Escritórios vazios em Nova York: o que acontecerá se os trabalhadores não voltarem?


Ocupação dos escritórios no final de agosto estava 41% abaixo do registrado antes da pandemia; no limbo, setor imobiliário da cidade espera que empresas encham salas e prédios de novo

Por Emma Goldberg

THE NEW YORK TIMES - Em um escritório no SoHo, fileiras de mesas estão vazias, enquanto um cachorro peludo – acompanhando um tutor que sente falta das comodidades de trabalhar de casa – perambula pelas salas de reunião. Numa empresa do setor de tecnologia no centro de Nova York, um grupo de profissionais na casa dos 20 e poucos anos se divide em equipes e grita “quem está na equipe laranja?” e “vamos acabar com vocês!”, como parte de uma noite de jogos que os atrai de volta ao trabalho presencial. No metrô, os passageiros se deleitam com um luxo outrora inimaginável: usar dois lugares ao mesmo tempo.

Cerca de um ano e meio depois de o prefeito Eric Adams dar bronca nos trabalhadores (“Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!”), a ocupação dos escritórios de Nova York no final de agosto estava 41% abaixo do registrado antes da pandemia.

Apenas 9% dos trabalhadores de escritório da cidade estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano, de acordo com a Partnership for New York City, organização comercial do município.

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O volume de trabalho remoto pelo país está mais variado, com pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos sendo cumpridos atualmente de casa.

Mas, em Nova York, a sensação geral nos escritórios é uma bem conhecida pelos moradores locais: é como se sentar no metrô na expectativa de ir a um determinado lugar e, então, sentir o vagão dar um solavanco e parar. Ele fica ali parado, sem ninguém ter ideia de quando vai voltar a andar de novo. Os passageiros se entreolham, ficam inquietos e sentem que não podem fazer nada.

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Esse é o limbo que o setor imobiliário está vivendo agora, conforme as empresas tentam encher seus escritórios de novo. Os proprietários de edifícios estão à espera da movimentação. Poucos sabem o que fazer até lá.

Em meio a tudo isso, está Eric Gural, cuja família tem um império de imóveis comerciais na cidade de Nova York, a GFP Real Estate, que é dona e administra mais de 55 propriedades e milhares de metros quadrados, ou cerca de 2% dos edifícios de escritórios da cidade.

Escritório vazio em prédio de Nova York; espaços abandonados podem causar prejuízos ao setor imobiliário Foto: Haruka Sakaguchi / The New York Times
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Esta não é a primeira vez em que a família de Gural vê o mercado imobiliário tropeçar. Antes houve 2008, durante a Grande Recessão, quando um diretor sênior da Cushman & Wakefield informou que “as notícias por aí têm sido chocantes”.

Houve as consequências dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando as manchetes declaravam: “Dispara o número de escritórios vazios no centro da cidade”.

E a retração econômica em 1990, quando um profissional do setor imobiliário confessou, numa matéria sobre os escritórios vazios: “As pessoas estão com medo”.

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Mas desta vez parece ser diferente. O valor dos edifícios de escritórios de Nova York pode cair aproximadamente US$ 50 bilhões nos próximos anos, de acordo com pesquisadores das Universidade Columbia e de Nova York.

“A covid afetou todo mundo”, disse Gural, 55 anos. “Quem se deu bem com a covid?”

Durante a maior parte das crises econômicas anteriores da cidade, o avô de Gural, Aaron, um líder de longa data do negócio imobiliário da família, tinha certeza de que as pessoas iriam se interessar por escritórios baratos em Nova York.

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“Não importa o que aconteça, vai haver demanda para o metro quadrado a US$ 10″, era o pensamento dele, segundo o neto.

Esse raciocínio agora parece duvidoso. É um momento assustador para o setor de imóveis comerciais, que já foi abalado antes, mas nunca tão profundamente.

A taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019; há cerca de 8 milhões de metros quadrados de imóveis para escritórios disponíveis para locação na cidade.

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As taxas de inadimplência de empréstimos para escritórios nos EUA estão no pico da época da pandemia, em quase 5%.

Os proprietários de edifícios estão reconhecendo a incerteza após o feriado do Dia do Trabalho, o terceiro desde o surgimento das vacinas, enquanto os executivos das principais empresas intensificam mais uma vez a exigência de retorno ao escritório.

Os economistas temem que os escritórios vazios possam levar a um “ciclo de ruína urbana”: menos pessoas se deslocam todos os dias, as empresas do centro e dos arredores sofrem com isso, as receitas fiscais caem e fica mais difícil para as cidades manter os serviços públicos funcionando.

Para tentar descobrir o que vem por aí, pareceu didático falar com alguém para quem os números de espaços vazios têm uma urgência específica – alguém que é dono de um imóvel comercial desocupado.

Ao ser questionado a respeito de qual seria o pior cenário para sua empresa, Gural disse: “Os aluguéis ficarem mais baratos. A ocupação ser menor. Não ser tão rentável. A pior parte disso é que pode afetar parte do trabalho filantrópico que realizamos.”

Por enquanto, ele continua confiante, em parte depositando esperanças num retorno maior ao trabalho presencial. Ele se inspira nos dois filhos, ambos na casa dos 20 anos, que dizem querer a experiência de se deslocar de metrô e trabalhar longe de seus sofás.

“Os jovens querem trabalhar num escritório – como é mesmo aquela fala de ‘Seinfeld’? ‘Finalmente descobri por que temos filhos, eles estão aqui para nos substituir’”, disse Gural, lembrando a essência do cânone de Jerry Seinfeld. “A próxima leva de funcionários administrativos, de profissionais vai querer trabalhar em escritórios.”

Móveis abandonados em escritório em Manhattan; apenas 9% dos funcionários de Nova York estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Depois acrescentou: “As únicas duas coisas incríveis que não foram criadas no escritório foram o fogo e a roda”. Esta não é a primeira vez que os nova-iorquinos enfrentam crises recorrendo ao pensamento mágico visto no seriado “Seinfeld”.

No entanto, uma crise é uma coisa, mas o que dizer de uma mudança permanente na forma como trabalhamos e vivemos? Enquanto os proprietários de edifícios observam o quanto a mudança para o regime de trabalho híbrido será permanente, alguns adotaram um novo mantra: “sobreviva até 2025″.

Localização é tudo

As pessoas que se deslocam por Manhattan no verão tendem a querer um sorvete. Essa é uma lição que o avô de Gural aprendeu, na década de 1930, quando teve sua primeira experiência nos negócios, vendendo casquinhas em um semáforo perto da Ponte George Washington.

“Vá para onde as pessoas estão”, disse Gural, lembrando do pensamento do avô.

Sensação geral nos escritórios de Nova York é uma bem conhecida pelos moradores locais: sentem que não podem fazer nada Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Essa filosofia guiou a estratégia dele no setor de imóveis comerciais. Em vez de competir com os amigos pelas propriedades mais chiques da cidade, as joias no Central Park e na Quinta Avenida, a família Gural comprou imóveis baratos que antes funcionavam como fábricas em locais convenientes.

A empresa focou naquilo que é conhecido como escritório de categoria B: propriedades sem adornos, muitas delas na área onde se concentram os designers e as empresas de moda, em vez das torres espelhadas como aquelas de Hudson Yards.

Cerca de 33% dos edifícios de escritórios da cidade são de categoria B, de acordo com a Jones Lang LaSalle, empresa de investimento imobiliário.

Depois da pandemia, a estratégia da família Gural poderia colocar os negócios dela numa situação mais difícil. Os corretores de imóveis dizem estar testemunhando uma “fuga para a qualidade”, na qual os inquilinos migram para espaços sofisticados na esperança de atrair os trabalhadores de volta para o escritório.

Isso significa que a crise dos escritórios para os donos de imóveis de categoria B é particularmente aguda.

As propriedades de categoria B muitas vezes se parecem com o estereótipo de um escritório de Nova York: paredes de tijolinhos, janelas pequenas, cozinhas com maçãs que nunca são tocadas, elevadores que parecem não serem consertados desde o governo Giuliani.

O tipo de lugar para onde as pessoas talvez não retornem voluntariamente. Muitas empresas com dificuldades para trazer os funcionários de volta ao presencial agora estão de olho em pontos mais chamativos, do tipo com estabelecimentos que vendem sucos saudáveis e têm esteiras no prédio.

“Os proprietários de edifícios de categoria B estão numa situação terrível”, disse Ruth Colp-Haber, CEO da corretora Wharton Property Advisors. “Eles estão enfrentando um tsunami de pressões, e alguns vão ser arrastados pela maré.”

Existem três jogadas disponíveis para os donos de edifícios de escritórios no jogo cada vez mais preocupante de seus negócios.

Os proprietários poderiam investir em seus imóveis para tentar torná-los mais interessantes, transformando edifícios de categoria B- em edifícios B+ com novas comodidades – saguões e elevadores mais elegantes, cafés e até mesmo academias.

Poderiam deixar de pagar seus empréstimos e devolver as chaves de um edifício para os bancos; afinal, a falta de pagamento de uma hipoteca por um imóvel não costuma permitir que o banco toque nos demais.

E também há a possibilidade da conversão, transformar os edifícios de escritórios em prédios residenciais, hotéis, lojas e laboratórios.

Entre 3% e 10% dos escritórios da cidade de Nova York podem ser bons candidatos à conversão, de acordo com especialistas, o que frequentemente significa que os edifícios são estreitos o suficiente para serem divididos em apartamentos com janelas.

Além de transformar um espaço, descartá-lo ou melhorar sua classificação, há outro plano de ação possível (ou, na verdade, de não ação) para os proprietários: esperar e ver o que acontece.

Há cerca de um ano e meio, o prefeito Eric Adams deu uma bronca nos trabalhadores: “Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!” Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Esperar que os trabalhadores voltem para o escritório e que as taxas de juros diminuam nesse meio tempo. Rezar para que os jovens sintam falta da rotina e que daqui a pouco retomem seus antigos deslocamentos diários, permitindo que o metrô parado volte a andar.

“Esta é uma tendência muito, muito lenta”, disse Ruth. “É uma questão que vai ser adiada o máximo possível.”

Gural disse que sua empresa, na pior das hipóteses, “ficaria como está”, observando que muitos dos acordos da GFP Real State são com inquilinos de pequeno porte, que não são monitorados pelos relatórios do setor. Ele não acredita que a GFP vá precisar devolver nenhum de seus edifícios aos bancos.

Espalhadas por Manhattan estão as propriedades de Gural que estão operando sem percalços como sempre. Como, por exemplo, o edifício elegante de tijolinhos na Rua Crosby, 10; que já foi lar da cadeia de mercearias de luxo Dean & Deluca, no Soho.

Ele agora abriga a Converse e a Aritzia, entre outros inquilinos – e não tem espaço disponível para locação, segundo o site de informações de imóveis comerciais CoStar.

Já outras propriedades estão passando por dificuldades. Dois dos edifícios da GFP na Rua West 34th têm quase 30% de seu espaço disponível para alugar.

A empresa conseguiu uma extensão de três anos de uma hipoteca para uma de suas propriedades emblemáticas, o edifício DuMont, uma torre art déco de 42 andares na Avenida Madison, 515, depois de deixar de pagar um empréstimo de US$ 103 milhões pela propriedade.

Gural também está negociando uma extensão de um empréstimo para um prédio de escritórios no bairro de Union Square.

A família espera solicitar prorrogações de prazo de pagamentos para outros imóveis. Mas enquanto os bancos permitirem as extensões de prazo dos Gurals – e não parece que eles estejam interessados nas chaves dos edifícios –, não há razão para a família desistir de qualquer uma de suas propriedades ainda.

“As pessoas vão voltar para o escritório”, disse Gural, cujos funcionários da GFP devem trabalhar presencialmente três dias por semana – embora esse número tenha aumentado para quatro depois do feriado do Dia do Trabalho, em 4 de setembro.

Pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos estão sendo cumpridos atualmente de casa Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

“Não acho que o mundo inteiro tenha feito isso errado nos últimos cem anos”, acrescentou. “Não mesmo. Surgiram tantas coisas bem-sucedidas no mundo. Um aspecto que elas tinham em comum era o escritório.”

Gural está preso no mesmo limbo do restante da cidade, embora para ele os riscos sejam bastante pessoais.

A perspectiva dele é mais otimista do que a de Manus Clancy, diretor-sênior da Trepp, empresa de dados imobiliários comerciais.

“O mercado de escritórios é bastante – qual é a palavra? – desprezado”, disse Clancy. “Vamos ver muitos calotes terríveis.”

‘Sangue saindo do nosso nariz’

De pé nos degraus do tribunal do condado de Nova York em maio, inúmeros homens (e eram principalmente homens mesmo), vestindo ternos com caimento perfeito, gritavam ofertas para comprar o edifício Flatiron – uma estranha batalha por um prédio emblemático de escritórios num momento em que o futuro do setor parece extremamente incerto.

“O lance inicial é de US$ 50 milhões!”, disse o leiloeiro.

A família Gural ganhou, comprando a parte de seu parceiro e passando a ser a única dona do prédio por US$ 161 milhões.

Conversando com um grupo de repórteres depois, o presidente da GFP, Jeff Gural (pai de Eric), anunciou que estava estudando a possibilidade de transformar pelo menos metade do Flatiron em imóveis residenciais, provavelmente em apartamentos. Os Gurals também estão analisando se parte do prédio poderia ser usada como espaço para um hotel.

É um reconhecimento de que o perfil imobiliário deles no futuro será diferente, não importa o quanto cresça o retorno ao trabalho presencial na cidade.

Afinal, quando as empresas começam a oferecer doações de caridade em nome de todos os funcionários que voltam para o escritório, como a Salesforce fez em junho, trata-se de um pedido de resgate.

Muitos especialistas do setor imobiliário argumentam que não há motivos para otimismo para os donos de escritórios de categoria B na cidade.

“Em muitos casos, infelizmente, a opção deles pode ser entregar as chaves ao credor”, disse Josh Zegen, diretor e cofundador da Madison Realty Capital, especializada no financiamento de imóveis comerciais. “Estamos começando a ver isso acontecer cada vez mais.”

Enquanto isso, algumas lideranças da cidade estão lutando pela transformação de mais escritórios em moradias, já que o número de pessoas em situação de rua chega a 100 mil.

Em agosto, o prefeito Adams anunciou planos para transformar mais edifícios em Manhattan em espaços residenciais, rezoneando áreas de fábricas na região de Midtown e permitindo que edifícios construídos há pouco tempo, como em 1990, fossem convertidos em moradias.

Taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019 Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Atualmente, apenas aqueles construídos antes de 1977 ou 1961, dependendo da localização, podem ser transformados em residências. O plano exigiria a aprovação da câmara municipal.

Os Gurals também pressionaram por mais apoio às conversões de escritórios. O primo de Eric Gural, Brian Steinwurtzel, está ajudando a supervisionar para a GFP o que seria a maior transformação de um edifício de escritórios em moradias no país, criando cerca de 1.300 apartamentos no prédio conhecido como 25 Water Street.

Mas Gural frisou que os proprietários de edifícios precisavam de políticas de rezoneamento e incentivos fiscais para alavancar as conversões.

“Acabamos de perder todos os rounds de um combate com 15 rounds”, disse Gural referindo-se aos donos de edifícios da cidade. “Estamos deitados no chão. Temos sangue saindo do nosso nariz. E a nossa cabeça dói.”

Para um lutador ensanguentado, Gural falava com um certo entusiasmo. Sentado em um bar de blues na região de Midtown West, ele pegou uma faca e a segurou pela ponta. Ele explicou que o bar, como a faca, é extremamente estreito – o que significa que poderia ser reaproveitado para abrigar pessoas.

Dando uma olhada no espaço iluminado por luzes neon, praticamente vazio em um dia de semana na hora do almoço, o eterno otimista de Nova York declarou: “Eu poderia construir apartamentos com este espaço”./Tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Em um escritório no SoHo, fileiras de mesas estão vazias, enquanto um cachorro peludo – acompanhando um tutor que sente falta das comodidades de trabalhar de casa – perambula pelas salas de reunião. Numa empresa do setor de tecnologia no centro de Nova York, um grupo de profissionais na casa dos 20 e poucos anos se divide em equipes e grita “quem está na equipe laranja?” e “vamos acabar com vocês!”, como parte de uma noite de jogos que os atrai de volta ao trabalho presencial. No metrô, os passageiros se deleitam com um luxo outrora inimaginável: usar dois lugares ao mesmo tempo.

Cerca de um ano e meio depois de o prefeito Eric Adams dar bronca nos trabalhadores (“Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!”), a ocupação dos escritórios de Nova York no final de agosto estava 41% abaixo do registrado antes da pandemia.

Apenas 9% dos trabalhadores de escritório da cidade estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano, de acordo com a Partnership for New York City, organização comercial do município.

O volume de trabalho remoto pelo país está mais variado, com pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos sendo cumpridos atualmente de casa.

Mas, em Nova York, a sensação geral nos escritórios é uma bem conhecida pelos moradores locais: é como se sentar no metrô na expectativa de ir a um determinado lugar e, então, sentir o vagão dar um solavanco e parar. Ele fica ali parado, sem ninguém ter ideia de quando vai voltar a andar de novo. Os passageiros se entreolham, ficam inquietos e sentem que não podem fazer nada.

Esse é o limbo que o setor imobiliário está vivendo agora, conforme as empresas tentam encher seus escritórios de novo. Os proprietários de edifícios estão à espera da movimentação. Poucos sabem o que fazer até lá.

Em meio a tudo isso, está Eric Gural, cuja família tem um império de imóveis comerciais na cidade de Nova York, a GFP Real Estate, que é dona e administra mais de 55 propriedades e milhares de metros quadrados, ou cerca de 2% dos edifícios de escritórios da cidade.

Escritório vazio em prédio de Nova York; espaços abandonados podem causar prejuízos ao setor imobiliário Foto: Haruka Sakaguchi / The New York Times

Esta não é a primeira vez em que a família de Gural vê o mercado imobiliário tropeçar. Antes houve 2008, durante a Grande Recessão, quando um diretor sênior da Cushman & Wakefield informou que “as notícias por aí têm sido chocantes”.

Houve as consequências dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando as manchetes declaravam: “Dispara o número de escritórios vazios no centro da cidade”.

E a retração econômica em 1990, quando um profissional do setor imobiliário confessou, numa matéria sobre os escritórios vazios: “As pessoas estão com medo”.

Mas desta vez parece ser diferente. O valor dos edifícios de escritórios de Nova York pode cair aproximadamente US$ 50 bilhões nos próximos anos, de acordo com pesquisadores das Universidade Columbia e de Nova York.

“A covid afetou todo mundo”, disse Gural, 55 anos. “Quem se deu bem com a covid?”

Durante a maior parte das crises econômicas anteriores da cidade, o avô de Gural, Aaron, um líder de longa data do negócio imobiliário da família, tinha certeza de que as pessoas iriam se interessar por escritórios baratos em Nova York.

“Não importa o que aconteça, vai haver demanda para o metro quadrado a US$ 10″, era o pensamento dele, segundo o neto.

Esse raciocínio agora parece duvidoso. É um momento assustador para o setor de imóveis comerciais, que já foi abalado antes, mas nunca tão profundamente.

A taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019; há cerca de 8 milhões de metros quadrados de imóveis para escritórios disponíveis para locação na cidade.

As taxas de inadimplência de empréstimos para escritórios nos EUA estão no pico da época da pandemia, em quase 5%.

Os proprietários de edifícios estão reconhecendo a incerteza após o feriado do Dia do Trabalho, o terceiro desde o surgimento das vacinas, enquanto os executivos das principais empresas intensificam mais uma vez a exigência de retorno ao escritório.

Os economistas temem que os escritórios vazios possam levar a um “ciclo de ruína urbana”: menos pessoas se deslocam todos os dias, as empresas do centro e dos arredores sofrem com isso, as receitas fiscais caem e fica mais difícil para as cidades manter os serviços públicos funcionando.

Para tentar descobrir o que vem por aí, pareceu didático falar com alguém para quem os números de espaços vazios têm uma urgência específica – alguém que é dono de um imóvel comercial desocupado.

Ao ser questionado a respeito de qual seria o pior cenário para sua empresa, Gural disse: “Os aluguéis ficarem mais baratos. A ocupação ser menor. Não ser tão rentável. A pior parte disso é que pode afetar parte do trabalho filantrópico que realizamos.”

Por enquanto, ele continua confiante, em parte depositando esperanças num retorno maior ao trabalho presencial. Ele se inspira nos dois filhos, ambos na casa dos 20 anos, que dizem querer a experiência de se deslocar de metrô e trabalhar longe de seus sofás.

“Os jovens querem trabalhar num escritório – como é mesmo aquela fala de ‘Seinfeld’? ‘Finalmente descobri por que temos filhos, eles estão aqui para nos substituir’”, disse Gural, lembrando a essência do cânone de Jerry Seinfeld. “A próxima leva de funcionários administrativos, de profissionais vai querer trabalhar em escritórios.”

Móveis abandonados em escritório em Manhattan; apenas 9% dos funcionários de Nova York estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Depois acrescentou: “As únicas duas coisas incríveis que não foram criadas no escritório foram o fogo e a roda”. Esta não é a primeira vez que os nova-iorquinos enfrentam crises recorrendo ao pensamento mágico visto no seriado “Seinfeld”.

No entanto, uma crise é uma coisa, mas o que dizer de uma mudança permanente na forma como trabalhamos e vivemos? Enquanto os proprietários de edifícios observam o quanto a mudança para o regime de trabalho híbrido será permanente, alguns adotaram um novo mantra: “sobreviva até 2025″.

Localização é tudo

As pessoas que se deslocam por Manhattan no verão tendem a querer um sorvete. Essa é uma lição que o avô de Gural aprendeu, na década de 1930, quando teve sua primeira experiência nos negócios, vendendo casquinhas em um semáforo perto da Ponte George Washington.

“Vá para onde as pessoas estão”, disse Gural, lembrando do pensamento do avô.

Sensação geral nos escritórios de Nova York é uma bem conhecida pelos moradores locais: sentem que não podem fazer nada Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Essa filosofia guiou a estratégia dele no setor de imóveis comerciais. Em vez de competir com os amigos pelas propriedades mais chiques da cidade, as joias no Central Park e na Quinta Avenida, a família Gural comprou imóveis baratos que antes funcionavam como fábricas em locais convenientes.

A empresa focou naquilo que é conhecido como escritório de categoria B: propriedades sem adornos, muitas delas na área onde se concentram os designers e as empresas de moda, em vez das torres espelhadas como aquelas de Hudson Yards.

Cerca de 33% dos edifícios de escritórios da cidade são de categoria B, de acordo com a Jones Lang LaSalle, empresa de investimento imobiliário.

Depois da pandemia, a estratégia da família Gural poderia colocar os negócios dela numa situação mais difícil. Os corretores de imóveis dizem estar testemunhando uma “fuga para a qualidade”, na qual os inquilinos migram para espaços sofisticados na esperança de atrair os trabalhadores de volta para o escritório.

Isso significa que a crise dos escritórios para os donos de imóveis de categoria B é particularmente aguda.

As propriedades de categoria B muitas vezes se parecem com o estereótipo de um escritório de Nova York: paredes de tijolinhos, janelas pequenas, cozinhas com maçãs que nunca são tocadas, elevadores que parecem não serem consertados desde o governo Giuliani.

O tipo de lugar para onde as pessoas talvez não retornem voluntariamente. Muitas empresas com dificuldades para trazer os funcionários de volta ao presencial agora estão de olho em pontos mais chamativos, do tipo com estabelecimentos que vendem sucos saudáveis e têm esteiras no prédio.

“Os proprietários de edifícios de categoria B estão numa situação terrível”, disse Ruth Colp-Haber, CEO da corretora Wharton Property Advisors. “Eles estão enfrentando um tsunami de pressões, e alguns vão ser arrastados pela maré.”

Existem três jogadas disponíveis para os donos de edifícios de escritórios no jogo cada vez mais preocupante de seus negócios.

Os proprietários poderiam investir em seus imóveis para tentar torná-los mais interessantes, transformando edifícios de categoria B- em edifícios B+ com novas comodidades – saguões e elevadores mais elegantes, cafés e até mesmo academias.

Poderiam deixar de pagar seus empréstimos e devolver as chaves de um edifício para os bancos; afinal, a falta de pagamento de uma hipoteca por um imóvel não costuma permitir que o banco toque nos demais.

E também há a possibilidade da conversão, transformar os edifícios de escritórios em prédios residenciais, hotéis, lojas e laboratórios.

Entre 3% e 10% dos escritórios da cidade de Nova York podem ser bons candidatos à conversão, de acordo com especialistas, o que frequentemente significa que os edifícios são estreitos o suficiente para serem divididos em apartamentos com janelas.

Além de transformar um espaço, descartá-lo ou melhorar sua classificação, há outro plano de ação possível (ou, na verdade, de não ação) para os proprietários: esperar e ver o que acontece.

Há cerca de um ano e meio, o prefeito Eric Adams deu uma bronca nos trabalhadores: “Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!” Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Esperar que os trabalhadores voltem para o escritório e que as taxas de juros diminuam nesse meio tempo. Rezar para que os jovens sintam falta da rotina e que daqui a pouco retomem seus antigos deslocamentos diários, permitindo que o metrô parado volte a andar.

“Esta é uma tendência muito, muito lenta”, disse Ruth. “É uma questão que vai ser adiada o máximo possível.”

Gural disse que sua empresa, na pior das hipóteses, “ficaria como está”, observando que muitos dos acordos da GFP Real State são com inquilinos de pequeno porte, que não são monitorados pelos relatórios do setor. Ele não acredita que a GFP vá precisar devolver nenhum de seus edifícios aos bancos.

Espalhadas por Manhattan estão as propriedades de Gural que estão operando sem percalços como sempre. Como, por exemplo, o edifício elegante de tijolinhos na Rua Crosby, 10; que já foi lar da cadeia de mercearias de luxo Dean & Deluca, no Soho.

Ele agora abriga a Converse e a Aritzia, entre outros inquilinos – e não tem espaço disponível para locação, segundo o site de informações de imóveis comerciais CoStar.

Já outras propriedades estão passando por dificuldades. Dois dos edifícios da GFP na Rua West 34th têm quase 30% de seu espaço disponível para alugar.

A empresa conseguiu uma extensão de três anos de uma hipoteca para uma de suas propriedades emblemáticas, o edifício DuMont, uma torre art déco de 42 andares na Avenida Madison, 515, depois de deixar de pagar um empréstimo de US$ 103 milhões pela propriedade.

Gural também está negociando uma extensão de um empréstimo para um prédio de escritórios no bairro de Union Square.

A família espera solicitar prorrogações de prazo de pagamentos para outros imóveis. Mas enquanto os bancos permitirem as extensões de prazo dos Gurals – e não parece que eles estejam interessados nas chaves dos edifícios –, não há razão para a família desistir de qualquer uma de suas propriedades ainda.

“As pessoas vão voltar para o escritório”, disse Gural, cujos funcionários da GFP devem trabalhar presencialmente três dias por semana – embora esse número tenha aumentado para quatro depois do feriado do Dia do Trabalho, em 4 de setembro.

Pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos estão sendo cumpridos atualmente de casa Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

“Não acho que o mundo inteiro tenha feito isso errado nos últimos cem anos”, acrescentou. “Não mesmo. Surgiram tantas coisas bem-sucedidas no mundo. Um aspecto que elas tinham em comum era o escritório.”

Gural está preso no mesmo limbo do restante da cidade, embora para ele os riscos sejam bastante pessoais.

A perspectiva dele é mais otimista do que a de Manus Clancy, diretor-sênior da Trepp, empresa de dados imobiliários comerciais.

“O mercado de escritórios é bastante – qual é a palavra? – desprezado”, disse Clancy. “Vamos ver muitos calotes terríveis.”

‘Sangue saindo do nosso nariz’

De pé nos degraus do tribunal do condado de Nova York em maio, inúmeros homens (e eram principalmente homens mesmo), vestindo ternos com caimento perfeito, gritavam ofertas para comprar o edifício Flatiron – uma estranha batalha por um prédio emblemático de escritórios num momento em que o futuro do setor parece extremamente incerto.

“O lance inicial é de US$ 50 milhões!”, disse o leiloeiro.

A família Gural ganhou, comprando a parte de seu parceiro e passando a ser a única dona do prédio por US$ 161 milhões.

Conversando com um grupo de repórteres depois, o presidente da GFP, Jeff Gural (pai de Eric), anunciou que estava estudando a possibilidade de transformar pelo menos metade do Flatiron em imóveis residenciais, provavelmente em apartamentos. Os Gurals também estão analisando se parte do prédio poderia ser usada como espaço para um hotel.

É um reconhecimento de que o perfil imobiliário deles no futuro será diferente, não importa o quanto cresça o retorno ao trabalho presencial na cidade.

Afinal, quando as empresas começam a oferecer doações de caridade em nome de todos os funcionários que voltam para o escritório, como a Salesforce fez em junho, trata-se de um pedido de resgate.

Muitos especialistas do setor imobiliário argumentam que não há motivos para otimismo para os donos de escritórios de categoria B na cidade.

“Em muitos casos, infelizmente, a opção deles pode ser entregar as chaves ao credor”, disse Josh Zegen, diretor e cofundador da Madison Realty Capital, especializada no financiamento de imóveis comerciais. “Estamos começando a ver isso acontecer cada vez mais.”

Enquanto isso, algumas lideranças da cidade estão lutando pela transformação de mais escritórios em moradias, já que o número de pessoas em situação de rua chega a 100 mil.

Em agosto, o prefeito Adams anunciou planos para transformar mais edifícios em Manhattan em espaços residenciais, rezoneando áreas de fábricas na região de Midtown e permitindo que edifícios construídos há pouco tempo, como em 1990, fossem convertidos em moradias.

Taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019 Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Atualmente, apenas aqueles construídos antes de 1977 ou 1961, dependendo da localização, podem ser transformados em residências. O plano exigiria a aprovação da câmara municipal.

Os Gurals também pressionaram por mais apoio às conversões de escritórios. O primo de Eric Gural, Brian Steinwurtzel, está ajudando a supervisionar para a GFP o que seria a maior transformação de um edifício de escritórios em moradias no país, criando cerca de 1.300 apartamentos no prédio conhecido como 25 Water Street.

Mas Gural frisou que os proprietários de edifícios precisavam de políticas de rezoneamento e incentivos fiscais para alavancar as conversões.

“Acabamos de perder todos os rounds de um combate com 15 rounds”, disse Gural referindo-se aos donos de edifícios da cidade. “Estamos deitados no chão. Temos sangue saindo do nosso nariz. E a nossa cabeça dói.”

Para um lutador ensanguentado, Gural falava com um certo entusiasmo. Sentado em um bar de blues na região de Midtown West, ele pegou uma faca e a segurou pela ponta. Ele explicou que o bar, como a faca, é extremamente estreito – o que significa que poderia ser reaproveitado para abrigar pessoas.

Dando uma olhada no espaço iluminado por luzes neon, praticamente vazio em um dia de semana na hora do almoço, o eterno otimista de Nova York declarou: “Eu poderia construir apartamentos com este espaço”./Tradução de Romina Cácia

THE NEW YORK TIMES - Em um escritório no SoHo, fileiras de mesas estão vazias, enquanto um cachorro peludo – acompanhando um tutor que sente falta das comodidades de trabalhar de casa – perambula pelas salas de reunião. Numa empresa do setor de tecnologia no centro de Nova York, um grupo de profissionais na casa dos 20 e poucos anos se divide em equipes e grita “quem está na equipe laranja?” e “vamos acabar com vocês!”, como parte de uma noite de jogos que os atrai de volta ao trabalho presencial. No metrô, os passageiros se deleitam com um luxo outrora inimaginável: usar dois lugares ao mesmo tempo.

Cerca de um ano e meio depois de o prefeito Eric Adams dar bronca nos trabalhadores (“Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!”), a ocupação dos escritórios de Nova York no final de agosto estava 41% abaixo do registrado antes da pandemia.

Apenas 9% dos trabalhadores de escritório da cidade estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano, de acordo com a Partnership for New York City, organização comercial do município.

O volume de trabalho remoto pelo país está mais variado, com pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos sendo cumpridos atualmente de casa.

Mas, em Nova York, a sensação geral nos escritórios é uma bem conhecida pelos moradores locais: é como se sentar no metrô na expectativa de ir a um determinado lugar e, então, sentir o vagão dar um solavanco e parar. Ele fica ali parado, sem ninguém ter ideia de quando vai voltar a andar de novo. Os passageiros se entreolham, ficam inquietos e sentem que não podem fazer nada.

Esse é o limbo que o setor imobiliário está vivendo agora, conforme as empresas tentam encher seus escritórios de novo. Os proprietários de edifícios estão à espera da movimentação. Poucos sabem o que fazer até lá.

Em meio a tudo isso, está Eric Gural, cuja família tem um império de imóveis comerciais na cidade de Nova York, a GFP Real Estate, que é dona e administra mais de 55 propriedades e milhares de metros quadrados, ou cerca de 2% dos edifícios de escritórios da cidade.

Escritório vazio em prédio de Nova York; espaços abandonados podem causar prejuízos ao setor imobiliário Foto: Haruka Sakaguchi / The New York Times

Esta não é a primeira vez em que a família de Gural vê o mercado imobiliário tropeçar. Antes houve 2008, durante a Grande Recessão, quando um diretor sênior da Cushman & Wakefield informou que “as notícias por aí têm sido chocantes”.

Houve as consequências dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando as manchetes declaravam: “Dispara o número de escritórios vazios no centro da cidade”.

E a retração econômica em 1990, quando um profissional do setor imobiliário confessou, numa matéria sobre os escritórios vazios: “As pessoas estão com medo”.

Mas desta vez parece ser diferente. O valor dos edifícios de escritórios de Nova York pode cair aproximadamente US$ 50 bilhões nos próximos anos, de acordo com pesquisadores das Universidade Columbia e de Nova York.

“A covid afetou todo mundo”, disse Gural, 55 anos. “Quem se deu bem com a covid?”

Durante a maior parte das crises econômicas anteriores da cidade, o avô de Gural, Aaron, um líder de longa data do negócio imobiliário da família, tinha certeza de que as pessoas iriam se interessar por escritórios baratos em Nova York.

“Não importa o que aconteça, vai haver demanda para o metro quadrado a US$ 10″, era o pensamento dele, segundo o neto.

Esse raciocínio agora parece duvidoso. É um momento assustador para o setor de imóveis comerciais, que já foi abalado antes, mas nunca tão profundamente.

A taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019; há cerca de 8 milhões de metros quadrados de imóveis para escritórios disponíveis para locação na cidade.

As taxas de inadimplência de empréstimos para escritórios nos EUA estão no pico da época da pandemia, em quase 5%.

Os proprietários de edifícios estão reconhecendo a incerteza após o feriado do Dia do Trabalho, o terceiro desde o surgimento das vacinas, enquanto os executivos das principais empresas intensificam mais uma vez a exigência de retorno ao escritório.

Os economistas temem que os escritórios vazios possam levar a um “ciclo de ruína urbana”: menos pessoas se deslocam todos os dias, as empresas do centro e dos arredores sofrem com isso, as receitas fiscais caem e fica mais difícil para as cidades manter os serviços públicos funcionando.

Para tentar descobrir o que vem por aí, pareceu didático falar com alguém para quem os números de espaços vazios têm uma urgência específica – alguém que é dono de um imóvel comercial desocupado.

Ao ser questionado a respeito de qual seria o pior cenário para sua empresa, Gural disse: “Os aluguéis ficarem mais baratos. A ocupação ser menor. Não ser tão rentável. A pior parte disso é que pode afetar parte do trabalho filantrópico que realizamos.”

Por enquanto, ele continua confiante, em parte depositando esperanças num retorno maior ao trabalho presencial. Ele se inspira nos dois filhos, ambos na casa dos 20 anos, que dizem querer a experiência de se deslocar de metrô e trabalhar longe de seus sofás.

“Os jovens querem trabalhar num escritório – como é mesmo aquela fala de ‘Seinfeld’? ‘Finalmente descobri por que temos filhos, eles estão aqui para nos substituir’”, disse Gural, lembrando a essência do cânone de Jerry Seinfeld. “A próxima leva de funcionários administrativos, de profissionais vai querer trabalhar em escritórios.”

Móveis abandonados em escritório em Manhattan; apenas 9% dos funcionários de Nova York estavam indo trabalhar presencialmente cinco dias por semana no início do ano Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Depois acrescentou: “As únicas duas coisas incríveis que não foram criadas no escritório foram o fogo e a roda”. Esta não é a primeira vez que os nova-iorquinos enfrentam crises recorrendo ao pensamento mágico visto no seriado “Seinfeld”.

No entanto, uma crise é uma coisa, mas o que dizer de uma mudança permanente na forma como trabalhamos e vivemos? Enquanto os proprietários de edifícios observam o quanto a mudança para o regime de trabalho híbrido será permanente, alguns adotaram um novo mantra: “sobreviva até 2025″.

Localização é tudo

As pessoas que se deslocam por Manhattan no verão tendem a querer um sorvete. Essa é uma lição que o avô de Gural aprendeu, na década de 1930, quando teve sua primeira experiência nos negócios, vendendo casquinhas em um semáforo perto da Ponte George Washington.

“Vá para onde as pessoas estão”, disse Gural, lembrando do pensamento do avô.

Sensação geral nos escritórios de Nova York é uma bem conhecida pelos moradores locais: sentem que não podem fazer nada Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Essa filosofia guiou a estratégia dele no setor de imóveis comerciais. Em vez de competir com os amigos pelas propriedades mais chiques da cidade, as joias no Central Park e na Quinta Avenida, a família Gural comprou imóveis baratos que antes funcionavam como fábricas em locais convenientes.

A empresa focou naquilo que é conhecido como escritório de categoria B: propriedades sem adornos, muitas delas na área onde se concentram os designers e as empresas de moda, em vez das torres espelhadas como aquelas de Hudson Yards.

Cerca de 33% dos edifícios de escritórios da cidade são de categoria B, de acordo com a Jones Lang LaSalle, empresa de investimento imobiliário.

Depois da pandemia, a estratégia da família Gural poderia colocar os negócios dela numa situação mais difícil. Os corretores de imóveis dizem estar testemunhando uma “fuga para a qualidade”, na qual os inquilinos migram para espaços sofisticados na esperança de atrair os trabalhadores de volta para o escritório.

Isso significa que a crise dos escritórios para os donos de imóveis de categoria B é particularmente aguda.

As propriedades de categoria B muitas vezes se parecem com o estereótipo de um escritório de Nova York: paredes de tijolinhos, janelas pequenas, cozinhas com maçãs que nunca são tocadas, elevadores que parecem não serem consertados desde o governo Giuliani.

O tipo de lugar para onde as pessoas talvez não retornem voluntariamente. Muitas empresas com dificuldades para trazer os funcionários de volta ao presencial agora estão de olho em pontos mais chamativos, do tipo com estabelecimentos que vendem sucos saudáveis e têm esteiras no prédio.

“Os proprietários de edifícios de categoria B estão numa situação terrível”, disse Ruth Colp-Haber, CEO da corretora Wharton Property Advisors. “Eles estão enfrentando um tsunami de pressões, e alguns vão ser arrastados pela maré.”

Existem três jogadas disponíveis para os donos de edifícios de escritórios no jogo cada vez mais preocupante de seus negócios.

Os proprietários poderiam investir em seus imóveis para tentar torná-los mais interessantes, transformando edifícios de categoria B- em edifícios B+ com novas comodidades – saguões e elevadores mais elegantes, cafés e até mesmo academias.

Poderiam deixar de pagar seus empréstimos e devolver as chaves de um edifício para os bancos; afinal, a falta de pagamento de uma hipoteca por um imóvel não costuma permitir que o banco toque nos demais.

E também há a possibilidade da conversão, transformar os edifícios de escritórios em prédios residenciais, hotéis, lojas e laboratórios.

Entre 3% e 10% dos escritórios da cidade de Nova York podem ser bons candidatos à conversão, de acordo com especialistas, o que frequentemente significa que os edifícios são estreitos o suficiente para serem divididos em apartamentos com janelas.

Além de transformar um espaço, descartá-lo ou melhorar sua classificação, há outro plano de ação possível (ou, na verdade, de não ação) para os proprietários: esperar e ver o que acontece.

Há cerca de um ano e meio, o prefeito Eric Adams deu uma bronca nos trabalhadores: “Vocês não podem ficar em casa de pijama o dia todo!” Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Esperar que os trabalhadores voltem para o escritório e que as taxas de juros diminuam nesse meio tempo. Rezar para que os jovens sintam falta da rotina e que daqui a pouco retomem seus antigos deslocamentos diários, permitindo que o metrô parado volte a andar.

“Esta é uma tendência muito, muito lenta”, disse Ruth. “É uma questão que vai ser adiada o máximo possível.”

Gural disse que sua empresa, na pior das hipóteses, “ficaria como está”, observando que muitos dos acordos da GFP Real State são com inquilinos de pequeno porte, que não são monitorados pelos relatórios do setor. Ele não acredita que a GFP vá precisar devolver nenhum de seus edifícios aos bancos.

Espalhadas por Manhattan estão as propriedades de Gural que estão operando sem percalços como sempre. Como, por exemplo, o edifício elegante de tijolinhos na Rua Crosby, 10; que já foi lar da cadeia de mercearias de luxo Dean & Deluca, no Soho.

Ele agora abriga a Converse e a Aritzia, entre outros inquilinos – e não tem espaço disponível para locação, segundo o site de informações de imóveis comerciais CoStar.

Já outras propriedades estão passando por dificuldades. Dois dos edifícios da GFP na Rua West 34th têm quase 30% de seu espaço disponível para alugar.

A empresa conseguiu uma extensão de três anos de uma hipoteca para uma de suas propriedades emblemáticas, o edifício DuMont, uma torre art déco de 42 andares na Avenida Madison, 515, depois de deixar de pagar um empréstimo de US$ 103 milhões pela propriedade.

Gural também está negociando uma extensão de um empréstimo para um prédio de escritórios no bairro de Union Square.

A família espera solicitar prorrogações de prazo de pagamentos para outros imóveis. Mas enquanto os bancos permitirem as extensões de prazo dos Gurals – e não parece que eles estejam interessados nas chaves dos edifícios –, não há razão para a família desistir de qualquer uma de suas propriedades ainda.

“As pessoas vão voltar para o escritório”, disse Gural, cujos funcionários da GFP devem trabalhar presencialmente três dias por semana – embora esse número tenha aumentado para quatro depois do feriado do Dia do Trabalho, em 4 de setembro.

Pouco menos de um terço dos expedientes nos Estados Unidos estão sendo cumpridos atualmente de casa Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

“Não acho que o mundo inteiro tenha feito isso errado nos últimos cem anos”, acrescentou. “Não mesmo. Surgiram tantas coisas bem-sucedidas no mundo. Um aspecto que elas tinham em comum era o escritório.”

Gural está preso no mesmo limbo do restante da cidade, embora para ele os riscos sejam bastante pessoais.

A perspectiva dele é mais otimista do que a de Manus Clancy, diretor-sênior da Trepp, empresa de dados imobiliários comerciais.

“O mercado de escritórios é bastante – qual é a palavra? – desprezado”, disse Clancy. “Vamos ver muitos calotes terríveis.”

‘Sangue saindo do nosso nariz’

De pé nos degraus do tribunal do condado de Nova York em maio, inúmeros homens (e eram principalmente homens mesmo), vestindo ternos com caimento perfeito, gritavam ofertas para comprar o edifício Flatiron – uma estranha batalha por um prédio emblemático de escritórios num momento em que o futuro do setor parece extremamente incerto.

“O lance inicial é de US$ 50 milhões!”, disse o leiloeiro.

A família Gural ganhou, comprando a parte de seu parceiro e passando a ser a única dona do prédio por US$ 161 milhões.

Conversando com um grupo de repórteres depois, o presidente da GFP, Jeff Gural (pai de Eric), anunciou que estava estudando a possibilidade de transformar pelo menos metade do Flatiron em imóveis residenciais, provavelmente em apartamentos. Os Gurals também estão analisando se parte do prédio poderia ser usada como espaço para um hotel.

É um reconhecimento de que o perfil imobiliário deles no futuro será diferente, não importa o quanto cresça o retorno ao trabalho presencial na cidade.

Afinal, quando as empresas começam a oferecer doações de caridade em nome de todos os funcionários que voltam para o escritório, como a Salesforce fez em junho, trata-se de um pedido de resgate.

Muitos especialistas do setor imobiliário argumentam que não há motivos para otimismo para os donos de escritórios de categoria B na cidade.

“Em muitos casos, infelizmente, a opção deles pode ser entregar as chaves ao credor”, disse Josh Zegen, diretor e cofundador da Madison Realty Capital, especializada no financiamento de imóveis comerciais. “Estamos começando a ver isso acontecer cada vez mais.”

Enquanto isso, algumas lideranças da cidade estão lutando pela transformação de mais escritórios em moradias, já que o número de pessoas em situação de rua chega a 100 mil.

Em agosto, o prefeito Adams anunciou planos para transformar mais edifícios em Manhattan em espaços residenciais, rezoneando áreas de fábricas na região de Midtown e permitindo que edifícios construídos há pouco tempo, como em 1990, fossem convertidos em moradias.

Taxa de desocupação de escritórios de Nova York aumentou mais de 70% desde 2019 Foto: Haruka Sakaguchi/The New York Times

Atualmente, apenas aqueles construídos antes de 1977 ou 1961, dependendo da localização, podem ser transformados em residências. O plano exigiria a aprovação da câmara municipal.

Os Gurals também pressionaram por mais apoio às conversões de escritórios. O primo de Eric Gural, Brian Steinwurtzel, está ajudando a supervisionar para a GFP o que seria a maior transformação de um edifício de escritórios em moradias no país, criando cerca de 1.300 apartamentos no prédio conhecido como 25 Water Street.

Mas Gural frisou que os proprietários de edifícios precisavam de políticas de rezoneamento e incentivos fiscais para alavancar as conversões.

“Acabamos de perder todos os rounds de um combate com 15 rounds”, disse Gural referindo-se aos donos de edifícios da cidade. “Estamos deitados no chão. Temos sangue saindo do nosso nariz. E a nossa cabeça dói.”

Para um lutador ensanguentado, Gural falava com um certo entusiasmo. Sentado em um bar de blues na região de Midtown West, ele pegou uma faca e a segurou pela ponta. Ele explicou que o bar, como a faca, é extremamente estreito – o que significa que poderia ser reaproveitado para abrigar pessoas.

Dando uma olhada no espaço iluminado por luzes neon, praticamente vazio em um dia de semana na hora do almoço, o eterno otimista de Nova York declarou: “Eu poderia construir apartamentos com este espaço”./Tradução de Romina Cácia

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