Falta de mão de obra e de garantia para empresas pode travar projetos do ‘Novo PAC’


Desde a Lava Jato, empresas de construção perderam muitos profissionais, além de ter dificuldade para conseguirem crédito

Por Carlos Eduardo Valim

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de R$ 1,7 trilhão, precisará superar alguns gargalos para conseguir avançar de acordo com as projeções do governo. Entre as dificuldades previstas por executivos das empresas do setor, associações empresariais e consultores de infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para certas atividades e regiões, a necessidade de altos níveis de garantias a serem oferecidas pelas fornecedoras de serviços de construção e questões de governança devem ser entraves para o programa.

PKLULA10 - RJ - 11/08/2023 - LULA / NOVO PAC / RIO - POLÍTICA OE - O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, participa nesta sexta-feira, 11, da Cerimônia de Lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Theatro Municipal, no centro do Rio. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Mesmo que o governo consiga contornar suas restrições fiscais e orçamentárias para direcionar ao programa, ele dependerá bastante da iniciativa privada para fazer o programa dar certo. Não só por que o PAC prevê que as empresas precisam contribuir com uma fatia de R$ 612 bilhões de investimentos para fechar a estimativa de R$ 1,7 trilhão. Elas também deverão estar preparadas para atender à demanda de fornecimento de serviços, em especial, para a construção de infraestrutura, o grande foco de todo o programa.

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Um dos gargalos mais óbvios é a necessidade de mão de obra para dar conta de tantos projetos simultâneos. Especialistas indicam que hoje faltam desde executivos para empresas de construção e mestres de obras até carpinteiros e trabalhadores mais técnicos.

Depois da crise no setor de construção pesada desde meados da década passada, por causa da parada dos grandes projetos governamentais e na esteira da Operação Lava Jato, as empreiteiras precisaram passar por uma forte diminuição de tamanho e demitiram dezenas de milhares de funcionários.

Com os cortes de pessoal e sem a perspectiva de novos empregos, muitos trabalhadores deixaram o setor nos últimos anos. “O grande desafio hoje para o Novo PAC não é a capacidade técnica. Isso o Brasil mantém. As empresas guardaram os seus acervos técnicos. O desafio é de mão de obra”, afirma o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), Claudio Medeiros, também executivo responsável pelas relações institucionais e governamentais da Novonor, a ex-Odebrecht.

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“Sei que as grandes empresas estão fazendo uma busca seletiva, em banco de dados de ex-trabalhadores do setor, para trazer de volta alguns deles.”

Além da necessidade de atrair de volta e retreinar funcionários, há ainda a questão da dificuldade em recrutar jovens recém-formados em engenharia. Muitos deles partem para o mercado financeiro, gostam de fazer home office e não têm o desejo de trabalhar em obras espalhadas pelos rincões do País. “Estamos procurando o engenheiro nato. Temos de ver quem tem o perfil de engenheiro de obra”, diz Medeiros.

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O tamanho desse desafio de mão de obra pode ser ilustrado apenas pelos projetos anunciados pela Petrobras. A estatal deve ser a grande contratante do Novo PAC, sendo responsável por R$ 323 bilhões em projetos nos próximos quatro anos, o equivalente a 17% do total.

O executivo de uma grande construtora, que não quis se identificar, diz que pediu o detalhamento da Petrobras de quantos trabalhadores serão necessários para dar conta de tantos investimentos. O estudo interno feito pela petrolífera, diz ele, apontava cerca de 200 mil trabalhadores atuando simultaneamente. A Petrobras não quis falar sobre esse números.

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Para se ter uma dimensão, as grandes empresas prestadoras de serviços - sobreviventes de recuperações judiciais - não têm essa quantidade de pessoas atualmente. Nenhuma delas supera, atualmente, os 15 mil empregados em seu braço de construção, considerando Novonor, Andrade Gutierrez, Mover (ex-Camargo Corrêa), Álya (ex-Queiroz Galvão), Metha e Coesa (resultantes do desmembramento da OAS).

Para atividades especializadas, o desafio pode ser ainda maior. O setor de construção naval chegou a empregar, em seu auge, 82 mil pessoas e hoje são cerca de 20 mil, segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Muitos deles, em especial, os baseados no Rio de Janeiro, migraram para atividades informais e para a economia de aplicativos.

Agora, os estaleiros precisarão atrair, pelo menos, mais 20 mil pessoas para dar conta dos contratos que devem ser apresentados no próximo ano. A Petrobras pode licitar a construção de mais de uma dezena barcos de apoio já neste ano e a Transpetro prepara licitação, para ser lançada em 2024, de 25 grandes navios petroleiros e gaseiros de médio porte.

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Garantias financeiras

Além da falta de trabalhadores, as garantias financeiras a serem dadas pelas empresas que vão assumir as obras também podem ser um grande problema. Afinal, com o histórico da Lava Jato na memória recente, os executivos das empresas que vão contratar os projetos preferem se proteger de problemas legais futuros.

Assim, evitam tomar riscos e exigem porcentagens altas de garantias para as empresas que enfrentaram problemas financeiros recentes, com o receio de que possam abandonar os projetos, no meio da obra, por falta de dinheiro. No entanto, ao exigirem das fornecedoras capacidade de financiamento próprio e altos níveis de garantias, os projetos encarecem e podem afugentar concorrentes para as licitações.

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A fragilidade atual das empresas brasileiras com capacidade de participar de grandes obras complica esse cenário. Muitas estão saindo de processos de recuperação judicial e não têm acesso a crédito de baixo custo no mercado. Em seus processos de reestruturação, elas também precisaram se desfazer de muitos ativos para sobreviver e, agora, não têm como utilizá-los como garantias.

Uma saída, para esse entrave, é buscar financiamento bancário, mas elas encontram dificuldades de acesso a taxas abaixo dos 20% anuais, depois de terem entrado no alvo da Lava Jato.

Outra solução pode estar em empresas brasileiras se aliando a grupos internacionais, que levam uma parte dos lucros em troca de trazer ao projeto uma situação financeira mais estável. O ponto negativo deste tipo de arranjo, analisam executivos do setor, é que essas parceiras acabam participando apenas marginalmente das operações e diminuem o lucro de quem vai realizar as obras. Assim, o modelo também acaba encarecendo os projetos.

Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), prometeu a criação de um fundo de garantias Foto: Wiltom Junior/Estadão

Para evitar isso, algumas empresas estão buscando convencer o governo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as estatais a aliviarem nos pedidos de garantias ou a ajudarem com a criação de fundos. A alternativa, buscada diretamente com os grandes contratadores, é utilizar o acesso que eles têm a financiamentos melhores, que podem ser repassados para as prestadoras de serviços.

Em outra frente, uma série de reuniões de empresas e integrantes do governo resultou na promessa de criação de fundo de garantias para as obras do PAC, o que foi anunciado junto com o programa. Agora, a expectativa é que a Casa Civil e o BNDES anunciem até o fim do mês uma espécie de fundo de garantias para grandes obras de construção civil, já prometido pelo ministro Rui Costa.

Problemas de governança

Outro possível entrave pode estar na governança de um programa tão complexo e amplo, que pode ser ainda mais complicado que os PACs 1 e 2, os quais resultaram em mais de metade de obras não entregues.

“O governo concentrou excesso de atribuições na Casa Civil no que diz respeito ao PAC 3. E ela já tem um excesso de atribuições”, afirma o consultor Claudio Frischtak, sócio da consultoria especializada em infraestrutura Inter.B. “O PAC deveria ser coordenado pelo Ministério de Planejamento e Orçamento, que teria capacidade de fazer uma governança transversal e tratar dessa questão da complexidade institucional.”

O risco é de uma profusão de projetos mal desenhados, que podem sofrer com problemas de elaboração, definição de orçamento e execução. O decreto de criação do PAC anulou as regras anteriores de 2020 que tratava da governança em obras públicas, elaborado pelo antigo Ministério da Economia. Ele previa a criação de uma comissão interministerial para prover governança para as obras, e assim evitar a centralização dos projetos.

Um estudo da Inter.B concluiu que as maiores falhas dos PACs 1 e 2 foram exatamente de governança, o que levaram às execuções incompletas. Um exemplo negativo foi o da ferrovia Transnordestina, iniciada em 2007 e que, no novo PAC, está prevista para ser finalizada em 2027.

O Sinicon, no entanto, defende que a centralização não deve ser um problema. “Estou de acordo com o modelo do Novo PAC. É melhor ter uma coordenação única junto a outros ministérios”, diz Medeiros, presidente da entidade.

Percepção internacional

Esses gargalos todos ajudam a explicar, em parte, a dificuldade do Brasil em atrair empresas internacionais para atuar aqui e competir com as empreiteiras nacionais, mais habituadas ao ambiente de negócios local. Um mau sinal de como os entraves podem afetar o andamento do PAC já foi percebido no pontapé inicial do programa.

Considerado o primeiro projeto do PAC 3, o lote 1 do sistema rodoviário do Paraná, que faz conexão entre o porto de Paranaguá, a Região Metropolitana de Curitiba e a Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai, teve licitação no fim de agosto disputada apenas por dois grupos.

Claudio Frischtak, presidente da Inter B Consultoria Foto: Patricia Cruz/Estadão

O vencedor foi um consórcio controlado pelo fundo Pátria. “Em condições normais, quatro ou cinco grupos disputariam a concessão. Não se vê nenhum estrangeiro interessado. Quando isso acontece, chama muito a atenção”, diz Frischtak.

Esse cenário acontece por conta da alta complexidade de se operar no Brasil, a dificuldade de encarar os gargalos que também afligem as empresas nacionais, e também por questões de compliance.

“Todo mundo reconhece que o Brasil tem potencial muito grande, e ele tem um déficit anual de mais de R$ 200 bilhões de investimentos não realizados em infraestrutura que seriam necessários. Mas grandes fundos de investimentos, de pensão e seguradoras têm alguns critérios, como o de aportar recursos em países integrantes da OCDE e com grau de investimento das agências de rating. E o Brasil não se encaixa nisso.”

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de R$ 1,7 trilhão, precisará superar alguns gargalos para conseguir avançar de acordo com as projeções do governo. Entre as dificuldades previstas por executivos das empresas do setor, associações empresariais e consultores de infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para certas atividades e regiões, a necessidade de altos níveis de garantias a serem oferecidas pelas fornecedoras de serviços de construção e questões de governança devem ser entraves para o programa.

PKLULA10 - RJ - 11/08/2023 - LULA / NOVO PAC / RIO - POLÍTICA OE - O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, participa nesta sexta-feira, 11, da Cerimônia de Lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Theatro Municipal, no centro do Rio. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Mesmo que o governo consiga contornar suas restrições fiscais e orçamentárias para direcionar ao programa, ele dependerá bastante da iniciativa privada para fazer o programa dar certo. Não só por que o PAC prevê que as empresas precisam contribuir com uma fatia de R$ 612 bilhões de investimentos para fechar a estimativa de R$ 1,7 trilhão. Elas também deverão estar preparadas para atender à demanda de fornecimento de serviços, em especial, para a construção de infraestrutura, o grande foco de todo o programa.

Um dos gargalos mais óbvios é a necessidade de mão de obra para dar conta de tantos projetos simultâneos. Especialistas indicam que hoje faltam desde executivos para empresas de construção e mestres de obras até carpinteiros e trabalhadores mais técnicos.

Depois da crise no setor de construção pesada desde meados da década passada, por causa da parada dos grandes projetos governamentais e na esteira da Operação Lava Jato, as empreiteiras precisaram passar por uma forte diminuição de tamanho e demitiram dezenas de milhares de funcionários.

Com os cortes de pessoal e sem a perspectiva de novos empregos, muitos trabalhadores deixaram o setor nos últimos anos. “O grande desafio hoje para o Novo PAC não é a capacidade técnica. Isso o Brasil mantém. As empresas guardaram os seus acervos técnicos. O desafio é de mão de obra”, afirma o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), Claudio Medeiros, também executivo responsável pelas relações institucionais e governamentais da Novonor, a ex-Odebrecht.

“Sei que as grandes empresas estão fazendo uma busca seletiva, em banco de dados de ex-trabalhadores do setor, para trazer de volta alguns deles.”

Além da necessidade de atrair de volta e retreinar funcionários, há ainda a questão da dificuldade em recrutar jovens recém-formados em engenharia. Muitos deles partem para o mercado financeiro, gostam de fazer home office e não têm o desejo de trabalhar em obras espalhadas pelos rincões do País. “Estamos procurando o engenheiro nato. Temos de ver quem tem o perfil de engenheiro de obra”, diz Medeiros.

O tamanho desse desafio de mão de obra pode ser ilustrado apenas pelos projetos anunciados pela Petrobras. A estatal deve ser a grande contratante do Novo PAC, sendo responsável por R$ 323 bilhões em projetos nos próximos quatro anos, o equivalente a 17% do total.

O executivo de uma grande construtora, que não quis se identificar, diz que pediu o detalhamento da Petrobras de quantos trabalhadores serão necessários para dar conta de tantos investimentos. O estudo interno feito pela petrolífera, diz ele, apontava cerca de 200 mil trabalhadores atuando simultaneamente. A Petrobras não quis falar sobre esse números.

Para se ter uma dimensão, as grandes empresas prestadoras de serviços - sobreviventes de recuperações judiciais - não têm essa quantidade de pessoas atualmente. Nenhuma delas supera, atualmente, os 15 mil empregados em seu braço de construção, considerando Novonor, Andrade Gutierrez, Mover (ex-Camargo Corrêa), Álya (ex-Queiroz Galvão), Metha e Coesa (resultantes do desmembramento da OAS).

Para atividades especializadas, o desafio pode ser ainda maior. O setor de construção naval chegou a empregar, em seu auge, 82 mil pessoas e hoje são cerca de 20 mil, segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Muitos deles, em especial, os baseados no Rio de Janeiro, migraram para atividades informais e para a economia de aplicativos.

Agora, os estaleiros precisarão atrair, pelo menos, mais 20 mil pessoas para dar conta dos contratos que devem ser apresentados no próximo ano. A Petrobras pode licitar a construção de mais de uma dezena barcos de apoio já neste ano e a Transpetro prepara licitação, para ser lançada em 2024, de 25 grandes navios petroleiros e gaseiros de médio porte.

Garantias financeiras

Além da falta de trabalhadores, as garantias financeiras a serem dadas pelas empresas que vão assumir as obras também podem ser um grande problema. Afinal, com o histórico da Lava Jato na memória recente, os executivos das empresas que vão contratar os projetos preferem se proteger de problemas legais futuros.

Assim, evitam tomar riscos e exigem porcentagens altas de garantias para as empresas que enfrentaram problemas financeiros recentes, com o receio de que possam abandonar os projetos, no meio da obra, por falta de dinheiro. No entanto, ao exigirem das fornecedoras capacidade de financiamento próprio e altos níveis de garantias, os projetos encarecem e podem afugentar concorrentes para as licitações.

A fragilidade atual das empresas brasileiras com capacidade de participar de grandes obras complica esse cenário. Muitas estão saindo de processos de recuperação judicial e não têm acesso a crédito de baixo custo no mercado. Em seus processos de reestruturação, elas também precisaram se desfazer de muitos ativos para sobreviver e, agora, não têm como utilizá-los como garantias.

Uma saída, para esse entrave, é buscar financiamento bancário, mas elas encontram dificuldades de acesso a taxas abaixo dos 20% anuais, depois de terem entrado no alvo da Lava Jato.

Outra solução pode estar em empresas brasileiras se aliando a grupos internacionais, que levam uma parte dos lucros em troca de trazer ao projeto uma situação financeira mais estável. O ponto negativo deste tipo de arranjo, analisam executivos do setor, é que essas parceiras acabam participando apenas marginalmente das operações e diminuem o lucro de quem vai realizar as obras. Assim, o modelo também acaba encarecendo os projetos.

Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), prometeu a criação de um fundo de garantias Foto: Wiltom Junior/Estadão

Para evitar isso, algumas empresas estão buscando convencer o governo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as estatais a aliviarem nos pedidos de garantias ou a ajudarem com a criação de fundos. A alternativa, buscada diretamente com os grandes contratadores, é utilizar o acesso que eles têm a financiamentos melhores, que podem ser repassados para as prestadoras de serviços.

Em outra frente, uma série de reuniões de empresas e integrantes do governo resultou na promessa de criação de fundo de garantias para as obras do PAC, o que foi anunciado junto com o programa. Agora, a expectativa é que a Casa Civil e o BNDES anunciem até o fim do mês uma espécie de fundo de garantias para grandes obras de construção civil, já prometido pelo ministro Rui Costa.

Problemas de governança

Outro possível entrave pode estar na governança de um programa tão complexo e amplo, que pode ser ainda mais complicado que os PACs 1 e 2, os quais resultaram em mais de metade de obras não entregues.

“O governo concentrou excesso de atribuições na Casa Civil no que diz respeito ao PAC 3. E ela já tem um excesso de atribuições”, afirma o consultor Claudio Frischtak, sócio da consultoria especializada em infraestrutura Inter.B. “O PAC deveria ser coordenado pelo Ministério de Planejamento e Orçamento, que teria capacidade de fazer uma governança transversal e tratar dessa questão da complexidade institucional.”

O risco é de uma profusão de projetos mal desenhados, que podem sofrer com problemas de elaboração, definição de orçamento e execução. O decreto de criação do PAC anulou as regras anteriores de 2020 que tratava da governança em obras públicas, elaborado pelo antigo Ministério da Economia. Ele previa a criação de uma comissão interministerial para prover governança para as obras, e assim evitar a centralização dos projetos.

Um estudo da Inter.B concluiu que as maiores falhas dos PACs 1 e 2 foram exatamente de governança, o que levaram às execuções incompletas. Um exemplo negativo foi o da ferrovia Transnordestina, iniciada em 2007 e que, no novo PAC, está prevista para ser finalizada em 2027.

O Sinicon, no entanto, defende que a centralização não deve ser um problema. “Estou de acordo com o modelo do Novo PAC. É melhor ter uma coordenação única junto a outros ministérios”, diz Medeiros, presidente da entidade.

Percepção internacional

Esses gargalos todos ajudam a explicar, em parte, a dificuldade do Brasil em atrair empresas internacionais para atuar aqui e competir com as empreiteiras nacionais, mais habituadas ao ambiente de negócios local. Um mau sinal de como os entraves podem afetar o andamento do PAC já foi percebido no pontapé inicial do programa.

Considerado o primeiro projeto do PAC 3, o lote 1 do sistema rodoviário do Paraná, que faz conexão entre o porto de Paranaguá, a Região Metropolitana de Curitiba e a Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai, teve licitação no fim de agosto disputada apenas por dois grupos.

Claudio Frischtak, presidente da Inter B Consultoria Foto: Patricia Cruz/Estadão

O vencedor foi um consórcio controlado pelo fundo Pátria. “Em condições normais, quatro ou cinco grupos disputariam a concessão. Não se vê nenhum estrangeiro interessado. Quando isso acontece, chama muito a atenção”, diz Frischtak.

Esse cenário acontece por conta da alta complexidade de se operar no Brasil, a dificuldade de encarar os gargalos que também afligem as empresas nacionais, e também por questões de compliance.

“Todo mundo reconhece que o Brasil tem potencial muito grande, e ele tem um déficit anual de mais de R$ 200 bilhões de investimentos não realizados em infraestrutura que seriam necessários. Mas grandes fundos de investimentos, de pensão e seguradoras têm alguns critérios, como o de aportar recursos em países integrantes da OCDE e com grau de investimento das agências de rating. E o Brasil não se encaixa nisso.”

O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de R$ 1,7 trilhão, precisará superar alguns gargalos para conseguir avançar de acordo com as projeções do governo. Entre as dificuldades previstas por executivos das empresas do setor, associações empresariais e consultores de infraestrutura, a falta de mão de obra qualificada para certas atividades e regiões, a necessidade de altos níveis de garantias a serem oferecidas pelas fornecedoras de serviços de construção e questões de governança devem ser entraves para o programa.

PKLULA10 - RJ - 11/08/2023 - LULA / NOVO PAC / RIO - POLÍTICA OE - O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, participa nesta sexta-feira, 11, da Cerimônia de Lançamento do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no Theatro Municipal, no centro do Rio. FOTO: PEDRO KIRILOS / ESTADÃO Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Mesmo que o governo consiga contornar suas restrições fiscais e orçamentárias para direcionar ao programa, ele dependerá bastante da iniciativa privada para fazer o programa dar certo. Não só por que o PAC prevê que as empresas precisam contribuir com uma fatia de R$ 612 bilhões de investimentos para fechar a estimativa de R$ 1,7 trilhão. Elas também deverão estar preparadas para atender à demanda de fornecimento de serviços, em especial, para a construção de infraestrutura, o grande foco de todo o programa.

Um dos gargalos mais óbvios é a necessidade de mão de obra para dar conta de tantos projetos simultâneos. Especialistas indicam que hoje faltam desde executivos para empresas de construção e mestres de obras até carpinteiros e trabalhadores mais técnicos.

Depois da crise no setor de construção pesada desde meados da década passada, por causa da parada dos grandes projetos governamentais e na esteira da Operação Lava Jato, as empreiteiras precisaram passar por uma forte diminuição de tamanho e demitiram dezenas de milhares de funcionários.

Com os cortes de pessoal e sem a perspectiva de novos empregos, muitos trabalhadores deixaram o setor nos últimos anos. “O grande desafio hoje para o Novo PAC não é a capacidade técnica. Isso o Brasil mantém. As empresas guardaram os seus acervos técnicos. O desafio é de mão de obra”, afirma o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), Claudio Medeiros, também executivo responsável pelas relações institucionais e governamentais da Novonor, a ex-Odebrecht.

“Sei que as grandes empresas estão fazendo uma busca seletiva, em banco de dados de ex-trabalhadores do setor, para trazer de volta alguns deles.”

Além da necessidade de atrair de volta e retreinar funcionários, há ainda a questão da dificuldade em recrutar jovens recém-formados em engenharia. Muitos deles partem para o mercado financeiro, gostam de fazer home office e não têm o desejo de trabalhar em obras espalhadas pelos rincões do País. “Estamos procurando o engenheiro nato. Temos de ver quem tem o perfil de engenheiro de obra”, diz Medeiros.

O tamanho desse desafio de mão de obra pode ser ilustrado apenas pelos projetos anunciados pela Petrobras. A estatal deve ser a grande contratante do Novo PAC, sendo responsável por R$ 323 bilhões em projetos nos próximos quatro anos, o equivalente a 17% do total.

O executivo de uma grande construtora, que não quis se identificar, diz que pediu o detalhamento da Petrobras de quantos trabalhadores serão necessários para dar conta de tantos investimentos. O estudo interno feito pela petrolífera, diz ele, apontava cerca de 200 mil trabalhadores atuando simultaneamente. A Petrobras não quis falar sobre esse números.

Para se ter uma dimensão, as grandes empresas prestadoras de serviços - sobreviventes de recuperações judiciais - não têm essa quantidade de pessoas atualmente. Nenhuma delas supera, atualmente, os 15 mil empregados em seu braço de construção, considerando Novonor, Andrade Gutierrez, Mover (ex-Camargo Corrêa), Álya (ex-Queiroz Galvão), Metha e Coesa (resultantes do desmembramento da OAS).

Para atividades especializadas, o desafio pode ser ainda maior. O setor de construção naval chegou a empregar, em seu auge, 82 mil pessoas e hoje são cerca de 20 mil, segundo o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). Muitos deles, em especial, os baseados no Rio de Janeiro, migraram para atividades informais e para a economia de aplicativos.

Agora, os estaleiros precisarão atrair, pelo menos, mais 20 mil pessoas para dar conta dos contratos que devem ser apresentados no próximo ano. A Petrobras pode licitar a construção de mais de uma dezena barcos de apoio já neste ano e a Transpetro prepara licitação, para ser lançada em 2024, de 25 grandes navios petroleiros e gaseiros de médio porte.

Garantias financeiras

Além da falta de trabalhadores, as garantias financeiras a serem dadas pelas empresas que vão assumir as obras também podem ser um grande problema. Afinal, com o histórico da Lava Jato na memória recente, os executivos das empresas que vão contratar os projetos preferem se proteger de problemas legais futuros.

Assim, evitam tomar riscos e exigem porcentagens altas de garantias para as empresas que enfrentaram problemas financeiros recentes, com o receio de que possam abandonar os projetos, no meio da obra, por falta de dinheiro. No entanto, ao exigirem das fornecedoras capacidade de financiamento próprio e altos níveis de garantias, os projetos encarecem e podem afugentar concorrentes para as licitações.

A fragilidade atual das empresas brasileiras com capacidade de participar de grandes obras complica esse cenário. Muitas estão saindo de processos de recuperação judicial e não têm acesso a crédito de baixo custo no mercado. Em seus processos de reestruturação, elas também precisaram se desfazer de muitos ativos para sobreviver e, agora, não têm como utilizá-los como garantias.

Uma saída, para esse entrave, é buscar financiamento bancário, mas elas encontram dificuldades de acesso a taxas abaixo dos 20% anuais, depois de terem entrado no alvo da Lava Jato.

Outra solução pode estar em empresas brasileiras se aliando a grupos internacionais, que levam uma parte dos lucros em troca de trazer ao projeto uma situação financeira mais estável. O ponto negativo deste tipo de arranjo, analisam executivos do setor, é que essas parceiras acabam participando apenas marginalmente das operações e diminuem o lucro de quem vai realizar as obras. Assim, o modelo também acaba encarecendo os projetos.

Ministro Chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), prometeu a criação de um fundo de garantias Foto: Wiltom Junior/Estadão

Para evitar isso, algumas empresas estão buscando convencer o governo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as estatais a aliviarem nos pedidos de garantias ou a ajudarem com a criação de fundos. A alternativa, buscada diretamente com os grandes contratadores, é utilizar o acesso que eles têm a financiamentos melhores, que podem ser repassados para as prestadoras de serviços.

Em outra frente, uma série de reuniões de empresas e integrantes do governo resultou na promessa de criação de fundo de garantias para as obras do PAC, o que foi anunciado junto com o programa. Agora, a expectativa é que a Casa Civil e o BNDES anunciem até o fim do mês uma espécie de fundo de garantias para grandes obras de construção civil, já prometido pelo ministro Rui Costa.

Problemas de governança

Outro possível entrave pode estar na governança de um programa tão complexo e amplo, que pode ser ainda mais complicado que os PACs 1 e 2, os quais resultaram em mais de metade de obras não entregues.

“O governo concentrou excesso de atribuições na Casa Civil no que diz respeito ao PAC 3. E ela já tem um excesso de atribuições”, afirma o consultor Claudio Frischtak, sócio da consultoria especializada em infraestrutura Inter.B. “O PAC deveria ser coordenado pelo Ministério de Planejamento e Orçamento, que teria capacidade de fazer uma governança transversal e tratar dessa questão da complexidade institucional.”

O risco é de uma profusão de projetos mal desenhados, que podem sofrer com problemas de elaboração, definição de orçamento e execução. O decreto de criação do PAC anulou as regras anteriores de 2020 que tratava da governança em obras públicas, elaborado pelo antigo Ministério da Economia. Ele previa a criação de uma comissão interministerial para prover governança para as obras, e assim evitar a centralização dos projetos.

Um estudo da Inter.B concluiu que as maiores falhas dos PACs 1 e 2 foram exatamente de governança, o que levaram às execuções incompletas. Um exemplo negativo foi o da ferrovia Transnordestina, iniciada em 2007 e que, no novo PAC, está prevista para ser finalizada em 2027.

O Sinicon, no entanto, defende que a centralização não deve ser um problema. “Estou de acordo com o modelo do Novo PAC. É melhor ter uma coordenação única junto a outros ministérios”, diz Medeiros, presidente da entidade.

Percepção internacional

Esses gargalos todos ajudam a explicar, em parte, a dificuldade do Brasil em atrair empresas internacionais para atuar aqui e competir com as empreiteiras nacionais, mais habituadas ao ambiente de negócios local. Um mau sinal de como os entraves podem afetar o andamento do PAC já foi percebido no pontapé inicial do programa.

Considerado o primeiro projeto do PAC 3, o lote 1 do sistema rodoviário do Paraná, que faz conexão entre o porto de Paranaguá, a Região Metropolitana de Curitiba e a Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai, teve licitação no fim de agosto disputada apenas por dois grupos.

Claudio Frischtak, presidente da Inter B Consultoria Foto: Patricia Cruz/Estadão

O vencedor foi um consórcio controlado pelo fundo Pátria. “Em condições normais, quatro ou cinco grupos disputariam a concessão. Não se vê nenhum estrangeiro interessado. Quando isso acontece, chama muito a atenção”, diz Frischtak.

Esse cenário acontece por conta da alta complexidade de se operar no Brasil, a dificuldade de encarar os gargalos que também afligem as empresas nacionais, e também por questões de compliance.

“Todo mundo reconhece que o Brasil tem potencial muito grande, e ele tem um déficit anual de mais de R$ 200 bilhões de investimentos não realizados em infraestrutura que seriam necessários. Mas grandes fundos de investimentos, de pensão e seguradoras têm alguns critérios, como o de aportar recursos em países integrantes da OCDE e com grau de investimento das agências de rating. E o Brasil não se encaixa nisso.”

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