O raciocínio que se segue é um convite à reflexão, como uma espécie de provocação intelectual. Consideremos os seguintes elementos:
I) Nos últimos 70 anos, a Argentina seguiu uma longa trajetória de decadência;
II) Deveria interessar ao Brasil ter um vizinho próspero;
III) Essa longa história de decadência está associada à altíssima inflação;
IV) Reduzir gradualmente uma inflação como a atual para 130%, 120% e assim sucessivamente é impossível;
V) Se a Argentina dolarizasse a sua economia, a próxima crise de relacionamento entre os dois países estaria contratada;
VI) Um plano de estabilização na Argentina dificilmente daria certo sem a percepção do público de que haverá algum elemento estrutural que faça que “desta vez vai ser diferente”;
VII) O real e o Banco Central do Brasil (Bacen) construíram uma reputação que, hoje, lhes permite ter um poderoso capital de credibilidade;
VIII) Antes do surgimento do euro, na fase em que a nova moeda europeia ainda não tinha nascido, mas alguns países da Cortina de Ferro estavam desmoronando, certas nações fizeram a opção de adotar unilateralmente o marco alemão.
No xadrez, é essencial pensar o jogo vários lances à frente. Na relação entre os países, vale o mesmo: há que estar preparado para o que poderá vir. Pelo que foi exposto acima, na hipótese de que daqui a um ou dois anos a Argentina decidisse abandonar o peso, boa parte das vantagens que na defesa da dolarização foram citadas em favor da adoção do dólar valeriam também para a possibilidade de a Argentina adotar o real, com a vantagem de que adotar o real traria uma série de benefícios, vis a vis a alternativa de usar o dólar. Sei que isso não está em pauta, mas sei também que esteve: Paulo Guedes pelo Brasil e Nicolás Dujovne pela Argentina tinham iniciado uma discussão nesse sentido em 2019, caso Mauricio Macri fosse reeleito. É óbvio que isso precisa ser precedido de um forte ajuste fiscal para a Argentina acertar a sua bagunça. E é natural reagir à ideia negativamente. Porém, faz sentido o Brasil pensar que papel ele pode ter para definir se a Argentina, nos próximos 10 anos, vai ser um país estável ou continuar a sua longa decadência. Nosso país não tem nada a fazer no Oriente Médio ou na guerra da Ucrânia, mas deveria ter alguma coisa a tratar acerca dos rumos do seu principal vizinho. O Brasil deveria pensar nessa possibilidade para quando, em algum momento, sentar para conversar com o vizinho.