ENVIADO ESPECIAL A NIIGATA, JAPÃO - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assegura não ter conversado com o secretário-executivo da pasta, Gabriel Galípolo, sobre a presidência do Banco Central. Nos corredores de Brasília, diz-se que a indicação de Galípolo para a diretoria de Política Monetária do BC, confirmada por Haddad na última segunda-feira, foi uma oferta casada para a sucessão de Roberto Campos Neto, atual presidente do banco.
Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, no saguão do hotel em que está hospedado em Niigata, no Japão, para o G-7 Financeiro, Haddad diz que se mantém próximo à discussão do arcabouço fiscal apesar da distância oceânica que o separa de Brasília. O ministro, em razão do fuso horário, tem acordado de madrugada para acompanhar o “estica e puxa” do relatório a ser apresentado pelo deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA). O Centrão pressiona o relator a endurecer o texto, enquanto o PT quer uma regra mais ‘light’.
O petista afirma esperar que haja o mínimo de alteração no texto da nova regra fiscal despachado pela equipe econômica. “Nós construímos uma proposta calibrada. Tanto é verdade que os dois lados estão querendo estressar para seu lado”, defende o ministro.
Haddad faz um balanço sobre a viagem oficial ao Japão -- ele retorna ao Brasil amanhã --, prevê inflação controlada no ano que vem, embora evite comentar sobre alterações no regime de metas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. foi o primeiro ministro da Fazenda brasileiro a participar do G-7. De que forma o contato com os países do grupo pode ajudar a economia brasileira e qual o saldo da viagem?
É bastante claro que o fato de o Brasil assumir a presidência do G-20 no ano que vem foi central para o convite, tanto para mim quanto para o presidente Lula. Há uma preocupação com o recrudescimento das tensões e dos problemas clássicos, como mudança climática, desigualdade e a questão democrática. Mas há questões novas que surgiram com o aumento dos juros no mundo inteiro em virtude da inflação e das cadeias de suprimento, que é a crise da dívida. Muitos países estão endividados. Eu tive uma bilateral com a Índia, que preside o G-20 agora. A primeira providência foi estar bastante próximo da Índia, para no segundo semestre fazermos uma transição robusta (da presidência do G-20).
O sr. falou muito sobre Argentina nos encontros bilaterais…
Eu falei em duas ocasiões sobre Argentina, com a Janet Yellen (secretária do Tesouro americano) e com a Kristalina Georgieva (diretora-gerente do FMI).
E qual foi a recepção da Kristalina, a mais interessada na questão da Argentina?
Fiz chegar uma consideração do Brasil sobre a importância geopolítica da Argentina, não apenas para a América do Sul. Penso que a situação da Argentina inspira cuidado global, por isso a trouxe para o G7. A Kristalina, nos minutos em que estivemos juntos, relatou as negociações que vêm sendo feitas com a Argentina. Ela sabe da seca severa que a Argentina está enfrentando. A principal assessora dela, a Gita (Gopinath), está indo ao Brasil. Nós combinamos que ela vai detalhar mais a situação da Argentina para nós e como o FMI está vendo a Argentina neste momento.
O sr. se reuniu aqui no Japão com a secretária Yellen. Os Estados Unidos, assim como o Brasil, enfrentam o remédio amargo dos juros para conter a inflação. O sr. e Yellen chegaram a conversar sobre política monetária?
Foi mais com Stiglitz sobre isso. Conversamos sobre vários assuntos: integração regional, papel do Brasil e sobre essa anomalia que é o juro brasileiro, o mais alto do mundo. E como a inflação projetada para o ano que vem [no Brasil] é bastante controlada.
O sr. já disse que vê a meta de inflação contínua (índice acumulado em 12 meses, de form contínua) como um instrumento mais eficiente do que a meta-calendário (índice acumulado de janeiro a dezembro). Uma alteração no tipo de meta ou no seu nível será discutida no Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho?
Tenho procurado ser muito rigoroso com o plano de voo que estabelecemos. Tínhamos as indicações de diretores do Banco Central, que foram feitas. Agora temos a aprovação do arcabouço fiscal. Só depois disso vou tratar de outro assunto. A ordem dos fatores altera o produto. Estamos com uma agenda forte de coibir sonegação, promover as reonerações, defender o ponto de vista da Receita e do Tesouro no Judiciário e no Congresso. Nós estamos sendo muito bem sucedidos nessa agenda até aqui. Já há um reconhecimento internacional do trabalho que o governo Lula tem feito. E isso foi manifestado claramente pela Kristalina, que saudou os esforços.
O Congresso já sinalizou que deve promover mudanças no texto do arcabouço fiscal, cujo relatório final foi adiado devido à viagem do sr. O Centro cobra um texto mais duro nas punições em caso de descumprimento da meta. Já o PT quer um arcabouço ‘light’. O que o sr. prevê que será alterado no texto final?
Nós construímos uma proposta calibrada. Tanto é verdade que os dois lados estão querendo estressar para o seu lado. É só a demonstração de que está calibrado. Se não houvesse insatisfação dos dois lados, teria algo errado na calibragem. Nós procuramos linha fina entre equilíbrio fiscal e paz social, desde sempre o mote do discurso do presidente Lula. Relembrando o que ele próprio, como presidente já fez; o equilíbrio entre fiscal e social, até porque são indissociáveis. Penso que a calibragem está bem feita e esperamos que haja o mínimo de alteração. Os parâmetros estão adequados para a situação política e social que o Brasil vive.
Desde a confirmação de Gabriel Galípolo como indicado do governo para uma diretoria do BC, há uma avaliação de que essa seria uma indicação casada -- ou seja, com promessa de Galípolo assumir a presidência do BC em 2025, com a saída de Roberto Campos Neto. É fato?
Não discuti com Galípolo a presidência do Banco Central. Até porque ele estabeleceu um diálogo profícuo com Roberto Campos Neto. Nós vimos uma oportunidade de estimular o debate técnico, uma vez que o próprio mercado está dividido em torno da oportunidade imediata de começar ciclo de baixa de juros.