BRASÍLIA – A equipe econômica montou um “plano de guerra” para reduzir ao máximo a necessidade de bloqueio orçamentário no primeiro relatório bimestral de receitas e despesas do ano, previsto para março – e, assim, tentar manter viva a meta de déficit zero em 2024.
O entendimento é de que um contingenciamento (bloqueio preventivo de despesas) expressivo inviabilizaria politicamente a manutenção do objetivo fiscal, perseguido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas alvo de constante fogo amigo dentro do PT.
A estratégia é acelerar, no curtíssimo prazo, a entrada de arrecadação nova no caixa da União e tentar garantir o maior corte possível de gastos por meio do combate a fraudes, principalmente na Previdência. Há, ainda, negociações com o Congresso para postergar decisões com impacto nas contas públicas – como, por exemplo, a desoneração da folha de pagamentos e a recomposição de políticas públicas desidratadas pelos parlamentares.
Fontes da equipe econômica também alegam que a questão sazonal joga a favor do governo. Isso porque as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos focos do presidente Lula em ano eleitoral, não terão seus pagamentos concentrados nesses primeiros meses. Pelo contrário: os empreendimentos precisam seguir um rito de contratação, empenho da verba pública, liquidação e efetivo desembolso. Portanto, as despesas acabam sendo diluídas, com maior concentração no fim do período orçamentário.
Além da manutenção da meta de déficit zero e do foco eleitoral, a batalha para evitar o contigenciamento envolve uma outra razão: manter de pé a possibilidade de abertura de um segundo crédito suplementar, no valor de cerca de R$ 15 bilhões, previsto para maio. Economistas ouvidos pelo Estadão apontam que seria difícil o governo sustentar o argumento de abertura desse novo espaço para gastos em um cenário de despesas bloqueadas.
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O plano da equipe econômica se baseia em quatro pilares principais (veja abaixo), com foco, sobretudo, no curto prazo – o que levanta dúvidas sobre como o governo seguirá evitando contigenciamentos ao longo dos próximos relatórios bimestrais e alcançará as metas propostas para os exercícios seguintes.
1. Arrecadação: Fisco acelera regulamentações
Pela ótica da receita, a medida considerada mais urgente é a regulamentação da lei que altera a tributação das empresas que recebem algum tipo de subvenção do ICMS. A MP que determina a volta da tributação federal dessas grandes companhias foi aprovada no apagar das luzes de 2023, e o Fisco corre para colocar as regras de pé nos próximos dias.
O governo estima arrecadar R$ 35 bilhões por ano com a medida, mas há um valor a ser recolhido no curto prazo que ainda não está na conta.
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Com a mudança legal, o governo pretende cobrar o devido em impostos federais dos últimos cinco anos. As empresas terão, contudo, um desconto de 80% nas dívidas tributárias, caso façam a adesão voluntária ao programa. Os 20% desse estoque ainda não estão no cômputo da arrecadação prevista e é com isso que o Ministério da Fazenda trabalha para incrementar a receita no curtíssimo prazo.
O entendimento da Receita Federal, segundo apurou o Estadão, é de que o desconto é favorável às empresas a ponto de desestimular a contestação judicial, que acarretaria em pagamentos de custas judiciais acima desse porcentual. Assim, acredita-se que haverá interesse em optar pelo recolhimento imediato.
O universo de tributação dessa medida alcança, principalmente, 500 grandes empresas. Elas responderam por dois terços da renúncia tributária com a medida, em 2022, avaliada em R$ 53 bilhões.
A Receita também prepara a regulamentação da tributação dos sites de apostas esportivas, cuja arrecadação prevista no Orçamento neste ano é de pouco mais de R$ 700 milhões. A cifra, porém, é considerada conservadora nas estimativas oficiais. Ou seja, pode-se arrecadar mais, na visão da Fazenda.
A equipe econômica crê também ter feito estimativas conservadoras sobre o potencial de arrecadação das medidas aprovadas em 2023, como na tributação dos fundos offshore e de super ricos. Em dezembro, o recolhimento de impostos foi de R$ 3,9 bilhões, ante uma previsão de R$ 3,2 bilhões.
Na mudança das regras do JCP (Juros sobre Capital Próprio), um tipo de tributação sobre a remuneração de grandes empresas a seus investidores, o governo ainda prevê arrecadar perto de R$ 10 bilhões por ano, mesmo com as concessões feitas na reta final da tramitação. A equipe econômica avalia que a simples mudança na tributação do JCP vai alterar a forma como as empresas fazem hoje esse pagamento e se prepara para fechar eventuais portas para o planejamento tributário.
O governo também se surpreendeu positivamente com o recolhimento de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) em dezembro. Houve um aumento de 9% advindo de pessoas físicas e 3% de pessoas jurídicas, o que sugere uma recuperação do crédito, o que tem potencial de estimular o restante da economia e gerar mais impostos nesse período.
2. Gastos: fraudes no INSS e Lupi ‘salvador’ do Orçamento
Já pelo lado do gasto, a aposta é no combate a fraudes na Previdência, que se intensificou com o uso de inteligência artificial no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como antecipou o Estadão em dezembro. Desde o último dia 15, a ferramenta criada pela Dataprev realiza varreduras em atestados médicos enviados pela internet.
Um grupo de trabalho interministerial também está debruçado sobre esses pagamentos, que representam a maior despesa pública. A meta mínima de economia na revisão dos benefícios é de R$ 12,5 bilhões, inclusive já incorporada ao Orçamento de 2024, que conta com valores subestimados para essa rubrica.
Mas a avaliação, dentro do governo, é de que há espaço para superar essa cifra. Por esse motivo, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, tem sido chamado, nos corredores da Esplanada, de possível “salvador” do Orçamento. Ele se reuniu na tarde desta segunda-feira, 29, com Haddad para discutir o tema. Na saída, Lupi que as ações tocadas pela pasta devem superar a meta prevista no Orçamento.
A ordem de realizar um pente-fino no INSS foi chancelada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), órgão que centraliza as discussões ligadas a contas públicas e é formado por Fazenda, Planejamento, Gestão e Casa Civil. Ou seja, a decisão teve o aval da ala política, o que reforça a confiança da equipe econômica no empenho de Lupi.
O objetivo é tentar repetir o bom desempenho que o Ministério do Desenvolvimento Social teve com as revisões do Cadastro Único, que levaram a uma economia de mais de R$ 10 bilhões no Bolsa Família – parte dela já usada para bancar os novos beneficiários do programa. Como a Previdência é um universo muito maior do que a ajuda social, projeta-se uma cifra bem superior. O tempo de trabalho, no entanto, é pequeno e ainda não há cifras confiáveis, segundo relatos de interlocutores.
3. Adiar recomposição de políticas públicas
O terceiro pilar é adiar uma eventual recomposição de políticas públicas que sofreram desidratações relevantes durante a tramitação da Lei Orçamentária Anual (LOA) no Congresso, na qual os parlamentares inflaram os valores das emendas destinadas a redutos eleitorais.
Na sanção da LOA, o presidente Lula vetou R$ 5,6 bilhões dessas emendas, com a justificativa de repor as políticas, mas essa realocação está em “banho-maria”, segundo apurou o Estadão. Primeiro, porque o governo terá de cortar R$ 4,4 bilhões em despesas devido à inflação menor que o previsto em 2023. Portanto, sobrariam apenas R$ 1,2 bilhão para essa recomposição.
Mas a ordem, dentro da Esplanada, é aguardar para ver como as despesas e receitas vão se comportar até o relatório de março. Esse compasso de espera, porém, só vai funcionar se o veto do presidente não for derrubado, como desejam os parlamentares. Dentre as políticas públicas desidratadas durante a tramitação da LOA estão:
- Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica: - R$ 1,1 bilhão
- Farmácia Popular: - 381,7 milhões
- Educação e trabalho na Saúde: -R$ 317,6 milhões
- Instituições federais de ensino superior: -R$ 157,2 milhões
- Bolsas de estudo no Ensino Superior: -R$ 151,4 milhões
- Auxílio Gás: - R$ 137,8 milhões
4. Manter a MP da desoneração da folha vigente
Por fim, como antecipou o Estadão, o governo quer manter a Medida Provisória da reoneração da folha de pagamentos vigente enquanto negocia um meio-termo com o Congresso.
A MP foi baixada na véspera do ano-novo, após decisão contrária do Congresso, irritando os parlamentares, que agora pressionam pela devolução do texto. Frentes ligadas ao setor produtivo planejam aumentar a pressão sobre o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e preparam um ato para exigir essa devolução. A data prevista, por enquanto, é 7 de fevereiro.
O ideal para o governo, no entanto, é que a MP continue válida e um projeto de lei alternativo – ainda em construção – seja votado antes de 1º de abril, quando a medida começaria a produzir efeitos de reoneração. Até lá, os setores não sentiriam as mudanças e seria possível chegar a uma solução intermediária sem impactos orçamentários.
Isso porque, segundo especialistas em contas públicas consultados pelo Estadão, caso a MP seja revogada, como desejam os parlamentares, a equipe econômica terá de incorporar ao Orçamento de 2024 toda a renúncia fiscal gerada pela desoneração, de cerca de R$ 20 bilhões.
Além disso, não poderá incorporar o ganho de receita advindo da limitação no uso de créditos tributários por empresas, mudança também proposta no texto e com impacto estimado em outros R$ 20 bilhões.
Como consequência, os ministérios da Fazenda e do Planejamento seriam obrigados a realizar um contingenciamento maior em março, aumentando a pressão da ala política por uma mudança na meta de déficit zero.