Médicos dizem que as infecções oportunistas são causadas por microrganismos que se aproveitam de debilidades no sistema imunológico e podem se converter em epidemias em razão de imprudência ou negligência humana. No último parágrafo de A Peste, obra-prima de Albert Camus, o personagem Bernard Rieux refletia: “O bacilo da peste não morre, nem desaparece, espera com paciência... e chega talvez o dia em que... a peste acorda os ratos e os manda morrer numa cidade feliz”.
Traçando um paralelo, perversidades sociais, a exemplo do crime organizado, corrupção e vícios de todos os gêneros, constituem uma ameaça permanente, sobretudo em países com fragilidades institucionais e déficit civilizatório, como o Brasil. Esse entendimento é abonado por fatos recentes.
A Constituição de 1988 admitiu que a proposta orçamentária pudesse ser objeto de emenda para proceder à “correção de erros ou omissões”. Tese, em princípio, razoável.
Essa brecha legal serviu, todavia, de pretexto para, artificialmente, elevar a receita e financiar “emendas parlamentares”. De início, elas constituíam valores modestos; hoje representam quase ¼ das despesas discricionárias da União, desdobrando-se em uma larga coleção de alternativas (emendas individuais, de bancada, impositivas, secretas e as teratológicas emendas Pix), que acentuam as distorções no já disfuncional federalismo fiscal e são fonte poderosa de corrupção. Reverter essa iniquidade requer uma desproporcional energia política.
A incapacidade de enfrentar os crônicos desequilíbrios fiscais por meio do gasto pretexta a elaboração de fantasias, como teto de gastos e arcabouço fiscal, e a busca alucinada por novas fontes de receita, não raro esdrúxulas, como a anistia parcial em decisões tomadas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pelo voto de qualidade, ou tóxicas, como a tributação de apostas esportivas (“bets”).
A febre das “bets” resultou em expressivo endividamento dos mais pobres, redução do consumo, ludopatia digital e estímulo à corrupção nas competições esportivas.
Até mesmo o Bolsa Família tem sido utilizado em apostas esportivas, em abusivo desvio de finalidade.
Não consigo entender a surpresa diante desse quadro, construído por uma combinação de maciça publicidade, amplo patrocínio dos clubes de futebol e legislação que ampara a atividade.
São pífias as medidas cogitadas para enfrentar a febre das “bets”, como o controle de licenças para exploração da atividade e a vedação do uso de recursos do Bolsa Família. Ingenuidade ou impotência? A febre não será debelada.