BRASÍLIA - Um dos governadores que vieram a Brasília para se reunir com o relator da reforma tributária na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Wilson Lima (União) afirma que a defesa do Estado do Amazonas é manter os benefícios concedidos para empresas instaladas na Zona Franca de Manaus.
O governo já indicou -- e também o relator -- que a Zona Franca não será tocada no novo regime, mas ainda não detalhou qual será o modelo para garantir a competitividade da região, sobretudo com o fim do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), hoje desonerado para os produtos do polo. Além disso, a “cesta” de incentivos engloba, além de impostos federais, incentivos concedidos pelo Estado do Amazonas e até de Imposto de Renda, diz Lima.
Com o fim dos incentivos fiscais proposto pela reforma, para acabar com a guerra fiscal, a região perde as condições que criou para competir com outros Estados, diz o governador -- ou seja, as empresas perdem seus benefícios. “Tem que colocar (no cálculo da reforma) todos os benefícios, tudo o que garante a competitividade das empresas da Zona Franca”, disse ele, para que o Estado não perca as fábricas lá instaladas e, consequentemente, os empregos.
Ainda que o modelo seja alvo de críticas de economistas, que ressaltam o gasto elevado em troca de poucos ganhos sociais, Lima afirma que o Amazonas não pode prescindir da Zona Franca.
“Se acabar, isso aqui é terra arrasada. E não é daqui a cinco ou dez anos que isso vai acontecer, não. Na hora que a reforma for aprovada ou tiver qualquer sinalização do texto com relação à Zona Franca sem a garantia de competitividade para as empresas, elas já começam a empacotar as coisas e começam a demitir”, afirmou. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. vai se reunir com outros governadores e o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro, nesta quinta-feira, 22. Vai levar alguma demanda do Amazonas?
Na verdade, a reunião foi convocada pelo Lira e o Aguinaldo deve estar presente. E há adesão dos governadores, 15 ou 16 devem estar presentes. É uma reunião política, naturalmente, de entendimento sobre a questão da reforma tributária; e há um consenso entre os governadores -- e eu comungo da mesma ideia -- de que a gente precisa avançar na simplificação do processo tributário nacional. Temos de facilitar investimentos e a vida de todo mundo. Agora, a reforma tem que cumprir aquilo a que ela se dispõe, que é tratar o Brasil de forma justa. Os iguais, iguais; e os desiguais, desiguais.
Como assim?
Não tem como comparar a situação do Sul e do Sudeste com o Norte e o Nordeste. A reforma tributária tem que encontrar esse caminho de equilíbrio. Não pode fazer uma reforma que privilegie outras regiões em detrimento das regiões mais pobres. A reforma pode ampliar a realidade desse abismo que há entre as realidades do Sul e do Sudeste e do Norte e Nordeste, essa distorção social e, consequentemente, distorção na questão logística, infraestrutura, serviços que são básicos a que a gente não tem acesso, como, por exemplo, internet.
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O sr. crê que a reforma tributária seja o ambiente para resolver esse problema?
O que estou querendo dizer é que a reforma tem de levar em consideração situações como essa. Na reforma tributária, se você tira -- e aí eu falo especificamente sobre a Zona Franca de Manaus -- as condições de competitividade das empresas que estão aqui, ou seja, a questão do incentivo fiscal, do crédito presumido e de outros benefícios que essas empresas têm aqui, como por exemplo o Imposto de Renda, não fica atrativo para nenhuma empresa vir para cá. A empresa vai ter prejuízo estando no Estado do Amazonas.
Pode dar um exemplo?
Uma TV, que custa R$ 1 mil para ser produzida aqui no Amazonas, não pode ter o mesmo custo de produção de São Paulo; porque, em São Paulo, em seis horas o fabricante consegue colocar um produto no mercado consumidor. Lá ,ele tem infraestrutura de logística, tem internet segura, tem energia em quantidade suficiente, tem mão de obra qualificada. Dá um problema numa máquina ou precisa fabricar uma peça, ele tem isso à mão. Aqui, para a gente colocar um produto, uma moto no mercado nacional, a empresa leva em média dez dias. E isso tem um custo de transporte, de funcionário, tem um aumento no custo final da produção desse bem. Então, é por isso que não se pode prescindir dessa questão da competitividade das empresas que estão aqui na Zona Franca de Manaus. Então, isso tem de ser levado em consideração na reforma tributária.
Quando o sr. fala de competitividade das empresas da Zona Franca, o sr. fala de quê?
De toda a renúncia que o governo federal faz de incentivos tributários, incluindo IPI, imposto de importação, alguma coisa de PIS/Cofins... o Estado do Amazonas representa algo em torno de 8%, 9% de toda essa renúncia. O que o Brasil tem de renúncia fiscal é algo em torno de R$ 500 bilhões. Então 8%, 9% deve dar algo em torno de R$ 48 bilhões, R$ 47 bilhões. E aí, a gente tem também a renúncia do ICMS. Eu não tenho esses números fechados. É uma cesta de benefícios, tem a questão do Imposto de Renda também (para as empresas na região da Sudam). Tem que colocar todos os benefícios, tudo o que garante a competitividade das empresas da Zona Franca.
O sr. inclui as zonas de livre comércio no Acre, Rondônia, Roraima e Amapá nessa conta?
Isso vai junto, porque a Zona Franca de Manaus inclui essas regiões.
Técnicos do governo federal costumam dizer que são elevados os valores aplicados na renúncia da Zona Franca de Manaus, algo que também é questionado por economistas.
O Brasil tem que começar a entender que aqui a gente não está querendo privilégio, não. A gente só quer uma compensação pelo que a gente tem feito aqui em termos de preservação da floresta e também para sobreviver. Porque a Zona Franca de Manaus hoje emprega aproximadamente 500 mil pessoas. São 500 mil famílias direta e indiretamente só em Manaus. E a gente não tem nenhuma outra fonte empregadora que possa absorver essa mão de obra. E tem outra: quem está lá há dez anos, que se preparou para isso, para uma atividade desenvolvida na Zona Franca. Aí, de repente, chega lá e diz assim: olha, a partir de hoje você não vai mais fazer isso, não vai trabalhar mais nessa fábrica, vai trabalhar com outra atividade. Como é que eu vou inserir essa pessoa no mercado de trabalho? Dificilmente será reinserida no mercado aqui.
Qual a relevância da Zona Franca para a economia do Estado?
Para você ter uma ideia, a Zona Franca de Manaus representa 30% do PIB do Estado. Ela representa quase 50% da arrecadação de ICMS. E é a indústria que fomenta o comércio. No final do dia, a Zona Franca de Manaus representa algo em torno de 70% da minha atividade econômica. Não tem como a gente abrir mão da Zona Franca de Manaus; é uma questão de sobrevivência. Se acabar, isso aqui é terra arrasada. E não é daqui a cinco ou dez anos que isso vai acontecer, não. Na hora que a reforma for aprovada ou tiver qualquer sinalização do texto com relação à Zona Franca sem a garantia de competitividade para as empresas, elas já começam a empacotar as coisas e começam a demitir. Por isso, é importante que haja esse entendimento da importância que a Zona Franca tem para o Amazonas e para o Brasil. A gente tem a maior extensão de floresta contínua do planeta. Se você não tiver onde empregar essas pessoas, elas vão participar de uma atividade predatória aqui na região. O cara vai derrubar uma árvore, vai desmatar; enfim, ele vai partir para outras atividades que possam dar um retorno, um lucro imediato. E, aqui, a gente não tem outra saída, não tem outro caminho. E aí, o Brasil tem que tomar a decisão de entender se os brasileiros daqui da Amazônia ou do Amazonas são tão brasileiros quanto os do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Brasília.
Mas a Zona Franca tampouco resolveu os problemas de Manaus, que tem graves questões na área social e ambiental, de ocupação urbana irregular, por exemplo. Não seria o caso de usar esses mesmos recursos para outro tipo de política?
Brasil afora e mundo afora, muitos especialistas fizeram discussões sobre como resolver a Amazônia e desenvolver outras matrizes econômicas. O Amazonas não tem capacidade de realizar grandes investimentos que são necessários para o desenvolvimento da região. A gente não tem infraestrutura mínima, as pessoas que não são daqui às vezes não entendem. No interior, tem criança que vai para escola para usar banheiro, porque não tem na casa dela. A gente tem a maior reserva de água doce do mundo e temos um monte de gente sofrendo pela falta de água. No Amazonas, assim como Roraima e Amapá, nós não temos ligação com o resto do Brasil por estrada. Só se chega de barco ou de avião.
Mas a Zona Franca, do jeito que está, enfrenta esse tipo de problema?
Se não tivesse a Zona Franca, isso aqui já estaria um deserto. Isso eu lhe afianço, porque a Zona Franca é o que sustenta as pessoas no Estado do Amazonas e o que impede que as pessoas caiam na mata para participar de atividades exploratórias de minério, de madeira, no tráfico de drogas, que é muito intenso na fronteira com o Peru e a Colômbia. Não tem outra alternativa aqui. É um modelo perfeito? Não. A gente entende que há muitos pontos que precisam melhorar, mas a gente não pode prescindir da Zona Franca, não tem como.
A reforma propõe acabar com o IPI, mas muitos incentivos da Zona Franca são feitos por este imposto. Vocês concordam em eliminá-lo?
Se vai manter o IPI ou não, ou se vai criar um imposto seletivo ou um fundo de compensação, um fundo de desenvolvimento, estou disposto a sentar à mesa e a conversar. Você vai ter de fazer ajustes, vai ter de remanejar alguma outra coisa. Para mim, isso é indiferente. O que a gente precisa é manter a competitividade das empresas que estão aqui; agora, o instrumento que vai ser usado para poder fazer essa compensação é indiferente. Agora, é importante que a gente tenha as condicionantes para que o modelo Zona Franca seja preservado. Ontem (terça-feira, 20) tive uma conversa com o (Fernando) Haddad e ele me falou do empenho que ele tem tido junto ao Congresso para agilizar e dar a máxima celeridade para aprovação do texto. Me disse que é compromisso dele e do presidente Lula preservar a Zona Franca de Manaus e que está dando a palavra dele no compromisso de manter a competitividade das empresas e preservar o modelo. Agora, como isso vai acontecer e como virá o texto do relator e do governo, a gente ainda não sabe.
Mas o sr. teve conversas com as equipes técnicas.
Sim, a gente está conversando e colocamos várias opções, como o imposto seletivo, o Fundo de Desenvolvimento Regional, enfim, a gente tem um leque de possibilidades e algumas propostas que a gente tem colocado na mesa para iniciar um processo de negociação e encontrar esse equilíbrio.
A bancada do Amazonas elaborou uma lista de cinco pontos de propostas para a Fazenda, entre elas uma transição prolongada, até 2073.
Na verdade, essa história de transição não existe. O que a gente tem que manter é o que está na Constituição, que é garantir os benefícios da Zona Franca até 2073. E tem uma outra coisa: a gente não pode apenas congelar a Zona Franca, tirando uma fotografia. Eu preciso colocar no texto da reforma a possibilidade de inovação e de renovação, porque imagina só se você pegar 20 anos atrás. Aqui no Amazonas, era fabricado CD, vídeo cassete, vinil e esses produtos já não existem mais. Então, isso tem que estar previsto; não pode estar vinculado a uma lista de produtos, senão daqui a pouco o produto não existe mais... e o pessoal vai viver de quê?
Mas o sr. tem ideia de quanto é necessário dar às empresas que se instalam aí? O Centro-Oeste, por exemplo, fala em um crédito presumido de 5% para as empresas sediadas lá. Quanto seria necessário para o Amazonas?
Tem várias categorias de produtos que são fabricados aqui. O IPI ou a tributação dos veículos de duas rodas é um e é diferente do de produtos de informática e da linha branca. E isso tem de ser levado em consideração.
Mas aí faria a análise produto a produto?
Não, mas de acordo com um grupo de produtos, segmentos da informática, da linha branca, concentrados de bebida e refrigerante. O tratamento não pode ser o mesmo para uma moto e para a Coca-Cola, por exemplo. Teria de construir uma tabela. Se esse fosse o entendimento do governo federal, a gente teria de bater essa tabela.
Vocês são as pessoas que mais têm condições de dar essas informações, sobre quanto cada empresa precisa.
Eu preciso saber qual é o norte junto ao governo federal. Porque não adianta eu investir num caminho, colocar toda a minha equipe para trabalhar juntamente com toda a bancada para uma coisa que chega lá na frente o governo federal dizer não. Eu preciso entender qual será o texto da reforma. O que estamos fazendo aqui são suposições, elocubrações, mas eu preciso entender qual é a proposta do governo federal.
E vocês têm expectativa de ter acesso ao texto ainda nesta semana?
Eu não sei. Eu imagino que a conversa desta quinta será mais uma conversa política, para firmar o compromisso dos governadores com a questão da reforma tributária.
O sr. acha que mudou o humor dos governadores com a reforma? Todos falam que há um alinhamento histórico dos governadores, mas apareceram várias resistências.
Todo mundo concorda que tem que ter uma reforma, que tem que haver uma simplificação tributária, mas os modelos econômicos regionais precisam ser respeitados. A reforma tem que causar um equilíbrio, ela tem que ser justa, não pode ampliar o abismo entre Sul e Sudeste e Norte e Nordeste.
O sr. acredita ser possível votar a reforma em julho, como deseja o presidente da Câmara?
Vamos ver nessa reunião; será um bom termômetro.
Ainda não dá para cravar que haverá reforma tributária?
Eu torço para que a gente consiga avançar na questão da reforma tributária, mas é preciso levar em consideração que o Brasil é um País grande e que vai ter muitas dificuldades para poder encaixar as realidades de cada região. Não estou dizendo que seja impossível, mas não é fácil.