É crescente a percepção no mercado de que o ambiente no Banco Central está cada vez mais conflagrado e que os últimos meses de Roberto Campos Neto no comando da autoridade monetária – seu mandato acaba no fim de dezembro deste ano – poderão ter mais ruídos como o causado pela decisão apertada e dividida na última reunião do Copom, quando os quatro diretores indicados pelo presidente Lula se uniram e votaram contra a desaceleração do ritmo de corte de juros endossada pela maioria.
Muitos participantes do mercado, que preferem não fazer comentários públicos neste momento até sobre os próximos passos da política monetária, atribuem a tensão atual à proximidade de Campos Neto com bolsonaristas cotados para disputar a próxima eleição presidencial, em 2026, como o governador paulista Tarcísio de Freitas. À medida que o ciclo eleitoral se aproxima, a percepção do mercado é de que Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enxergariam Campos Neto como inimigo ou, no mínimo, algo além do que simplesmente um estranho no ninho.
Apesar de Campos Neto já ter negado peremptoriamente, o sentimento de muitos analistas é de que ele, de fato, se prepara para alçar uma carreira política após mais de cinco anos na presidência do BC. Esses analistas acreditam que no futuro não tão distante de Campos Neto estaria a disputa por um cargo no Legislativo ou no Executivo – ou, até mesmo, a chefia de um ministério no próximo governo caso Lula não consiga se reeleger.
As declarações recentes de Haddad, tanto em eventos públicos, como ocorreu na Câmara dos Deputados, quanto em entrevistas, estimularam todo tipo de especulação, inclusive a de que a relação com Campos Neto estaria estremecida. E que os quatro votos de dissenso na última reunião do Copom foram sintoma, e não causa – ou seja, que os votos seriam em retaliação à alguma postura do presidente do BC que desagradou ao governo Lula.
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Por enquanto, o mercado enxerga como técnica a postura de Campos Neto nas semanas anteriores à última decisão do Copom, quando uma piora nos cenários doméstico e externo o levou a desautorizar a sinalização dada na reunião anterior de corte dos juros em 0,50 ponto porcentual. No passado, alguns presidentes do BC chegaram a manchar a sua reputação em ano de eleição ao adotarem uma política monetária menos austera do que o exigido, só para ajudar quem disputava a reeleição ou o seu partido. Os meses finais de Campos Neto à frente do BC vão ser cruciais para definir o seu legado: afinal, como ele vai querer ser lembrado?