ter gente ouvindo o Brasil sobre taxação de ricos e reforma dos multilaterais, o País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim”, diz.

O documento da força-tarefa de educação e emprego do B-20 foi elaborado em parceria com a consultoria Accenture. “Duas informações se destacam. A primeira é que o desempenho dos jovens em leitura, matemática e ciências tem apresentado queda constante na última década, conforme indicado pelo índice Pisa. A segunda é que o número de empresas que relatam dificuldades em encontrar talentos no mercado aumentou de 35% para 75% nos últimos 10 anos. Esses dois fatos revelam o imenso desafio que enfrentamos como sociedade”, afirma Rodolfo Eschenbach, presidente da Accenture Brasil e América Latina. “Ao analisarmos os indicadores relacionados à educação, constatamos que o Brasil ocupa uma posição mais próxima do final do que do início dos rankings”, afirma Eschenbach.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

O Estadão publica, a partir desta segunda-feira, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado. Leia abaixo a entrevista:

O que chamou a atenção do sr. ao discutir com o empresariado global sobre emprego e educação?

Nosso trabalho se iniciou discutindo as tendências que vão mudar a questão do trabalho e da educação no futuro. O mais óbvio de tudo é a inteligência artificial, que, obviamente, vai mudar dramaticamente o papel das pessoas na sociedade. O segundo é a questão geopolítica global, que está levando ao nearshoring. As pessoas trazem as empresas para mais próximo, não mais na busca da eficiência total. Antigamente, o objetivo era de produtividade constante e redução de custo. E agora tem um aspecto que se sobrepõe a isso, que é a questão geopolítica. E tem um terceiro aspecto que é muito relevante também, que é a questão da crise ambiental. A crise climática vai mudar a força de trabalho e o consumo, e aí uma série de coisas ao longo do tempo.

Isso faz com que o trabalho do futuro não seja o trabalho de hoje. Só que o problema é que a educação de hoje é igual à educação de 10, 15, 20 anos atrás. Então, nós temos de projetar o trabalho do futuro. Estamos olhando para daqui a 10 ou 15 anos e estamos olhando uma educação de 20 anos atrás. Portanto, há uma defasagem de 30 anos, 40 anos na educação. Não adianta prepararmos os jovens de hoje para um futuro que vai ser diferente. O que acontece com o jovem que hoje está entrando na escola com 7 anos e daqui a 15 vai estar na força de trabalho? Hoje ele está sendo preparado da forma como eu, você ou os nossos pais fomos preparados, ou seja, é tem uma defasagem muito grande.

Qual é o ponto central das propostas que levaram ao governo brasileiro?

Temos propostas concretas, de mudança da forma da educação. Uma outra coisa que vai mudar muito é a inserção gradual da mulher na força de trabalho. A mulher vem, gradativamente, fazendo uma inserção maior e ela deveria representar, no futuro, 50% da liderança é global, porque é 50% da população global. Isso também vai mudar as relações dentro das empresas e dentro da sociedade como um todo. Então, a pergunta que vem depois de um diagnóstico como esse é: quais são as ações que nós temos de tomar? E aí vem um problema mais profundo: as ações são muito diferentes entre países. Mas nós tivemos sucesso com a participação de todos os países, mais de 130 membros participando ativamente, chegamos a um consenso da nossa proposta. São poucas, mas muito profundas ações de transformação, tanto da educação quanto do emprego.

Pode dar exemplo dessas diferenças de ações que precisam ser tomadas pelos países?

Países do hemisfério norte têm Pisas muito mais elevados. Então, dar uma recomendação para eles talvez não seja válida, mas para o Brasil é fundamental: escola em período integral. Existe uma correlação quase direta entre qualidade de ensino e escola em período integral. Mas no Hemisfério Norte, isso já é uma realidade quase na totalidade.

Outra questão que é fundamental para o Brasil, dada a dimensão continental que o País tem, é a questão da digitalização. O Brasil precisa ter uma escola mais digital. Precisamos estar na linha de frente em relação a isso. Não podemos estar a reboque como estamos na tecnologia. É raro ver uma empresa de tecnologia brasileira muito bem sucedida. Nos Estados Unidos e em outras regiões se vê muitas delas. O Brasil perdeu essa onda, e talvez tenham outras ondas e uma delas é biotecnologia, biomedicina e o Brasil deveria se aproveitar dessa onda para estar à frente nessa questão.

Outro ponto que o Brasil é muito relevante é a questão ambiental. O Brasil poderia ou poderá ter uma inserção geopolítica global completamente diferente, usando a questão ambiental como base. Afinal, temos a matriz energética mais limpa do mundo, com energia barata. Poderíamos exportar energia ou exportar produtos com alto teor de energia contido. Poderíamos estar na cadeia de forma muito competitiva. E o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo e deveria usar isso como instrumento de competitividade.

Do outro lado, eu vou dar um outro exemplo, que é a questão da mulher. Para países de religião muçulmana, a questão da mulher é de outra natureza. Eles estão ainda em um estágio diferente em relação ao mundo ocidental. Essas diferenças todas têm de ser amenizadas, ajustadas, para que tenhamos medidas políticas abrangentes e implementáveis pelos países do G-20.

Para Schalka, o Brasil tem oportunidade de dar um salto significativo na educação nos próximos anos Foto: Felipe Rau/Estadão

Quando falamos de educação e emprego, não são temas que estão nos pilares definidos pelo governo brasileiro para discussão no G-20, muito embora eles passem por todos eles de certa maneira, especialmente quando falamos de transição energética e redução de pobreza, claro. Falta fazer desse tema, de fato, uma prioridade de agenda pública no Brasil?

Sabe a história do meio copo vazio, meio copo cheio? O Brasil tem uma grande oportunidade, o Brasil pode dar um salto de qualidade muito significativo na questão da educação nos próximos anos. O que vai levar a uma força de trabalho que gere muito valor para a sociedade e gere uma outra questão importante também, que é a redução da fuga de cérebros. Tem muitas jovens querendo sair do Brasil e isso não é bom, porque, geralmente, os que saem do Brasil são as pessoas mais bem preparadas. Temos de desenvolver oportunidades de trabalho aqui que gerem valor para a sociedade.

É uma grande oportunidade e se investirmos numa educação de qualidade e com base naqueles dois parâmetros principais, tanto escola de período integral quanto a digitalização. Outra coisa que é fundamental no Brasil é a escola técnica. O brasileiro e a brasileira colocaram na cabeça, lá atrás, que o negócio é se formar na universidade. Aí tivemos uma multidão de universidades, muitas delas de baixo nível, nas quais a pessoa se forma, recebe o diploma, mas tem um sub emprego, um emprego que não é correlacionado com a formação acadêmica que teve. E, em compensação, deixamos de ter gente na escola técnica, que é tão fundamental para a sociedade e que, em muitos casos, remunera melhor do que uma universidade.

Então, sim, essas questões todas têm de ser ajustadas. Vejo isso como uma grande oportunidade que vamos apresentar para o governo brasileiro, como sendo um salto de qualidade importante na questão da formação e na questão da utilização dos recursos humanos para transformar a sociedade no futuro.

Qual tem sido a receptividade do governo com relação a ao que vem sendo discutido especificamente nessa área?

O discurso é maravilhoso. O que temos de fazer no Brasil é sair da fase do diagnóstico, irmos para a fase da ação. E não é só nessa área, em várias outras questões. Não adianta, todo mundo reconhecer essa importância da transformação, como todo mundo reconhece a necessidade de ações efetivas para endereçar a questão ambiental de curto prazo. Mas, na prática, temos feito menos do que deveríamos. A grande questão não é mais no processo de convencimento, é no processo de implementação com uma velocidade adequada, e que seja para a sociedade como um todo. É um resultado, o mais rapidamente possível colhido.

O que será um encontro de G-20 bem-sucedido, seja em educação e emprego, tema sobre o qual o sr. se debruçou, seja de maneira mais ampla?

Temos alguns desafios que são desafios muito relevantes na nossa sociedade. E um dos desafios mais relevantes de curto prazo é a questão da crise climática, que está se agravando. O mundo tem de tomar uma ação. Eu adoraria que o G-20 saísse com duas ou três ações específicas nessa direção, porque esse é um desafio colaborativo, é um desafio de 8 bilhões de pessoas.

Eu também adoraria que a questão da mulher fosse trabalhada de uma forma coletiva, globalmente. A mulher tem de ter mais representatividade na sociedade. A mulher tem de ter mais peso específico na sociedade, nas posições de comando. Então, gostaria que fosse dado um direcionamento em relação a isso.

É impossível discutimos repasses de tecnologia entre países, porque existem interesses geopolíticos completamente dispersos e conflitantes em muitos casos. Então, eu não espero alguma solução em relação a isso, mas eu espero que enderecemos o conflito norte-sul e que possamos ajudar os países com menor nível de desenvolvimento e de qualidade de vida.

E temos uma situação: o número de pessoas ricas no mundo é muito limitado, mas o número de pessoas pobres não para de aumentar. Vamos ter de endereçar essa questão, se não, vamos ter um barril de pólvora que vai explodir.

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O Estadão publica, a partir desta segunda, 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente do B-20

E qual deve ser especificamente o papel do Brasil neste debate?

O Brasil tem uma oportunidade única e deve usar o B-20, o G-20, a COP como instrumentos de inserção na geopolítica global. O Brasil deveria se colocar numa posição de ser um ator relevante, principalmente na questão ambiental, onde podemos fazer uma grande transformação. O mundo vai ter de passar por uma descarbonização, é inevitável, inexorável. Podemos adiar um pouco, mas cada vez que a gente adia a curva fica ainda mais complexa para o futuro. Só que o Brasil pode estar na ponta da descarbonização, pode ter ação específica em relação a isso, pode ser um coordenador nesse processo.

O governo e o setor privado têm falado muito de transição energética, de necessidade e também da oportunidade para o Brasil diante disso. Mas quando ouvimos as falas públicas tanto do ministro da Fazenda como do presidente, com relação ao G-20, eles se mostram concentrados na taxação de super ricos e na reforma dos sistemas multilaterais. Deveríamos nos concentrar na questão ambiental?

Sendo muito sincero, eu não acho que o Brasil tem lugar de fala nem na questão da taxação de ricos nem na questão da reforma dos organismos multilaterais. Não vai ter gente ouvindo o Brasil nisso. O País não vai ter uma posição de relevância nesse tema. Podemos falar, não sou contra os temas, mas não vai mudar nada. Na questão ambiental, o Brasil pode mudar algo? Sim. O mundo depende da Amazônia. O Brasil depende da Amazônia. E o mundo depende de energia competitiva. O Brasil é líder e pode ser ainda mais líder na questão da energia competitiva e renovável. Os países produtores de petróleo tem uma defesa, é inexorável, do business model deles. O preço do petróleo, eu posso te garantir, daqui a 30, a 50 anos, vai ser muito baixo, porque vamos ter uma transição.

Entrevista por Beatriz Bulla

Repórter que cobre o poder -- economia, política e internacional. Trabalha hoje em São Paulo. Já passou por Brasília e foi correspondente em Washington (EUA). Formada em jornalismo e em direito, foi também pesquisadora visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

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