A visível piora na percepção do risco fiscal, após a declaração do presidente Lula, na semana passada, de que pretende discutir com o Congresso novos limites de gastos diante do aumento da arrecadação, colocou ainda maior ansiedade no mercado em relação à primeira divulgação no ano do relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, que acontecerá no próximo dia 22.
Um número-chave poderá azedar o humor dos investidores: o valor do contingenciamento de despesas para cumprir a meta fiscal de déficit primário zero em 2024. Desde o fim do ano passado, quando o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deram indicações de que a meta de déficit zero não seria alterada antecipadamente, o mercado já não espera mais que essa eventual mudança aconteça na divulgação do relatório de despesas e receitas deste mês, diante da melhora na arrecadação tributária.
Em janeiro, houve um crescimento real de 6,7% na arrecadação, refletindo, entre outros fatores, a tributação dos fundos exclusivos e a reoneração dos combustíveis. Em fevereiro, a expectativa é de que a receita com tributos venha em linha com o esperado pelo governo ou, no pior dos cenários, um pouco abaixo disso.
Assumindo que a mudança da meta fiscal não acontecerá, o mercado passou a se concentrar nos cálculos do valor do contingenciamento de gastos que será recomendado na primeira revisão orçamentária do ano. Quanto maior for o contingenciamento de despesas, maior será a pressão do PT e de lideranças do Congresso para a mudança mais cedo da meta fiscal, especialmente num ano de eleições municipais.
Uma parcela importante do mercado espera que o valor do contingenciamento recomendado fique abaixo dos R$ 20 bilhões. Esse número daria um alívio grande em relação à pressão política para uma mudança prematura da meta. Por outro lado, um estudo da consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados estimou que o bloqueio teria de ser de R$ 41 bilhões. Quanto mais próximo dessa última estimativa ficar o contingenciamento, mais negativa será a reação dos investidores, com impacto nos preços de ativos, como o dólar.
Seja qual for o número, a verdade é que já está na expectativa do mercado a alteração da meta fiscal, mas que isso só aconteça em meados do ano. Mudar a meta, portanto, não será o fim do mundo. Até porque o mercado projeta um déficit primário de 0,79% do PIB neste ano. A questão é como a mudança será feita. Ficará mais palatável se apenas após esgotados todos os esforços de ajuste fiscal e melhoria da arrecadação.