Governo faz política fiscal ‘feijão com arroz’ e dívida irá a 95% do PIB, dizem analistas da Warren


Economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini afirmam que revisão de gastos não é para valer, preveem mudança na meta fiscal e dizem que próximo governo terá de rever indexação do salário mínimo e reajuste para servidores

Por Alvaro Gribel
Foto: Felipe Salto/Arquivo Pessoal
Entrevista comFelipe Salto e Josué PellegriniEconomista-chefe e analista macro da Warren Investimentos

BRASÍLIA - A dívida bruta do governo geral subirá 20 pontos porcentuais nos próximos dez anos, para 95% do PIB até 2033, e o governo será forçado a mudar a meta de resultado primário do ano que vem. Essas são as avaliações dos economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da Warren Investimentos, que classificam a política fiscal do governo Lula como um “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar que o País entre em uma nova crise.

Eles entendem que há uma opção “política” para o não enfrentamento dos principais problemas das contas públicas, mas isso irá apenas adiar a implementação de medidas estruturais. Na prática, o governo Lula está trocando um ajuste fiscal menos custoso, agora, por outro, mais difícil, anos à frente, qualquer que seja o candidato vitorioso nas eleições de 2026.

“A dívida pública deverá crescer dos 74,4% do PIB, ao término de 2023, para 95% do PIB, em 2033, sem que se vislumbre um patamar de estabilidade. A revisão recente das taxas de juros, em parte ocasionada pela própria situação fiscal, agrava essa trajetória”, escreveram os economistas em relatório obtido com exclusividade pelo Estadão.

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Salto, economista-chefe da instituição, e Pellegrini, analista de macroeconomia, continuam apostando que o governo vai cumprir a meta deste ano, ainda que dentro da margem de tolerância do arcabouço fiscal, ou seja, com um déficit de R$ 28,8 bilhões. Mesmo assim, eles entendem essa melhora como pontual, porque está baseada em receitas atípicas, que dificilmente vão se repetir nos anos seguintes.

Ao empurrar o problema para frente, em 2027 será inevitável acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, assim como encerrar as vinculações com as receitas das áreas de Saúde e Educação. O programa de revisão de gastos também é visto como ineficaz, já que não faz a avaliação das políticas públicas, mas apenas enfrenta fraudes, o que já seria uma obrigação do governo.

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A seguir, os principais trechos da entrevista:

A Warren Investimentos projeta cumprimento da meta fiscal este ano, mas não tem previsão de estabilidade da dívida. Por que essa dinâmica?

SALTO: O governo tem optado pelo ajuste fiscal pelo lado da receita, que tem bastante efeito no curto prazo, com volume grande de arrecadação atípica. A gestão atual optou por fazer o que a gente chama no relatório de política fiscal “feijão com arroz”, que é o que está à altura do Ministério da Fazenda fazer. Mas, do ponto de vista estrutural, para reequilibrar a dívida/PIB, é preciso medidas mais ousadas de controle do gasto.

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PELLEGRINI: As metas não são fáceis de serem cumpridas, mas, ainda assim, não são ambiciosas. Mesmo que o governo cumpra a meta, a dívida continua subindo, de 74,4% do PIB, em 2023, para 95% do PIB, em 2033. O superávit primário precisa ser maior do que 1% do PIB para estabilizar a dívida.

Vocês explicam que há o déficit para cumprir a meta e o déficit que impacta a dívida. Qual a diferença?

PELLEGRINI: Em 2024 e 2025, mesmo cumprindo a meta, o déficit permanece elevado. Por exemplo, em 2024, você cumpre a meta, mas tem déficit de 0,5% do PIB, de fato, pelo intervalo inferior da meta, mais os gastos que são excluídos da contabilidade. Soma R$ 28,8 bilhões de limite inferior e mais R$ 28,8 bilhões, que é o previsto para socorro ao Rio Grande do Sul. Então temos R$ 57,6 bi bilhões de déficit com impacto na dívida. Em 2025, vai acontecer a mesma coisa, você consegue cumprir a meta com um déficit de R$ 75,1 bilhões, porque tem R$ 31 bilhões do intervalo inferior da meta e R$ 44,4 bi de precatórios que foram excluídos da conta. Todos os déficits terão o carimbo do cumprimento da meta, mas eles estão longe de ser um resultado capaz de estabilizar a dívida.

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E por que vocês apostam que o governo vai rever a meta de déficit primário zero em 2025?

SALTO: O governo não mudou a meta em 2024, mas conseguiu, ao mesmo tempo, um volume grande de receitas. E nós temos de fazer um mea culpa, porque de fato a arrecadação está surpreendendo, e também teve a questão da atividade, com o PIB acima do esperado. Para o ano que vem, o governo não vai conseguir repetir esse cardápio de medidas extraordinárias. Então, o nosso cenário é que ele muda a meta. Porque as medidas que estão na mesa não são suficientes, mesmo que o governo faça contingenciamento. Pelo nosso cenário, ele vai bloquear ou contingenciar R$ 19,8 bilhões, mas para ele cumprir a meta teria de fazer R$ 36,6 bilhões a mais ou R$ 56,2 bilhões no total.

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Esse valor levaria a uma paralisia na máquina pública?

SALTO: Entendemos que o governo vai arrecadar R$ 81,2 bilhões a menos do que a projeção oficial em 2025. Então, mesmo com esse esforço de cortar R$ 19,8 bilhões que nós projetamos, não seria suficiente para entregar a meta. Aí o governo iria romper a meta e acionar os gatilhos (de cortes, previstos no arcabouço fiscal). Qual é o mais racional? Não faz sentido ele se comprometer com um corte gigantesco e ainda assim não cumprir a meta. O mais provável é fazer um corte no meio do caminho, como fez este ano, e mudar um pouco a meta do ano que vem.

E quais as consequências para a economia de se ter uma nova alteração da meta?

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PELLEGRINI: Não é bom, não ajuda nas expectativas dos agentes econômicos. O arcabouço está embutindo um déficit alto, de fato, e ainda assim o governo não consegue cumprir. É muito ruim. Nossa projeção é déficit, de fato, de R$ 111,6 bilhões em 2025, que será o déficit caso ele faça um corte moderado, para mostrar algum sacrifício, mas contabilizando o que fica de fora da meta e que bate, de fato, na dívida pública.

Podem explicar melhor essa conta?

SALTO: São três números importantes. O governo teria de cortar R$ 41,7 bilhões, pelo previsto na legislação, mas mesmo assim não chegaria à meta. Para cumprir, teria de cortar R$ 56,2 bilhões, como explicamos anteriormente. Isso comprometeria o funcionamento da máquina. Então o governo está em uma sinuca de bico. Por isso, ele colocou uma arrecadação tão grande, de R$ 81,2 bilhões acima da nossa projeção, em 2025, no Orçamento enviado ao Congresso.

Vocês falam de uma política fiscal “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar uma crise.

SALTO: É “feijão com arroz” porque o ajuste está sendo feito por meio das receitas. O governo tem dificuldade de cortar gastos. E a revisão de gastos é cosmética, não é suficiente, não tem detalhamento, não é revisão para valer. Revisão de gastos é pegar um programa como abono salarial, por exemplo, avaliar se ele surtiu o resultado esperado, e, em cima disso, fazer o corte. Isso é diferente de combate à fraude. Combater fraude é importante, mas é obrigação.

Revisão de gastos é análise de eficácia, combate à fraude é outra coisa?

SALTO: Sim. Revisão tem de pegar o programa, um por um, e fazer análise. Quando avaliar que o programa é ruim, muda.

PELLEGRINI: As informações do programa de revisão são insuficientes. É tudo genérico, não tem referência a números e detalhamento. Não se sabe o que conseguiram este ano.

A partir de 2027, vocês projetam o fim da política de valorização do salário mínimo e de reajustes para os servidores. Por quê?

SALTO: O que a gente precisa mesmo é de um conjunto de medidas estruturais. Se o governo não tomar essas medidas, vai ter de adotar ações rigorosas, como não dar benefícios ou reajustes salariais. Num próximo governo, sendo o atual presidente reeleito ou não.

O ano de 2027 pode repetir 2015, no sentido de que ajustes serão obrigados a ser feitos após as eleições?

SALTO: Há diferenças. De 2011 a 2014, o governo foi irresponsável fiscalmente, desrespeitou as regras, falava para quem quisesse ouvir que meta de primário não era importante, usou muito dos subterfúgios contábeis da contabilidade criativa que, em parte, resultaram no impeachment. Não é o que está acontecendo agora. Pontualmente, a gente criticou o Auxílio-Gás, que é contabilidade criativa, mas as outras questões têm mais a ver com a escolha do governo e a gestão fiscal. Eles preferem operar no limite. Mas, em 2027, essas coisas cobram o preço, você vai ficar gerando déficit até quando? Não dá para ter 1% do PIB de déficit indefinidamente, porque aí a taxa de juros fica mais alta.

O governo está trocando um ajuste fiscal mais barato, agora, por um ajuste fiscal mais caro, à frente?

PELLEGRINI: Quando você vai postergando, fica mais penoso fazer o ajuste. Como o País fica mais vulnerável, fica mais fácil ele entrar em crise. E depois será obrigado a fazer tudo com pressa, quando poderia estar adotando medidas agora, com mais calma.

SALTO: O governo optou pelo ajuste pela receita, acho que várias medidas são até corretas, mas todo mundo sabe que o problema estrutural está do lado da despesa, da rigidez orçamentária, do tamanho das emendas, por exemplo. Este governo espera a coisa transbordar, para depois dizer que é responsável. Foi assim no anúncio de R$ 15 bilhões de bloqueio e contingenciamento e também nos R$ 25,9 bilhões de revisão de gastos em 2025. Precisou todo mundo criticar, dar uma confusão, para o ministro Haddad conseguir esse compromisso do presidente Lula e vir a público fazer o anúncio.

O secretário Dario Durigan, da Fazenda, falou que está amadurecendo o debate interno para se colocar todos os gastos dentro do limite de 2,5% (teto do arcabouço). Por outro lado, a ministra Simone Tebet diz que não se mexe nos pisos nem no salário mínimo. Está faltando articulação entre as pastas?

SALTO: O Planejamento exerce uma espécie de contraponto à Fazenda, na maioria dos casos, então eventuais diferenças são naturais. O que falta é coesão no essencial, e o essencial é que não tem como fugir da Saúde, da Educação e do salário mínimo. O investimento só não vai a zero porque tem gastos com o carimbo do PAC. Falta uma agenda estrutural, de médio e longo prazos. Embora não seja fácil.

Por que a meta da equipe econômica de chegar a 19% do PIB em receitas não vai se concretizar?

PELLEGRINI: Entendemos que o volume de receitas atípicas ou condicionadas, de R$ 168,3 bilhões, está inflado. Aconteceu o mesmo com a proposta orçamentária de 2024. O governo precisa mandar um Orçamento que pare de pé, mas é também papel dos especialistas mostrar essas fragilidades.

SALTO: Por exemplo, vão conseguir aprovar os R$ 21 bilhões de CSLL e JCP? O Congresso já indicou que será muito difícil.

O que o governo precisaria fazer de imediato para mudar esse cenário de aumento de 20 pontos da dívida?

SALTO: Adotar uma série de medidas para conter gastos obrigatórios. Todas são difíceis, porque passam pelas vinculações e indexações. Os efeitos começariam a ocorrer já no primeiro ano, e a trajetória da dívida seria beneficiada também pelos efeitos sobre as expectativas e, consequentemente, sobre os juros, que ficariam mais baixos.

BRASÍLIA - A dívida bruta do governo geral subirá 20 pontos porcentuais nos próximos dez anos, para 95% do PIB até 2033, e o governo será forçado a mudar a meta de resultado primário do ano que vem. Essas são as avaliações dos economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da Warren Investimentos, que classificam a política fiscal do governo Lula como um “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar que o País entre em uma nova crise.

Eles entendem que há uma opção “política” para o não enfrentamento dos principais problemas das contas públicas, mas isso irá apenas adiar a implementação de medidas estruturais. Na prática, o governo Lula está trocando um ajuste fiscal menos custoso, agora, por outro, mais difícil, anos à frente, qualquer que seja o candidato vitorioso nas eleições de 2026.

“A dívida pública deverá crescer dos 74,4% do PIB, ao término de 2023, para 95% do PIB, em 2033, sem que se vislumbre um patamar de estabilidade. A revisão recente das taxas de juros, em parte ocasionada pela própria situação fiscal, agrava essa trajetória”, escreveram os economistas em relatório obtido com exclusividade pelo Estadão.

Salto, economista-chefe da instituição, e Pellegrini, analista de macroeconomia, continuam apostando que o governo vai cumprir a meta deste ano, ainda que dentro da margem de tolerância do arcabouço fiscal, ou seja, com um déficit de R$ 28,8 bilhões. Mesmo assim, eles entendem essa melhora como pontual, porque está baseada em receitas atípicas, que dificilmente vão se repetir nos anos seguintes.

Ao empurrar o problema para frente, em 2027 será inevitável acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, assim como encerrar as vinculações com as receitas das áreas de Saúde e Educação. O programa de revisão de gastos também é visto como ineficaz, já que não faz a avaliação das políticas públicas, mas apenas enfrenta fraudes, o que já seria uma obrigação do governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A Warren Investimentos projeta cumprimento da meta fiscal este ano, mas não tem previsão de estabilidade da dívida. Por que essa dinâmica?

SALTO: O governo tem optado pelo ajuste fiscal pelo lado da receita, que tem bastante efeito no curto prazo, com volume grande de arrecadação atípica. A gestão atual optou por fazer o que a gente chama no relatório de política fiscal “feijão com arroz”, que é o que está à altura do Ministério da Fazenda fazer. Mas, do ponto de vista estrutural, para reequilibrar a dívida/PIB, é preciso medidas mais ousadas de controle do gasto.

PELLEGRINI: As metas não são fáceis de serem cumpridas, mas, ainda assim, não são ambiciosas. Mesmo que o governo cumpra a meta, a dívida continua subindo, de 74,4% do PIB, em 2023, para 95% do PIB, em 2033. O superávit primário precisa ser maior do que 1% do PIB para estabilizar a dívida.

Vocês explicam que há o déficit para cumprir a meta e o déficit que impacta a dívida. Qual a diferença?

PELLEGRINI: Em 2024 e 2025, mesmo cumprindo a meta, o déficit permanece elevado. Por exemplo, em 2024, você cumpre a meta, mas tem déficit de 0,5% do PIB, de fato, pelo intervalo inferior da meta, mais os gastos que são excluídos da contabilidade. Soma R$ 28,8 bilhões de limite inferior e mais R$ 28,8 bilhões, que é o previsto para socorro ao Rio Grande do Sul. Então temos R$ 57,6 bi bilhões de déficit com impacto na dívida. Em 2025, vai acontecer a mesma coisa, você consegue cumprir a meta com um déficit de R$ 75,1 bilhões, porque tem R$ 31 bilhões do intervalo inferior da meta e R$ 44,4 bi de precatórios que foram excluídos da conta. Todos os déficits terão o carimbo do cumprimento da meta, mas eles estão longe de ser um resultado capaz de estabilizar a dívida.

E por que vocês apostam que o governo vai rever a meta de déficit primário zero em 2025?

SALTO: O governo não mudou a meta em 2024, mas conseguiu, ao mesmo tempo, um volume grande de receitas. E nós temos de fazer um mea culpa, porque de fato a arrecadação está surpreendendo, e também teve a questão da atividade, com o PIB acima do esperado. Para o ano que vem, o governo não vai conseguir repetir esse cardápio de medidas extraordinárias. Então, o nosso cenário é que ele muda a meta. Porque as medidas que estão na mesa não são suficientes, mesmo que o governo faça contingenciamento. Pelo nosso cenário, ele vai bloquear ou contingenciar R$ 19,8 bilhões, mas para ele cumprir a meta teria de fazer R$ 36,6 bilhões a mais ou R$ 56,2 bilhões no total.

Esse valor levaria a uma paralisia na máquina pública?

SALTO: Entendemos que o governo vai arrecadar R$ 81,2 bilhões a menos do que a projeção oficial em 2025. Então, mesmo com esse esforço de cortar R$ 19,8 bilhões que nós projetamos, não seria suficiente para entregar a meta. Aí o governo iria romper a meta e acionar os gatilhos (de cortes, previstos no arcabouço fiscal). Qual é o mais racional? Não faz sentido ele se comprometer com um corte gigantesco e ainda assim não cumprir a meta. O mais provável é fazer um corte no meio do caminho, como fez este ano, e mudar um pouco a meta do ano que vem.

E quais as consequências para a economia de se ter uma nova alteração da meta?

PELLEGRINI: Não é bom, não ajuda nas expectativas dos agentes econômicos. O arcabouço está embutindo um déficit alto, de fato, e ainda assim o governo não consegue cumprir. É muito ruim. Nossa projeção é déficit, de fato, de R$ 111,6 bilhões em 2025, que será o déficit caso ele faça um corte moderado, para mostrar algum sacrifício, mas contabilizando o que fica de fora da meta e que bate, de fato, na dívida pública.

Podem explicar melhor essa conta?

SALTO: São três números importantes. O governo teria de cortar R$ 41,7 bilhões, pelo previsto na legislação, mas mesmo assim não chegaria à meta. Para cumprir, teria de cortar R$ 56,2 bilhões, como explicamos anteriormente. Isso comprometeria o funcionamento da máquina. Então o governo está em uma sinuca de bico. Por isso, ele colocou uma arrecadação tão grande, de R$ 81,2 bilhões acima da nossa projeção, em 2025, no Orçamento enviado ao Congresso.

Vocês falam de uma política fiscal “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar uma crise.

SALTO: É “feijão com arroz” porque o ajuste está sendo feito por meio das receitas. O governo tem dificuldade de cortar gastos. E a revisão de gastos é cosmética, não é suficiente, não tem detalhamento, não é revisão para valer. Revisão de gastos é pegar um programa como abono salarial, por exemplo, avaliar se ele surtiu o resultado esperado, e, em cima disso, fazer o corte. Isso é diferente de combate à fraude. Combater fraude é importante, mas é obrigação.

Revisão de gastos é análise de eficácia, combate à fraude é outra coisa?

SALTO: Sim. Revisão tem de pegar o programa, um por um, e fazer análise. Quando avaliar que o programa é ruim, muda.

PELLEGRINI: As informações do programa de revisão são insuficientes. É tudo genérico, não tem referência a números e detalhamento. Não se sabe o que conseguiram este ano.

A partir de 2027, vocês projetam o fim da política de valorização do salário mínimo e de reajustes para os servidores. Por quê?

SALTO: O que a gente precisa mesmo é de um conjunto de medidas estruturais. Se o governo não tomar essas medidas, vai ter de adotar ações rigorosas, como não dar benefícios ou reajustes salariais. Num próximo governo, sendo o atual presidente reeleito ou não.

O ano de 2027 pode repetir 2015, no sentido de que ajustes serão obrigados a ser feitos após as eleições?

SALTO: Há diferenças. De 2011 a 2014, o governo foi irresponsável fiscalmente, desrespeitou as regras, falava para quem quisesse ouvir que meta de primário não era importante, usou muito dos subterfúgios contábeis da contabilidade criativa que, em parte, resultaram no impeachment. Não é o que está acontecendo agora. Pontualmente, a gente criticou o Auxílio-Gás, que é contabilidade criativa, mas as outras questões têm mais a ver com a escolha do governo e a gestão fiscal. Eles preferem operar no limite. Mas, em 2027, essas coisas cobram o preço, você vai ficar gerando déficit até quando? Não dá para ter 1% do PIB de déficit indefinidamente, porque aí a taxa de juros fica mais alta.

O governo está trocando um ajuste fiscal mais barato, agora, por um ajuste fiscal mais caro, à frente?

PELLEGRINI: Quando você vai postergando, fica mais penoso fazer o ajuste. Como o País fica mais vulnerável, fica mais fácil ele entrar em crise. E depois será obrigado a fazer tudo com pressa, quando poderia estar adotando medidas agora, com mais calma.

SALTO: O governo optou pelo ajuste pela receita, acho que várias medidas são até corretas, mas todo mundo sabe que o problema estrutural está do lado da despesa, da rigidez orçamentária, do tamanho das emendas, por exemplo. Este governo espera a coisa transbordar, para depois dizer que é responsável. Foi assim no anúncio de R$ 15 bilhões de bloqueio e contingenciamento e também nos R$ 25,9 bilhões de revisão de gastos em 2025. Precisou todo mundo criticar, dar uma confusão, para o ministro Haddad conseguir esse compromisso do presidente Lula e vir a público fazer o anúncio.

O secretário Dario Durigan, da Fazenda, falou que está amadurecendo o debate interno para se colocar todos os gastos dentro do limite de 2,5% (teto do arcabouço). Por outro lado, a ministra Simone Tebet diz que não se mexe nos pisos nem no salário mínimo. Está faltando articulação entre as pastas?

SALTO: O Planejamento exerce uma espécie de contraponto à Fazenda, na maioria dos casos, então eventuais diferenças são naturais. O que falta é coesão no essencial, e o essencial é que não tem como fugir da Saúde, da Educação e do salário mínimo. O investimento só não vai a zero porque tem gastos com o carimbo do PAC. Falta uma agenda estrutural, de médio e longo prazos. Embora não seja fácil.

Por que a meta da equipe econômica de chegar a 19% do PIB em receitas não vai se concretizar?

PELLEGRINI: Entendemos que o volume de receitas atípicas ou condicionadas, de R$ 168,3 bilhões, está inflado. Aconteceu o mesmo com a proposta orçamentária de 2024. O governo precisa mandar um Orçamento que pare de pé, mas é também papel dos especialistas mostrar essas fragilidades.

SALTO: Por exemplo, vão conseguir aprovar os R$ 21 bilhões de CSLL e JCP? O Congresso já indicou que será muito difícil.

O que o governo precisaria fazer de imediato para mudar esse cenário de aumento de 20 pontos da dívida?

SALTO: Adotar uma série de medidas para conter gastos obrigatórios. Todas são difíceis, porque passam pelas vinculações e indexações. Os efeitos começariam a ocorrer já no primeiro ano, e a trajetória da dívida seria beneficiada também pelos efeitos sobre as expectativas e, consequentemente, sobre os juros, que ficariam mais baixos.

BRASÍLIA - A dívida bruta do governo geral subirá 20 pontos porcentuais nos próximos dez anos, para 95% do PIB até 2033, e o governo será forçado a mudar a meta de resultado primário do ano que vem. Essas são as avaliações dos economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da Warren Investimentos, que classificam a política fiscal do governo Lula como um “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar que o País entre em uma nova crise.

Eles entendem que há uma opção “política” para o não enfrentamento dos principais problemas das contas públicas, mas isso irá apenas adiar a implementação de medidas estruturais. Na prática, o governo Lula está trocando um ajuste fiscal menos custoso, agora, por outro, mais difícil, anos à frente, qualquer que seja o candidato vitorioso nas eleições de 2026.

“A dívida pública deverá crescer dos 74,4% do PIB, ao término de 2023, para 95% do PIB, em 2033, sem que se vislumbre um patamar de estabilidade. A revisão recente das taxas de juros, em parte ocasionada pela própria situação fiscal, agrava essa trajetória”, escreveram os economistas em relatório obtido com exclusividade pelo Estadão.

Salto, economista-chefe da instituição, e Pellegrini, analista de macroeconomia, continuam apostando que o governo vai cumprir a meta deste ano, ainda que dentro da margem de tolerância do arcabouço fiscal, ou seja, com um déficit de R$ 28,8 bilhões. Mesmo assim, eles entendem essa melhora como pontual, porque está baseada em receitas atípicas, que dificilmente vão se repetir nos anos seguintes.

Ao empurrar o problema para frente, em 2027 será inevitável acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, assim como encerrar as vinculações com as receitas das áreas de Saúde e Educação. O programa de revisão de gastos também é visto como ineficaz, já que não faz a avaliação das políticas públicas, mas apenas enfrenta fraudes, o que já seria uma obrigação do governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A Warren Investimentos projeta cumprimento da meta fiscal este ano, mas não tem previsão de estabilidade da dívida. Por que essa dinâmica?

SALTO: O governo tem optado pelo ajuste fiscal pelo lado da receita, que tem bastante efeito no curto prazo, com volume grande de arrecadação atípica. A gestão atual optou por fazer o que a gente chama no relatório de política fiscal “feijão com arroz”, que é o que está à altura do Ministério da Fazenda fazer. Mas, do ponto de vista estrutural, para reequilibrar a dívida/PIB, é preciso medidas mais ousadas de controle do gasto.

PELLEGRINI: As metas não são fáceis de serem cumpridas, mas, ainda assim, não são ambiciosas. Mesmo que o governo cumpra a meta, a dívida continua subindo, de 74,4% do PIB, em 2023, para 95% do PIB, em 2033. O superávit primário precisa ser maior do que 1% do PIB para estabilizar a dívida.

Vocês explicam que há o déficit para cumprir a meta e o déficit que impacta a dívida. Qual a diferença?

PELLEGRINI: Em 2024 e 2025, mesmo cumprindo a meta, o déficit permanece elevado. Por exemplo, em 2024, você cumpre a meta, mas tem déficit de 0,5% do PIB, de fato, pelo intervalo inferior da meta, mais os gastos que são excluídos da contabilidade. Soma R$ 28,8 bilhões de limite inferior e mais R$ 28,8 bilhões, que é o previsto para socorro ao Rio Grande do Sul. Então temos R$ 57,6 bi bilhões de déficit com impacto na dívida. Em 2025, vai acontecer a mesma coisa, você consegue cumprir a meta com um déficit de R$ 75,1 bilhões, porque tem R$ 31 bilhões do intervalo inferior da meta e R$ 44,4 bi de precatórios que foram excluídos da conta. Todos os déficits terão o carimbo do cumprimento da meta, mas eles estão longe de ser um resultado capaz de estabilizar a dívida.

E por que vocês apostam que o governo vai rever a meta de déficit primário zero em 2025?

SALTO: O governo não mudou a meta em 2024, mas conseguiu, ao mesmo tempo, um volume grande de receitas. E nós temos de fazer um mea culpa, porque de fato a arrecadação está surpreendendo, e também teve a questão da atividade, com o PIB acima do esperado. Para o ano que vem, o governo não vai conseguir repetir esse cardápio de medidas extraordinárias. Então, o nosso cenário é que ele muda a meta. Porque as medidas que estão na mesa não são suficientes, mesmo que o governo faça contingenciamento. Pelo nosso cenário, ele vai bloquear ou contingenciar R$ 19,8 bilhões, mas para ele cumprir a meta teria de fazer R$ 36,6 bilhões a mais ou R$ 56,2 bilhões no total.

Esse valor levaria a uma paralisia na máquina pública?

SALTO: Entendemos que o governo vai arrecadar R$ 81,2 bilhões a menos do que a projeção oficial em 2025. Então, mesmo com esse esforço de cortar R$ 19,8 bilhões que nós projetamos, não seria suficiente para entregar a meta. Aí o governo iria romper a meta e acionar os gatilhos (de cortes, previstos no arcabouço fiscal). Qual é o mais racional? Não faz sentido ele se comprometer com um corte gigantesco e ainda assim não cumprir a meta. O mais provável é fazer um corte no meio do caminho, como fez este ano, e mudar um pouco a meta do ano que vem.

E quais as consequências para a economia de se ter uma nova alteração da meta?

PELLEGRINI: Não é bom, não ajuda nas expectativas dos agentes econômicos. O arcabouço está embutindo um déficit alto, de fato, e ainda assim o governo não consegue cumprir. É muito ruim. Nossa projeção é déficit, de fato, de R$ 111,6 bilhões em 2025, que será o déficit caso ele faça um corte moderado, para mostrar algum sacrifício, mas contabilizando o que fica de fora da meta e que bate, de fato, na dívida pública.

Podem explicar melhor essa conta?

SALTO: São três números importantes. O governo teria de cortar R$ 41,7 bilhões, pelo previsto na legislação, mas mesmo assim não chegaria à meta. Para cumprir, teria de cortar R$ 56,2 bilhões, como explicamos anteriormente. Isso comprometeria o funcionamento da máquina. Então o governo está em uma sinuca de bico. Por isso, ele colocou uma arrecadação tão grande, de R$ 81,2 bilhões acima da nossa projeção, em 2025, no Orçamento enviado ao Congresso.

Vocês falam de uma política fiscal “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar uma crise.

SALTO: É “feijão com arroz” porque o ajuste está sendo feito por meio das receitas. O governo tem dificuldade de cortar gastos. E a revisão de gastos é cosmética, não é suficiente, não tem detalhamento, não é revisão para valer. Revisão de gastos é pegar um programa como abono salarial, por exemplo, avaliar se ele surtiu o resultado esperado, e, em cima disso, fazer o corte. Isso é diferente de combate à fraude. Combater fraude é importante, mas é obrigação.

Revisão de gastos é análise de eficácia, combate à fraude é outra coisa?

SALTO: Sim. Revisão tem de pegar o programa, um por um, e fazer análise. Quando avaliar que o programa é ruim, muda.

PELLEGRINI: As informações do programa de revisão são insuficientes. É tudo genérico, não tem referência a números e detalhamento. Não se sabe o que conseguiram este ano.

A partir de 2027, vocês projetam o fim da política de valorização do salário mínimo e de reajustes para os servidores. Por quê?

SALTO: O que a gente precisa mesmo é de um conjunto de medidas estruturais. Se o governo não tomar essas medidas, vai ter de adotar ações rigorosas, como não dar benefícios ou reajustes salariais. Num próximo governo, sendo o atual presidente reeleito ou não.

O ano de 2027 pode repetir 2015, no sentido de que ajustes serão obrigados a ser feitos após as eleições?

SALTO: Há diferenças. De 2011 a 2014, o governo foi irresponsável fiscalmente, desrespeitou as regras, falava para quem quisesse ouvir que meta de primário não era importante, usou muito dos subterfúgios contábeis da contabilidade criativa que, em parte, resultaram no impeachment. Não é o que está acontecendo agora. Pontualmente, a gente criticou o Auxílio-Gás, que é contabilidade criativa, mas as outras questões têm mais a ver com a escolha do governo e a gestão fiscal. Eles preferem operar no limite. Mas, em 2027, essas coisas cobram o preço, você vai ficar gerando déficit até quando? Não dá para ter 1% do PIB de déficit indefinidamente, porque aí a taxa de juros fica mais alta.

O governo está trocando um ajuste fiscal mais barato, agora, por um ajuste fiscal mais caro, à frente?

PELLEGRINI: Quando você vai postergando, fica mais penoso fazer o ajuste. Como o País fica mais vulnerável, fica mais fácil ele entrar em crise. E depois será obrigado a fazer tudo com pressa, quando poderia estar adotando medidas agora, com mais calma.

SALTO: O governo optou pelo ajuste pela receita, acho que várias medidas são até corretas, mas todo mundo sabe que o problema estrutural está do lado da despesa, da rigidez orçamentária, do tamanho das emendas, por exemplo. Este governo espera a coisa transbordar, para depois dizer que é responsável. Foi assim no anúncio de R$ 15 bilhões de bloqueio e contingenciamento e também nos R$ 25,9 bilhões de revisão de gastos em 2025. Precisou todo mundo criticar, dar uma confusão, para o ministro Haddad conseguir esse compromisso do presidente Lula e vir a público fazer o anúncio.

O secretário Dario Durigan, da Fazenda, falou que está amadurecendo o debate interno para se colocar todos os gastos dentro do limite de 2,5% (teto do arcabouço). Por outro lado, a ministra Simone Tebet diz que não se mexe nos pisos nem no salário mínimo. Está faltando articulação entre as pastas?

SALTO: O Planejamento exerce uma espécie de contraponto à Fazenda, na maioria dos casos, então eventuais diferenças são naturais. O que falta é coesão no essencial, e o essencial é que não tem como fugir da Saúde, da Educação e do salário mínimo. O investimento só não vai a zero porque tem gastos com o carimbo do PAC. Falta uma agenda estrutural, de médio e longo prazos. Embora não seja fácil.

Por que a meta da equipe econômica de chegar a 19% do PIB em receitas não vai se concretizar?

PELLEGRINI: Entendemos que o volume de receitas atípicas ou condicionadas, de R$ 168,3 bilhões, está inflado. Aconteceu o mesmo com a proposta orçamentária de 2024. O governo precisa mandar um Orçamento que pare de pé, mas é também papel dos especialistas mostrar essas fragilidades.

SALTO: Por exemplo, vão conseguir aprovar os R$ 21 bilhões de CSLL e JCP? O Congresso já indicou que será muito difícil.

O que o governo precisaria fazer de imediato para mudar esse cenário de aumento de 20 pontos da dívida?

SALTO: Adotar uma série de medidas para conter gastos obrigatórios. Todas são difíceis, porque passam pelas vinculações e indexações. Os efeitos começariam a ocorrer já no primeiro ano, e a trajetória da dívida seria beneficiada também pelos efeitos sobre as expectativas e, consequentemente, sobre os juros, que ficariam mais baixos.

BRASÍLIA - A dívida bruta do governo geral subirá 20 pontos porcentuais nos próximos dez anos, para 95% do PIB até 2033, e o governo será forçado a mudar a meta de resultado primário do ano que vem. Essas são as avaliações dos economistas Felipe Salto e Josué Pellegrini, da Warren Investimentos, que classificam a política fiscal do governo Lula como um “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar que o País entre em uma nova crise.

Eles entendem que há uma opção “política” para o não enfrentamento dos principais problemas das contas públicas, mas isso irá apenas adiar a implementação de medidas estruturais. Na prática, o governo Lula está trocando um ajuste fiscal menos custoso, agora, por outro, mais difícil, anos à frente, qualquer que seja o candidato vitorioso nas eleições de 2026.

“A dívida pública deverá crescer dos 74,4% do PIB, ao término de 2023, para 95% do PIB, em 2033, sem que se vislumbre um patamar de estabilidade. A revisão recente das taxas de juros, em parte ocasionada pela própria situação fiscal, agrava essa trajetória”, escreveram os economistas em relatório obtido com exclusividade pelo Estadão.

Salto, economista-chefe da instituição, e Pellegrini, analista de macroeconomia, continuam apostando que o governo vai cumprir a meta deste ano, ainda que dentro da margem de tolerância do arcabouço fiscal, ou seja, com um déficit de R$ 28,8 bilhões. Mesmo assim, eles entendem essa melhora como pontual, porque está baseada em receitas atípicas, que dificilmente vão se repetir nos anos seguintes.

Ao empurrar o problema para frente, em 2027 será inevitável acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, assim como encerrar as vinculações com as receitas das áreas de Saúde e Educação. O programa de revisão de gastos também é visto como ineficaz, já que não faz a avaliação das políticas públicas, mas apenas enfrenta fraudes, o que já seria uma obrigação do governo.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

A Warren Investimentos projeta cumprimento da meta fiscal este ano, mas não tem previsão de estabilidade da dívida. Por que essa dinâmica?

SALTO: O governo tem optado pelo ajuste fiscal pelo lado da receita, que tem bastante efeito no curto prazo, com volume grande de arrecadação atípica. A gestão atual optou por fazer o que a gente chama no relatório de política fiscal “feijão com arroz”, que é o que está à altura do Ministério da Fazenda fazer. Mas, do ponto de vista estrutural, para reequilibrar a dívida/PIB, é preciso medidas mais ousadas de controle do gasto.

PELLEGRINI: As metas não são fáceis de serem cumpridas, mas, ainda assim, não são ambiciosas. Mesmo que o governo cumpra a meta, a dívida continua subindo, de 74,4% do PIB, em 2023, para 95% do PIB, em 2033. O superávit primário precisa ser maior do que 1% do PIB para estabilizar a dívida.

Vocês explicam que há o déficit para cumprir a meta e o déficit que impacta a dívida. Qual a diferença?

PELLEGRINI: Em 2024 e 2025, mesmo cumprindo a meta, o déficit permanece elevado. Por exemplo, em 2024, você cumpre a meta, mas tem déficit de 0,5% do PIB, de fato, pelo intervalo inferior da meta, mais os gastos que são excluídos da contabilidade. Soma R$ 28,8 bilhões de limite inferior e mais R$ 28,8 bilhões, que é o previsto para socorro ao Rio Grande do Sul. Então temos R$ 57,6 bi bilhões de déficit com impacto na dívida. Em 2025, vai acontecer a mesma coisa, você consegue cumprir a meta com um déficit de R$ 75,1 bilhões, porque tem R$ 31 bilhões do intervalo inferior da meta e R$ 44,4 bi de precatórios que foram excluídos da conta. Todos os déficits terão o carimbo do cumprimento da meta, mas eles estão longe de ser um resultado capaz de estabilizar a dívida.

E por que vocês apostam que o governo vai rever a meta de déficit primário zero em 2025?

SALTO: O governo não mudou a meta em 2024, mas conseguiu, ao mesmo tempo, um volume grande de receitas. E nós temos de fazer um mea culpa, porque de fato a arrecadação está surpreendendo, e também teve a questão da atividade, com o PIB acima do esperado. Para o ano que vem, o governo não vai conseguir repetir esse cardápio de medidas extraordinárias. Então, o nosso cenário é que ele muda a meta. Porque as medidas que estão na mesa não são suficientes, mesmo que o governo faça contingenciamento. Pelo nosso cenário, ele vai bloquear ou contingenciar R$ 19,8 bilhões, mas para ele cumprir a meta teria de fazer R$ 36,6 bilhões a mais ou R$ 56,2 bilhões no total.

Esse valor levaria a uma paralisia na máquina pública?

SALTO: Entendemos que o governo vai arrecadar R$ 81,2 bilhões a menos do que a projeção oficial em 2025. Então, mesmo com esse esforço de cortar R$ 19,8 bilhões que nós projetamos, não seria suficiente para entregar a meta. Aí o governo iria romper a meta e acionar os gatilhos (de cortes, previstos no arcabouço fiscal). Qual é o mais racional? Não faz sentido ele se comprometer com um corte gigantesco e ainda assim não cumprir a meta. O mais provável é fazer um corte no meio do caminho, como fez este ano, e mudar um pouco a meta do ano que vem.

E quais as consequências para a economia de se ter uma nova alteração da meta?

PELLEGRINI: Não é bom, não ajuda nas expectativas dos agentes econômicos. O arcabouço está embutindo um déficit alto, de fato, e ainda assim o governo não consegue cumprir. É muito ruim. Nossa projeção é déficit, de fato, de R$ 111,6 bilhões em 2025, que será o déficit caso ele faça um corte moderado, para mostrar algum sacrifício, mas contabilizando o que fica de fora da meta e que bate, de fato, na dívida pública.

Podem explicar melhor essa conta?

SALTO: São três números importantes. O governo teria de cortar R$ 41,7 bilhões, pelo previsto na legislação, mas mesmo assim não chegaria à meta. Para cumprir, teria de cortar R$ 56,2 bilhões, como explicamos anteriormente. Isso comprometeria o funcionamento da máquina. Então o governo está em uma sinuca de bico. Por isso, ele colocou uma arrecadação tão grande, de R$ 81,2 bilhões acima da nossa projeção, em 2025, no Orçamento enviado ao Congresso.

Vocês falam de uma política fiscal “feijão com arroz”, ou seja, apenas o básico para evitar uma crise.

SALTO: É “feijão com arroz” porque o ajuste está sendo feito por meio das receitas. O governo tem dificuldade de cortar gastos. E a revisão de gastos é cosmética, não é suficiente, não tem detalhamento, não é revisão para valer. Revisão de gastos é pegar um programa como abono salarial, por exemplo, avaliar se ele surtiu o resultado esperado, e, em cima disso, fazer o corte. Isso é diferente de combate à fraude. Combater fraude é importante, mas é obrigação.

Revisão de gastos é análise de eficácia, combate à fraude é outra coisa?

SALTO: Sim. Revisão tem de pegar o programa, um por um, e fazer análise. Quando avaliar que o programa é ruim, muda.

PELLEGRINI: As informações do programa de revisão são insuficientes. É tudo genérico, não tem referência a números e detalhamento. Não se sabe o que conseguiram este ano.

A partir de 2027, vocês projetam o fim da política de valorização do salário mínimo e de reajustes para os servidores. Por quê?

SALTO: O que a gente precisa mesmo é de um conjunto de medidas estruturais. Se o governo não tomar essas medidas, vai ter de adotar ações rigorosas, como não dar benefícios ou reajustes salariais. Num próximo governo, sendo o atual presidente reeleito ou não.

O ano de 2027 pode repetir 2015, no sentido de que ajustes serão obrigados a ser feitos após as eleições?

SALTO: Há diferenças. De 2011 a 2014, o governo foi irresponsável fiscalmente, desrespeitou as regras, falava para quem quisesse ouvir que meta de primário não era importante, usou muito dos subterfúgios contábeis da contabilidade criativa que, em parte, resultaram no impeachment. Não é o que está acontecendo agora. Pontualmente, a gente criticou o Auxílio-Gás, que é contabilidade criativa, mas as outras questões têm mais a ver com a escolha do governo e a gestão fiscal. Eles preferem operar no limite. Mas, em 2027, essas coisas cobram o preço, você vai ficar gerando déficit até quando? Não dá para ter 1% do PIB de déficit indefinidamente, porque aí a taxa de juros fica mais alta.

O governo está trocando um ajuste fiscal mais barato, agora, por um ajuste fiscal mais caro, à frente?

PELLEGRINI: Quando você vai postergando, fica mais penoso fazer o ajuste. Como o País fica mais vulnerável, fica mais fácil ele entrar em crise. E depois será obrigado a fazer tudo com pressa, quando poderia estar adotando medidas agora, com mais calma.

SALTO: O governo optou pelo ajuste pela receita, acho que várias medidas são até corretas, mas todo mundo sabe que o problema estrutural está do lado da despesa, da rigidez orçamentária, do tamanho das emendas, por exemplo. Este governo espera a coisa transbordar, para depois dizer que é responsável. Foi assim no anúncio de R$ 15 bilhões de bloqueio e contingenciamento e também nos R$ 25,9 bilhões de revisão de gastos em 2025. Precisou todo mundo criticar, dar uma confusão, para o ministro Haddad conseguir esse compromisso do presidente Lula e vir a público fazer o anúncio.

O secretário Dario Durigan, da Fazenda, falou que está amadurecendo o debate interno para se colocar todos os gastos dentro do limite de 2,5% (teto do arcabouço). Por outro lado, a ministra Simone Tebet diz que não se mexe nos pisos nem no salário mínimo. Está faltando articulação entre as pastas?

SALTO: O Planejamento exerce uma espécie de contraponto à Fazenda, na maioria dos casos, então eventuais diferenças são naturais. O que falta é coesão no essencial, e o essencial é que não tem como fugir da Saúde, da Educação e do salário mínimo. O investimento só não vai a zero porque tem gastos com o carimbo do PAC. Falta uma agenda estrutural, de médio e longo prazos. Embora não seja fácil.

Por que a meta da equipe econômica de chegar a 19% do PIB em receitas não vai se concretizar?

PELLEGRINI: Entendemos que o volume de receitas atípicas ou condicionadas, de R$ 168,3 bilhões, está inflado. Aconteceu o mesmo com a proposta orçamentária de 2024. O governo precisa mandar um Orçamento que pare de pé, mas é também papel dos especialistas mostrar essas fragilidades.

SALTO: Por exemplo, vão conseguir aprovar os R$ 21 bilhões de CSLL e JCP? O Congresso já indicou que será muito difícil.

O que o governo precisaria fazer de imediato para mudar esse cenário de aumento de 20 pontos da dívida?

SALTO: Adotar uma série de medidas para conter gastos obrigatórios. Todas são difíceis, porque passam pelas vinculações e indexações. Os efeitos começariam a ocorrer já no primeiro ano, e a trajetória da dívida seria beneficiada também pelos efeitos sobre as expectativas e, consequentemente, sobre os juros, que ficariam mais baixos.

Entrevista por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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