Economia e políticas públicas

Opinião|Metendo os pés pelas mãos no fiscal


Para vários analistas, "combo" de antecipação de gasto adicional e mudança de metas de primário, junto com inação do governo na área de gastos, pode passar a impressão de que Lula 3 está "jogando a toalha" no front fiscal.

Por Fernando Dantas

Agora parece não haver dúvida: o governo está enfiando os pés pelas mãos na política fiscal. O "jabuti" da antecipação de gasto extra de R$ 15,7 bilhões este ano (entrou de carona em projeto relativo a seguro obrigatório de DPVAT) e a mudança das metas  de primário a partir de 2025 são ruins pelo conjunto da obra e pelo timing. Neste segundo caso, exatamente quando a piora na perspectiva de afrouxamento monetário nos Estados Unidos está desvalorizando o real e elevando os juros brasileiros (em consonância com os americanos) ao longo de toda a curva.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, considera curioso que fontes tenham invocado uma "janela de oportunidade" para a antecipação do crédito suplementar, aproveitando-se o bom desempenho da arrecadação no início do ano que não deve se manter depois (pela regra anterior era preciso esperar que a melhora se confirmasse em maio).

"Se é preciso invocar uma janela, é porque ela não existe - é como alguém comprar um carro novo invocando uma 'janela de emprego' porque no dia seguinte estará desempregado", ele compara.

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Em relação à mudança de metas de primário, Montero nota que tanto a nova meta de 2025 (zero, podendo chegar a déficit de 0,25% do PIB) quanto a de 2026 (0,25%, podendo chegar a zero) não levaram em conta -0,36% do PIB adicionais por conta de precatórios que o STF autorizou a excluir do resultado primário para cômputo da meta. Em termos de dinâmica da dívida, que é o que importa, porém, é claro que esses pagamentos de precatórios contam.

Para Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, "o que assusta nas mudanças das metas fiscais não são os números em si, mas a sensação que ficou de que o governo e o Congresso Nacional estão 'jogando a tolha' no desafio do ajuste fiscal".

Ele nota que o mercado e mesmo o Relatório de Projeções Fiscais (RPF) da STN preveem números piores do que a trajetória anterior das metas. No caso do RPF, isso se dá mesmo com a suposição de aprovação da MP 1.202, que busca reduzir gastos atacando a questão do PERSE (programa de incentivo ao setor de eventos), desoneração da folha de 17 setores e contribuição previdenciária dos pequenos municípios.

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Aliás, as novas metas de primário ainda são melhores que as expectativas de mercado. O problema, diz Mansueto, é que, "com as metas antigas, todos tinham a sensação que o governo poderia não entregar, mas faria de tudo para se aproximar do prometido".

Mas é justamente esse sensação de comprometimento com o fiscal que entra em xeque, na visão do economista, quando o governo abre mão de R$ 12 bilhões de dividendos extraordinários (da Petrobrás), sinaliza renegociação da dívida dos Estados e o Congresso antecipa expansão de receitas de R$ 15,7 bilhões, apesar do risco de não cumprimento das metas fiscais.

É um combo propício a alimentar a narrativa de que o governo, secundado pelo Congresso, "jogou a toalha" no front fiscal.

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Concretamente, pergunta-se Mansueto, o que o governo fará com as regras de crescimento da despesa obrigatória para compensar pelo menos parte da frustração de receita com que contava para este e para os próximos anos? Ele nota que, no RPF da STN, a despesa discricionária tem que ir para zero até o final da década, com ou sem aumento da carga tributária.

Mansueto observa que os dados da atividade e do emprego estão bons (o BTG projeta crescimento do PIB de 2,3% este ano), mas - é claro que com o peso da piora internacional - a Bolsa cai, o dólar dispara e, o que é pior, os juros longos sobem, com as NTN-Bs, indexadas ao IPCA, e que são a taxa relevante para o investimento, acima de 6% ao ano. Com a queda de taxas básicas no Brasil e nos EUA (neste caso, prevista, mas ainda não começou), os juros longos devem recuar, na visão do economista. Porém, ele diz, "com a percepção do mercado de incerteza fiscal, essas taxas ainda ficarão muito altas, o que vai atrapalhar a recuperação do investimento de que tanto precisamos".

O temor em relação a um cenário de menor compromisso com o ajuste fiscal, na visão de Mansueto, é a combinação de juros mais elevados, menos investimento, menos crescimento, piora em algum momento no mercado de trabalho e riscos maiores para trazer a inflação para a meta.

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Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considera que a antecipação do gasto extra desmoraliza o arcabouço fiscal e sinaliza uma preferência clara do governo por aumentar gastos - agora, em particular, com a motivação adicional do ano eleitoral.

"Não é ilegal, mas é imoral, ainda mais por vir na forma de um 'jabuti', e confirma a preferência revelada do governo, junto com o Congresso, de sempre aumentar gastos", diz o analista.

Barros vê um divórcio total entre esses últimos desdobramentos na seara fiscal e a agenda de "spending review" em tese tocada pelo Ministério do Planejamento de Simone Tebet. Para ele, a equipe de Tebet é muito boa, mas falta vontade política do governo como um todo para tocar essa agenda. Ele considerou muito tímidas as iniciativas  de revisões de despesa inseridas no PLDO, relativas à revisão de benefícios do INSS (pouco mais de R$ 7 bilhões ao ano) e ao Proagro (pouco mais de R$ 2 bilhões).

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Especialmente em relação ao INSS, o economista lembra que um pente fino no auxílio-doença no governo Temer rendeu economia anual de cerca de R$ 18 bilhões. Portanto, o espaço é grande em temas como aposentadoria por invalidez, pensão por morte etc., mas Barros não vê uma ação decisiva nessas pautas com Carlos Lupi como ministro da Previdência.

Aliás, Barros nota que há uma ampla agenda de redução de gasto diagnosticada e elaborada no País - para além do mencionado acima, racionalização dos programas sociais, redução de subsídios e incentivos, reforma administrativa, entre outros tópicos. O governo, porém, não dá sinais de disposição de mexer com nada disso.

Quanto à mudança de metas, o economista da Ryo Asset lembra que, desde o início, ele apontou o que chama de "inconsistências matemáticas" no plano de voo fiscal do governo, representado pelo arcabouço e pela trajetória de metas de primário. A volta da vinculação à receita das despesas de saúde e educação, o retorno da política de aumento real do salário mínimo (que indexa uma enorme parte da despesa obrigatória) e a disposição de retomar concursos e ajuste de funcionários sem tratar de reforma administrativa são ingredientes que não fecham com o projeto fiscal anunciado, na visão do analista.

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Agora, ele vê o novo arcabouço como o marco fiscal (comparado com a LRF e o teto fiscal) que deu errado em menor tempo, mesmo tendo partido de um "aumento do pé direito" do gasto de cerca de R$ 170 bilhões pela emenda constitucional da transição.

Finalmente, Barros critica premissas macroeconômicas do PLDO, como o crescimento do produto potencial de cerca de 2,5%, que se deduz das projeções de crescimento do PIB da peça legislativa. Para o economista, mesmo com as reformas dos últimos anos, o PIB potencial não deve passar da faixa de 1,5-1,8%.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/4/2024, terça-feira.

Agora parece não haver dúvida: o governo está enfiando os pés pelas mãos na política fiscal. O "jabuti" da antecipação de gasto extra de R$ 15,7 bilhões este ano (entrou de carona em projeto relativo a seguro obrigatório de DPVAT) e a mudança das metas  de primário a partir de 2025 são ruins pelo conjunto da obra e pelo timing. Neste segundo caso, exatamente quando a piora na perspectiva de afrouxamento monetário nos Estados Unidos está desvalorizando o real e elevando os juros brasileiros (em consonância com os americanos) ao longo de toda a curva.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, considera curioso que fontes tenham invocado uma "janela de oportunidade" para a antecipação do crédito suplementar, aproveitando-se o bom desempenho da arrecadação no início do ano que não deve se manter depois (pela regra anterior era preciso esperar que a melhora se confirmasse em maio).

"Se é preciso invocar uma janela, é porque ela não existe - é como alguém comprar um carro novo invocando uma 'janela de emprego' porque no dia seguinte estará desempregado", ele compara.

Em relação à mudança de metas de primário, Montero nota que tanto a nova meta de 2025 (zero, podendo chegar a déficit de 0,25% do PIB) quanto a de 2026 (0,25%, podendo chegar a zero) não levaram em conta -0,36% do PIB adicionais por conta de precatórios que o STF autorizou a excluir do resultado primário para cômputo da meta. Em termos de dinâmica da dívida, que é o que importa, porém, é claro que esses pagamentos de precatórios contam.

Para Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, "o que assusta nas mudanças das metas fiscais não são os números em si, mas a sensação que ficou de que o governo e o Congresso Nacional estão 'jogando a tolha' no desafio do ajuste fiscal".

Ele nota que o mercado e mesmo o Relatório de Projeções Fiscais (RPF) da STN preveem números piores do que a trajetória anterior das metas. No caso do RPF, isso se dá mesmo com a suposição de aprovação da MP 1.202, que busca reduzir gastos atacando a questão do PERSE (programa de incentivo ao setor de eventos), desoneração da folha de 17 setores e contribuição previdenciária dos pequenos municípios.

Aliás, as novas metas de primário ainda são melhores que as expectativas de mercado. O problema, diz Mansueto, é que, "com as metas antigas, todos tinham a sensação que o governo poderia não entregar, mas faria de tudo para se aproximar do prometido".

Mas é justamente esse sensação de comprometimento com o fiscal que entra em xeque, na visão do economista, quando o governo abre mão de R$ 12 bilhões de dividendos extraordinários (da Petrobrás), sinaliza renegociação da dívida dos Estados e o Congresso antecipa expansão de receitas de R$ 15,7 bilhões, apesar do risco de não cumprimento das metas fiscais.

É um combo propício a alimentar a narrativa de que o governo, secundado pelo Congresso, "jogou a toalha" no front fiscal.

Concretamente, pergunta-se Mansueto, o que o governo fará com as regras de crescimento da despesa obrigatória para compensar pelo menos parte da frustração de receita com que contava para este e para os próximos anos? Ele nota que, no RPF da STN, a despesa discricionária tem que ir para zero até o final da década, com ou sem aumento da carga tributária.

Mansueto observa que os dados da atividade e do emprego estão bons (o BTG projeta crescimento do PIB de 2,3% este ano), mas - é claro que com o peso da piora internacional - a Bolsa cai, o dólar dispara e, o que é pior, os juros longos sobem, com as NTN-Bs, indexadas ao IPCA, e que são a taxa relevante para o investimento, acima de 6% ao ano. Com a queda de taxas básicas no Brasil e nos EUA (neste caso, prevista, mas ainda não começou), os juros longos devem recuar, na visão do economista. Porém, ele diz, "com a percepção do mercado de incerteza fiscal, essas taxas ainda ficarão muito altas, o que vai atrapalhar a recuperação do investimento de que tanto precisamos".

O temor em relação a um cenário de menor compromisso com o ajuste fiscal, na visão de Mansueto, é a combinação de juros mais elevados, menos investimento, menos crescimento, piora em algum momento no mercado de trabalho e riscos maiores para trazer a inflação para a meta.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considera que a antecipação do gasto extra desmoraliza o arcabouço fiscal e sinaliza uma preferência clara do governo por aumentar gastos - agora, em particular, com a motivação adicional do ano eleitoral.

"Não é ilegal, mas é imoral, ainda mais por vir na forma de um 'jabuti', e confirma a preferência revelada do governo, junto com o Congresso, de sempre aumentar gastos", diz o analista.

Barros vê um divórcio total entre esses últimos desdobramentos na seara fiscal e a agenda de "spending review" em tese tocada pelo Ministério do Planejamento de Simone Tebet. Para ele, a equipe de Tebet é muito boa, mas falta vontade política do governo como um todo para tocar essa agenda. Ele considerou muito tímidas as iniciativas  de revisões de despesa inseridas no PLDO, relativas à revisão de benefícios do INSS (pouco mais de R$ 7 bilhões ao ano) e ao Proagro (pouco mais de R$ 2 bilhões).

Especialmente em relação ao INSS, o economista lembra que um pente fino no auxílio-doença no governo Temer rendeu economia anual de cerca de R$ 18 bilhões. Portanto, o espaço é grande em temas como aposentadoria por invalidez, pensão por morte etc., mas Barros não vê uma ação decisiva nessas pautas com Carlos Lupi como ministro da Previdência.

Aliás, Barros nota que há uma ampla agenda de redução de gasto diagnosticada e elaborada no País - para além do mencionado acima, racionalização dos programas sociais, redução de subsídios e incentivos, reforma administrativa, entre outros tópicos. O governo, porém, não dá sinais de disposição de mexer com nada disso.

Quanto à mudança de metas, o economista da Ryo Asset lembra que, desde o início, ele apontou o que chama de "inconsistências matemáticas" no plano de voo fiscal do governo, representado pelo arcabouço e pela trajetória de metas de primário. A volta da vinculação à receita das despesas de saúde e educação, o retorno da política de aumento real do salário mínimo (que indexa uma enorme parte da despesa obrigatória) e a disposição de retomar concursos e ajuste de funcionários sem tratar de reforma administrativa são ingredientes que não fecham com o projeto fiscal anunciado, na visão do analista.

Agora, ele vê o novo arcabouço como o marco fiscal (comparado com a LRF e o teto fiscal) que deu errado em menor tempo, mesmo tendo partido de um "aumento do pé direito" do gasto de cerca de R$ 170 bilhões pela emenda constitucional da transição.

Finalmente, Barros critica premissas macroeconômicas do PLDO, como o crescimento do produto potencial de cerca de 2,5%, que se deduz das projeções de crescimento do PIB da peça legislativa. Para o economista, mesmo com as reformas dos últimos anos, o PIB potencial não deve passar da faixa de 1,5-1,8%.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/4/2024, terça-feira.

Agora parece não haver dúvida: o governo está enfiando os pés pelas mãos na política fiscal. O "jabuti" da antecipação de gasto extra de R$ 15,7 bilhões este ano (entrou de carona em projeto relativo a seguro obrigatório de DPVAT) e a mudança das metas  de primário a partir de 2025 são ruins pelo conjunto da obra e pelo timing. Neste segundo caso, exatamente quando a piora na perspectiva de afrouxamento monetário nos Estados Unidos está desvalorizando o real e elevando os juros brasileiros (em consonância com os americanos) ao longo de toda a curva.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, considera curioso que fontes tenham invocado uma "janela de oportunidade" para a antecipação do crédito suplementar, aproveitando-se o bom desempenho da arrecadação no início do ano que não deve se manter depois (pela regra anterior era preciso esperar que a melhora se confirmasse em maio).

"Se é preciso invocar uma janela, é porque ela não existe - é como alguém comprar um carro novo invocando uma 'janela de emprego' porque no dia seguinte estará desempregado", ele compara.

Em relação à mudança de metas de primário, Montero nota que tanto a nova meta de 2025 (zero, podendo chegar a déficit de 0,25% do PIB) quanto a de 2026 (0,25%, podendo chegar a zero) não levaram em conta -0,36% do PIB adicionais por conta de precatórios que o STF autorizou a excluir do resultado primário para cômputo da meta. Em termos de dinâmica da dívida, que é o que importa, porém, é claro que esses pagamentos de precatórios contam.

Para Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, "o que assusta nas mudanças das metas fiscais não são os números em si, mas a sensação que ficou de que o governo e o Congresso Nacional estão 'jogando a tolha' no desafio do ajuste fiscal".

Ele nota que o mercado e mesmo o Relatório de Projeções Fiscais (RPF) da STN preveem números piores do que a trajetória anterior das metas. No caso do RPF, isso se dá mesmo com a suposição de aprovação da MP 1.202, que busca reduzir gastos atacando a questão do PERSE (programa de incentivo ao setor de eventos), desoneração da folha de 17 setores e contribuição previdenciária dos pequenos municípios.

Aliás, as novas metas de primário ainda são melhores que as expectativas de mercado. O problema, diz Mansueto, é que, "com as metas antigas, todos tinham a sensação que o governo poderia não entregar, mas faria de tudo para se aproximar do prometido".

Mas é justamente esse sensação de comprometimento com o fiscal que entra em xeque, na visão do economista, quando o governo abre mão de R$ 12 bilhões de dividendos extraordinários (da Petrobrás), sinaliza renegociação da dívida dos Estados e o Congresso antecipa expansão de receitas de R$ 15,7 bilhões, apesar do risco de não cumprimento das metas fiscais.

É um combo propício a alimentar a narrativa de que o governo, secundado pelo Congresso, "jogou a toalha" no front fiscal.

Concretamente, pergunta-se Mansueto, o que o governo fará com as regras de crescimento da despesa obrigatória para compensar pelo menos parte da frustração de receita com que contava para este e para os próximos anos? Ele nota que, no RPF da STN, a despesa discricionária tem que ir para zero até o final da década, com ou sem aumento da carga tributária.

Mansueto observa que os dados da atividade e do emprego estão bons (o BTG projeta crescimento do PIB de 2,3% este ano), mas - é claro que com o peso da piora internacional - a Bolsa cai, o dólar dispara e, o que é pior, os juros longos sobem, com as NTN-Bs, indexadas ao IPCA, e que são a taxa relevante para o investimento, acima de 6% ao ano. Com a queda de taxas básicas no Brasil e nos EUA (neste caso, prevista, mas ainda não começou), os juros longos devem recuar, na visão do economista. Porém, ele diz, "com a percepção do mercado de incerteza fiscal, essas taxas ainda ficarão muito altas, o que vai atrapalhar a recuperação do investimento de que tanto precisamos".

O temor em relação a um cenário de menor compromisso com o ajuste fiscal, na visão de Mansueto, é a combinação de juros mais elevados, menos investimento, menos crescimento, piora em algum momento no mercado de trabalho e riscos maiores para trazer a inflação para a meta.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considera que a antecipação do gasto extra desmoraliza o arcabouço fiscal e sinaliza uma preferência clara do governo por aumentar gastos - agora, em particular, com a motivação adicional do ano eleitoral.

"Não é ilegal, mas é imoral, ainda mais por vir na forma de um 'jabuti', e confirma a preferência revelada do governo, junto com o Congresso, de sempre aumentar gastos", diz o analista.

Barros vê um divórcio total entre esses últimos desdobramentos na seara fiscal e a agenda de "spending review" em tese tocada pelo Ministério do Planejamento de Simone Tebet. Para ele, a equipe de Tebet é muito boa, mas falta vontade política do governo como um todo para tocar essa agenda. Ele considerou muito tímidas as iniciativas  de revisões de despesa inseridas no PLDO, relativas à revisão de benefícios do INSS (pouco mais de R$ 7 bilhões ao ano) e ao Proagro (pouco mais de R$ 2 bilhões).

Especialmente em relação ao INSS, o economista lembra que um pente fino no auxílio-doença no governo Temer rendeu economia anual de cerca de R$ 18 bilhões. Portanto, o espaço é grande em temas como aposentadoria por invalidez, pensão por morte etc., mas Barros não vê uma ação decisiva nessas pautas com Carlos Lupi como ministro da Previdência.

Aliás, Barros nota que há uma ampla agenda de redução de gasto diagnosticada e elaborada no País - para além do mencionado acima, racionalização dos programas sociais, redução de subsídios e incentivos, reforma administrativa, entre outros tópicos. O governo, porém, não dá sinais de disposição de mexer com nada disso.

Quanto à mudança de metas, o economista da Ryo Asset lembra que, desde o início, ele apontou o que chama de "inconsistências matemáticas" no plano de voo fiscal do governo, representado pelo arcabouço e pela trajetória de metas de primário. A volta da vinculação à receita das despesas de saúde e educação, o retorno da política de aumento real do salário mínimo (que indexa uma enorme parte da despesa obrigatória) e a disposição de retomar concursos e ajuste de funcionários sem tratar de reforma administrativa são ingredientes que não fecham com o projeto fiscal anunciado, na visão do analista.

Agora, ele vê o novo arcabouço como o marco fiscal (comparado com a LRF e o teto fiscal) que deu errado em menor tempo, mesmo tendo partido de um "aumento do pé direito" do gasto de cerca de R$ 170 bilhões pela emenda constitucional da transição.

Finalmente, Barros critica premissas macroeconômicas do PLDO, como o crescimento do produto potencial de cerca de 2,5%, que se deduz das projeções de crescimento do PIB da peça legislativa. Para o economista, mesmo com as reformas dos últimos anos, o PIB potencial não deve passar da faixa de 1,5-1,8%.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/4/2024, terça-feira.

Agora parece não haver dúvida: o governo está enfiando os pés pelas mãos na política fiscal. O "jabuti" da antecipação de gasto extra de R$ 15,7 bilhões este ano (entrou de carona em projeto relativo a seguro obrigatório de DPVAT) e a mudança das metas  de primário a partir de 2025 são ruins pelo conjunto da obra e pelo timing. Neste segundo caso, exatamente quando a piora na perspectiva de afrouxamento monetário nos Estados Unidos está desvalorizando o real e elevando os juros brasileiros (em consonância com os americanos) ao longo de toda a curva.

Fernando Montero, economista-chefe da Tullet Prebon Brasil, considera curioso que fontes tenham invocado uma "janela de oportunidade" para a antecipação do crédito suplementar, aproveitando-se o bom desempenho da arrecadação no início do ano que não deve se manter depois (pela regra anterior era preciso esperar que a melhora se confirmasse em maio).

"Se é preciso invocar uma janela, é porque ela não existe - é como alguém comprar um carro novo invocando uma 'janela de emprego' porque no dia seguinte estará desempregado", ele compara.

Em relação à mudança de metas de primário, Montero nota que tanto a nova meta de 2025 (zero, podendo chegar a déficit de 0,25% do PIB) quanto a de 2026 (0,25%, podendo chegar a zero) não levaram em conta -0,36% do PIB adicionais por conta de precatórios que o STF autorizou a excluir do resultado primário para cômputo da meta. Em termos de dinâmica da dívida, que é o que importa, porém, é claro que esses pagamentos de precatórios contam.

Para Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, "o que assusta nas mudanças das metas fiscais não são os números em si, mas a sensação que ficou de que o governo e o Congresso Nacional estão 'jogando a tolha' no desafio do ajuste fiscal".

Ele nota que o mercado e mesmo o Relatório de Projeções Fiscais (RPF) da STN preveem números piores do que a trajetória anterior das metas. No caso do RPF, isso se dá mesmo com a suposição de aprovação da MP 1.202, que busca reduzir gastos atacando a questão do PERSE (programa de incentivo ao setor de eventos), desoneração da folha de 17 setores e contribuição previdenciária dos pequenos municípios.

Aliás, as novas metas de primário ainda são melhores que as expectativas de mercado. O problema, diz Mansueto, é que, "com as metas antigas, todos tinham a sensação que o governo poderia não entregar, mas faria de tudo para se aproximar do prometido".

Mas é justamente esse sensação de comprometimento com o fiscal que entra em xeque, na visão do economista, quando o governo abre mão de R$ 12 bilhões de dividendos extraordinários (da Petrobrás), sinaliza renegociação da dívida dos Estados e o Congresso antecipa expansão de receitas de R$ 15,7 bilhões, apesar do risco de não cumprimento das metas fiscais.

É um combo propício a alimentar a narrativa de que o governo, secundado pelo Congresso, "jogou a toalha" no front fiscal.

Concretamente, pergunta-se Mansueto, o que o governo fará com as regras de crescimento da despesa obrigatória para compensar pelo menos parte da frustração de receita com que contava para este e para os próximos anos? Ele nota que, no RPF da STN, a despesa discricionária tem que ir para zero até o final da década, com ou sem aumento da carga tributária.

Mansueto observa que os dados da atividade e do emprego estão bons (o BTG projeta crescimento do PIB de 2,3% este ano), mas - é claro que com o peso da piora internacional - a Bolsa cai, o dólar dispara e, o que é pior, os juros longos sobem, com as NTN-Bs, indexadas ao IPCA, e que são a taxa relevante para o investimento, acima de 6% ao ano. Com a queda de taxas básicas no Brasil e nos EUA (neste caso, prevista, mas ainda não começou), os juros longos devem recuar, na visão do economista. Porém, ele diz, "com a percepção do mercado de incerteza fiscal, essas taxas ainda ficarão muito altas, o que vai atrapalhar a recuperação do investimento de que tanto precisamos".

O temor em relação a um cenário de menor compromisso com o ajuste fiscal, na visão de Mansueto, é a combinação de juros mais elevados, menos investimento, menos crescimento, piora em algum momento no mercado de trabalho e riscos maiores para trazer a inflação para a meta.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset, considera que a antecipação do gasto extra desmoraliza o arcabouço fiscal e sinaliza uma preferência clara do governo por aumentar gastos - agora, em particular, com a motivação adicional do ano eleitoral.

"Não é ilegal, mas é imoral, ainda mais por vir na forma de um 'jabuti', e confirma a preferência revelada do governo, junto com o Congresso, de sempre aumentar gastos", diz o analista.

Barros vê um divórcio total entre esses últimos desdobramentos na seara fiscal e a agenda de "spending review" em tese tocada pelo Ministério do Planejamento de Simone Tebet. Para ele, a equipe de Tebet é muito boa, mas falta vontade política do governo como um todo para tocar essa agenda. Ele considerou muito tímidas as iniciativas  de revisões de despesa inseridas no PLDO, relativas à revisão de benefícios do INSS (pouco mais de R$ 7 bilhões ao ano) e ao Proagro (pouco mais de R$ 2 bilhões).

Especialmente em relação ao INSS, o economista lembra que um pente fino no auxílio-doença no governo Temer rendeu economia anual de cerca de R$ 18 bilhões. Portanto, o espaço é grande em temas como aposentadoria por invalidez, pensão por morte etc., mas Barros não vê uma ação decisiva nessas pautas com Carlos Lupi como ministro da Previdência.

Aliás, Barros nota que há uma ampla agenda de redução de gasto diagnosticada e elaborada no País - para além do mencionado acima, racionalização dos programas sociais, redução de subsídios e incentivos, reforma administrativa, entre outros tópicos. O governo, porém, não dá sinais de disposição de mexer com nada disso.

Quanto à mudança de metas, o economista da Ryo Asset lembra que, desde o início, ele apontou o que chama de "inconsistências matemáticas" no plano de voo fiscal do governo, representado pelo arcabouço e pela trajetória de metas de primário. A volta da vinculação à receita das despesas de saúde e educação, o retorno da política de aumento real do salário mínimo (que indexa uma enorme parte da despesa obrigatória) e a disposição de retomar concursos e ajuste de funcionários sem tratar de reforma administrativa são ingredientes que não fecham com o projeto fiscal anunciado, na visão do analista.

Agora, ele vê o novo arcabouço como o marco fiscal (comparado com a LRF e o teto fiscal) que deu errado em menor tempo, mesmo tendo partido de um "aumento do pé direito" do gasto de cerca de R$ 170 bilhões pela emenda constitucional da transição.

Finalmente, Barros critica premissas macroeconômicas do PLDO, como o crescimento do produto potencial de cerca de 2,5%, que se deduz das projeções de crescimento do PIB da peça legislativa. Para o economista, mesmo com as reformas dos últimos anos, o PIB potencial não deve passar da faixa de 1,5-1,8%.

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