A história do Brasil, tal como é conhecida, é marcada por fantasias e omissões. É o caso do “grito do Ipiranga”; o silêncio sobre o papel decisivo da imperatriz Leopoldina na Independência e nos movimentos libertários de 1817 e 1824; o golpe militar eufemisticamente denominado “proclamação” da República; a mitologia em torno de Tiradentes, cujo perfil foi produzido à semelhança de Cristo como retratado pelos pintores renascentistas, entre outros.
Temos, também, o gosto pelo inacabado. O Decreto n.º 1 da República, subscrito pelo marechal Deodoro da Fonseca, “chefe” do governo provisório, “proclama” provisoriamente a República e a Federação, que, no meu entender, seguem provisórias. O artigo 2.º da Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, facultou a existência de medidas provisórias permanentes, sem incomodar sequer os dicionaristas.
Suscitada em várias ocasiões no período imperial, a Federação de 1889 foi uma cópia mal-acabada do que existia nos Estados Unidos, em circunstâncias absolutamente distintas: lá, ascendente e contratual; aqui, descendente e normativa. Era mais uma manifestação do nosso arraigado complexo de vira-latas, que cultua acriticamente ideias gestadas no exterior.
Desde então, vivenciamos um federalismo roto, contrastando com o discurso de um pacto federativo que nunca houve.
O federalismo cooperativo, previsto no artigo 23 da Constituição federal, aguarda disciplinamento desde 1988. E ninguém se importa com isso.
A Constituição diz que o ICMS é um imposto seletivo, fundado na essencialidade. Lei complementar reconheceu, embora tardiamente, que combustíveis e lubrificantes são produtos essenciais e, portanto, não podem ter alíquota maior do que a modal.
Ninguém questiona a essencialidade daqueles produtos. Postula-se, contudo, ressarcimento aos Estados por uma “perda” que a Constituição impõe.
À competência tributária dos entes federativos, desde a reforma tributária de 1965, acrescentou-se a constitucionalização da partilha de rendas, a pretexto de enfrentar as flagrantes desigualdades inter-regionais. Esse objetivo, todavia, jamais foi alcançado, mesmo porque os critérios de partilha não guardam consistência com ele.
Essa desordem federativa foi agravada pelas “emendas parlamentares”, que, de início, eram pouco expressivas em termos fiscais. Depois, elas cresceram significativamente e assumiram caráter impositivo. Culminaram com o monstrengo do orçamento secreto. São elas a face ostensiva do desperdício de dinheiro público, da cooptação política pouco virtuosa e, não raro, da corrupção.