NOVA YORK - O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve reforçar a visão de cautela quanto à redução das taxas de juros nos Estados Unidos, mas manter três cortes no horizonte para 2024 na reunião que começa nesta terça-feira, 19, e termina na quarta. A resistência da inflação no país, contudo, levanta a dúvida em Wall Street quanto à possibilidade de mudanças em seu cenário futuro e o risco de novo adiamento nas expectativas para o início da flexibilização monetária para o segundo semestre deste ano.
Antes visto como possível mês de virada, março deve manter tudo como antes. Assim, o Fed deve deixar inalterados os juros entre 5,25% e 5,50% ao ano, maior patamar desde 2001. Confirmada, será a quinta manutenção consecutiva das taxas no país.
O ponto de atenção de Wall Street está nas projeções futuras do Fed, em especial, para o crescimento da maior economia do mundo e a inflação. Mas o chamado gráfico de pontos, que detalha o cenário de expectativas da autoridade monetária, deve manter a previsão de três cortes de 0,25 ponto porcentual neste ano, como sinalizado em dezembro do ano passado, de acordo com economistas. Além disso, eles também esperam que junho permaneça na mesa como o ponto de virada na política monetária dos EUA.
“Embora os EUA estejam acelerando o crescimento e tenhamos a inflação de serviços um pouco resistente no país, achamos que o Fed ainda pode cortar os juros este ano”, disse o economista-chefe do Bank of America para os EUA, Michael Gapen, ao avaliar o ambiente macroeconômico dos EUA, em conversa com jornalistas. Para ele, o Fed deve começar a reduzir as taxas em junho, totalizando 0,75 ponto porcentual este ano e 1 ponto porcentual em 2025.
Os mercados em geral avançaram nesta direção, depois de sinais de maior rigidez dos preços nos EUA conterem a onda de otimismo motivada pelo processo de desinflação. Como pano de fundo, serviços atrasando a melhora capitaneada pelo setor de bens e um mercado de trabalho ainda bastante aquecido na maior economia do mundo.
O Goldman Sachs, por exemplo, anunciou nesta semana ajustes em seu cenário base e passou a prever três cortes em 2024, em vez de quatro. O responsável? A trajetória da inflação mais elevada que o previsto, justifica o gigante de Wall Street.
O núcleo do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos EUA, que exclui preços voláteis como de alimentos e energia, avançou 0,4% na leitura de fevereiro ante janeiro, acima das projeções do mercado. Além disso, a aceleração dos preços ao produtor americano servem de mau presságio para índice de preços de gastos com consumo (PCE, na sigla em inglês), a medida preferida de inflação do Fed.
“A inflação nos EUA tem estado mais firme nos últimos meses, mas pensamos que ainda está no bom caminho para cair o suficiente até a reunião de junho para um primeiro corte”, diz o time do Goldman Sachs, liderado pelo economista Jan Hatzius.
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Crescimento e inflação
Ainda que o Fed possa manter intactas as expectativas para os juros, operadores já se preparam para possíveis mudanças nas projeções para o crescimento e a inflação dos EUA. O foco de atenção — ou de tensão — é, sobretudo, as expectativas para o comportamento dos preços americanos.
Para o Bank of America, o Fed deve elevar as expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA e também para a inflação. Mas, assim como o Citi, vê o gráfico de pontos como o risco “hawkish”, ou seja, de os juros americanos permanecerem alto por mais tempo na maior economia do mundo.
Ao menos até aqui, o gráfico de pontos do Fed tem sido usado como um teto nas projeções do mercado para a queda dos juros nos EUA. Apesar disso, começa a ganhar mais força uma corrente que aponta chances de o Fed esperar junho e iniciar os cortes somente na segunda metade do ano.
Além do gráfico de pontos, a conferência de imprensa que acontece na esteira da decisão de juros deve, como de costume, ser acompanhada por lupa por Wall Street. O holandês ING espera que o presidente do Fed, Jerome Powell, reforce o recado já dado em depoimento ao Congresso americano.
“Esperamos que o presidente Powell repita a frase do depoimento no Congresso de que ‘provavelmente’ será apropriado começar a reduzir os juros em algum momento deste ano. Mas as perspectivas econômicas são incertas e o progresso contínuo em direção à nossa meta de inflação de 2% não está garantido”, diz o economista-chefe internacional do ING, James Knightley.
O rumo dos juros americanos será conhecido nesta quarta, às 15h de Brasília. Na sequência, Powell comenta sobre a decisão e é sabatinado por jornalistas, em coletiva de imprensa, que acontece 30 minutos depois.
Parte do mercado também espera novidades quanto à estratégia do Fed para colocar um ponto final no processo de redução do seu balanço de ativos, aperto quantitativo (QT, da sigla em inglês) na reunião. Para o dinamarquês Danske Bank, o BC dos EUA deve cortar o ritmo de redução pela metade apenas em setembro. O Barclays, porém, não espera um anúncio imediato sobre o caminho que o Fed deve seguir. No início do mês, o diretor do Fed Christopher Waller afirmou que o timing do processo de normalização do balanço da instituição independe das decisões de juros.