Economia e políticas públicas

Opinião|A contrarreforma do salário mínimo


Nova regra do salário mínimo é, na verdade, uma volta ao que prevaleceu de 2007-2019. Embora tenha sido implantada à época até para tentar conter escalada dos aumentos reais do mínimo, essa regra ainda assim contribuiu para explosão de gastos sociais e previdenciários.

Por Fernando Dantas

A sanção na segunda-feira, 28/8, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da nova política de valorização do salário mínimo, pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes, é negativa para as perspectivas fiscais de médio e longo prazo.

Na verdade, a nova política não é novidade, e já esteve em vigor de 2007 a 2019. Com a recessão de 2015-16 e o baixo crescimento do PIB de 2017-19, o efeito explosivo da regra nas contas públicas foi bastante atenuado. De 2020 a 2023, sem a regra, o mínimo aproximadamente acompanhou a inflação.

Segundo as projeções de Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, cada R$ 1 de aumento de salário mínimo cria uma despesa pública adicional de R$ 400 milhões. O custo da nova política de 2024 a 2026 seria de R$ 36 bilhões, com R$ 16,1 bilhões em 2024, R$ 12,6 bilhões em 2025 e R$ 7,3 bilhões em 2026.

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O custo fiscal do salário mínimo vem do fato de que ele é indexador ou parâmetro para vários benefícios sociais e previdenciários. Barros nota que aproximadamente 60% dos benefícios do INSS correspondem a um salário mínimo, assim como 100% do abono salarial e do BPC (programa para pobres idosos e deficientes), e 50% do seguro desemprego.

"O governo contratou um aumento real dessa despesa até o final do mandato, e vai ter que arrumar fontes para custear", diz o analista, que vê inúmeros problemas à frente na política fiscal do governo Lula.

O economista Fabio Giambiagi, pesquisador-associado do IBRE-FGV, tem uma visão particularmente pessimista sobre a regra do salário mínimo.

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Ele lembra que o custo fiscal é cumulativo, porque os aumentos reais da nova regra vêm em cima de aumentos reais prévios da mesma regra. Se a comparação for feita com um contrafactual em que se supõe que a regra não existe e o mínimo só é corrigido pela inflação, e supondo um crescimento médio anual do PIB de 2%, o adicional de gasto público vai acumulando dezenas e, em seguida, centenas de bilhões de reais quando se pensa no médio e longo prazo.

Dessa forma, para Giambiagi, a nova regra do salário mínimo é efetivamente uma "contrarreforma da Previdência", que não vai anular todo o efeito fiscal da reforma de 2019, mas tende a anular um pedaço relevante dele.

O economista acrescenta que o País vive um período - que não será permanente - de certo alívio no fluxo de gastos com a Previdência justamente por efeitos da reforma de 2019. Por exemplo, o aumento da idade de aposentadoria da mulheres (que gradualmente subiu para 62) e o efeito da adoção da regra de transição nas aposentadorias por tempo de contribuição fazem com que pessoas tenham que esperar mais para se aposentar enquanto dura a transição. Porém, quando ela termina, o ritmo de novas aposentadorias volta a uma tendência normal.

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"Esse é o momento em que o Brasil deveria aproveitar para reduzir o gasto previdenciário como proporção do PIB, já que o numerador cresceu pouco desde 2019, mas com essa nova regra do salário mínimo vamos fazer justamente o contrário", aponta Giambiagi.

Tudo isso, acrescenta, sem falar do desafio demográfico à frente, com o envelhecimento da população, e do fato de que o aumento do salário mínimo é uma política social, na sua opinião, de péssima qualidade, que afeta apenas cerca de três em cada 100 brasileiros entre os 20% mais pobres.

"É um desastre absoluto", critica o pesquisador.

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De forma provocativa, Giambiagi diz que  a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos, do Ministério do Planejamento, deveria avaliar a regra de aumento real do salário mínimo como política social (levando em conta benefícios e custos, é claro).

Ele vê uma "incompatibilidade intrínseca" no conjunto de políticas atuais do PT. Em 2024, por regras especiais que acabaram entrando no arcabouço, o mecanismo de controle de gastos não provocará aperto. Mas em 2025 e 2026, ele prevê que haverá sérios problemas, com as despesas discricionárias apertadas pelo aumento maciço da despesa previdenciária.

"Acho líquido e certo que o PT vai fazer campanha contra o arcabouço em 2026, pode anotar", conclui Giambiagi.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/8/2023, terça-feira.

A sanção na segunda-feira, 28/8, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da nova política de valorização do salário mínimo, pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes, é negativa para as perspectivas fiscais de médio e longo prazo.

Na verdade, a nova política não é novidade, e já esteve em vigor de 2007 a 2019. Com a recessão de 2015-16 e o baixo crescimento do PIB de 2017-19, o efeito explosivo da regra nas contas públicas foi bastante atenuado. De 2020 a 2023, sem a regra, o mínimo aproximadamente acompanhou a inflação.

Segundo as projeções de Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, cada R$ 1 de aumento de salário mínimo cria uma despesa pública adicional de R$ 400 milhões. O custo da nova política de 2024 a 2026 seria de R$ 36 bilhões, com R$ 16,1 bilhões em 2024, R$ 12,6 bilhões em 2025 e R$ 7,3 bilhões em 2026.

O custo fiscal do salário mínimo vem do fato de que ele é indexador ou parâmetro para vários benefícios sociais e previdenciários. Barros nota que aproximadamente 60% dos benefícios do INSS correspondem a um salário mínimo, assim como 100% do abono salarial e do BPC (programa para pobres idosos e deficientes), e 50% do seguro desemprego.

"O governo contratou um aumento real dessa despesa até o final do mandato, e vai ter que arrumar fontes para custear", diz o analista, que vê inúmeros problemas à frente na política fiscal do governo Lula.

O economista Fabio Giambiagi, pesquisador-associado do IBRE-FGV, tem uma visão particularmente pessimista sobre a regra do salário mínimo.

Ele lembra que o custo fiscal é cumulativo, porque os aumentos reais da nova regra vêm em cima de aumentos reais prévios da mesma regra. Se a comparação for feita com um contrafactual em que se supõe que a regra não existe e o mínimo só é corrigido pela inflação, e supondo um crescimento médio anual do PIB de 2%, o adicional de gasto público vai acumulando dezenas e, em seguida, centenas de bilhões de reais quando se pensa no médio e longo prazo.

Dessa forma, para Giambiagi, a nova regra do salário mínimo é efetivamente uma "contrarreforma da Previdência", que não vai anular todo o efeito fiscal da reforma de 2019, mas tende a anular um pedaço relevante dele.

O economista acrescenta que o País vive um período - que não será permanente - de certo alívio no fluxo de gastos com a Previdência justamente por efeitos da reforma de 2019. Por exemplo, o aumento da idade de aposentadoria da mulheres (que gradualmente subiu para 62) e o efeito da adoção da regra de transição nas aposentadorias por tempo de contribuição fazem com que pessoas tenham que esperar mais para se aposentar enquanto dura a transição. Porém, quando ela termina, o ritmo de novas aposentadorias volta a uma tendência normal.

"Esse é o momento em que o Brasil deveria aproveitar para reduzir o gasto previdenciário como proporção do PIB, já que o numerador cresceu pouco desde 2019, mas com essa nova regra do salário mínimo vamos fazer justamente o contrário", aponta Giambiagi.

Tudo isso, acrescenta, sem falar do desafio demográfico à frente, com o envelhecimento da população, e do fato de que o aumento do salário mínimo é uma política social, na sua opinião, de péssima qualidade, que afeta apenas cerca de três em cada 100 brasileiros entre os 20% mais pobres.

"É um desastre absoluto", critica o pesquisador.

De forma provocativa, Giambiagi diz que  a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos, do Ministério do Planejamento, deveria avaliar a regra de aumento real do salário mínimo como política social (levando em conta benefícios e custos, é claro).

Ele vê uma "incompatibilidade intrínseca" no conjunto de políticas atuais do PT. Em 2024, por regras especiais que acabaram entrando no arcabouço, o mecanismo de controle de gastos não provocará aperto. Mas em 2025 e 2026, ele prevê que haverá sérios problemas, com as despesas discricionárias apertadas pelo aumento maciço da despesa previdenciária.

"Acho líquido e certo que o PT vai fazer campanha contra o arcabouço em 2026, pode anotar", conclui Giambiagi.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/8/2023, terça-feira.

A sanção na segunda-feira, 28/8, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da nova política de valorização do salário mínimo, pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes, é negativa para as perspectivas fiscais de médio e longo prazo.

Na verdade, a nova política não é novidade, e já esteve em vigor de 2007 a 2019. Com a recessão de 2015-16 e o baixo crescimento do PIB de 2017-19, o efeito explosivo da regra nas contas públicas foi bastante atenuado. De 2020 a 2023, sem a regra, o mínimo aproximadamente acompanhou a inflação.

Segundo as projeções de Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, cada R$ 1 de aumento de salário mínimo cria uma despesa pública adicional de R$ 400 milhões. O custo da nova política de 2024 a 2026 seria de R$ 36 bilhões, com R$ 16,1 bilhões em 2024, R$ 12,6 bilhões em 2025 e R$ 7,3 bilhões em 2026.

O custo fiscal do salário mínimo vem do fato de que ele é indexador ou parâmetro para vários benefícios sociais e previdenciários. Barros nota que aproximadamente 60% dos benefícios do INSS correspondem a um salário mínimo, assim como 100% do abono salarial e do BPC (programa para pobres idosos e deficientes), e 50% do seguro desemprego.

"O governo contratou um aumento real dessa despesa até o final do mandato, e vai ter que arrumar fontes para custear", diz o analista, que vê inúmeros problemas à frente na política fiscal do governo Lula.

O economista Fabio Giambiagi, pesquisador-associado do IBRE-FGV, tem uma visão particularmente pessimista sobre a regra do salário mínimo.

Ele lembra que o custo fiscal é cumulativo, porque os aumentos reais da nova regra vêm em cima de aumentos reais prévios da mesma regra. Se a comparação for feita com um contrafactual em que se supõe que a regra não existe e o mínimo só é corrigido pela inflação, e supondo um crescimento médio anual do PIB de 2%, o adicional de gasto público vai acumulando dezenas e, em seguida, centenas de bilhões de reais quando se pensa no médio e longo prazo.

Dessa forma, para Giambiagi, a nova regra do salário mínimo é efetivamente uma "contrarreforma da Previdência", que não vai anular todo o efeito fiscal da reforma de 2019, mas tende a anular um pedaço relevante dele.

O economista acrescenta que o País vive um período - que não será permanente - de certo alívio no fluxo de gastos com a Previdência justamente por efeitos da reforma de 2019. Por exemplo, o aumento da idade de aposentadoria da mulheres (que gradualmente subiu para 62) e o efeito da adoção da regra de transição nas aposentadorias por tempo de contribuição fazem com que pessoas tenham que esperar mais para se aposentar enquanto dura a transição. Porém, quando ela termina, o ritmo de novas aposentadorias volta a uma tendência normal.

"Esse é o momento em que o Brasil deveria aproveitar para reduzir o gasto previdenciário como proporção do PIB, já que o numerador cresceu pouco desde 2019, mas com essa nova regra do salário mínimo vamos fazer justamente o contrário", aponta Giambiagi.

Tudo isso, acrescenta, sem falar do desafio demográfico à frente, com o envelhecimento da população, e do fato de que o aumento do salário mínimo é uma política social, na sua opinião, de péssima qualidade, que afeta apenas cerca de três em cada 100 brasileiros entre os 20% mais pobres.

"É um desastre absoluto", critica o pesquisador.

De forma provocativa, Giambiagi diz que  a Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos, do Ministério do Planejamento, deveria avaliar a regra de aumento real do salário mínimo como política social (levando em conta benefícios e custos, é claro).

Ele vê uma "incompatibilidade intrínseca" no conjunto de políticas atuais do PT. Em 2024, por regras especiais que acabaram entrando no arcabouço, o mecanismo de controle de gastos não provocará aperto. Mas em 2025 e 2026, ele prevê que haverá sérios problemas, com as despesas discricionárias apertadas pelo aumento maciço da despesa previdenciária.

"Acho líquido e certo que o PT vai fazer campanha contra o arcabouço em 2026, pode anotar", conclui Giambiagi.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 29/8/2023, terça-feira.

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