Lázaro de Mello Brandão transformou o Bradesco em um gigante. Seu antecessor, Amador Aguiar, já havia criado o maior banco privado do País, quando o setor deixou de ser formado por pequenas casas bancárias regionais para ser dominado por grandes grupos de alcance nacional. Com Brandão, que assumiu o comando do banco em 1981, porém, a consolidação ganhou outro porte. O Plano Real derrubou a hiperinflação – e vários de seus concorrentes – e o Bradesco foi às compras.
A partir de meados dos anos 1990, o banco, sob o comando de “seu” Brandão, colocou em sua sacola de compras 25 competidores, corretoras e carteiras. Tornou-se um colosso e manteve a liderança de mercado por seis décadas.
Natural, portanto, que com sua morte na manhã da quarta-feira, 16, aos 93 anos, uma fileira de pesos pesados da economia nacional prestasse homenagem. Empresários, banqueiros, ex-ministros, políticos e muitos funcionários e ex-funcionários do Bradesco foram ao velório e à cremação no Cemitério Horto da Paz, na Região Metropolitana de São Paulo.
Brandão, nascido em Itápolis (SP), foi vítima de complicações após uma cirurgia de diverticulite (inflamação interna do intestino) e estava internado no Hospital Edmundo Vasconcelos. Deixou mulher, duas filhas e um neto.
Poder.
Brandão conviveu por décadas com a nata do PIB brasileiro. É fácil encontrar fotos dele ao lado de vários presidentes da República e dos maiores empresários do País e do mundo. Apesar do poder em suas mãos, porém, as palavras que saem da boca de todos para descrevê-lo são simplicidade, discrição e trabalho.
“Ele simplificava as coisas mais difíceis em poucas palavras. Fazia apenas perguntas necessárias e ouvia atentamente. Com um simples olhar ou mesmo seu silêncio, Brandão sinalizava que já havia entendido tudo”, disse Márcio Cypriano, que o sucedeu na presidência executiva do banco, em 1999.
São percepções que se repetem. “Lázaro Brandão deixa um legado de criatividade e simplicidade”, afirmou o empresário Abilio Diniz, presidente do conselho da Península Participações. “Com seu estilo discreto, Brandão participou das discussões sobre o País e muito da história da Cosan está ligada ao Bradesco”, disse Rubens Ometto, presidente do conselho do Grupo Cosan.
As palavras vêm, inclusive, de eventuais opositores. “Ele era uma pessoa de muita palavra”, diz o ex-deputado e ex-presidente do Sindicato dos Bancários Ricardo Berzoini, que lembrou particularmente da negociação do BCN, uma das muitas instituições adquiridas pelo Bradesco. “Era um banco que tinha muita sobreposição de agências e clientes de perfil parecido”, diz. Berzoini negociou diretamente com o banqueiro, que assumiu o compromisso verbal de que não haveria demissões. “De fato, acompanhamos por muitos anos e, fora o pessoal que queria sair ou era demitido por justa causa, não houve demissões por conta da fusão.”
Em sua última entrevista, concedida ao Estado em julho, Brandão disse que continuava indo ao banco diariamente das 7h30 até um pouco depois das 17h. Manteve essa rotina por nada menos do que 76 anos, sendo que, quando estava na ativa – até 1999 na presidência executiva e até 2017 à frente do conselho de administração –, chegava ainda mais cedo.
“Discreto e reservado ao falar de sua vida pessoal, o senhor Lázaro se tornava fluente e apaixonado ao falar do Bradesco”, escreveram os pesquisadores Celso Castro e Sérgio Praça, organizadores do depoimento que Brandão concedeu à FGV/Cpdoc e que resultou no livro Lázaro de Mello Brandão – Senda de um executivo financeiro.
É exatamente assim a obra, como foi a vida de Brandão: as respostas sobre o banco são longas e sobre sua vida pessoal, resumem-se a poucas frases. O gosto esporádico pela música, pela leitura e por viagens, só quando mais novo. A situação mais difícil, a perda de uma filha.
Outra situação importante, o empresário lamentou perder a liderança de mercado para o Itaú, quando da união com o Unibanco em 2008. “Não foi (uma boa notícia), mas o mercado é esse. Tem de saber lidar.”
Lázaro Brandão
À frente da instituição durante o período de hiperinflação, congelamento de preços e outras heterodoxias, da abertura da economia, impeachment e estabilização da moeda, pouca coisa o assustava.
Em sua última entrevista, disse que os bancos estão longe da extinção e o avanço das fintechs é natural, mas não vai tirar o papel das instituições.
Acostumado a mudanças no poder e na economia, Brandão afirmou que o governo Jair Bolsonaro precisa preparar o terreno para dar saltos. “Uma vez aprovada a reforma da Previdência, o governo tem de criar condições e regras bem definidas em todas as áreas de atuação”, disse. Palavra de quem havia visto de tudo ao lado do poder, sabendo ser simples, discreto e trabalhador.