Quase ninguém do mercado com quem eu falei comprou a narrativa de “censura” e de “mordaça” do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ao diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, como foi descrita em matéria da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
Principalmente, no momento atual de autonomia do BC e de mandatos fixos para os diretores da instituição.
Não faz sentido: autonomia com censura, uma vez que ele tem mandato fixo aprovado pelo Congresso e Campos Neto não pode simplesmente removê-lo do cargo.
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Por que então Galípolo se submeteria a uma mordaça? Logo ele, que sempre foi prolixo ao fazer pressão pública em entrevistas e discursos contra o nível atual da taxa de juros, enquanto trabalhou no Ministério da Fazenda.
Em nota à imprensa, o BC negou tentativa de “censura ou cerceamento de qualquer espécie à livre manifestação” dos seus dirigentes.
De acordo com o texto da Folha, descrevendo a “clara posição” de Galípolo, ele acha que já passou da hora de o BC baixar os juros e que a manutenção das taxas em níveis elevados poderá comprometer o crescimento do País de forma fatal. E teria havido uma tentativa de condicionar as entrevistas de diretores do BC à aprovação prévia de Campos Neto.
Obviamente, essa reportagem causou grande e imediata repercussão.
Logo em seguida, o jornalista Alvaro Gribel, de O Globo, publicou um texto no qual consta que “a interlocutores, Galípolo tem dito, por sua vez, que não há razão para que diretores do banco tenham que se submeter à assessoria de comunicação do órgão, que seria ligada ao presidente do banco, não aos seus diretores”. E que Galípolo seguirá o “modelo” do Federal Reserve (Fed), uma referência que o próprio estaria fazendo.
Ou seja, pelo trecho acima, temos uma declaração indireta em “off the record” de Galípolo ou possivelmente de seus emissários ao jornalista de O Globo. No mínimo estranho, em se tratando de alguém que sempre falou muito em “on”.
Nos dois casos, ou seja, nos textos da Folha e de O Globo, uma série de questões emerge e que não deixa Galípolo sob uma luz tão favorável.
Teria a jornalista da Folha pedido entrevista diretamente a Galípolo e, mediante uma negativa, inferido ou sido induzida a inferir uma “mordaça”?
Por outro lado, não me parece que a matéria da Folha teria surgido completamente do nada se não houvesse um vestígio de restrição a uma entrevista de Galípolo à imprensa, quer seja por parte da assessoria de comunicação do BC ou do próprio Campos Neto. Teria Galípolo sido informado de que não poderia dar entrevista e comunicado isso à jornalista?
No caso do texto de O Globo, teria Galípolo jogado mais lenha na fogueira, falando em “off” ou pedindo para interlocutores seus fazerem referência à suposta maior liberdade dos dirigentes do Fed a falar?
Não saberemos as respostas das duas dúvidas acima. Mas só de haver essas suspeições não é um bom auspício para quem se especula ser candidato a comandar o BC, substituindo possivelmente Campos Neto. É um ruído desnecessário.
Se essa for a postura que Galípolo irá adotar daqui em diante, a barra de expectativa para um presidente do BC terá que ser bem mais baixa do que tivemos na história de quem já comandou a instituição, em termos de comunicação.
Um interlocutor desta coluna chegou a me fazer a seguinte pergunta: “Será que o RCN (Roberto Campos Neto) pediu que qualquer entrevista (de Galípolo) fosse comunicada à assessoria de imprensa e acompanhada?”.
No setor privado, por exemplo, esse é um procedimento corriqueiro, aliás.
De qualquer forma, com toda a polêmica de quarta-feira, o mercado irá monitorar com lupa qualquer declaração que Galípolo fizer até o próximo dia 26. É quando começa o período de silêncio que antecede a próxima reunião do Copom, marcada para os dias 1º e 2 de agosto.
E, na véspera do início do período de silêncio, haverá a divulgação do IPCA-15. Uma nova surpresa baixista poderá aumentar a pressão e as apostas para que o início do ciclo de afrouxamento monetário comece com um corte mais agressivo de 0,50 ponto porcentual, o que seria música aos ouvidos do governo Lula.
Portanto, qualquer declaração de Galípolo agora, após a polêmica deflagrada, terá um peso muito maior.
E, se ele não falar nada, obviamente a confusão continua: será que ele foi constrangido a não se pronunciar?
Ou seja, quer ele fale ou não até o início do período de silêncio — e na singela expectativa de que ele também não quebre essa institucionalidade, uma vez que o próprio Campos Neto já o fez ao se encontrar com o ministro Fernando Haddad na véspera da decisão do Copom, num claro desserviço —, a confusão nada ajuda a reduzir a tensão que já envolve o BC e o governo Lula.