NOVA YORK - O presidente da Suzano, Walter Schalka, vê como “retrocesso” as discussões ocorridas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como os questionamentos à privatização da Eletrobras e à autonomia do Banco Central (BC) . Para ele, ao ser “corporativista” e “patrimonialista”, o País afasta investidores e perde tempo de avançar com reformas que são um passaporte para o Brasil ter uma inserção na economia global “muito significativa”.
“O Brasil não pode ter retrocessos. As discussões que se colocam no Brasil são inadequadas. Discutir a Eletrobras, a independência do Banco Central, a reforma trabalhista ou a previdenciária, saneamento, tudo isso que começa a se veicular como sendo questões do governo, para mim, são retrocessos”, diz Schalka, em entrevista ao Estadão/Broadcast, em Nova York, nos Estados Unidos.
Segundo ele, o Brasil tem uma “grande oportunidade” de ter lugar de fala no mundo por meio da agenda ambiental e precisa investir em educação, na qual está muito aquém do potencial da sua população.
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Sobre a Suzano, diz que a companhia avalia a possibilidade de começar a exportar produtos para a China em yuan no lugar do dólar e que a queda do preço da celulose deve se acentuar à frente por uma questão de oferta, mas não impacta o maior programa de investimentos na história da companhia. Além da semana do Brasil em Nova York, Schalka está na cidade para receber a premiação Person of the year, da Câmara de Comércio Brasil-EUA.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
O prêmio ‘Person of the year’ mudou ao longo de sua existência. Antes, era chamado de ‘o homem do ano’, e esse foi um dos pontos mencionados por Luiza Trajano, a homenageada em 2022. Como é para o senhor ter esse reconhecimento após uma década à frente da Suzano?
Estou recebendo o prêmio porque estou na presidência da Suzano, mas a gente tem de reconhecer o trabalho que a família fez e faz. Em 99 anos, aconteceu de tudo no País, e eles continuam acreditando e investindo no Brasil, todos os dias. A Suzano vive o maior programa de investimentos de sua história. No ano passado, investimos R$ 16,3 bilhões, e este ano vamos investir R$ 18,5 bilhões.
Em cenário de juros alto e a recente turbulência bancária elevando o risco de recessão global, como o senhor vê o Brasil?
Se fizer as reformas necessárias, o Brasil tem potencial de inserção na economia global muito significativa. Temos potencial de ser referência global na questão ambiental, uma matriz energética extremamente renovável e que pode ser 100% renovável em pouco espaço de tempo. Temos o potencial de exportar energia com hidrogênio verde caso façamos investimentos adequados, competitividade global, mas nós não temos uma série de outras coisas.
Quais?
A educação no Brasil está muito aquém do potencial que deveria ter. Nossa responsabilidade - e eu falo isso para o meu time, para os meus filhos - é levar vocês a seu máximo potencial. O Brasil está muito longe do máximo potencial dos brasileiros. Nenhum país passou por uma grande transformação sem passar pela educação.
E na parte econômica?
Na parte econômica, o Brasil tem muita oportunidade porque ainda tem uma característica muito inadequada de ser corporativista e patrimonialista. O Brasil tem de passar por reformas de diversas naturezas. Uma das mais relevantes é a administrativa, porque o Brasil é muito ineficiente. Depois tem as outras reformas necessárias, a política, a tributária. O Brasil terá crescimentos muito aquém de seu potencial nos próximos anos se não fizer reformas.
Como o senhor vê esse espírito reformista no atual governo?
O Brasil não pode ter retrocessos. As discussões que se colocam no Brasil são inadequadas. Discutir a Eletrobras, a independência do Banco Central, a reforma trabalhista ou a previdenciária, saneamento, tudo isso que começa a se veicular como sendo questões do governo, são retrocessos. O Brasil tem de caminhar para uma economia mais pujante, mais moderna, mais competitiva globalmente.
Quais os riscos dessas discussões?
Isso leva certamente ao investidor institucional global a ser muito mais receoso em colocar recurso no Brasil. Aí o pessoal fala: “ah, mas está entrando recurso no Brasil”. Está entrando “flight capital” (investimento oportunista). O Brasil está com uma taxa de juros muito positiva, por isso, está entrando dinheiro, mas não é dinheiro que gera investimento de longo prazo. É muito mais de curto prazo.
Há pressão política forte para baixar os juros no Brasil. Qual a sua visão?
A gente tem de respeitar a conquista que foi a independência do Banco Central e isso deve ser absolutamente inegociável. Quanto à definição da taxa de juros, o Banco Central vai ter a maturidade para, quando chegar o momento e perceber que a inflação está de forma sistêmica em um patamar mais baixo, fazer o ajuste. Nenhum de nós, nem o pessoal do Banco Central tem dúvida que a taxa de juros vai baixar. Estamos fazendo toda a discussão da economia brasileira sobre se vai baixar (os juros) nesse mês ou no outro. Isso tem muito a ver com o mercado financeiro, mas pouco com a economia real do Brasil.
Como o senhor vê ruídos políticos e a instalação da CPI dos eventos de 8 de janeiro impactando a pauta econômica?
Todos os movimentos que se façam no Congresso Nacional, com o governo e o Executivo na direção da construção de um País que gere oportunidade de emprego, renda, competitividade, tem de ser apoiado. A disciplina fiscal é um dos pilares que temos na nossa economia, então, a gente precisa fazer isso acontecer. O Brasil tem uma situação delicada, que é uma conjuntura muito difícil e, eu respeito isso, porque temos um problema social de difícil solução e uma questão fiscal, e elas têm que conviver. Só precisamos dar transparência de que vamos fazer isso com responsabilidade dos dois lados da equação.
O senhor acha que o novo arcabouço fiscal endereça dessa maneira?
Não sei responder porque não conheço o detalhamento suficiente desse arcabouço. Para mim, parece muito mais um conjunto de objetivos e não ações pragmáticas para fazer acontecer.
Nos últimos dias, diante dos temores de uma recessão global mais profunda devido à crise no sistema financeiro dos EUA, o preço de commodities como minério e petróleo sofreu bastante. O senhor enxerga recessão no horizonte? Como vê os preços internacionais de celulose nos próximos meses e o impacto para a Suzano?
Diferentemente de outros produtos como minério de ferro, que é uma commodity de estoque, a nossa é uma commodity de consumo. Nosso produto está todos os dias na mão de todas as pessoas. Então, do lado do consumo, eu vejo pouca volatilidade. Do lado da oferta de celulose, é que tem grande variação. Há duas fábricas novas entrando em operação neste momento, uma no Chile e uma no Uruguai, e terá a nossa fábrica no ano que vem. Então, estamos tendo desbalanço entre a oferta e a demanda. Por isso, o preço da celulose está caindo.
Como o senhor vê esse impacto à frente? O impacto de queda de preços no segundo trimestre deve se acentuar?
Tivemos um primeiro trimestre com menor geração de caixa, mas sempre muito positivo. Nosso preço no quarto trimestre estava em US$ 830 a tonelada. No primeiro trimestre deste ano, já foi para US$ 720 a tonelada. Em abril, o preço na China já estava em US$ 500 a tonelada, então, teve uma queda significativa . Isso afetará a nossa geração de caixa, mas nossos investimentos continuam, porque temos uma posição de liquidez muito elevada, de US$ 6,3 bilhões no total.
Como o senhor vê o debate em torno da hegemonia do dólar, questionada por Lula recentemente? A Suzano considera vender seus produtos para a China em yuan?
Sim, estamos analisando essa possibilidade, mas não temos nada concreto ainda.
O posicionamento do Brasil no exterior e a pauta ESG são temas importantes para a Suzano. Como o senhor vê essas agendas no governo Lula, que tenta reinserir o País no diálogo internacional, mas tem gerado algumas polêmicas com os Estados Unidos, com a Ucrânia?
O Brasil tem uma grande oportunidade de ter um lugar de fala no mundo na questão ambiental, na qual pode ter inserção na geopolítica internacional. Mas não tem as outras potencialidades para sentar à mesa em uma posição relevante de discussão. O que o Brasil tem que fazer é endereçar a questão ambiental e para isso precisa resolver o desmatamento ilegal da Amazônia imediatamente. Não dá pra ter um projeto de longo prazo em relação a isso. Na minha opinião, a solução vem por meio do carbono e, do outro lado, o Brasil tem de continuar na questão da matriz energética. É hora de buscarmos uma solução. Eu não tenho nada contra o Fundo Amazônia, mas é um ‘band-aid’.
Por quê?
Viver de doação para Amazônia não é a solução. O mundo precisa da preservação da Amazônia. A forma de resolver isso é trabalhar em um sistema de carbono, no qual o Brasil seja remunerado por isso. Eu já tinha apresentado para o governo passado e apresentei para esse a potencialidade de o Brasil gerar US$ 10 bilhões ao ano em carbono, com a preservação da Amazônia. O Brasil tem de pegar esse dinheiro e resolver outro problema, que também está na Amazônia, que é a questão social. Porque tem gente hoje que vive do desmatamento. A gente precisa endereçar essa questão.
Como o senhor vê os sinais do governo Lula na agenda ambiental?
A intenção é muito positiva. A ação ainda não aconteceu na velocidade que tem de acontecer. Conheço bastante bem as pessoas que lideram o Ministério do Meio Ambiente e sei que a visão é positiva e as intenções são muito boas. Espero que tenha reflexo na ação e no resultado. Esse jogo ambiental é um jogo de oito bilhões de pessoas, em que todo mundo ganha ou todos perdem. Não é um jogo de competição, mas de colaboração.
Temos visto o aumento de invasões de terras. A própria Suzano cobra do governo um acordo com o Incra firmado em 2015 para o assentamento de famílias no sul da Bahia. Como o senhor vê essa questão e a maneira como o governo Lula está lidando com o tema?
É absolutamente inaceitável a invasão de propriedade privada e olha que eu nem falei de propriedade privada produtiva, mas produtiva é pior ainda. Isso não deveria ser permitido não apenas pelo Executivo, mas também pelas outras autoridades constituídas no Brasil, Judiciário e Legislativo. Deveríamos evitar em qualquer condição.
E quanto à ideia de uma reforma agrária?
É importante e a gente tem potencial de fazer um programa de reforma agrária relevante porque ainda tem muita terra no Brasil com zero produtividade, degradadas sem nenhuma utilização. Mas isso tem de partir do Executivo, do Legislativo. Nossa visão é de construir pontes, soluções, mas com uma prerrogativa inicial absolutamente inegociável que é a questão da preservação da propriedade privada e que está na Constituição.
Qual a expectativa com o Projeto Cerrado, no Mato Grosso do Sul?
Essa vai ser a maior fábrica, mas também a de menor custo do mundo. O nosso custo é US$ 180 a tonelada e o do mundo é de US$ 500. Essa aí vai ser abaixo de US$ 100, muito competitiva, 100% sem uso de combustível fóssil. Ela vai exportar 180 Megawatts de energia e um raio médio de floresta muito baixo, são 65 km. O projeto está em linha com o cronograma e o orçamento. Também terá impacto social, na cidade: estamos investindo em um hospital, na parte de infraestrutura, educação e outras coisas. Era uma cidade de 15 mil habitantes. Nesse momento, há dez mil funcionários na obra. Então, tem um impacto social na cidade.
E quanto ao potencial da nova unidade?
A fábrica vai ser muito competitiva. Nós estamos endereçando a parte florestal, industrial e a logística. Estamos construindo também a ferrovia de conexão, os terminais em Santos para poder operar. São 17 novos navios, totalizando 53. Hoje, são 35. É uma mudança importante de operação.