Ex-donos do Kabum querem processar Magalu por difamação; varejista também cogita ir à Justiça


Irmãos Thiago e Leandro Ramos foram demitidos do Magazine Luiza em 2021, por justa causa; empresa diz que seguiu a lei em ‘todas as decisões tomadas’ e diz que pode entrar com processo contra dupla para ‘reaver danos gerados pela acusação’

Por Talita Nascimento
Atualização:

A compra do Kabum pelo Magazine Luiza, em 2021, continua sendo questionada pelos fundadores da empresa. Demitidos da varejista por justa causa neste ano, os irmãos Thiago e Leandro Ramos devem entrar com um processo na Justiça alegando supostos atos de calúnia e difamação por afirmações do Magazine Luiza apresentadas como motivos para o desligamento de ambos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

A varejista, por sua vez, afirmou à reportagem “que pode entrar, no futuro, com processo contra os irmãos Ramos para reaver danos gerados pela acusação”.

Sem entrar em detalhes, o Magalu citou à Justiça do Trabalho que os irmãos Ramos teriam usado o Kabum, depois de já vendido para a varejista, para pagar contas particulares, importar carros e abrir uma empresa concorrente.

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Entre as várias frentes nas quais os irmãos questionam a transação com o Magalu, a Justiça do Trabalho é uma delas. Eles questionaram a demissão. O Magazine Luiza alegou que o processo não poderia ser feito em nome dos dois, já que havia motivos diferentes para o desligamento de cada um. Como não se trata de uma defesa, a varejista não detalhou as acusações, mas citou ao menos três situações.

A primeira é que os irmãos teriam pedido resoluções de questões pessoais a secretárias da empresa, o que pode implicar no uso de recursos da companhia para fins privados. A segunda é que haveria o uso de recursos do Kabum na compra de dois carros de luxo importados por eles. A terceira é que eles teriam aberto uma empresa concorrente ao Kabum, algo que lhes estaria vetado pelo contrato de venda da plataforma ao Magazine Luiza.

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Magazine Luiza comprou o Kabum, mas antigos donos do site consideram ter sido enganados Foto: Felipe Rau / Estadão

Por meio do escritório de advocacia Warde, Thiago e Leandro Ramos fizeram uma interpelação criminal a Frederico Trajano, CEO do Magalu, Patrícia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas, José Aparecido dos Santos e Luiz Alexandre Liporoni, diretores jurídicos, dando a oportunidade de retratação pública quanto às afirmações e alertando para a possibilidade de processo por calúnia e difamação. A interpelação e outras duas notificações que rebatem as acusações datam do fim de abril e do início de maio deste ano.

Entre as argumentações apresentadas pela defesa dos irmãos para os pontos da varejista, estão capturas de tela de conversas com um membro do Conselho de Administração do Magalu, Carlos Renato Donzelli, com mensagens sobre a importação dos carros e a possibilidade de que os valores fossem abatidos de créditos fiscais do Kabum que, por contrato, cabem aos Ramos.

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Depois de concluir que os créditos não poderiam ser usados ainda, apresenta-se a opção de que os valores constassem em um ajuste na “conta-corrente dos ativos contingentes”. Os irmãos concordam com essa opção.

Sobre a suposta empresa concorrente criada, o escritório Warde argumenta em peça do processo que a Mosca Holding LTDA é apenas uma sociedade holding patrimonial, exclusivamente imobiliária e que tem aluguéis, desde sua fundação, como única fonte de receita, em cujo capital social os imóveis de propriedade de Leandro Ramos foram integralizados.

“A Mosca Holding nunca vendeu um único suprimento de informática em sua existência (em verdade, nunca auferiu um único centavo de receita em nenhum tipo de venda, nem mesmo de imóveis) e essa atividade foi incluída em seu objeto social quase um ano antes de o Magazine Luiza adquirir o controle acionário do KaBuM!, com o exclusivo propósito de permitir que a sociedade ajuizasse uma ação judicial para ‘testar’ a receptividade de tese jurídica tributária de interesse do KaBuM!”, diz a notificação.

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Sobre as funções de secretárias da empresa que fariam serviços pessoais aos fundadores do Kabum, a interpretação da defesa dos irmãos é que o Magazine Luiza fez uma diligência trabalhista na empresa antes de adquiri-la e, portanto, sabia das atribuições das funcionárias.

Fontes próximas ao Magazine Luiza, indicam, por outro lado, que a companhia teria fartura de provas ainda não juntadas ao processo, já que ainda não foi feita a defesa formal da empresa, mas apenas as justificativas para a justa causa. Faria parte da estratégia jurídica apresentar estas evidências conforme o processo evolui.

A venda do Kabum

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A varejista também conseguiu acesso a trechos antes não revelados de relatório da Kroll, que embasa o pedido de produção antecipada de provas feito pelo escritório Warde contra o Itaú BBA em outra frente do caso. O Itaú BBA era contratado dos fundadores do Kabum para articular sua venda, e os fundadores da plataforma afirmam que o Magazine Luiza foi favorecido no processo.

Trechos inéditos desse relatório, porém, mostram que fontes ligadas ao Itaú BBA e pares de mercado, entrevistadas pela consultoria, teriam dito que o processo de venda do Kabum teve concorrência e que a proximidade de Ubiratan Machado, assessor da transação pelo Itaú BBA, e de Frederico Trajano, que são cunhados, teria, na verdade, beneficiado o negócio dos irmãos Ramos.

No entanto, na visão da defesa dos Ramos, esta proximidade é uma das principais evidências de que o Magazine Luiza teria sido favorecido no processo, o que representa prejuízo para os vendedores que eram assessorados por Machado.

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As partes do relatório, segundo documentos aos quais o Estadão/Broadcast teve acesso, teriam sido retiradas pelos irmãos e sua defesa do pedido de produção antecipada de provas por não favorecerem a narrativa da acusação.

Até agora, os Ramos tiveram decisão favorável em primeira instância para o acesso aos contratos do Magazine Luiza e do Itaú BBA para a oferta de “follow-on” (oferta subsequente ações), anunciada ao mercado juntamente com a compra do Kabum, e às mensagens trocadas durante o processo de venda entre os diferentes interessados. O Itaú BBA recorreu da decisão e ainda não houve decisão em segunda instância.

Os irmãos Ramos ainda conseguiram na 1ª Vara Cível de São Paulo o aval para a publicação de um protesto relativo aos bens de Ubiratan Machado, executivo da área de fusões e aquisições do Itaú BBA. O dispositivo funciona como um alerta de que os bens do executivo podem vir a ser alvo de um pedido de indenização.

O Estadão/Broadcast apurou que Thiago e Leandro querem reaver o valor da comissão paga a Machado pela venda do Kabum, por acreditarem ter sido enganados. O Itaú BBA, por sua vez, deve apoiar Ubiratan e recorrer da decisão de protesto sobre seus bens.

O Estadão/Broadcast teve acesso ainda ao histórico da transação, parte via a petição de produção antecipada de provas dos fundadores do Kabum, parte via arquivos ainda não juntados ao processo. De acordo com esses documentos, o processo de venda da Kabum começou em 2019 e teve, ao todo, cerca de 20 interessados.

O valor pago ao final pelo Magalu, de R$ 3,5 bilhões, parte em dinheiro, parte em ações, subiu ao longo da negociação, já que a empresa esteve muito perto de fechar negócio com a Americanas e com a Havan, o que tornou o processo mais competitivo.

Em nota, Leandro Ramos, do Kabum afirmou que “o Itaú BBA e Ubiratan Machado, que se projetam no mercado como os melhores assessores de M&A da América Latina, traíram a nossa confiança e agiram em total conflito de interesses em todas as fases da negociação da venda do KaBuM!”.

“Trabalharam para o Magazine Luiza, sua sócia, não para nós. Trabalharam para Frederico Trajano, cunhado de Ubiratan, não para nós. Receberam dos dois lados e nos esconderam propositalmente informações que mudariam tudo. Vão ter de nos indenizar cada centavo que entregaram para o Magazine Luiza”, diz.

O Magazine Luiza, por sua vez, afirma que “ao longo dos seus mais de 60 anos, o Magalu sempre pautou sua atuação na ética, na transparência e no respeito irrestrito à lei”. “Não foi diferente durante o processo de aquisição de mais de 20 empresas nos últimos anos, entre elas, o Kabum. Todas as decisões tomadas até aqui em relação ao Kabum e a seus fundadores seguem a lei e se baseiam exclusivamente em fatos, cujas evidências e provas serão apresentadas à Justiça, no momento oportuno”, afirma.

Em nota, o Itaú BBA afirmou que “todas as acusações imputadas ao banco e ao executivo Ubiratan Machado são absolutamente inverídicas”. “O Itaú BBA esclarece que a venda do KaBum ao Magalu foi concluída após um processo competitivo, diligente e transparente, para o qual foram convidados mais de 20 players. Reafirma que os ex-acionistas do KaBum sempre estiveram à frente das negociações com o Magalu e com os demais proponentes e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação às condições, aos valores da transação e aos riscos envolvidos na parcela recebida em ações”, afirma.

O banco diz lamentar que a Justiça esteja sendo acionada “a partir de informações mentirosas, que pretendem tão somente confundir, constranger e manchar a reputação da instituição e de um profissional que, há décadas, atuam de forma ilibada no mercado financeiro”. A empresa afirma ainda que “medidas cabíveis contra essa injusta agressão serão tomadas no tempo oportuno”.

A compra do Kabum pelo Magazine Luiza, em 2021, continua sendo questionada pelos fundadores da empresa. Demitidos da varejista por justa causa neste ano, os irmãos Thiago e Leandro Ramos devem entrar com um processo na Justiça alegando supostos atos de calúnia e difamação por afirmações do Magazine Luiza apresentadas como motivos para o desligamento de ambos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

A varejista, por sua vez, afirmou à reportagem “que pode entrar, no futuro, com processo contra os irmãos Ramos para reaver danos gerados pela acusação”.

Sem entrar em detalhes, o Magalu citou à Justiça do Trabalho que os irmãos Ramos teriam usado o Kabum, depois de já vendido para a varejista, para pagar contas particulares, importar carros e abrir uma empresa concorrente.

Entre as várias frentes nas quais os irmãos questionam a transação com o Magalu, a Justiça do Trabalho é uma delas. Eles questionaram a demissão. O Magazine Luiza alegou que o processo não poderia ser feito em nome dos dois, já que havia motivos diferentes para o desligamento de cada um. Como não se trata de uma defesa, a varejista não detalhou as acusações, mas citou ao menos três situações.

A primeira é que os irmãos teriam pedido resoluções de questões pessoais a secretárias da empresa, o que pode implicar no uso de recursos da companhia para fins privados. A segunda é que haveria o uso de recursos do Kabum na compra de dois carros de luxo importados por eles. A terceira é que eles teriam aberto uma empresa concorrente ao Kabum, algo que lhes estaria vetado pelo contrato de venda da plataforma ao Magazine Luiza.

Magazine Luiza comprou o Kabum, mas antigos donos do site consideram ter sido enganados Foto: Felipe Rau / Estadão

Por meio do escritório de advocacia Warde, Thiago e Leandro Ramos fizeram uma interpelação criminal a Frederico Trajano, CEO do Magalu, Patrícia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas, José Aparecido dos Santos e Luiz Alexandre Liporoni, diretores jurídicos, dando a oportunidade de retratação pública quanto às afirmações e alertando para a possibilidade de processo por calúnia e difamação. A interpelação e outras duas notificações que rebatem as acusações datam do fim de abril e do início de maio deste ano.

Entre as argumentações apresentadas pela defesa dos irmãos para os pontos da varejista, estão capturas de tela de conversas com um membro do Conselho de Administração do Magalu, Carlos Renato Donzelli, com mensagens sobre a importação dos carros e a possibilidade de que os valores fossem abatidos de créditos fiscais do Kabum que, por contrato, cabem aos Ramos.

Depois de concluir que os créditos não poderiam ser usados ainda, apresenta-se a opção de que os valores constassem em um ajuste na “conta-corrente dos ativos contingentes”. Os irmãos concordam com essa opção.

Sobre a suposta empresa concorrente criada, o escritório Warde argumenta em peça do processo que a Mosca Holding LTDA é apenas uma sociedade holding patrimonial, exclusivamente imobiliária e que tem aluguéis, desde sua fundação, como única fonte de receita, em cujo capital social os imóveis de propriedade de Leandro Ramos foram integralizados.

“A Mosca Holding nunca vendeu um único suprimento de informática em sua existência (em verdade, nunca auferiu um único centavo de receita em nenhum tipo de venda, nem mesmo de imóveis) e essa atividade foi incluída em seu objeto social quase um ano antes de o Magazine Luiza adquirir o controle acionário do KaBuM!, com o exclusivo propósito de permitir que a sociedade ajuizasse uma ação judicial para ‘testar’ a receptividade de tese jurídica tributária de interesse do KaBuM!”, diz a notificação.

Sobre as funções de secretárias da empresa que fariam serviços pessoais aos fundadores do Kabum, a interpretação da defesa dos irmãos é que o Magazine Luiza fez uma diligência trabalhista na empresa antes de adquiri-la e, portanto, sabia das atribuições das funcionárias.

Fontes próximas ao Magazine Luiza, indicam, por outro lado, que a companhia teria fartura de provas ainda não juntadas ao processo, já que ainda não foi feita a defesa formal da empresa, mas apenas as justificativas para a justa causa. Faria parte da estratégia jurídica apresentar estas evidências conforme o processo evolui.

A venda do Kabum

A varejista também conseguiu acesso a trechos antes não revelados de relatório da Kroll, que embasa o pedido de produção antecipada de provas feito pelo escritório Warde contra o Itaú BBA em outra frente do caso. O Itaú BBA era contratado dos fundadores do Kabum para articular sua venda, e os fundadores da plataforma afirmam que o Magazine Luiza foi favorecido no processo.

Trechos inéditos desse relatório, porém, mostram que fontes ligadas ao Itaú BBA e pares de mercado, entrevistadas pela consultoria, teriam dito que o processo de venda do Kabum teve concorrência e que a proximidade de Ubiratan Machado, assessor da transação pelo Itaú BBA, e de Frederico Trajano, que são cunhados, teria, na verdade, beneficiado o negócio dos irmãos Ramos.

No entanto, na visão da defesa dos Ramos, esta proximidade é uma das principais evidências de que o Magazine Luiza teria sido favorecido no processo, o que representa prejuízo para os vendedores que eram assessorados por Machado.

As partes do relatório, segundo documentos aos quais o Estadão/Broadcast teve acesso, teriam sido retiradas pelos irmãos e sua defesa do pedido de produção antecipada de provas por não favorecerem a narrativa da acusação.

Até agora, os Ramos tiveram decisão favorável em primeira instância para o acesso aos contratos do Magazine Luiza e do Itaú BBA para a oferta de “follow-on” (oferta subsequente ações), anunciada ao mercado juntamente com a compra do Kabum, e às mensagens trocadas durante o processo de venda entre os diferentes interessados. O Itaú BBA recorreu da decisão e ainda não houve decisão em segunda instância.

Os irmãos Ramos ainda conseguiram na 1ª Vara Cível de São Paulo o aval para a publicação de um protesto relativo aos bens de Ubiratan Machado, executivo da área de fusões e aquisições do Itaú BBA. O dispositivo funciona como um alerta de que os bens do executivo podem vir a ser alvo de um pedido de indenização.

O Estadão/Broadcast apurou que Thiago e Leandro querem reaver o valor da comissão paga a Machado pela venda do Kabum, por acreditarem ter sido enganados. O Itaú BBA, por sua vez, deve apoiar Ubiratan e recorrer da decisão de protesto sobre seus bens.

O Estadão/Broadcast teve acesso ainda ao histórico da transação, parte via a petição de produção antecipada de provas dos fundadores do Kabum, parte via arquivos ainda não juntados ao processo. De acordo com esses documentos, o processo de venda da Kabum começou em 2019 e teve, ao todo, cerca de 20 interessados.

O valor pago ao final pelo Magalu, de R$ 3,5 bilhões, parte em dinheiro, parte em ações, subiu ao longo da negociação, já que a empresa esteve muito perto de fechar negócio com a Americanas e com a Havan, o que tornou o processo mais competitivo.

Em nota, Leandro Ramos, do Kabum afirmou que “o Itaú BBA e Ubiratan Machado, que se projetam no mercado como os melhores assessores de M&A da América Latina, traíram a nossa confiança e agiram em total conflito de interesses em todas as fases da negociação da venda do KaBuM!”.

“Trabalharam para o Magazine Luiza, sua sócia, não para nós. Trabalharam para Frederico Trajano, cunhado de Ubiratan, não para nós. Receberam dos dois lados e nos esconderam propositalmente informações que mudariam tudo. Vão ter de nos indenizar cada centavo que entregaram para o Magazine Luiza”, diz.

O Magazine Luiza, por sua vez, afirma que “ao longo dos seus mais de 60 anos, o Magalu sempre pautou sua atuação na ética, na transparência e no respeito irrestrito à lei”. “Não foi diferente durante o processo de aquisição de mais de 20 empresas nos últimos anos, entre elas, o Kabum. Todas as decisões tomadas até aqui em relação ao Kabum e a seus fundadores seguem a lei e se baseiam exclusivamente em fatos, cujas evidências e provas serão apresentadas à Justiça, no momento oportuno”, afirma.

Em nota, o Itaú BBA afirmou que “todas as acusações imputadas ao banco e ao executivo Ubiratan Machado são absolutamente inverídicas”. “O Itaú BBA esclarece que a venda do KaBum ao Magalu foi concluída após um processo competitivo, diligente e transparente, para o qual foram convidados mais de 20 players. Reafirma que os ex-acionistas do KaBum sempre estiveram à frente das negociações com o Magalu e com os demais proponentes e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação às condições, aos valores da transação e aos riscos envolvidos na parcela recebida em ações”, afirma.

O banco diz lamentar que a Justiça esteja sendo acionada “a partir de informações mentirosas, que pretendem tão somente confundir, constranger e manchar a reputação da instituição e de um profissional que, há décadas, atuam de forma ilibada no mercado financeiro”. A empresa afirma ainda que “medidas cabíveis contra essa injusta agressão serão tomadas no tempo oportuno”.

A compra do Kabum pelo Magazine Luiza, em 2021, continua sendo questionada pelos fundadores da empresa. Demitidos da varejista por justa causa neste ano, os irmãos Thiago e Leandro Ramos devem entrar com um processo na Justiça alegando supostos atos de calúnia e difamação por afirmações do Magazine Luiza apresentadas como motivos para o desligamento de ambos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

A varejista, por sua vez, afirmou à reportagem “que pode entrar, no futuro, com processo contra os irmãos Ramos para reaver danos gerados pela acusação”.

Sem entrar em detalhes, o Magalu citou à Justiça do Trabalho que os irmãos Ramos teriam usado o Kabum, depois de já vendido para a varejista, para pagar contas particulares, importar carros e abrir uma empresa concorrente.

Entre as várias frentes nas quais os irmãos questionam a transação com o Magalu, a Justiça do Trabalho é uma delas. Eles questionaram a demissão. O Magazine Luiza alegou que o processo não poderia ser feito em nome dos dois, já que havia motivos diferentes para o desligamento de cada um. Como não se trata de uma defesa, a varejista não detalhou as acusações, mas citou ao menos três situações.

A primeira é que os irmãos teriam pedido resoluções de questões pessoais a secretárias da empresa, o que pode implicar no uso de recursos da companhia para fins privados. A segunda é que haveria o uso de recursos do Kabum na compra de dois carros de luxo importados por eles. A terceira é que eles teriam aberto uma empresa concorrente ao Kabum, algo que lhes estaria vetado pelo contrato de venda da plataforma ao Magazine Luiza.

Magazine Luiza comprou o Kabum, mas antigos donos do site consideram ter sido enganados Foto: Felipe Rau / Estadão

Por meio do escritório de advocacia Warde, Thiago e Leandro Ramos fizeram uma interpelação criminal a Frederico Trajano, CEO do Magalu, Patrícia Pugas, diretora executiva de gestão de pessoas, José Aparecido dos Santos e Luiz Alexandre Liporoni, diretores jurídicos, dando a oportunidade de retratação pública quanto às afirmações e alertando para a possibilidade de processo por calúnia e difamação. A interpelação e outras duas notificações que rebatem as acusações datam do fim de abril e do início de maio deste ano.

Entre as argumentações apresentadas pela defesa dos irmãos para os pontos da varejista, estão capturas de tela de conversas com um membro do Conselho de Administração do Magalu, Carlos Renato Donzelli, com mensagens sobre a importação dos carros e a possibilidade de que os valores fossem abatidos de créditos fiscais do Kabum que, por contrato, cabem aos Ramos.

Depois de concluir que os créditos não poderiam ser usados ainda, apresenta-se a opção de que os valores constassem em um ajuste na “conta-corrente dos ativos contingentes”. Os irmãos concordam com essa opção.

Sobre a suposta empresa concorrente criada, o escritório Warde argumenta em peça do processo que a Mosca Holding LTDA é apenas uma sociedade holding patrimonial, exclusivamente imobiliária e que tem aluguéis, desde sua fundação, como única fonte de receita, em cujo capital social os imóveis de propriedade de Leandro Ramos foram integralizados.

“A Mosca Holding nunca vendeu um único suprimento de informática em sua existência (em verdade, nunca auferiu um único centavo de receita em nenhum tipo de venda, nem mesmo de imóveis) e essa atividade foi incluída em seu objeto social quase um ano antes de o Magazine Luiza adquirir o controle acionário do KaBuM!, com o exclusivo propósito de permitir que a sociedade ajuizasse uma ação judicial para ‘testar’ a receptividade de tese jurídica tributária de interesse do KaBuM!”, diz a notificação.

Sobre as funções de secretárias da empresa que fariam serviços pessoais aos fundadores do Kabum, a interpretação da defesa dos irmãos é que o Magazine Luiza fez uma diligência trabalhista na empresa antes de adquiri-la e, portanto, sabia das atribuições das funcionárias.

Fontes próximas ao Magazine Luiza, indicam, por outro lado, que a companhia teria fartura de provas ainda não juntadas ao processo, já que ainda não foi feita a defesa formal da empresa, mas apenas as justificativas para a justa causa. Faria parte da estratégia jurídica apresentar estas evidências conforme o processo evolui.

A venda do Kabum

A varejista também conseguiu acesso a trechos antes não revelados de relatório da Kroll, que embasa o pedido de produção antecipada de provas feito pelo escritório Warde contra o Itaú BBA em outra frente do caso. O Itaú BBA era contratado dos fundadores do Kabum para articular sua venda, e os fundadores da plataforma afirmam que o Magazine Luiza foi favorecido no processo.

Trechos inéditos desse relatório, porém, mostram que fontes ligadas ao Itaú BBA e pares de mercado, entrevistadas pela consultoria, teriam dito que o processo de venda do Kabum teve concorrência e que a proximidade de Ubiratan Machado, assessor da transação pelo Itaú BBA, e de Frederico Trajano, que são cunhados, teria, na verdade, beneficiado o negócio dos irmãos Ramos.

No entanto, na visão da defesa dos Ramos, esta proximidade é uma das principais evidências de que o Magazine Luiza teria sido favorecido no processo, o que representa prejuízo para os vendedores que eram assessorados por Machado.

As partes do relatório, segundo documentos aos quais o Estadão/Broadcast teve acesso, teriam sido retiradas pelos irmãos e sua defesa do pedido de produção antecipada de provas por não favorecerem a narrativa da acusação.

Até agora, os Ramos tiveram decisão favorável em primeira instância para o acesso aos contratos do Magazine Luiza e do Itaú BBA para a oferta de “follow-on” (oferta subsequente ações), anunciada ao mercado juntamente com a compra do Kabum, e às mensagens trocadas durante o processo de venda entre os diferentes interessados. O Itaú BBA recorreu da decisão e ainda não houve decisão em segunda instância.

Os irmãos Ramos ainda conseguiram na 1ª Vara Cível de São Paulo o aval para a publicação de um protesto relativo aos bens de Ubiratan Machado, executivo da área de fusões e aquisições do Itaú BBA. O dispositivo funciona como um alerta de que os bens do executivo podem vir a ser alvo de um pedido de indenização.

O Estadão/Broadcast apurou que Thiago e Leandro querem reaver o valor da comissão paga a Machado pela venda do Kabum, por acreditarem ter sido enganados. O Itaú BBA, por sua vez, deve apoiar Ubiratan e recorrer da decisão de protesto sobre seus bens.

O Estadão/Broadcast teve acesso ainda ao histórico da transação, parte via a petição de produção antecipada de provas dos fundadores do Kabum, parte via arquivos ainda não juntados ao processo. De acordo com esses documentos, o processo de venda da Kabum começou em 2019 e teve, ao todo, cerca de 20 interessados.

O valor pago ao final pelo Magalu, de R$ 3,5 bilhões, parte em dinheiro, parte em ações, subiu ao longo da negociação, já que a empresa esteve muito perto de fechar negócio com a Americanas e com a Havan, o que tornou o processo mais competitivo.

Em nota, Leandro Ramos, do Kabum afirmou que “o Itaú BBA e Ubiratan Machado, que se projetam no mercado como os melhores assessores de M&A da América Latina, traíram a nossa confiança e agiram em total conflito de interesses em todas as fases da negociação da venda do KaBuM!”.

“Trabalharam para o Magazine Luiza, sua sócia, não para nós. Trabalharam para Frederico Trajano, cunhado de Ubiratan, não para nós. Receberam dos dois lados e nos esconderam propositalmente informações que mudariam tudo. Vão ter de nos indenizar cada centavo que entregaram para o Magazine Luiza”, diz.

O Magazine Luiza, por sua vez, afirma que “ao longo dos seus mais de 60 anos, o Magalu sempre pautou sua atuação na ética, na transparência e no respeito irrestrito à lei”. “Não foi diferente durante o processo de aquisição de mais de 20 empresas nos últimos anos, entre elas, o Kabum. Todas as decisões tomadas até aqui em relação ao Kabum e a seus fundadores seguem a lei e se baseiam exclusivamente em fatos, cujas evidências e provas serão apresentadas à Justiça, no momento oportuno”, afirma.

Em nota, o Itaú BBA afirmou que “todas as acusações imputadas ao banco e ao executivo Ubiratan Machado são absolutamente inverídicas”. “O Itaú BBA esclarece que a venda do KaBum ao Magalu foi concluída após um processo competitivo, diligente e transparente, para o qual foram convidados mais de 20 players. Reafirma que os ex-acionistas do KaBum sempre estiveram à frente das negociações com o Magalu e com os demais proponentes e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação às condições, aos valores da transação e aos riscos envolvidos na parcela recebida em ações”, afirma.

O banco diz lamentar que a Justiça esteja sendo acionada “a partir de informações mentirosas, que pretendem tão somente confundir, constranger e manchar a reputação da instituição e de um profissional que, há décadas, atuam de forma ilibada no mercado financeiro”. A empresa afirma ainda que “medidas cabíveis contra essa injusta agressão serão tomadas no tempo oportuno”.

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