O ex-CEO da Americanas, Sergio Rial, disse nesta terça-feira, 22, que o que levou a varejista à situação atual foi o braço digital da empresa. Segundo ele, quanto mais aumentava o volume de vendas por esse canal, crescia a necessidade de melhorar os resultados. A varejista está em recuperação judicial após revelar um rombo bilionário em suas contas, em janeiro.
“A loja física é rentável. Esse era o desafio intelectual que me interessava”, disse Rial à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados, que investiga a fraude de resultados na Americanas.
Segundo ele, ao tomar conhecimento de problemas na dívida da companhia, chegou à conclusão que as quantias não reportadas estavam no balanço em posições equivocadas.
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Questionado sobre a participação de Carlos Alberto Sicupira, um dos três principais acionistas da empresa, ele afirmou que, historicamente, Sicupira esteve na Americanas e que participou da construção da companhia juntamente com o ex-CEO que ficou 20 anos na direção da varejista, Miguel Gutierrez.
O mesmo acionista foi quem conduziu o processo de sucessão de liderança que levou à contratação de Sérgio Rial, tendo ligado para o executivo para convidá-lo, segundo relato de Rial.
Ele afirmou, porém, que não viu indícios nem antes, nem durante, nem depois, de que o trio de acionistas tivesse conhecimento prévio da fraude. Ele disse ainda que não houve menção à fraude ligada a verbas de publicidade nos nove dias que presidiu a companhia.
Rial disse que seu primeiro contato com Sicupira sobre uma participação dele nos negócios do trio de investidores (ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles) se deu em março de 2023. Segundo ele, Gutierrez teria demonstrado desapontamento com a escolha de um nome de fora da empresa.
“Minha condição para assumir foi o anúncio imediato e início em janeiro de 2023″, disse. Ele diz que seria bom, em sua visão, ter um período de sobreposição com Gutierrez para assumir a companhia, mas que o ex-CEO escolheu encerrar sua gestão no fim de dezembro, antes de sua chegada, em janeiro.
Em sua chegada, porém, ele diz ter recebido a informação de que o quarto trimestre de 2022 não havia sido bom. Na sequência, no dia 4, o ex-diretor Timotheo Barros e, depois, Marcio Cruz e Anna Saicali, também diretores estatutários, se juntaram à conversa que revelou dívidas bancárias maiores do que o reportado em balanços anteriores.
Empresa era ‘insolvente’
Rial disse que, em sua primeira semana à frente da empresa, pediu mais informações sobre questões de dívida da empresa, que havia sido citada de forma pouco detalhada em uma apresentação feita a ele no fim de dezembro. “Me disseram: ‘acho que você não entendeu muito bem’”, afirmou.
Ele afirmou que, em reunião com dois então diretores da companhia no dia 3 de janeiro, soube que havia R$ 15,9 bilhões em dívidas bancárias não reportadas corretamente pela companhia. Na sequência, veio a seu conhecimento que a empresa somava, então, R$ 36 bilhões em dívidas bancárias, enquanto tinha cerca de R$ 15 bilhões em patrimônio líquido. “A empresa era insolvente”, afirmou aos deputados.
Ele disse que comunicou os órgãos de controladoria e os acionistas de referência e que seguiu um processo, junto ao CFO André Covre, de identificar a dimensão dos problemas.
O ex-CEO da Americanas disse que a diferença verificada nos números da companhia no que dizia respeito ao seu endividamento real e o publicado não deixou a ele e Covre outra opção se não publicar o Fato Relevante que levou a público o escândalo atual.
“Hoje se sabe que a dívida bancária não reportada é o pedaço de algo maior”, afirmou. Ele se refere ao fato de que transações de risco sacado com repactuação de prazos não estavam listadas no lugar correto do balanço da varejista. Ele afirmou que, em nenhum momento, foi desencorajado de comunicar o rombo contábil.
CVM
Rial também comentou as investigações sobre o caso em curso na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo ele, a reunião conduzida por ele no BTG Pactual logo após a divulgação do rombo era aberta, mas que a demanda por participação naquele fórum foi maior do que a plataforma do banco de investimentos permitia. “A CVM me indiciou por dar mais informações (no BTG) do que constava no Fato Relevante”, disse.
Ele disse discordar das acusações e que sofreu “ilações” a respeito de sua atuação no caso. Em sua versão dos fatos, após comunicar o rombo ao mercado e renunciar como presidente, ele quis ficar para ajudar a construir uma solução imediata para a companhia que “tinha risco de falência”.
Sua intenção seria de construir um aporte rápido e um acordo com os bancos para resolver o curto-prazo da companhia. No entanto, quando os acionistas de referência decidiram partir para uma Recuperação Judicial, Rial teria decidido se afastar das conversas, bem como deixar sua posição no Conselho de Administração do Santander, para evitar qualquer tipo de conflito.
Questionado sobre por que ele, que foi presidente executivo do banco, não consultou o sistema do Banco Central para checar o real endividamento da companhia, ele disse ter sido enganado pela confiabilidade da empresa.
“Dos 16 analistas que cobriam a empresa, 10 recomendavam compra. As agências de risco atribuíam alto rating à companhia. A empresa tinha muita confiança do mercado. Fui vítima como muitos outros”, disse.
A sessão da CPI contou ainda com a presença de Flavia Carneiro, ex-superintendente de Controladoria da Americanas, que compareceu como convocada, mas apresentou Habeas Corpus que lhe garantia o direito de permanecer em silêncio.