BRASÍLIA - Apesar do calendário apertado de votações na Câmara até o fim do ano, o Ministério da Fazenda ainda quer avançar nas próximas semanas com a proposta que dá fim ao modelo atual de Juros sobre Capital Próprio (JCP),um tipo de remuneração feita pelas grandes empresas aos seus acionistas.
Como originalmente sugerido ao Congresso, o texto pode render cerca de R$ 10 bilhões à União no próximo ano. Essa é uma das medidas de arrecadação necessárias para a equipe econômica tentar alcançar o déficit zero em 2024. O JCP permite que a remuneração aos acionistas seja enquadrada como despesa – e, assim, abatida do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O foco do governo, ao mirar nesse instrumento, é atacar o planejamento tributário agressivo feito por empresas de grande porte da chamada economia real para pagar menos tributos. A equipe econômica argumenta que o uso do mecanismo foi desvirtuado e deve ser extinto.
A avaliação de líderes partidários da Câmara, contudo, é de que não há mais tempo hábil para avançar com mudanças no JCP em 2023. “Sem chance”, disse à reportagem uma liderança no Centrão. Até o fim do ano, os deputados devem analisar as mudanças feitas pelo Senado na reforma tributária, a proposta que muda a tributação da chamada subvenção do ICMS, projetos da “agenda verde” abraçados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o Orçamento.
Segundo apurou a reportagem, integrantes da Fazenda têm dialogado com parlamentares para tentar um sinal verde à pauta do JCP ainda em 2023. O próprio líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), contudo, chegou a dizer que a MP da subvenção do ICMS seria a última pauta da equipe econômica este ano.
Uma das opções avaliadas agora é incluir o tema justamente na proposta que altera a tributação sobre os incentivos fiscais de ICMS, a próxima na fila de votações. A MP limita a possibilidade de as empresas deduzirem incentivos fiscais concedidos pelos Estados dos tributos federais.
A estratégia não seria inédita. O governo já tentou endereçar o fim da dedutibilidade do JCP na tributação de fundos de alta renda, mas a falta de maturidade nas discussões fizeram o relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), desistir da ideia.
Desde então, contudo, o debate avançou, embora o modelo alternativo ao sistema atual do JCP ainda esteja em discussão. À reportagem, uma fonte da equipe econômica destacou que o objetivo final é “corrigir” os problemas que envolvem o instrumento — e nenhum caminho estaria descartado. Nesse sentido, a adoção de um modelo similar ao europeu, com o uso do ACE (sigla para Allowance for Corporate Equity), continua a ser uma das opções analisadas.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast em 6 de outubro, Pedro Paulo defendeu “separar o joio do trigo” no debate sobre o JCP e manter a dedução para os recursos que forem aplicados em investimentos ou usados para reduzir a dívida das empresas. “Se está cumprindo as funções de gerar investimento para a empresa, reduzir endividamento, tem que continuar sendo deduzido. É algo desejável, que não pode ser desincentivado”, disse.
Hoje, o PL enviado pelo governo sobre o assunto está parado, sem relatoria definida. E, para avançar com o tema dentro da proposta que trata das subvenções fiscais, o governo ainda precisa de uma definição sobre como essa proposta tramitará. Isso porque o Congresso ainda não decidiu se as novas regras para tributação dos incentivos de ICMS serão analisadas por meio de Medida Provisória (MP), como prefere a Fazenda, ou pelo projeto de lei encaminhado a pedido de Lira.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já se reuniu com o presidente da Câmara e líderes partidários para explicar a MP da subvenção. De acordo com parlamentares que participaram do encontro, a conversa foi o “primeiro passo” para a proposta avançar, mas ainda há dúvidas sobre pontos do texto.
Debate desafiador
Ambos os temas, tanto da subvenção quanto do JCP, sempre foram considerados como os mais desafiadores pela equipe econômica dentro do pacote de medidas para sanear as receitas em 2024. Quando enviou o projeto sobre os juros sobre capital próprio ao Congresso, a Fazenda decidiu abrir o debate pela via mais ambiciosa, sugerindo o fim da dedutibilidade do JCP para todos os setores.
A equipe econômica já reconhecia, por sua vez, que precisaria costurar um meio-termo junto ao Congresso — entendimento que cresceu de agosto para cá. Como já mostrou o Estadão/Broadcast, ganhou força no Parlamento a opção de implantar no Brasil um modelo similar ao europeu, construindo algo mais próximo do ACE. Implicitamente, Lira mostrou simpatia à ideia. Em outubro, o deputado alagoano mencionou a sugestão de autorizar o benefício a quem utiliza o JCP efetivamente para investimentos.
Em setembro, ao falar sobre as distorções do JCP, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, chegou a afirmar que o modelo europeu seria o “mais apropriado” por não descapitalizar as empresas. Segundo ele, na Europa, o ACE estabelece que é necessário ter investimento real na empresa para ter o abatimento tributário.
A mudança na dedutibilidade do JCP faz parte do pacote de medidas lançado por Haddad para aumentar a arrecadação do governo federal e, dessa forma, tentar zerar o déficit das contas públicas em 2024.
Essa meta, estabelecida pela equipe econômica no começo do ano, está em discussão no governo após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocá-la em dúvida. Mesmo assim, o ministro da Fazenda ainda tenta convencer o governo a manter a meta pelo menos até março.