Falta de mão de obra qualificada já afeta 40% das profissões que mais empregam no País


Desemprego no menor nível em dez anos e recuo na participação dos brasileiros na força de trabalho transformaram o último Mutirão do Emprego no ‘mutirão do pleno emprego’

Por Márcia De Chiara
Atualização:

Quem passou pelo centro da capital paulista na semana passada presenciou uma situação incomum nos últimos anos. A fila quilométrica de desempregados em busca de uma colocação, que normalmente serpenteava o Vale do Anhangabaú por conta do Mutirão Nacional do Emprego, neste ano não se formou. Os gradis, usados para enfileirar os candidatos na rua, foram deixados de lado nos cantos das calçadas.

Pela primeira vez, desde 2018, o Mutirão do Emprego, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, virou o “mutirão do pleno emprego”. Ou seja, teve mais vagas do que candidatos.

Nos cinco dias do evento, 3,58 mil trabalhadores passaram por lá, menos da metade dos 7,4 mil candidatos da primeira edição, em 2018. O número de postos de trabalho oferecidos neste ano bateu recorde: 25.046.

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“Foi o mutirão com mais vagas ofertadas de todas as nove edições e com menos candidatos”, afirma o presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. Do total de posições abertas, 200 foram preenchidas no evento, menos de 1%.

Esse resultado é um retrato da dificuldade enfrentada hoje pelas empresas para contratar trabalhadores qualificados. A taxa de desemprego de 6,9% registrada no trimestre encerrado em junho foi a menor dos últimos dez anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Grande fila do Mutirão do Emprego no Vale do Anhangabaú em 2016 (E) e o evento praticamente sem fila na edição de 2024 (D) Foto: Werther Santana/Estadão

Com isso, a escassez de mão de obra atingiu níveis recordes. Já afeta 40% das profissões que respondem pela maior fatia dos empregos formais no País, revela um estudo feito pela Confederação Nacional de Bens Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. Profissões onde há maior escassez de trabalhadores estão ligadas ao setor de serviços e à construção civil.

Para chegar a esse resultado, o economista da CNC, Fabio Bentes, cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) com o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) e selecionou um grupo de 231 profissões que respondem por 80% da ocupação do País.

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Constatou que, em junho, 92 das profissões que mais empregavam apresentavam indícios de escassez. Ou seja, o salário para admitir trabalhadores tinha crescido acima da média nominal do mercado de trabalho (5,8%) entre junho de 2023 e junho de 2024 e o estoque trabalhadores também tinha aumentado no período.

“Estamos no ponto mais alto de indício de escassez no mercado de trabalho”, afirma Bentes. Ele observa que um cenário parecido com atual ocorreu em meados de 2021. Só que naquela época, a escassez era por causa da reposição de trabalhadores na saída da pandemia, não em razão do crescimento da atividade.

Tirando esse período após a pandemia, o economista considera que não há registro de escassez tão elevada no mercado de trabalho como a que houve ao final do primeiro semestre deste ano.

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Setores

Outro estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycocal, com base nos dados da Pnad, aponta para a mesma direção. Revela que, até junho deste ano, de dez setores da economia analisados, seis estavam com alta demanda por mão de obra há mais de seis meses. Isto é, o salário e o número de ocupados no setor cresciam acima da média histórica. Nesse rol estão indústria, comércio, transporte, tecnologia e finanças, administração pública e outros serviços.

A situação é ainda mais crítica no setor de alimentação e alojamento, onde os salários têm subido acima da média histórica, porém o número de contratados tem avançado abaixo desse parâmetro. Na prática, os empresários querem contratar, mas não encontram trabalhadores para preencher as vagas.

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“Isso denota que está faltando trabalhador”, afirma o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso. O estudo do banco indica que o setor de alojamento e alimentação chegou ao limite. Um dos motivos, segundo Cardoso, é que esse segmento teve uma recuperação muito forte na saída da pandemia.

Sondagem do setor de serviços da Fundação Getulio Vargas (FGV) confirma o movimento constatado pelos estudos da CNC e do Daycoval. Em julho, 36,6% das empresas de alojamento, restaurante e alimentação apontaram a escassez de mão de obra qualificada como um fator limitante ao avanço das atividades.

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Já na média do setor de serviços da sondagem da FGV, esse problema foi indicado por 21,2% das companhias no período. Falta de mão de obra foi terceiro obstáculo ao avanço das atividades no setor de serviços em geral.

“Alojamento, restaurante e alimentação foi o segmento com o maior resultado entre os demais do setor de serviços nesse quesito de escassez de mão de obra e também o que registrou o maior aumento em relação a julho do ano passado”, afirma o coordenador de sondagens da FGV, Rodolpho Tobler.

Emily de Melo, de 20 anos, era operadora de marketing, pediu demissão recentemente e está em busca de uma emprego melhor Foto: Werther Santana/Estadão

A falta de trabalhadores qualificados é clara na construção civil e o principal problema para as companhias, segundo a sondagem da FGV. Em julho deste ano, mais de um quarto das empresas (26,7%) apontou a escassez de mão de obra como um problema. É o maior patamar desse quesito para os meses de julho desde 2014. “A reclamação de falta de trabalhadores é constante nos serviços e na construção”, ressalta Tobler.

No comércio, a FGV não pesquisa diretamente os obstáculos ao avanço da atividade entre as empresas dos setores. No entanto, os indícios de escassez de trabalhadores aparecem no elevado custo da mão de obra, apontado por 12,9% das varejistas como um problema em julho último. Esse obstáculo tem aparecido de forma recorrente nas sondagens do comércio feitas pela FGV nos últimos meses.

Empresas têm dificuldade para contratar

A demanda por salários maiores já foi percebida, por exemplo, pela Pernambucanas. No último Mutirão do Emprego, a varejista oferecia salário fixo de R$ 2 mil para vendedor mais comissão. Segundo Michele Dantas Teodoro, analista de recursos humanos da varejista, os candidatos que compareceram ao evento pleiteavam de 10% a 15% a mais no salário fixo. “Isso dificulta também as contratações.”

A Pernambucanas ofertou 100 vagas para a cidade de São Paulo no Mutirão da semana passada. Até quarta-feira, preencheu dez vagas e a expectativa até aquela data era ter completado a metade dos postos de trabalho.

Também no Grupo GR, empresa de vigilância e limpeza, as contratações estavam em marcha lenta até meados da semana passada, comparado a eventos de anos anteriores. A companhia levou 300 vagas para o Mutirão e tinha contratado apenas 15, após entrevistar 18 candidatos. “Esperava chegar na quarta-feira com 100 contratações”, disse Fabiana Amorim, analista de treinamento.

O que dificultou as admissões neste ano foi a falta de candidatos, observou a analista. “A situação se inverteu: no ano passado, os candidatos vinham até a gente e agora estou indo atrás deles”, explicou Fabiana, contando que deixou a sala onde esperava os entrevistados e foi até a fila da triagem do mutirão para “caçar” trabalhadores.

Leonardo Martins, de 31 anos, porteiro, está em busca de um segundo emprego na mesma função, para aumentar a renda Foto: Werther Santana/Estadão

O aperto no mercado de trabalho mudou o perfil dos trabalhadores que hoje estão em busca de emprego. Entre os que estavam a procura de uma vaga na semana passada no Mutirão do Emprego, a reportagem encontrou pessoas com mais idade, aposentados, os que queriam um segundo emprego para complementar a renda e até quem pediu demissão recentemente, acreditando que conseguiria colocação melhor.

Emily de Melo, de 20 anos, por exemplo, que trabalhava como operadora de marketing em home office, saiu do último emprego devido ao horário. “Pedi demissão para procurar uma vaga melhor, ajudar em casa, mas com horário mais flexível”, contou ao Estadão. No emprego antigo, ela entrava às 16 horas e saia às 2 horas da manhã.

Emily, que concluiu o ensino médio, procurava uma vaga de operadora de marketing ou na área de administração, mas com horário mais cedo. “No trabalho anterior recebia um salário mínimo e agora espero ganhar um pouco mais.”

Já o porteiro Leonardo Martins, de 31 anos, mesmo empregado desde 2019, foi ao Mutirão em busca de um segundo emprego para complementar a renda. “Um trabalho só não está sendo suficiente”, disse.

Divorciado e com uma filha, ele ganha um pouco menos de R$ 2 mil por mês, trabalhando das 19 horas às 7 horas da manhã. “Procuro uma segunda oportunidade para fazer uma renda extra.”

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, quer voltar ao mercado de trabalho, porque a aposentadoria não cobre as despesas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, por sua vez, trabalhava como vendedora e foi demitida em abril. Decidiu ir ao Mutirão à procura de uma recolocação, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas.

Apesar de constatar a pouca oferta de vagas para idosos, a aposentada disse que estava otimista para conseguir uma vaga. “Pelo menos a fila neste ano está bem menor.”

Quem passou pelo centro da capital paulista na semana passada presenciou uma situação incomum nos últimos anos. A fila quilométrica de desempregados em busca de uma colocação, que normalmente serpenteava o Vale do Anhangabaú por conta do Mutirão Nacional do Emprego, neste ano não se formou. Os gradis, usados para enfileirar os candidatos na rua, foram deixados de lado nos cantos das calçadas.

Pela primeira vez, desde 2018, o Mutirão do Emprego, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, virou o “mutirão do pleno emprego”. Ou seja, teve mais vagas do que candidatos.

Nos cinco dias do evento, 3,58 mil trabalhadores passaram por lá, menos da metade dos 7,4 mil candidatos da primeira edição, em 2018. O número de postos de trabalho oferecidos neste ano bateu recorde: 25.046.

“Foi o mutirão com mais vagas ofertadas de todas as nove edições e com menos candidatos”, afirma o presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. Do total de posições abertas, 200 foram preenchidas no evento, menos de 1%.

Esse resultado é um retrato da dificuldade enfrentada hoje pelas empresas para contratar trabalhadores qualificados. A taxa de desemprego de 6,9% registrada no trimestre encerrado em junho foi a menor dos últimos dez anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Grande fila do Mutirão do Emprego no Vale do Anhangabaú em 2016 (E) e o evento praticamente sem fila na edição de 2024 (D) Foto: Werther Santana/Estadão

Com isso, a escassez de mão de obra atingiu níveis recordes. Já afeta 40% das profissões que respondem pela maior fatia dos empregos formais no País, revela um estudo feito pela Confederação Nacional de Bens Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. Profissões onde há maior escassez de trabalhadores estão ligadas ao setor de serviços e à construção civil.

Para chegar a esse resultado, o economista da CNC, Fabio Bentes, cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) com o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) e selecionou um grupo de 231 profissões que respondem por 80% da ocupação do País.

Constatou que, em junho, 92 das profissões que mais empregavam apresentavam indícios de escassez. Ou seja, o salário para admitir trabalhadores tinha crescido acima da média nominal do mercado de trabalho (5,8%) entre junho de 2023 e junho de 2024 e o estoque trabalhadores também tinha aumentado no período.

“Estamos no ponto mais alto de indício de escassez no mercado de trabalho”, afirma Bentes. Ele observa que um cenário parecido com atual ocorreu em meados de 2021. Só que naquela época, a escassez era por causa da reposição de trabalhadores na saída da pandemia, não em razão do crescimento da atividade.

Tirando esse período após a pandemia, o economista considera que não há registro de escassez tão elevada no mercado de trabalho como a que houve ao final do primeiro semestre deste ano.

Setores

Outro estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycocal, com base nos dados da Pnad, aponta para a mesma direção. Revela que, até junho deste ano, de dez setores da economia analisados, seis estavam com alta demanda por mão de obra há mais de seis meses. Isto é, o salário e o número de ocupados no setor cresciam acima da média histórica. Nesse rol estão indústria, comércio, transporte, tecnologia e finanças, administração pública e outros serviços.

A situação é ainda mais crítica no setor de alimentação e alojamento, onde os salários têm subido acima da média histórica, porém o número de contratados tem avançado abaixo desse parâmetro. Na prática, os empresários querem contratar, mas não encontram trabalhadores para preencher as vagas.

“Isso denota que está faltando trabalhador”, afirma o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso. O estudo do banco indica que o setor de alojamento e alimentação chegou ao limite. Um dos motivos, segundo Cardoso, é que esse segmento teve uma recuperação muito forte na saída da pandemia.

Sondagem do setor de serviços da Fundação Getulio Vargas (FGV) confirma o movimento constatado pelos estudos da CNC e do Daycoval. Em julho, 36,6% das empresas de alojamento, restaurante e alimentação apontaram a escassez de mão de obra qualificada como um fator limitante ao avanço das atividades.

Já na média do setor de serviços da sondagem da FGV, esse problema foi indicado por 21,2% das companhias no período. Falta de mão de obra foi terceiro obstáculo ao avanço das atividades no setor de serviços em geral.

“Alojamento, restaurante e alimentação foi o segmento com o maior resultado entre os demais do setor de serviços nesse quesito de escassez de mão de obra e também o que registrou o maior aumento em relação a julho do ano passado”, afirma o coordenador de sondagens da FGV, Rodolpho Tobler.

Emily de Melo, de 20 anos, era operadora de marketing, pediu demissão recentemente e está em busca de uma emprego melhor Foto: Werther Santana/Estadão

A falta de trabalhadores qualificados é clara na construção civil e o principal problema para as companhias, segundo a sondagem da FGV. Em julho deste ano, mais de um quarto das empresas (26,7%) apontou a escassez de mão de obra como um problema. É o maior patamar desse quesito para os meses de julho desde 2014. “A reclamação de falta de trabalhadores é constante nos serviços e na construção”, ressalta Tobler.

No comércio, a FGV não pesquisa diretamente os obstáculos ao avanço da atividade entre as empresas dos setores. No entanto, os indícios de escassez de trabalhadores aparecem no elevado custo da mão de obra, apontado por 12,9% das varejistas como um problema em julho último. Esse obstáculo tem aparecido de forma recorrente nas sondagens do comércio feitas pela FGV nos últimos meses.

Empresas têm dificuldade para contratar

A demanda por salários maiores já foi percebida, por exemplo, pela Pernambucanas. No último Mutirão do Emprego, a varejista oferecia salário fixo de R$ 2 mil para vendedor mais comissão. Segundo Michele Dantas Teodoro, analista de recursos humanos da varejista, os candidatos que compareceram ao evento pleiteavam de 10% a 15% a mais no salário fixo. “Isso dificulta também as contratações.”

A Pernambucanas ofertou 100 vagas para a cidade de São Paulo no Mutirão da semana passada. Até quarta-feira, preencheu dez vagas e a expectativa até aquela data era ter completado a metade dos postos de trabalho.

Também no Grupo GR, empresa de vigilância e limpeza, as contratações estavam em marcha lenta até meados da semana passada, comparado a eventos de anos anteriores. A companhia levou 300 vagas para o Mutirão e tinha contratado apenas 15, após entrevistar 18 candidatos. “Esperava chegar na quarta-feira com 100 contratações”, disse Fabiana Amorim, analista de treinamento.

O que dificultou as admissões neste ano foi a falta de candidatos, observou a analista. “A situação se inverteu: no ano passado, os candidatos vinham até a gente e agora estou indo atrás deles”, explicou Fabiana, contando que deixou a sala onde esperava os entrevistados e foi até a fila da triagem do mutirão para “caçar” trabalhadores.

Leonardo Martins, de 31 anos, porteiro, está em busca de um segundo emprego na mesma função, para aumentar a renda Foto: Werther Santana/Estadão

O aperto no mercado de trabalho mudou o perfil dos trabalhadores que hoje estão em busca de emprego. Entre os que estavam a procura de uma vaga na semana passada no Mutirão do Emprego, a reportagem encontrou pessoas com mais idade, aposentados, os que queriam um segundo emprego para complementar a renda e até quem pediu demissão recentemente, acreditando que conseguiria colocação melhor.

Emily de Melo, de 20 anos, por exemplo, que trabalhava como operadora de marketing em home office, saiu do último emprego devido ao horário. “Pedi demissão para procurar uma vaga melhor, ajudar em casa, mas com horário mais flexível”, contou ao Estadão. No emprego antigo, ela entrava às 16 horas e saia às 2 horas da manhã.

Emily, que concluiu o ensino médio, procurava uma vaga de operadora de marketing ou na área de administração, mas com horário mais cedo. “No trabalho anterior recebia um salário mínimo e agora espero ganhar um pouco mais.”

Já o porteiro Leonardo Martins, de 31 anos, mesmo empregado desde 2019, foi ao Mutirão em busca de um segundo emprego para complementar a renda. “Um trabalho só não está sendo suficiente”, disse.

Divorciado e com uma filha, ele ganha um pouco menos de R$ 2 mil por mês, trabalhando das 19 horas às 7 horas da manhã. “Procuro uma segunda oportunidade para fazer uma renda extra.”

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, quer voltar ao mercado de trabalho, porque a aposentadoria não cobre as despesas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, por sua vez, trabalhava como vendedora e foi demitida em abril. Decidiu ir ao Mutirão à procura de uma recolocação, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas.

Apesar de constatar a pouca oferta de vagas para idosos, a aposentada disse que estava otimista para conseguir uma vaga. “Pelo menos a fila neste ano está bem menor.”

Quem passou pelo centro da capital paulista na semana passada presenciou uma situação incomum nos últimos anos. A fila quilométrica de desempregados em busca de uma colocação, que normalmente serpenteava o Vale do Anhangabaú por conta do Mutirão Nacional do Emprego, neste ano não se formou. Os gradis, usados para enfileirar os candidatos na rua, foram deixados de lado nos cantos das calçadas.

Pela primeira vez, desde 2018, o Mutirão do Emprego, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, virou o “mutirão do pleno emprego”. Ou seja, teve mais vagas do que candidatos.

Nos cinco dias do evento, 3,58 mil trabalhadores passaram por lá, menos da metade dos 7,4 mil candidatos da primeira edição, em 2018. O número de postos de trabalho oferecidos neste ano bateu recorde: 25.046.

“Foi o mutirão com mais vagas ofertadas de todas as nove edições e com menos candidatos”, afirma o presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. Do total de posições abertas, 200 foram preenchidas no evento, menos de 1%.

Esse resultado é um retrato da dificuldade enfrentada hoje pelas empresas para contratar trabalhadores qualificados. A taxa de desemprego de 6,9% registrada no trimestre encerrado em junho foi a menor dos últimos dez anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Grande fila do Mutirão do Emprego no Vale do Anhangabaú em 2016 (E) e o evento praticamente sem fila na edição de 2024 (D) Foto: Werther Santana/Estadão

Com isso, a escassez de mão de obra atingiu níveis recordes. Já afeta 40% das profissões que respondem pela maior fatia dos empregos formais no País, revela um estudo feito pela Confederação Nacional de Bens Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. Profissões onde há maior escassez de trabalhadores estão ligadas ao setor de serviços e à construção civil.

Para chegar a esse resultado, o economista da CNC, Fabio Bentes, cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) com o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) e selecionou um grupo de 231 profissões que respondem por 80% da ocupação do País.

Constatou que, em junho, 92 das profissões que mais empregavam apresentavam indícios de escassez. Ou seja, o salário para admitir trabalhadores tinha crescido acima da média nominal do mercado de trabalho (5,8%) entre junho de 2023 e junho de 2024 e o estoque trabalhadores também tinha aumentado no período.

“Estamos no ponto mais alto de indício de escassez no mercado de trabalho”, afirma Bentes. Ele observa que um cenário parecido com atual ocorreu em meados de 2021. Só que naquela época, a escassez era por causa da reposição de trabalhadores na saída da pandemia, não em razão do crescimento da atividade.

Tirando esse período após a pandemia, o economista considera que não há registro de escassez tão elevada no mercado de trabalho como a que houve ao final do primeiro semestre deste ano.

Setores

Outro estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycocal, com base nos dados da Pnad, aponta para a mesma direção. Revela que, até junho deste ano, de dez setores da economia analisados, seis estavam com alta demanda por mão de obra há mais de seis meses. Isto é, o salário e o número de ocupados no setor cresciam acima da média histórica. Nesse rol estão indústria, comércio, transporte, tecnologia e finanças, administração pública e outros serviços.

A situação é ainda mais crítica no setor de alimentação e alojamento, onde os salários têm subido acima da média histórica, porém o número de contratados tem avançado abaixo desse parâmetro. Na prática, os empresários querem contratar, mas não encontram trabalhadores para preencher as vagas.

“Isso denota que está faltando trabalhador”, afirma o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso. O estudo do banco indica que o setor de alojamento e alimentação chegou ao limite. Um dos motivos, segundo Cardoso, é que esse segmento teve uma recuperação muito forte na saída da pandemia.

Sondagem do setor de serviços da Fundação Getulio Vargas (FGV) confirma o movimento constatado pelos estudos da CNC e do Daycoval. Em julho, 36,6% das empresas de alojamento, restaurante e alimentação apontaram a escassez de mão de obra qualificada como um fator limitante ao avanço das atividades.

Já na média do setor de serviços da sondagem da FGV, esse problema foi indicado por 21,2% das companhias no período. Falta de mão de obra foi terceiro obstáculo ao avanço das atividades no setor de serviços em geral.

“Alojamento, restaurante e alimentação foi o segmento com o maior resultado entre os demais do setor de serviços nesse quesito de escassez de mão de obra e também o que registrou o maior aumento em relação a julho do ano passado”, afirma o coordenador de sondagens da FGV, Rodolpho Tobler.

Emily de Melo, de 20 anos, era operadora de marketing, pediu demissão recentemente e está em busca de uma emprego melhor Foto: Werther Santana/Estadão

A falta de trabalhadores qualificados é clara na construção civil e o principal problema para as companhias, segundo a sondagem da FGV. Em julho deste ano, mais de um quarto das empresas (26,7%) apontou a escassez de mão de obra como um problema. É o maior patamar desse quesito para os meses de julho desde 2014. “A reclamação de falta de trabalhadores é constante nos serviços e na construção”, ressalta Tobler.

No comércio, a FGV não pesquisa diretamente os obstáculos ao avanço da atividade entre as empresas dos setores. No entanto, os indícios de escassez de trabalhadores aparecem no elevado custo da mão de obra, apontado por 12,9% das varejistas como um problema em julho último. Esse obstáculo tem aparecido de forma recorrente nas sondagens do comércio feitas pela FGV nos últimos meses.

Empresas têm dificuldade para contratar

A demanda por salários maiores já foi percebida, por exemplo, pela Pernambucanas. No último Mutirão do Emprego, a varejista oferecia salário fixo de R$ 2 mil para vendedor mais comissão. Segundo Michele Dantas Teodoro, analista de recursos humanos da varejista, os candidatos que compareceram ao evento pleiteavam de 10% a 15% a mais no salário fixo. “Isso dificulta também as contratações.”

A Pernambucanas ofertou 100 vagas para a cidade de São Paulo no Mutirão da semana passada. Até quarta-feira, preencheu dez vagas e a expectativa até aquela data era ter completado a metade dos postos de trabalho.

Também no Grupo GR, empresa de vigilância e limpeza, as contratações estavam em marcha lenta até meados da semana passada, comparado a eventos de anos anteriores. A companhia levou 300 vagas para o Mutirão e tinha contratado apenas 15, após entrevistar 18 candidatos. “Esperava chegar na quarta-feira com 100 contratações”, disse Fabiana Amorim, analista de treinamento.

O que dificultou as admissões neste ano foi a falta de candidatos, observou a analista. “A situação se inverteu: no ano passado, os candidatos vinham até a gente e agora estou indo atrás deles”, explicou Fabiana, contando que deixou a sala onde esperava os entrevistados e foi até a fila da triagem do mutirão para “caçar” trabalhadores.

Leonardo Martins, de 31 anos, porteiro, está em busca de um segundo emprego na mesma função, para aumentar a renda Foto: Werther Santana/Estadão

O aperto no mercado de trabalho mudou o perfil dos trabalhadores que hoje estão em busca de emprego. Entre os que estavam a procura de uma vaga na semana passada no Mutirão do Emprego, a reportagem encontrou pessoas com mais idade, aposentados, os que queriam um segundo emprego para complementar a renda e até quem pediu demissão recentemente, acreditando que conseguiria colocação melhor.

Emily de Melo, de 20 anos, por exemplo, que trabalhava como operadora de marketing em home office, saiu do último emprego devido ao horário. “Pedi demissão para procurar uma vaga melhor, ajudar em casa, mas com horário mais flexível”, contou ao Estadão. No emprego antigo, ela entrava às 16 horas e saia às 2 horas da manhã.

Emily, que concluiu o ensino médio, procurava uma vaga de operadora de marketing ou na área de administração, mas com horário mais cedo. “No trabalho anterior recebia um salário mínimo e agora espero ganhar um pouco mais.”

Já o porteiro Leonardo Martins, de 31 anos, mesmo empregado desde 2019, foi ao Mutirão em busca de um segundo emprego para complementar a renda. “Um trabalho só não está sendo suficiente”, disse.

Divorciado e com uma filha, ele ganha um pouco menos de R$ 2 mil por mês, trabalhando das 19 horas às 7 horas da manhã. “Procuro uma segunda oportunidade para fazer uma renda extra.”

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, quer voltar ao mercado de trabalho, porque a aposentadoria não cobre as despesas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, por sua vez, trabalhava como vendedora e foi demitida em abril. Decidiu ir ao Mutirão à procura de uma recolocação, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas.

Apesar de constatar a pouca oferta de vagas para idosos, a aposentada disse que estava otimista para conseguir uma vaga. “Pelo menos a fila neste ano está bem menor.”

Quem passou pelo centro da capital paulista na semana passada presenciou uma situação incomum nos últimos anos. A fila quilométrica de desempregados em busca de uma colocação, que normalmente serpenteava o Vale do Anhangabaú por conta do Mutirão Nacional do Emprego, neste ano não se formou. Os gradis, usados para enfileirar os candidatos na rua, foram deixados de lado nos cantos das calçadas.

Pela primeira vez, desde 2018, o Mutirão do Emprego, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, virou o “mutirão do pleno emprego”. Ou seja, teve mais vagas do que candidatos.

Nos cinco dias do evento, 3,58 mil trabalhadores passaram por lá, menos da metade dos 7,4 mil candidatos da primeira edição, em 2018. O número de postos de trabalho oferecidos neste ano bateu recorde: 25.046.

“Foi o mutirão com mais vagas ofertadas de todas as nove edições e com menos candidatos”, afirma o presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. Do total de posições abertas, 200 foram preenchidas no evento, menos de 1%.

Esse resultado é um retrato da dificuldade enfrentada hoje pelas empresas para contratar trabalhadores qualificados. A taxa de desemprego de 6,9% registrada no trimestre encerrado em junho foi a menor dos últimos dez anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Grande fila do Mutirão do Emprego no Vale do Anhangabaú em 2016 (E) e o evento praticamente sem fila na edição de 2024 (D) Foto: Werther Santana/Estadão

Com isso, a escassez de mão de obra atingiu níveis recordes. Já afeta 40% das profissões que respondem pela maior fatia dos empregos formais no País, revela um estudo feito pela Confederação Nacional de Bens Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. Profissões onde há maior escassez de trabalhadores estão ligadas ao setor de serviços e à construção civil.

Para chegar a esse resultado, o economista da CNC, Fabio Bentes, cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) com o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) e selecionou um grupo de 231 profissões que respondem por 80% da ocupação do País.

Constatou que, em junho, 92 das profissões que mais empregavam apresentavam indícios de escassez. Ou seja, o salário para admitir trabalhadores tinha crescido acima da média nominal do mercado de trabalho (5,8%) entre junho de 2023 e junho de 2024 e o estoque trabalhadores também tinha aumentado no período.

“Estamos no ponto mais alto de indício de escassez no mercado de trabalho”, afirma Bentes. Ele observa que um cenário parecido com atual ocorreu em meados de 2021. Só que naquela época, a escassez era por causa da reposição de trabalhadores na saída da pandemia, não em razão do crescimento da atividade.

Tirando esse período após a pandemia, o economista considera que não há registro de escassez tão elevada no mercado de trabalho como a que houve ao final do primeiro semestre deste ano.

Setores

Outro estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycocal, com base nos dados da Pnad, aponta para a mesma direção. Revela que, até junho deste ano, de dez setores da economia analisados, seis estavam com alta demanda por mão de obra há mais de seis meses. Isto é, o salário e o número de ocupados no setor cresciam acima da média histórica. Nesse rol estão indústria, comércio, transporte, tecnologia e finanças, administração pública e outros serviços.

A situação é ainda mais crítica no setor de alimentação e alojamento, onde os salários têm subido acima da média histórica, porém o número de contratados tem avançado abaixo desse parâmetro. Na prática, os empresários querem contratar, mas não encontram trabalhadores para preencher as vagas.

“Isso denota que está faltando trabalhador”, afirma o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso. O estudo do banco indica que o setor de alojamento e alimentação chegou ao limite. Um dos motivos, segundo Cardoso, é que esse segmento teve uma recuperação muito forte na saída da pandemia.

Sondagem do setor de serviços da Fundação Getulio Vargas (FGV) confirma o movimento constatado pelos estudos da CNC e do Daycoval. Em julho, 36,6% das empresas de alojamento, restaurante e alimentação apontaram a escassez de mão de obra qualificada como um fator limitante ao avanço das atividades.

Já na média do setor de serviços da sondagem da FGV, esse problema foi indicado por 21,2% das companhias no período. Falta de mão de obra foi terceiro obstáculo ao avanço das atividades no setor de serviços em geral.

“Alojamento, restaurante e alimentação foi o segmento com o maior resultado entre os demais do setor de serviços nesse quesito de escassez de mão de obra e também o que registrou o maior aumento em relação a julho do ano passado”, afirma o coordenador de sondagens da FGV, Rodolpho Tobler.

Emily de Melo, de 20 anos, era operadora de marketing, pediu demissão recentemente e está em busca de uma emprego melhor Foto: Werther Santana/Estadão

A falta de trabalhadores qualificados é clara na construção civil e o principal problema para as companhias, segundo a sondagem da FGV. Em julho deste ano, mais de um quarto das empresas (26,7%) apontou a escassez de mão de obra como um problema. É o maior patamar desse quesito para os meses de julho desde 2014. “A reclamação de falta de trabalhadores é constante nos serviços e na construção”, ressalta Tobler.

No comércio, a FGV não pesquisa diretamente os obstáculos ao avanço da atividade entre as empresas dos setores. No entanto, os indícios de escassez de trabalhadores aparecem no elevado custo da mão de obra, apontado por 12,9% das varejistas como um problema em julho último. Esse obstáculo tem aparecido de forma recorrente nas sondagens do comércio feitas pela FGV nos últimos meses.

Empresas têm dificuldade para contratar

A demanda por salários maiores já foi percebida, por exemplo, pela Pernambucanas. No último Mutirão do Emprego, a varejista oferecia salário fixo de R$ 2 mil para vendedor mais comissão. Segundo Michele Dantas Teodoro, analista de recursos humanos da varejista, os candidatos que compareceram ao evento pleiteavam de 10% a 15% a mais no salário fixo. “Isso dificulta também as contratações.”

A Pernambucanas ofertou 100 vagas para a cidade de São Paulo no Mutirão da semana passada. Até quarta-feira, preencheu dez vagas e a expectativa até aquela data era ter completado a metade dos postos de trabalho.

Também no Grupo GR, empresa de vigilância e limpeza, as contratações estavam em marcha lenta até meados da semana passada, comparado a eventos de anos anteriores. A companhia levou 300 vagas para o Mutirão e tinha contratado apenas 15, após entrevistar 18 candidatos. “Esperava chegar na quarta-feira com 100 contratações”, disse Fabiana Amorim, analista de treinamento.

O que dificultou as admissões neste ano foi a falta de candidatos, observou a analista. “A situação se inverteu: no ano passado, os candidatos vinham até a gente e agora estou indo atrás deles”, explicou Fabiana, contando que deixou a sala onde esperava os entrevistados e foi até a fila da triagem do mutirão para “caçar” trabalhadores.

Leonardo Martins, de 31 anos, porteiro, está em busca de um segundo emprego na mesma função, para aumentar a renda Foto: Werther Santana/Estadão

O aperto no mercado de trabalho mudou o perfil dos trabalhadores que hoje estão em busca de emprego. Entre os que estavam a procura de uma vaga na semana passada no Mutirão do Emprego, a reportagem encontrou pessoas com mais idade, aposentados, os que queriam um segundo emprego para complementar a renda e até quem pediu demissão recentemente, acreditando que conseguiria colocação melhor.

Emily de Melo, de 20 anos, por exemplo, que trabalhava como operadora de marketing em home office, saiu do último emprego devido ao horário. “Pedi demissão para procurar uma vaga melhor, ajudar em casa, mas com horário mais flexível”, contou ao Estadão. No emprego antigo, ela entrava às 16 horas e saia às 2 horas da manhã.

Emily, que concluiu o ensino médio, procurava uma vaga de operadora de marketing ou na área de administração, mas com horário mais cedo. “No trabalho anterior recebia um salário mínimo e agora espero ganhar um pouco mais.”

Já o porteiro Leonardo Martins, de 31 anos, mesmo empregado desde 2019, foi ao Mutirão em busca de um segundo emprego para complementar a renda. “Um trabalho só não está sendo suficiente”, disse.

Divorciado e com uma filha, ele ganha um pouco menos de R$ 2 mil por mês, trabalhando das 19 horas às 7 horas da manhã. “Procuro uma segunda oportunidade para fazer uma renda extra.”

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, quer voltar ao mercado de trabalho, porque a aposentadoria não cobre as despesas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, por sua vez, trabalhava como vendedora e foi demitida em abril. Decidiu ir ao Mutirão à procura de uma recolocação, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas.

Apesar de constatar a pouca oferta de vagas para idosos, a aposentada disse que estava otimista para conseguir uma vaga. “Pelo menos a fila neste ano está bem menor.”

Quem passou pelo centro da capital paulista na semana passada presenciou uma situação incomum nos últimos anos. A fila quilométrica de desempregados em busca de uma colocação, que normalmente serpenteava o Vale do Anhangabaú por conta do Mutirão Nacional do Emprego, neste ano não se formou. Os gradis, usados para enfileirar os candidatos na rua, foram deixados de lado nos cantos das calçadas.

Pela primeira vez, desde 2018, o Mutirão do Emprego, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT) e o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, virou o “mutirão do pleno emprego”. Ou seja, teve mais vagas do que candidatos.

Nos cinco dias do evento, 3,58 mil trabalhadores passaram por lá, menos da metade dos 7,4 mil candidatos da primeira edição, em 2018. O número de postos de trabalho oferecidos neste ano bateu recorde: 25.046.

“Foi o mutirão com mais vagas ofertadas de todas as nove edições e com menos candidatos”, afirma o presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. Do total de posições abertas, 200 foram preenchidas no evento, menos de 1%.

Esse resultado é um retrato da dificuldade enfrentada hoje pelas empresas para contratar trabalhadores qualificados. A taxa de desemprego de 6,9% registrada no trimestre encerrado em junho foi a menor dos últimos dez anos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Grande fila do Mutirão do Emprego no Vale do Anhangabaú em 2016 (E) e o evento praticamente sem fila na edição de 2024 (D) Foto: Werther Santana/Estadão

Com isso, a escassez de mão de obra atingiu níveis recordes. Já afeta 40% das profissões que respondem pela maior fatia dos empregos formais no País, revela um estudo feito pela Confederação Nacional de Bens Serviços e Turismo (CNC), a pedido do Estadão. Profissões onde há maior escassez de trabalhadores estão ligadas ao setor de serviços e à construção civil.

Para chegar a esse resultado, o economista da CNC, Fabio Bentes, cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) com o Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) e selecionou um grupo de 231 profissões que respondem por 80% da ocupação do País.

Constatou que, em junho, 92 das profissões que mais empregavam apresentavam indícios de escassez. Ou seja, o salário para admitir trabalhadores tinha crescido acima da média nominal do mercado de trabalho (5,8%) entre junho de 2023 e junho de 2024 e o estoque trabalhadores também tinha aumentado no período.

“Estamos no ponto mais alto de indício de escassez no mercado de trabalho”, afirma Bentes. Ele observa que um cenário parecido com atual ocorreu em meados de 2021. Só que naquela época, a escassez era por causa da reposição de trabalhadores na saída da pandemia, não em razão do crescimento da atividade.

Tirando esse período após a pandemia, o economista considera que não há registro de escassez tão elevada no mercado de trabalho como a que houve ao final do primeiro semestre deste ano.

Setores

Outro estudo feito pelo Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycocal, com base nos dados da Pnad, aponta para a mesma direção. Revela que, até junho deste ano, de dez setores da economia analisados, seis estavam com alta demanda por mão de obra há mais de seis meses. Isto é, o salário e o número de ocupados no setor cresciam acima da média histórica. Nesse rol estão indústria, comércio, transporte, tecnologia e finanças, administração pública e outros serviços.

A situação é ainda mais crítica no setor de alimentação e alojamento, onde os salários têm subido acima da média histórica, porém o número de contratados tem avançado abaixo desse parâmetro. Na prática, os empresários querem contratar, mas não encontram trabalhadores para preencher as vagas.

“Isso denota que está faltando trabalhador”, afirma o economista-chefe do Daycoval, Rafael Cardoso. O estudo do banco indica que o setor de alojamento e alimentação chegou ao limite. Um dos motivos, segundo Cardoso, é que esse segmento teve uma recuperação muito forte na saída da pandemia.

Sondagem do setor de serviços da Fundação Getulio Vargas (FGV) confirma o movimento constatado pelos estudos da CNC e do Daycoval. Em julho, 36,6% das empresas de alojamento, restaurante e alimentação apontaram a escassez de mão de obra qualificada como um fator limitante ao avanço das atividades.

Já na média do setor de serviços da sondagem da FGV, esse problema foi indicado por 21,2% das companhias no período. Falta de mão de obra foi terceiro obstáculo ao avanço das atividades no setor de serviços em geral.

“Alojamento, restaurante e alimentação foi o segmento com o maior resultado entre os demais do setor de serviços nesse quesito de escassez de mão de obra e também o que registrou o maior aumento em relação a julho do ano passado”, afirma o coordenador de sondagens da FGV, Rodolpho Tobler.

Emily de Melo, de 20 anos, era operadora de marketing, pediu demissão recentemente e está em busca de uma emprego melhor Foto: Werther Santana/Estadão

A falta de trabalhadores qualificados é clara na construção civil e o principal problema para as companhias, segundo a sondagem da FGV. Em julho deste ano, mais de um quarto das empresas (26,7%) apontou a escassez de mão de obra como um problema. É o maior patamar desse quesito para os meses de julho desde 2014. “A reclamação de falta de trabalhadores é constante nos serviços e na construção”, ressalta Tobler.

No comércio, a FGV não pesquisa diretamente os obstáculos ao avanço da atividade entre as empresas dos setores. No entanto, os indícios de escassez de trabalhadores aparecem no elevado custo da mão de obra, apontado por 12,9% das varejistas como um problema em julho último. Esse obstáculo tem aparecido de forma recorrente nas sondagens do comércio feitas pela FGV nos últimos meses.

Empresas têm dificuldade para contratar

A demanda por salários maiores já foi percebida, por exemplo, pela Pernambucanas. No último Mutirão do Emprego, a varejista oferecia salário fixo de R$ 2 mil para vendedor mais comissão. Segundo Michele Dantas Teodoro, analista de recursos humanos da varejista, os candidatos que compareceram ao evento pleiteavam de 10% a 15% a mais no salário fixo. “Isso dificulta também as contratações.”

A Pernambucanas ofertou 100 vagas para a cidade de São Paulo no Mutirão da semana passada. Até quarta-feira, preencheu dez vagas e a expectativa até aquela data era ter completado a metade dos postos de trabalho.

Também no Grupo GR, empresa de vigilância e limpeza, as contratações estavam em marcha lenta até meados da semana passada, comparado a eventos de anos anteriores. A companhia levou 300 vagas para o Mutirão e tinha contratado apenas 15, após entrevistar 18 candidatos. “Esperava chegar na quarta-feira com 100 contratações”, disse Fabiana Amorim, analista de treinamento.

O que dificultou as admissões neste ano foi a falta de candidatos, observou a analista. “A situação se inverteu: no ano passado, os candidatos vinham até a gente e agora estou indo atrás deles”, explicou Fabiana, contando que deixou a sala onde esperava os entrevistados e foi até a fila da triagem do mutirão para “caçar” trabalhadores.

Leonardo Martins, de 31 anos, porteiro, está em busca de um segundo emprego na mesma função, para aumentar a renda Foto: Werther Santana/Estadão

O aperto no mercado de trabalho mudou o perfil dos trabalhadores que hoje estão em busca de emprego. Entre os que estavam a procura de uma vaga na semana passada no Mutirão do Emprego, a reportagem encontrou pessoas com mais idade, aposentados, os que queriam um segundo emprego para complementar a renda e até quem pediu demissão recentemente, acreditando que conseguiria colocação melhor.

Emily de Melo, de 20 anos, por exemplo, que trabalhava como operadora de marketing em home office, saiu do último emprego devido ao horário. “Pedi demissão para procurar uma vaga melhor, ajudar em casa, mas com horário mais flexível”, contou ao Estadão. No emprego antigo, ela entrava às 16 horas e saia às 2 horas da manhã.

Emily, que concluiu o ensino médio, procurava uma vaga de operadora de marketing ou na área de administração, mas com horário mais cedo. “No trabalho anterior recebia um salário mínimo e agora espero ganhar um pouco mais.”

Já o porteiro Leonardo Martins, de 31 anos, mesmo empregado desde 2019, foi ao Mutirão em busca de um segundo emprego para complementar a renda. “Um trabalho só não está sendo suficiente”, disse.

Divorciado e com uma filha, ele ganha um pouco menos de R$ 2 mil por mês, trabalhando das 19 horas às 7 horas da manhã. “Procuro uma segunda oportunidade para fazer uma renda extra.”

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, quer voltar ao mercado de trabalho, porque a aposentadoria não cobre as despesas Foto: Werther Santana/Estadão

Rosana Siano, de 65 anos, aposentada, por sua vez, trabalhava como vendedora e foi demitida em abril. Decidiu ir ao Mutirão à procura de uma recolocação, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas.

Apesar de constatar a pouca oferta de vagas para idosos, a aposentada disse que estava otimista para conseguir uma vaga. “Pelo menos a fila neste ano está bem menor.”

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