Epidemia de doenças mentais está ligada a assédio em ambiente de trabalho, diz Claudia Sender


Para conselheira, questões contemporâneas de compliance e integridade abarcam ambiente de trabalho livre de assédio, inteligência artificial, corrupção verde e mais incentivos do que punições ao setor privado

Por Beatriz Bulla
Atualização:
Foto: Divulgação/B20
Entrevista comClaudia SenderConselheira da Embraer, Gerdau e outras

Saúde mental é um dos temas de preocupação de especialistas em integridade e compliance dentro das 20 maiores economias do mundo. O empresariado tem se preocupado com o aumento dos casos de depressão e ansiedade. Segundo a executiva Claudia Sender, conselheira de empresas como Gerdau e Embraer e ex-CEO da Latam, é tarefa dos países e das empresas garantir um ambiente de trabalho livre de assédio para tentar diminuir o tamanho deste problema.

O tema entrou nas recomendações do B-20, braço empresarial do G-20, como tema a ser discutido por governos d G-20 em novembro. “Nossa terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia que ficou visível durante a pandemia da Covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho”, diz Sender, em entrevista ao Estadão.

Isso passa, segundo ela, pela maior diversidade nos cargos de alto escalão. “Ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz”, afirma Sender.

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Entre as questões contemporâneas de integridade e compliance, Sender também destaca a necessidade de olhar para a inteligência artificial. “À primeira vista, pode parecer um tema distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.”

Sender também afirma que o G-20 precisa discutir sobre o aumento de corrupção em relação ao meio ambiente e defende a adoção de métricas claras sobre o assunto. “Mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas. Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto, diz Sender.

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O documento do B-20 sobre integridade e compliance foi elaborado pelo fórum em parceria com a consultoria Deloitte.

“Durante a elaboração do Policy Paper do B20, algo que se destacou foi o impacto crescente da corrupção relacionada à transição verde. Ao longo das discussões com stakeholders e especialistas, ficou evidente que, apesar dos avanços na luta contra a corrupção em áreas tradicionais, os crimes associados ao desvio de fundos climáticos emergiram como uma nova e preocupante fronteira”, afirma Alex Borges, sócio da Deloitte. “O aumento significativo dos investimentos públicos e privados destinados à resiliência climática e à sustentabilidade tem sido explorado por organizações criminosas para desviar recursos. Isso compromete não apenas o objetivo de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, mas também pode minar a confiança nas iniciativas globais de sustentabilidade”, diz Borges.

O Estadão publica, desde o último dia 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

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Leia abaixo a entrevista:

Como chegamos à discussão de ética e compliance em 2024?

A integridade e compliance não podem ser discutidas sem falar das ações anticorrupção. Já existe um arcabouço interessante de informações. Existem muitas entidades no mundo que oferecem um arcabouço de informações super interessante. A surpresa foi ver que, com toda essa informação, ainda não conseguimos um combate efetivo à corrupção e a práticas ilícitas.

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E quais os principais temas de integridade e compliance novos, contemporâneos, definidos pelo B-20?

Conseguimos, tendo essa surpresa em mente, transformar isso em ação, por exemplo, ao falar do combate à corrupção, em parar de focar apenas nas punições e sanções, e começar a falar em estímulo a empresas éticas. O famoso “carrot and stick”, da cenoura e do graveto, é trazer um olhar positivo para as empresas com bom comportamento, que são aderentes à legislação e às boas práticas.

Quando falo em temas contemporâneos, foco principalmente na terceira recomendação, que foi inovadora ao colocar as pessoas no centro de políticas públicas e privadas. Não estamos mais apenas falando de empresas e governos, mas de como certas ações afetam seres humanos que estão dentro dessas empresas e países, e que são impactados por comportamentos não éticos.

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A terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia visível durante a pandemia da covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho.

Também trouxemos o tema de transparência no desenvolvimento de inteligências artificiais, que, à primeira vista, pode parecer distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.

Claudia Sender, conselheira da Gerdau, Embraer, Telefônica e Holcim e ex-CEO da Latam Foto: Divulgação/B20
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Qual é o desafio do Brasil perante o grupo? E qual é o maior desafio compartilhado?

O Brasil, quando se fala em combate à corrupção, infelizmente retrocedeu algumas casas no último relatório da Transparência Internacional. Porém, ao estimular e incentivar comportamentos positivos, o Brasil tem sido um dos grandes promotores dessas ações no mundo.

Em Paris, numa conferência promovida pela CGU, conseguimos trazer para a mesa países como os Estados Unidos e a França, em compromissos de estímulo ao combate ao comportamento positivo, entendendo que não será apenas a sanção. Historicamente, todos os países atuam muito mais do ponto de vista de punição. Poucos atuam no sentido do estímulo a comportamentos éticos. O Brasil tem liderado essa discussão e esse desafio.

Conseguimos trazer os Estados Unidos e a França que se comprometeram em estimular ações positivas. Os Estados Unidos lançaram uma ação chamada GPS, “Galvanize the Private Sector”, e a França se comprometeu a auditar grandes empresas para certificar aquelas que têm comportamento ético e íntegro, começando pelas grandes empresas. O Brasil aqui lidera a discussão de maneira crível dentro do âmbito do G-20 e atuamos junto à CGU para garantir que essa recomendação seria não só aceita, mas abraçada pelos outros países.

Mais do que ter um paper bem escrito, o objetivo é que essas políticas entrem em ação e tenham impacto na vida das pessoas. O objetivo da força-tarefa do B-20 é que essas ações gerem impacto real na vida das pessoas a médio e longo prazo.

Há uma discussão presente também sobre corrupção verde.

O aumento das ações de corrupção em relação ao meio ambiente é outro ponto importante. Os investimentos ambientais aumentam muito, com muitos fundos ambientais sendo criados e empresas emitindo dívidas verdes. Existe um grande nível de corrupção e falta de informação.

Atualmente, existem mais de 600 padrões diferentes de medição de impacto ambiental. Um analista de fundo que deve decidir entre investir na empresa da Beatriz ou do Fernando enfrenta dificuldades, pois usa uma métrica enquanto o outro usa outra, tornando impossível comparar e definir quem tem o comportamento correto e maior impacto na proteção ambiental. Portanto, mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas.

Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto.

Para uma pequena empreendedora, como a tia do brigadeiro, a exigência de certificar todos os fornecedores se torna inviável. Isso não pode excluir essas pessoas da oportunidade de crescer e fazer parte de uma cadeia de valor mais interessante. A simplificação e padronização dos reportes visam garantir que pequenas e médias empresas não sejam excluídas, mas que também tenham responsabilidade em relação ao ambiente e à corrupção.

O trabalho do B-20 também é articular-se com os governos, apresentando os temas e recomendações que podem ser debatidos no G-20. Quais questões podem atravancar esse tema de integridade, anticorrupção e ética nessa discussão?

Esse é um ótimo ponto. Temos trabalhado muito de mãos dadas com a CGU, principalmente, que é quem representa a força-tarefa do lado do governo, para os temas de integridade e compliance. Existe um alinhamento profundo entre o que estamos recomendando e o que a CGU vai recomendar, principalmente no que tange à implementação de incentivo às práticas de integridade dentro das empresas e a garantir que essas empresas tenham acesso às licitações de maneira privilegiada e que suas penas sejam reduzidas caso apresentem comportamento correto. Consideramos que nessa primeira parte da nossa primeira recomendação, estamos muito aliados com a CGU e deve haver uma aderência grande ao que o Brasil vai recomendar no paper final do G20.

O que é mais inovador da nossa força-tarefa é a terceira recomendação, que traz toda essa parte de ambiente de trabalho justo e ético, livre de assédio e de qualquer tipo de discriminação. Aqui existem mais desafios, pois nem todos os países já chegaram lá. Muitos países onde a mulher está começando a dirigir agora não têm acesso a todas as vagas dos espaços profissionais. Portanto, aqui existe um desafio maior, mas dentro da discussão do B-20, do mundo privado, do setor privado, do mundo corporativo, tivemos uma grande aderência e uma convergência de que esse tópico é superimportante, principalmente ao discutir os temas de inteligência artificial e transparência, já que todos os países estão debatendo como normatizar o impacto da inteligência artificial em suas populações.

Pode esmiuçar melhor como o compliance entra na questão da inteligência artificial?

Sem dúvida. Quando começamos a pensar em inteligência artificial precisamos entender que ela estará em lugares onde não vemos, onde não sabemos. Nosso papel como compliance é garantir que as pessoas tenham transparência e clareza. Quem vai decidir onde ficará o dinheiro, o que será permitido ou não do ponto de vista regulatório são outras fontes de trabalho. Conseguir dar ao usuário final a decisão real, sabendo, tendo clareza e transparência sobre que informação está sendo utilizada, como essa informação determina o comportamento. E quem fica com a riqueza gerada por isso é um tema de integridade e compliance.

Um exemplo positivo para o mundo é a questão das famosas externalidades positivas. Existem hoje programas de inteligência artificial que fazem leituras de mamografia com muito mais velocidade e, às vezes, até mais acurácia do que um médico. Então você vai lá, dá a imagem da sua mamografia, sabendo ou não. Aí vem o ponto de transparência. Você dá a imagem da sua mamografia para que esse sistema se aperfeiçoe e consiga ajudar uma mulher no sertão que consegue ter acesso a um mamógrafo, mas não a um médico para dar o laudo. Com isso, cria-se uma externalidade positiva gigante, pois se dá acesso a milhões de mulheres que não teriam um laudo das suas mamografias caso não tivesse cedido a informação.

Porém, o dono da empresa de tecnologia fica milionário com a informação. Temos certeza de que ele está usando esse diagnóstico de maneira ética e não de forma que estimule o uso de cirurgias para que o colega dele que fornece próteses fique rico? O tema central para a integridade em inteligência artificial é ter clareza e transparência sobre o uso, a aplicação e onde ficam alocados os recursos gerados. Caso contrário, a inteligência artificial se tornará apenas a parte negativa de quem está perdendo emprego, do aumento da produtividade, pessoas que antes tinham um trabalho, mas agora precisam ser tão qualificadas que não conseguem se manter ativas e produtivas nesse novo cenário mundial.

Em relação à terceira recomendação, o Brasil está avançado ou atrasado? Na questão do ambiente de trabalho sem assédio e da integridade na inteligência artificial?

Infelizmente, aqui não temos o mesmo arcabouço de informações que temos para a primeira política, para a primeira recomendação. Esses são temas mais contemporâneos e que não temos tanta informação. O que posso dizer é que o tema saúde mental ganhou uma luz e visibilidade que não existia antes da pandemia. Era quase tabu falar sobre isso. Hoje, a Organização Mundial do Trabalho já fala de mais de um trilhão de dólares de perda de produtividade globalmente por temas de saúde mental. No Brasil, o item número um das licenças de trabalho e dos afastamentos é a depressão e a ansiedade.

Não considero que o Brasil esteja bem posicionado, mas não consigo dizer quão bem ou mal está dentro da escala mundial. O que sei é que o Brasil tem muito a evoluir no tema de inclusão. Quando olhamos o tema de inclusão de mulheres em posições de liderança e quando falamos de diversidade racial, nem se fala, estamos muito mal nas estatísticas. Há os cases de sucesso de sempre que mencionamos ao abordar o tema de inclusão, principalmente de gênero, como os países nórdicos e alguns países da Europa que implementaram com força o tema das quotas para garantir a evolução das mulheres, não apenas em posições de conselho, mas também em posições de liderança no setor público e privado. Existe um espaço importante para caminhar, pois ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz.

Saúde mental é um dos temas de preocupação de especialistas em integridade e compliance dentro das 20 maiores economias do mundo. O empresariado tem se preocupado com o aumento dos casos de depressão e ansiedade. Segundo a executiva Claudia Sender, conselheira de empresas como Gerdau e Embraer e ex-CEO da Latam, é tarefa dos países e das empresas garantir um ambiente de trabalho livre de assédio para tentar diminuir o tamanho deste problema.

O tema entrou nas recomendações do B-20, braço empresarial do G-20, como tema a ser discutido por governos d G-20 em novembro. “Nossa terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia que ficou visível durante a pandemia da Covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho”, diz Sender, em entrevista ao Estadão.

Isso passa, segundo ela, pela maior diversidade nos cargos de alto escalão. “Ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz”, afirma Sender.

Entre as questões contemporâneas de integridade e compliance, Sender também destaca a necessidade de olhar para a inteligência artificial. “À primeira vista, pode parecer um tema distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.”

Sender também afirma que o G-20 precisa discutir sobre o aumento de corrupção em relação ao meio ambiente e defende a adoção de métricas claras sobre o assunto. “Mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas. Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto, diz Sender.

O documento do B-20 sobre integridade e compliance foi elaborado pelo fórum em parceria com a consultoria Deloitte.

“Durante a elaboração do Policy Paper do B20, algo que se destacou foi o impacto crescente da corrupção relacionada à transição verde. Ao longo das discussões com stakeholders e especialistas, ficou evidente que, apesar dos avanços na luta contra a corrupção em áreas tradicionais, os crimes associados ao desvio de fundos climáticos emergiram como uma nova e preocupante fronteira”, afirma Alex Borges, sócio da Deloitte. “O aumento significativo dos investimentos públicos e privados destinados à resiliência climática e à sustentabilidade tem sido explorado por organizações criminosas para desviar recursos. Isso compromete não apenas o objetivo de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, mas também pode minar a confiança nas iniciativas globais de sustentabilidade”, diz Borges.

O Estadão publica, desde o último dia 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

Como chegamos à discussão de ética e compliance em 2024?

A integridade e compliance não podem ser discutidas sem falar das ações anticorrupção. Já existe um arcabouço interessante de informações. Existem muitas entidades no mundo que oferecem um arcabouço de informações super interessante. A surpresa foi ver que, com toda essa informação, ainda não conseguimos um combate efetivo à corrupção e a práticas ilícitas.

E quais os principais temas de integridade e compliance novos, contemporâneos, definidos pelo B-20?

Conseguimos, tendo essa surpresa em mente, transformar isso em ação, por exemplo, ao falar do combate à corrupção, em parar de focar apenas nas punições e sanções, e começar a falar em estímulo a empresas éticas. O famoso “carrot and stick”, da cenoura e do graveto, é trazer um olhar positivo para as empresas com bom comportamento, que são aderentes à legislação e às boas práticas.

Quando falo em temas contemporâneos, foco principalmente na terceira recomendação, que foi inovadora ao colocar as pessoas no centro de políticas públicas e privadas. Não estamos mais apenas falando de empresas e governos, mas de como certas ações afetam seres humanos que estão dentro dessas empresas e países, e que são impactados por comportamentos não éticos.

A terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia visível durante a pandemia da covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho.

Também trouxemos o tema de transparência no desenvolvimento de inteligências artificiais, que, à primeira vista, pode parecer distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.

Claudia Sender, conselheira da Gerdau, Embraer, Telefônica e Holcim e ex-CEO da Latam Foto: Divulgação/B20

Qual é o desafio do Brasil perante o grupo? E qual é o maior desafio compartilhado?

O Brasil, quando se fala em combate à corrupção, infelizmente retrocedeu algumas casas no último relatório da Transparência Internacional. Porém, ao estimular e incentivar comportamentos positivos, o Brasil tem sido um dos grandes promotores dessas ações no mundo.

Em Paris, numa conferência promovida pela CGU, conseguimos trazer para a mesa países como os Estados Unidos e a França, em compromissos de estímulo ao combate ao comportamento positivo, entendendo que não será apenas a sanção. Historicamente, todos os países atuam muito mais do ponto de vista de punição. Poucos atuam no sentido do estímulo a comportamentos éticos. O Brasil tem liderado essa discussão e esse desafio.

Conseguimos trazer os Estados Unidos e a França que se comprometeram em estimular ações positivas. Os Estados Unidos lançaram uma ação chamada GPS, “Galvanize the Private Sector”, e a França se comprometeu a auditar grandes empresas para certificar aquelas que têm comportamento ético e íntegro, começando pelas grandes empresas. O Brasil aqui lidera a discussão de maneira crível dentro do âmbito do G-20 e atuamos junto à CGU para garantir que essa recomendação seria não só aceita, mas abraçada pelos outros países.

Mais do que ter um paper bem escrito, o objetivo é que essas políticas entrem em ação e tenham impacto na vida das pessoas. O objetivo da força-tarefa do B-20 é que essas ações gerem impacto real na vida das pessoas a médio e longo prazo.

Há uma discussão presente também sobre corrupção verde.

O aumento das ações de corrupção em relação ao meio ambiente é outro ponto importante. Os investimentos ambientais aumentam muito, com muitos fundos ambientais sendo criados e empresas emitindo dívidas verdes. Existe um grande nível de corrupção e falta de informação.

Atualmente, existem mais de 600 padrões diferentes de medição de impacto ambiental. Um analista de fundo que deve decidir entre investir na empresa da Beatriz ou do Fernando enfrenta dificuldades, pois usa uma métrica enquanto o outro usa outra, tornando impossível comparar e definir quem tem o comportamento correto e maior impacto na proteção ambiental. Portanto, mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas.

Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto.

Para uma pequena empreendedora, como a tia do brigadeiro, a exigência de certificar todos os fornecedores se torna inviável. Isso não pode excluir essas pessoas da oportunidade de crescer e fazer parte de uma cadeia de valor mais interessante. A simplificação e padronização dos reportes visam garantir que pequenas e médias empresas não sejam excluídas, mas que também tenham responsabilidade em relação ao ambiente e à corrupção.

O trabalho do B-20 também é articular-se com os governos, apresentando os temas e recomendações que podem ser debatidos no G-20. Quais questões podem atravancar esse tema de integridade, anticorrupção e ética nessa discussão?

Esse é um ótimo ponto. Temos trabalhado muito de mãos dadas com a CGU, principalmente, que é quem representa a força-tarefa do lado do governo, para os temas de integridade e compliance. Existe um alinhamento profundo entre o que estamos recomendando e o que a CGU vai recomendar, principalmente no que tange à implementação de incentivo às práticas de integridade dentro das empresas e a garantir que essas empresas tenham acesso às licitações de maneira privilegiada e que suas penas sejam reduzidas caso apresentem comportamento correto. Consideramos que nessa primeira parte da nossa primeira recomendação, estamos muito aliados com a CGU e deve haver uma aderência grande ao que o Brasil vai recomendar no paper final do G20.

O que é mais inovador da nossa força-tarefa é a terceira recomendação, que traz toda essa parte de ambiente de trabalho justo e ético, livre de assédio e de qualquer tipo de discriminação. Aqui existem mais desafios, pois nem todos os países já chegaram lá. Muitos países onde a mulher está começando a dirigir agora não têm acesso a todas as vagas dos espaços profissionais. Portanto, aqui existe um desafio maior, mas dentro da discussão do B-20, do mundo privado, do setor privado, do mundo corporativo, tivemos uma grande aderência e uma convergência de que esse tópico é superimportante, principalmente ao discutir os temas de inteligência artificial e transparência, já que todos os países estão debatendo como normatizar o impacto da inteligência artificial em suas populações.

Pode esmiuçar melhor como o compliance entra na questão da inteligência artificial?

Sem dúvida. Quando começamos a pensar em inteligência artificial precisamos entender que ela estará em lugares onde não vemos, onde não sabemos. Nosso papel como compliance é garantir que as pessoas tenham transparência e clareza. Quem vai decidir onde ficará o dinheiro, o que será permitido ou não do ponto de vista regulatório são outras fontes de trabalho. Conseguir dar ao usuário final a decisão real, sabendo, tendo clareza e transparência sobre que informação está sendo utilizada, como essa informação determina o comportamento. E quem fica com a riqueza gerada por isso é um tema de integridade e compliance.

Um exemplo positivo para o mundo é a questão das famosas externalidades positivas. Existem hoje programas de inteligência artificial que fazem leituras de mamografia com muito mais velocidade e, às vezes, até mais acurácia do que um médico. Então você vai lá, dá a imagem da sua mamografia, sabendo ou não. Aí vem o ponto de transparência. Você dá a imagem da sua mamografia para que esse sistema se aperfeiçoe e consiga ajudar uma mulher no sertão que consegue ter acesso a um mamógrafo, mas não a um médico para dar o laudo. Com isso, cria-se uma externalidade positiva gigante, pois se dá acesso a milhões de mulheres que não teriam um laudo das suas mamografias caso não tivesse cedido a informação.

Porém, o dono da empresa de tecnologia fica milionário com a informação. Temos certeza de que ele está usando esse diagnóstico de maneira ética e não de forma que estimule o uso de cirurgias para que o colega dele que fornece próteses fique rico? O tema central para a integridade em inteligência artificial é ter clareza e transparência sobre o uso, a aplicação e onde ficam alocados os recursos gerados. Caso contrário, a inteligência artificial se tornará apenas a parte negativa de quem está perdendo emprego, do aumento da produtividade, pessoas que antes tinham um trabalho, mas agora precisam ser tão qualificadas que não conseguem se manter ativas e produtivas nesse novo cenário mundial.

Em relação à terceira recomendação, o Brasil está avançado ou atrasado? Na questão do ambiente de trabalho sem assédio e da integridade na inteligência artificial?

Infelizmente, aqui não temos o mesmo arcabouço de informações que temos para a primeira política, para a primeira recomendação. Esses são temas mais contemporâneos e que não temos tanta informação. O que posso dizer é que o tema saúde mental ganhou uma luz e visibilidade que não existia antes da pandemia. Era quase tabu falar sobre isso. Hoje, a Organização Mundial do Trabalho já fala de mais de um trilhão de dólares de perda de produtividade globalmente por temas de saúde mental. No Brasil, o item número um das licenças de trabalho e dos afastamentos é a depressão e a ansiedade.

Não considero que o Brasil esteja bem posicionado, mas não consigo dizer quão bem ou mal está dentro da escala mundial. O que sei é que o Brasil tem muito a evoluir no tema de inclusão. Quando olhamos o tema de inclusão de mulheres em posições de liderança e quando falamos de diversidade racial, nem se fala, estamos muito mal nas estatísticas. Há os cases de sucesso de sempre que mencionamos ao abordar o tema de inclusão, principalmente de gênero, como os países nórdicos e alguns países da Europa que implementaram com força o tema das quotas para garantir a evolução das mulheres, não apenas em posições de conselho, mas também em posições de liderança no setor público e privado. Existe um espaço importante para caminhar, pois ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz.

Saúde mental é um dos temas de preocupação de especialistas em integridade e compliance dentro das 20 maiores economias do mundo. O empresariado tem se preocupado com o aumento dos casos de depressão e ansiedade. Segundo a executiva Claudia Sender, conselheira de empresas como Gerdau e Embraer e ex-CEO da Latam, é tarefa dos países e das empresas garantir um ambiente de trabalho livre de assédio para tentar diminuir o tamanho deste problema.

O tema entrou nas recomendações do B-20, braço empresarial do G-20, como tema a ser discutido por governos d G-20 em novembro. “Nossa terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia que ficou visível durante a pandemia da Covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho”, diz Sender, em entrevista ao Estadão.

Isso passa, segundo ela, pela maior diversidade nos cargos de alto escalão. “Ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz”, afirma Sender.

Entre as questões contemporâneas de integridade e compliance, Sender também destaca a necessidade de olhar para a inteligência artificial. “À primeira vista, pode parecer um tema distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.”

Sender também afirma que o G-20 precisa discutir sobre o aumento de corrupção em relação ao meio ambiente e defende a adoção de métricas claras sobre o assunto. “Mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas. Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto, diz Sender.

O documento do B-20 sobre integridade e compliance foi elaborado pelo fórum em parceria com a consultoria Deloitte.

“Durante a elaboração do Policy Paper do B20, algo que se destacou foi o impacto crescente da corrupção relacionada à transição verde. Ao longo das discussões com stakeholders e especialistas, ficou evidente que, apesar dos avanços na luta contra a corrupção em áreas tradicionais, os crimes associados ao desvio de fundos climáticos emergiram como uma nova e preocupante fronteira”, afirma Alex Borges, sócio da Deloitte. “O aumento significativo dos investimentos públicos e privados destinados à resiliência climática e à sustentabilidade tem sido explorado por organizações criminosas para desviar recursos. Isso compromete não apenas o objetivo de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, mas também pode minar a confiança nas iniciativas globais de sustentabilidade”, diz Borges.

O Estadão publica, desde o último dia 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

Como chegamos à discussão de ética e compliance em 2024?

A integridade e compliance não podem ser discutidas sem falar das ações anticorrupção. Já existe um arcabouço interessante de informações. Existem muitas entidades no mundo que oferecem um arcabouço de informações super interessante. A surpresa foi ver que, com toda essa informação, ainda não conseguimos um combate efetivo à corrupção e a práticas ilícitas.

E quais os principais temas de integridade e compliance novos, contemporâneos, definidos pelo B-20?

Conseguimos, tendo essa surpresa em mente, transformar isso em ação, por exemplo, ao falar do combate à corrupção, em parar de focar apenas nas punições e sanções, e começar a falar em estímulo a empresas éticas. O famoso “carrot and stick”, da cenoura e do graveto, é trazer um olhar positivo para as empresas com bom comportamento, que são aderentes à legislação e às boas práticas.

Quando falo em temas contemporâneos, foco principalmente na terceira recomendação, que foi inovadora ao colocar as pessoas no centro de políticas públicas e privadas. Não estamos mais apenas falando de empresas e governos, mas de como certas ações afetam seres humanos que estão dentro dessas empresas e países, e que são impactados por comportamentos não éticos.

A terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia visível durante a pandemia da covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho.

Também trouxemos o tema de transparência no desenvolvimento de inteligências artificiais, que, à primeira vista, pode parecer distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.

Claudia Sender, conselheira da Gerdau, Embraer, Telefônica e Holcim e ex-CEO da Latam Foto: Divulgação/B20

Qual é o desafio do Brasil perante o grupo? E qual é o maior desafio compartilhado?

O Brasil, quando se fala em combate à corrupção, infelizmente retrocedeu algumas casas no último relatório da Transparência Internacional. Porém, ao estimular e incentivar comportamentos positivos, o Brasil tem sido um dos grandes promotores dessas ações no mundo.

Em Paris, numa conferência promovida pela CGU, conseguimos trazer para a mesa países como os Estados Unidos e a França, em compromissos de estímulo ao combate ao comportamento positivo, entendendo que não será apenas a sanção. Historicamente, todos os países atuam muito mais do ponto de vista de punição. Poucos atuam no sentido do estímulo a comportamentos éticos. O Brasil tem liderado essa discussão e esse desafio.

Conseguimos trazer os Estados Unidos e a França que se comprometeram em estimular ações positivas. Os Estados Unidos lançaram uma ação chamada GPS, “Galvanize the Private Sector”, e a França se comprometeu a auditar grandes empresas para certificar aquelas que têm comportamento ético e íntegro, começando pelas grandes empresas. O Brasil aqui lidera a discussão de maneira crível dentro do âmbito do G-20 e atuamos junto à CGU para garantir que essa recomendação seria não só aceita, mas abraçada pelos outros países.

Mais do que ter um paper bem escrito, o objetivo é que essas políticas entrem em ação e tenham impacto na vida das pessoas. O objetivo da força-tarefa do B-20 é que essas ações gerem impacto real na vida das pessoas a médio e longo prazo.

Há uma discussão presente também sobre corrupção verde.

O aumento das ações de corrupção em relação ao meio ambiente é outro ponto importante. Os investimentos ambientais aumentam muito, com muitos fundos ambientais sendo criados e empresas emitindo dívidas verdes. Existe um grande nível de corrupção e falta de informação.

Atualmente, existem mais de 600 padrões diferentes de medição de impacto ambiental. Um analista de fundo que deve decidir entre investir na empresa da Beatriz ou do Fernando enfrenta dificuldades, pois usa uma métrica enquanto o outro usa outra, tornando impossível comparar e definir quem tem o comportamento correto e maior impacto na proteção ambiental. Portanto, mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas.

Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto.

Para uma pequena empreendedora, como a tia do brigadeiro, a exigência de certificar todos os fornecedores se torna inviável. Isso não pode excluir essas pessoas da oportunidade de crescer e fazer parte de uma cadeia de valor mais interessante. A simplificação e padronização dos reportes visam garantir que pequenas e médias empresas não sejam excluídas, mas que também tenham responsabilidade em relação ao ambiente e à corrupção.

O trabalho do B-20 também é articular-se com os governos, apresentando os temas e recomendações que podem ser debatidos no G-20. Quais questões podem atravancar esse tema de integridade, anticorrupção e ética nessa discussão?

Esse é um ótimo ponto. Temos trabalhado muito de mãos dadas com a CGU, principalmente, que é quem representa a força-tarefa do lado do governo, para os temas de integridade e compliance. Existe um alinhamento profundo entre o que estamos recomendando e o que a CGU vai recomendar, principalmente no que tange à implementação de incentivo às práticas de integridade dentro das empresas e a garantir que essas empresas tenham acesso às licitações de maneira privilegiada e que suas penas sejam reduzidas caso apresentem comportamento correto. Consideramos que nessa primeira parte da nossa primeira recomendação, estamos muito aliados com a CGU e deve haver uma aderência grande ao que o Brasil vai recomendar no paper final do G20.

O que é mais inovador da nossa força-tarefa é a terceira recomendação, que traz toda essa parte de ambiente de trabalho justo e ético, livre de assédio e de qualquer tipo de discriminação. Aqui existem mais desafios, pois nem todos os países já chegaram lá. Muitos países onde a mulher está começando a dirigir agora não têm acesso a todas as vagas dos espaços profissionais. Portanto, aqui existe um desafio maior, mas dentro da discussão do B-20, do mundo privado, do setor privado, do mundo corporativo, tivemos uma grande aderência e uma convergência de que esse tópico é superimportante, principalmente ao discutir os temas de inteligência artificial e transparência, já que todos os países estão debatendo como normatizar o impacto da inteligência artificial em suas populações.

Pode esmiuçar melhor como o compliance entra na questão da inteligência artificial?

Sem dúvida. Quando começamos a pensar em inteligência artificial precisamos entender que ela estará em lugares onde não vemos, onde não sabemos. Nosso papel como compliance é garantir que as pessoas tenham transparência e clareza. Quem vai decidir onde ficará o dinheiro, o que será permitido ou não do ponto de vista regulatório são outras fontes de trabalho. Conseguir dar ao usuário final a decisão real, sabendo, tendo clareza e transparência sobre que informação está sendo utilizada, como essa informação determina o comportamento. E quem fica com a riqueza gerada por isso é um tema de integridade e compliance.

Um exemplo positivo para o mundo é a questão das famosas externalidades positivas. Existem hoje programas de inteligência artificial que fazem leituras de mamografia com muito mais velocidade e, às vezes, até mais acurácia do que um médico. Então você vai lá, dá a imagem da sua mamografia, sabendo ou não. Aí vem o ponto de transparência. Você dá a imagem da sua mamografia para que esse sistema se aperfeiçoe e consiga ajudar uma mulher no sertão que consegue ter acesso a um mamógrafo, mas não a um médico para dar o laudo. Com isso, cria-se uma externalidade positiva gigante, pois se dá acesso a milhões de mulheres que não teriam um laudo das suas mamografias caso não tivesse cedido a informação.

Porém, o dono da empresa de tecnologia fica milionário com a informação. Temos certeza de que ele está usando esse diagnóstico de maneira ética e não de forma que estimule o uso de cirurgias para que o colega dele que fornece próteses fique rico? O tema central para a integridade em inteligência artificial é ter clareza e transparência sobre o uso, a aplicação e onde ficam alocados os recursos gerados. Caso contrário, a inteligência artificial se tornará apenas a parte negativa de quem está perdendo emprego, do aumento da produtividade, pessoas que antes tinham um trabalho, mas agora precisam ser tão qualificadas que não conseguem se manter ativas e produtivas nesse novo cenário mundial.

Em relação à terceira recomendação, o Brasil está avançado ou atrasado? Na questão do ambiente de trabalho sem assédio e da integridade na inteligência artificial?

Infelizmente, aqui não temos o mesmo arcabouço de informações que temos para a primeira política, para a primeira recomendação. Esses são temas mais contemporâneos e que não temos tanta informação. O que posso dizer é que o tema saúde mental ganhou uma luz e visibilidade que não existia antes da pandemia. Era quase tabu falar sobre isso. Hoje, a Organização Mundial do Trabalho já fala de mais de um trilhão de dólares de perda de produtividade globalmente por temas de saúde mental. No Brasil, o item número um das licenças de trabalho e dos afastamentos é a depressão e a ansiedade.

Não considero que o Brasil esteja bem posicionado, mas não consigo dizer quão bem ou mal está dentro da escala mundial. O que sei é que o Brasil tem muito a evoluir no tema de inclusão. Quando olhamos o tema de inclusão de mulheres em posições de liderança e quando falamos de diversidade racial, nem se fala, estamos muito mal nas estatísticas. Há os cases de sucesso de sempre que mencionamos ao abordar o tema de inclusão, principalmente de gênero, como os países nórdicos e alguns países da Europa que implementaram com força o tema das quotas para garantir a evolução das mulheres, não apenas em posições de conselho, mas também em posições de liderança no setor público e privado. Existe um espaço importante para caminhar, pois ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz.

Saúde mental é um dos temas de preocupação de especialistas em integridade e compliance dentro das 20 maiores economias do mundo. O empresariado tem se preocupado com o aumento dos casos de depressão e ansiedade. Segundo a executiva Claudia Sender, conselheira de empresas como Gerdau e Embraer e ex-CEO da Latam, é tarefa dos países e das empresas garantir um ambiente de trabalho livre de assédio para tentar diminuir o tamanho deste problema.

O tema entrou nas recomendações do B-20, braço empresarial do G-20, como tema a ser discutido por governos d G-20 em novembro. “Nossa terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia que ficou visível durante a pandemia da Covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho”, diz Sender, em entrevista ao Estadão.

Isso passa, segundo ela, pela maior diversidade nos cargos de alto escalão. “Ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz”, afirma Sender.

Entre as questões contemporâneas de integridade e compliance, Sender também destaca a necessidade de olhar para a inteligência artificial. “À primeira vista, pode parecer um tema distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.”

Sender também afirma que o G-20 precisa discutir sobre o aumento de corrupção em relação ao meio ambiente e defende a adoção de métricas claras sobre o assunto. “Mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas. Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto, diz Sender.

O documento do B-20 sobre integridade e compliance foi elaborado pelo fórum em parceria com a consultoria Deloitte.

“Durante a elaboração do Policy Paper do B20, algo que se destacou foi o impacto crescente da corrupção relacionada à transição verde. Ao longo das discussões com stakeholders e especialistas, ficou evidente que, apesar dos avanços na luta contra a corrupção em áreas tradicionais, os crimes associados ao desvio de fundos climáticos emergiram como uma nova e preocupante fronteira”, afirma Alex Borges, sócio da Deloitte. “O aumento significativo dos investimentos públicos e privados destinados à resiliência climática e à sustentabilidade tem sido explorado por organizações criminosas para desviar recursos. Isso compromete não apenas o objetivo de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, mas também pode minar a confiança nas iniciativas globais de sustentabilidade”, diz Borges.

O Estadão publica, desde o último dia 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista:

Como chegamos à discussão de ética e compliance em 2024?

A integridade e compliance não podem ser discutidas sem falar das ações anticorrupção. Já existe um arcabouço interessante de informações. Existem muitas entidades no mundo que oferecem um arcabouço de informações super interessante. A surpresa foi ver que, com toda essa informação, ainda não conseguimos um combate efetivo à corrupção e a práticas ilícitas.

E quais os principais temas de integridade e compliance novos, contemporâneos, definidos pelo B-20?

Conseguimos, tendo essa surpresa em mente, transformar isso em ação, por exemplo, ao falar do combate à corrupção, em parar de focar apenas nas punições e sanções, e começar a falar em estímulo a empresas éticas. O famoso “carrot and stick”, da cenoura e do graveto, é trazer um olhar positivo para as empresas com bom comportamento, que são aderentes à legislação e às boas práticas.

Quando falo em temas contemporâneos, foco principalmente na terceira recomendação, que foi inovadora ao colocar as pessoas no centro de políticas públicas e privadas. Não estamos mais apenas falando de empresas e governos, mas de como certas ações afetam seres humanos que estão dentro dessas empresas e países, e que são impactados por comportamentos não éticos.

A terceira recomendação é dividida em duas partes, a primeira é promover um ambiente de trabalho justo e livre de assédio e discriminação. Trata-se de uma epidemia visível durante a pandemia da covid, relacionada à saúde mental. Isso está diretamente ligado ao comportamento dentro do ambiente de trabalho.

Também trouxemos o tema de transparência no desenvolvimento de inteligências artificiais, que, à primeira vista, pode parecer distante de ética e compliance, mas tem impactos profundos na vida das pessoas, e esses impactos tendem a aumentar. O objetivo não é frear o desenvolvimento da tecnologia, mas garantir que seja utilizada para o bem, dando ao usuário final clareza e transparência sobre como essa tecnologia foi desenvolvida e como utiliza seus dados.

Claudia Sender, conselheira da Gerdau, Embraer, Telefônica e Holcim e ex-CEO da Latam Foto: Divulgação/B20

Qual é o desafio do Brasil perante o grupo? E qual é o maior desafio compartilhado?

O Brasil, quando se fala em combate à corrupção, infelizmente retrocedeu algumas casas no último relatório da Transparência Internacional. Porém, ao estimular e incentivar comportamentos positivos, o Brasil tem sido um dos grandes promotores dessas ações no mundo.

Em Paris, numa conferência promovida pela CGU, conseguimos trazer para a mesa países como os Estados Unidos e a França, em compromissos de estímulo ao combate ao comportamento positivo, entendendo que não será apenas a sanção. Historicamente, todos os países atuam muito mais do ponto de vista de punição. Poucos atuam no sentido do estímulo a comportamentos éticos. O Brasil tem liderado essa discussão e esse desafio.

Conseguimos trazer os Estados Unidos e a França que se comprometeram em estimular ações positivas. Os Estados Unidos lançaram uma ação chamada GPS, “Galvanize the Private Sector”, e a França se comprometeu a auditar grandes empresas para certificar aquelas que têm comportamento ético e íntegro, começando pelas grandes empresas. O Brasil aqui lidera a discussão de maneira crível dentro do âmbito do G-20 e atuamos junto à CGU para garantir que essa recomendação seria não só aceita, mas abraçada pelos outros países.

Mais do que ter um paper bem escrito, o objetivo é que essas políticas entrem em ação e tenham impacto na vida das pessoas. O objetivo da força-tarefa do B-20 é que essas ações gerem impacto real na vida das pessoas a médio e longo prazo.

Há uma discussão presente também sobre corrupção verde.

O aumento das ações de corrupção em relação ao meio ambiente é outro ponto importante. Os investimentos ambientais aumentam muito, com muitos fundos ambientais sendo criados e empresas emitindo dívidas verdes. Existe um grande nível de corrupção e falta de informação.

Atualmente, existem mais de 600 padrões diferentes de medição de impacto ambiental. Um analista de fundo que deve decidir entre investir na empresa da Beatriz ou do Fernando enfrenta dificuldades, pois usa uma métrica enquanto o outro usa outra, tornando impossível comparar e definir quem tem o comportamento correto e maior impacto na proteção ambiental. Portanto, mitigar a corrupção na cadeia verde e padronizar métricas e reportes é super importante, especialmente para pequenas e médias empresas.

Consigo garantir que, muitas vezes, gastamos mais dinheiro tentando medir e reportar do que efetivamente atuando para reduzir o impacto.

Para uma pequena empreendedora, como a tia do brigadeiro, a exigência de certificar todos os fornecedores se torna inviável. Isso não pode excluir essas pessoas da oportunidade de crescer e fazer parte de uma cadeia de valor mais interessante. A simplificação e padronização dos reportes visam garantir que pequenas e médias empresas não sejam excluídas, mas que também tenham responsabilidade em relação ao ambiente e à corrupção.

O trabalho do B-20 também é articular-se com os governos, apresentando os temas e recomendações que podem ser debatidos no G-20. Quais questões podem atravancar esse tema de integridade, anticorrupção e ética nessa discussão?

Esse é um ótimo ponto. Temos trabalhado muito de mãos dadas com a CGU, principalmente, que é quem representa a força-tarefa do lado do governo, para os temas de integridade e compliance. Existe um alinhamento profundo entre o que estamos recomendando e o que a CGU vai recomendar, principalmente no que tange à implementação de incentivo às práticas de integridade dentro das empresas e a garantir que essas empresas tenham acesso às licitações de maneira privilegiada e que suas penas sejam reduzidas caso apresentem comportamento correto. Consideramos que nessa primeira parte da nossa primeira recomendação, estamos muito aliados com a CGU e deve haver uma aderência grande ao que o Brasil vai recomendar no paper final do G20.

O que é mais inovador da nossa força-tarefa é a terceira recomendação, que traz toda essa parte de ambiente de trabalho justo e ético, livre de assédio e de qualquer tipo de discriminação. Aqui existem mais desafios, pois nem todos os países já chegaram lá. Muitos países onde a mulher está começando a dirigir agora não têm acesso a todas as vagas dos espaços profissionais. Portanto, aqui existe um desafio maior, mas dentro da discussão do B-20, do mundo privado, do setor privado, do mundo corporativo, tivemos uma grande aderência e uma convergência de que esse tópico é superimportante, principalmente ao discutir os temas de inteligência artificial e transparência, já que todos os países estão debatendo como normatizar o impacto da inteligência artificial em suas populações.

Pode esmiuçar melhor como o compliance entra na questão da inteligência artificial?

Sem dúvida. Quando começamos a pensar em inteligência artificial precisamos entender que ela estará em lugares onde não vemos, onde não sabemos. Nosso papel como compliance é garantir que as pessoas tenham transparência e clareza. Quem vai decidir onde ficará o dinheiro, o que será permitido ou não do ponto de vista regulatório são outras fontes de trabalho. Conseguir dar ao usuário final a decisão real, sabendo, tendo clareza e transparência sobre que informação está sendo utilizada, como essa informação determina o comportamento. E quem fica com a riqueza gerada por isso é um tema de integridade e compliance.

Um exemplo positivo para o mundo é a questão das famosas externalidades positivas. Existem hoje programas de inteligência artificial que fazem leituras de mamografia com muito mais velocidade e, às vezes, até mais acurácia do que um médico. Então você vai lá, dá a imagem da sua mamografia, sabendo ou não. Aí vem o ponto de transparência. Você dá a imagem da sua mamografia para que esse sistema se aperfeiçoe e consiga ajudar uma mulher no sertão que consegue ter acesso a um mamógrafo, mas não a um médico para dar o laudo. Com isso, cria-se uma externalidade positiva gigante, pois se dá acesso a milhões de mulheres que não teriam um laudo das suas mamografias caso não tivesse cedido a informação.

Porém, o dono da empresa de tecnologia fica milionário com a informação. Temos certeza de que ele está usando esse diagnóstico de maneira ética e não de forma que estimule o uso de cirurgias para que o colega dele que fornece próteses fique rico? O tema central para a integridade em inteligência artificial é ter clareza e transparência sobre o uso, a aplicação e onde ficam alocados os recursos gerados. Caso contrário, a inteligência artificial se tornará apenas a parte negativa de quem está perdendo emprego, do aumento da produtividade, pessoas que antes tinham um trabalho, mas agora precisam ser tão qualificadas que não conseguem se manter ativas e produtivas nesse novo cenário mundial.

Em relação à terceira recomendação, o Brasil está avançado ou atrasado? Na questão do ambiente de trabalho sem assédio e da integridade na inteligência artificial?

Infelizmente, aqui não temos o mesmo arcabouço de informações que temos para a primeira política, para a primeira recomendação. Esses são temas mais contemporâneos e que não temos tanta informação. O que posso dizer é que o tema saúde mental ganhou uma luz e visibilidade que não existia antes da pandemia. Era quase tabu falar sobre isso. Hoje, a Organização Mundial do Trabalho já fala de mais de um trilhão de dólares de perda de produtividade globalmente por temas de saúde mental. No Brasil, o item número um das licenças de trabalho e dos afastamentos é a depressão e a ansiedade.

Não considero que o Brasil esteja bem posicionado, mas não consigo dizer quão bem ou mal está dentro da escala mundial. O que sei é que o Brasil tem muito a evoluir no tema de inclusão. Quando olhamos o tema de inclusão de mulheres em posições de liderança e quando falamos de diversidade racial, nem se fala, estamos muito mal nas estatísticas. Há os cases de sucesso de sempre que mencionamos ao abordar o tema de inclusão, principalmente de gênero, como os países nórdicos e alguns países da Europa que implementaram com força o tema das quotas para garantir a evolução das mulheres, não apenas em posições de conselho, mas também em posições de liderança no setor público e privado. Existe um espaço importante para caminhar, pois ao ter maior inclusão, traz-se luz aos temas de assédio. A liderança contará com pessoas que já passaram por isso e que enxergam quando isso acontece, exigindo providências e a implementação de canais de ética e linhas de defesa dentro da organização para que esses temas sejam atacados na raiz.

Entrevista por Beatriz Bulla

Repórter que cobre o poder -- economia, política e internacional. Trabalha hoje em São Paulo. Já passou por Brasília e foi correspondente em Washington (EUA). Formada em jornalismo e em direito, foi também pesquisadora visitante na Universidade Columbia, em Nova York.

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