Javier Milei é a mais nova expressão dos outsiders que, de vez em quando, irrompem na política tentando fazer tábula rasa da ordem anterior. Defensor de Donald Trump, aliado da família Bolsonaro, autoproclamado “anarcolibertário”, ele é um personagem que começou a se notabilizar na TV pelo seu estilo “franco e rude”. Dono de uma cabeleira que lembra Guga Chacra, com um passado de ex-goleiro do Chacarita Juniors e “jeitão” de roqueiro, tornou-se figurita repetida de debates na televisão, enfrentando alguns dos “temas sagrados” da esquerda que o politicamente correto recomendava não encarar de frente.
Assim, foi ganhando espaço, a ponto de, nas eleições de 2021, ter se tornado deputado fazendo uma campanha digna de popstar. Com posições extremas, ele passou depois a mirar mais alto e hoje é candidato à presidência argentina, estando em algumas pesquisas já perto de 20% dos votos e, em uma ou outra, desbancando o peronismo do segundo turno.
Milei, mal comparando, é uma mistura de Jair Bolsonaro com Friedrich Hayek. Com uma pregação contundente contra o que chama de “casta política”, ele se tornou um desafio complexo de administrar para o espectro político local. A princípio, caberia imaginar que um candidato contra o sistema, num país com uma sólida tradição partidária como a Argentina, teria poucas possibilidades.
Porém, numa economia em que os militares, o peronismo, o radicalismo e o macrismo têm sua cota de frustrações, a inflação alcança mais de 100% e, nas reuniões de focus groups, diversos especialistas relatam que, quando perguntam “o que a política é para você?” e pedem para o cidadão discorrer, se defrontam com homens de 40 ou 50 anos que começam a chorar de impotência pela falta de perspectivas, não dá para descartar nenhum cenário.
Diante da pergunta dos jornalistas acerca do que fará se, caso eleito, tiver que enfrentar um Congresso de oposição, pelo contraste entre a sua votação e a do seu pequeno partido, sua resposta é: “Vou convocar o povo e explicar que nossas propostas não avançaram porque o Congresso não deixa. E vou submeter esses temas a plebiscito”. Seria uma espécie curiosa de laissez-faire de índole chavista.
Quem conhece um pouco de História sabe como esses episódios acabam. Se a aliança que elegeu Mauricio Macri em 2015 se fragmentar em 2023, o cenário argentino para as eleições estará em aberto. E seria bom o Brasil prestar atenção, porque em matéria de “casta política” temos o nosso próprio telhado de vidro.