NOVA YORK - Pressionado a conter a escalada da inflação nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) decidiu elevar a taxa de juros no país em 0,75 ponto porcentual em reunião nesta quarta-feira, 27.
Com a decisão, a taxa básica de juros do país (chamada de Fed Funds) sobe para o intervalo de 2,25% a 2,5% ao ano, o maior patamar desde dezembro de 2018. É o quarto aumento consecutivo desde que o Fed começou a elevar os juros americanos em março e o segundo aumento de 0,75 ponto. A subida afeta diretamente os investimentos e o câmbio no Brasil, porque tende a levar a uma saída de investidores de países emergentes.
Assim como o Brasil e outros países, os EUA também enfrentam uma forte inflação. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) teve alta de 1,3% em junho, saltando a 9,1% nos últimos 12 meses, o maior desde novembro de 1981.
Diante desse cenário, o Fed sinalizou que deve continuar o aperto monetário e que novos aumentos nas taxas de juros serão apropriados nas próximas reuniões. Mas o presidente do Fed, Jerome Powell, deixou a porta aberta para uma moderação na alta das taxas de juros nas próximas reuniões, o que foi recebido com alívio pelos mercados financeiros.
O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, encerrou o dia em alta de 1,67% aos 101,5 mil pontos. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 1,37%, e o Nasdaq teve alta de 4,06%.
Jerome Powell, do Fed, não descartou que outro aumento de juros “incomumente alto” possa ser necessário, mas falou que há possibilidade de moderar o ritmo de altas de juros. Para reduzir a inflação, de acordo com ele, a política monetária precisa ficar “ao menos moderadamente restritiva”, isto é, precisará subir chegar a um nível que compromete a atividade econômica no curto prazo.
A fala de Powell levou economistas do mercado financeiro a apostarem em uma alta menor nos juros, de 0,50 ponto porcentual na próxima reunião do Fed. Levantamento do CME Group mostra que as chances de uma alta desta proporção, para a faixa entre 2,75% e 3,00% ao ano, na próxima reunião avançou para 72%. Por sua vez, a probabilidade de um aumento de 0,75 ponto em setembro foi para 28%.
“Com a inflação prestes a cair e sinais crescentes de fraqueza econômica, suspeitamos que as autoridades serão mais cautelosas ao aumentar as taxas daqui, mudando para um movimento menor, de 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual )em setembro”, avaliou o economista-chefe da britânica Capital Economics para os EUA, Michael Pearce.
Por outro lado, Powell afirmou que o ideal é decidir o tamanho da alta nas taxas a cada reunião, seguindo os mesmos passos do Banco Central Europeu (BCE), que abandonou a prática de divulgar uma orientação sobre o futuro da política monetária aos mercados, chamada de forward guidance.
“Vamos tomar decisões reunião por reunião. Achamos que é hora de (decidir o aumento dos juros) em reunião por reunião e não fornecer o tipo de orientação clara que fornecemos no caminho para os juros neutros (em um nível que não compromete o crescimento da economia)”, afirmou Powell.
Na sua visão, as decisões futuras de política monetária vão depender de dados e da situação da economia dos Estados Unidos, a maior do mundo.
Para analistas do banco Citi, Powell foi mais agressivo do que o mercado interpretou. Segundo o banco, uma “alta maior” foi deixada na mesa para a reunião de setembro. “Continuamos esperando que o núcleo da inflação leve o Fed a subir mais agressivamente do que o BC ou os mercados antecipam, com um aumento de 75 pontos-base em setembro”, disse o Citi, em comentário a clientes.
Risco de recessão
Se por um lado, uma nova alta de 0,75 ponto em julho ajude a controlar a inflação, por outro, joga luz ao impacto na atividade econômica dos Estados Unidos. Essa é uma preocupação do mercado, uma vez que a alta de juros pode levar à recessão. Neste mês, o Bank of America passou a prever uma “recessão leve” no país este ano, reforçando o coro de Wall Street nessa direção. Durante as teleconferências de balanços de empresas de capital aberto nos EUA do segundo trimestre, a palavra recessão esteve presente.
No comunicado divulgado nesta quarta, o Fed ressaltou que os indicadores recentes mostram uma economia um pouco mais fraca, mas com um mercado de trabalho ainda robusto. “Os indicadores recentes de gastos e produção suavizaram. No entanto, os ganhos de emprego foram robustos nos últimos meses e a taxa de desemprego permaneceu baixa. A inflação permanece elevada, refletindo desequilíbrios de oferta e demanda relacionados à pandemia, preços mais altos de alimentos e energia e pressões mais amplas sobre os preços”, diz o documento, que também cita que a guerra da Rússia contra a Ucrânia está criando uma pressão ascendente adicional sobre a inflação e pesando sobre a atividade econômica global.
Neste cenário, o Fed ficará “altamente atento” aos riscos de pressão inflacionária e se mantém “fortemente comprometido” em retornar a taxa de inflação à meta de 2% ao ano.
Em entrevista, Jerome Powell disse que já há uma desaceleração nos EUA em curso. Entre os sinais de desaceleração, segundo ele, está um ritmo menos intenso dos gastos dos consumidores americanos. “É um início de ajuste”, avaliou. “Acreditamos que a demanda está moderando, mas não temos certeza de quanto”, acrescentou. “A desaceleração no segundo trimestre é notável e nós vamos acompanhar com atenção.”
Segundo Powell, o Fed mantém o foco de atingir um “pouso suave” da economia dos Estados Unidos, mas isso se tornou “mais desafiador” e ainda é “incerto”. O objetivo, afirmou, é baixar a inflação e ter uma aterrissagem sem um aumento “muito significativo” do desemprego no país.
“Nós dissemos desde o início que um pouso suave é o que estávamos buscando, é claro que esse deve ser o nosso objetivo. E vamos continuar tentando alcançá-lo”, disse Powell. “Eu disse em muitas ocasiões que entendemos que isso seria bastante desafiador, e ficou mais desafiador nos últimos meses”, reforçou.
Reação do mercado
Para outros economistas e analistas do mercado, o comunicado do Fed aponta para uma nova alta nos juros na próxima reunião em setembro, o que deve restringir o crescimento econômico dos Estados Unidos no curto prazo
Carlos Vaz, CEO e fundador da Conti Capital, gestora de investimentos nos Estados Unidos, espera que o Fed siga com o processo de aperto monetário nos Estados Unidos até o fim deste ano, com mais um aumento de 0,75 ponto em setembro e outros de 25 pontos-base em novembro e dezembro. “O Fed ainda mostra estar confiante na força de recuperação da economia norte-americana e busca equilibrar a desaceleração econômica e os índices inflacionários, ao mesmo tempo em que evita uma recessão severa, para diminuir a tensão do mercado financeiro mundial”, afirma.
Para o gestor, o cenário atual dos Estados Unidos é diferente da grande crise financeira de 2008, mas ele avalia que, tecnicamente, o país caminha para uma recessão. Em sua visão, porém, a baixa não será generalizada na economia. Para o Brasil, diz, a postura da autoridade monetária serve de alerta quanto à fuga de capital estrangeiro, em busca de mercados mais estáveis.
Para a Oxford Economics, o Fed deve repetir uma alta de 0,75 ponto na próxima decisão monetária. Com a expectativa de que a inflação chegue a 9% em 12 meses em julho, a consultoria espera que o banco central americano retorno a altas de 0,25 ponto no início de 2023, elevando a taxa de Fed Funds para a faixa de 3,75% a 4%.